Em caso de revogação unilateral e antecipada do mandato (na modalidade de contrato de prestação de serviços), para fazer jus a uma indemnização por lucros cessantes, que resultam da diferença entre o que deixou de auferir em virtude da revogação e o que auferiu na realidade depois dela, o mandatário tem de fazer prova dessa sua situação real depois da revogação, não podendo, se não o fizer, atribuir-se-lhe qualquer indemnização segundo a equidade.
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:
*
AA intentou contra VESAUTO - AUTOMÓVEIS E REPARAÇÕES, S.A. açcão em que pediu que a Ré fosse condenada a pagar-lhe, a título de indemnização, o montante de 48.000,00 €, acrescido de juros desde a citação até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviços pelo qual se obrigou a realizar serviços de vigilância, com termo em 31 de Dezembro de 2022, no total de 22 meses. Não obstante, em 15 de Julho de 2021, a Ré informou-o de que apenas pretendia os seus serviços até 31 de Agosto de 2021, sofrendo, assim, o A., com a resolução do contrato, um prejuízo no montante líquido de 48.000,00€ , correspondente ao remanescente do preço estipulado no contrato.
A Ré contestou.
Após julgamento, foi proferida a sentença recorrida que concluiu assim:
"Nos termos e fundamentos expostos, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a R. VESAUTO - AUTOMÓVEIS E REPARAÇÕES, SA do pedido formulado pelo A. AA.
Custas a cargo do A..
Notifique e registe."
Não se conformou o autor que da sentença interpôs recurso de apelação, o qual foi também julgado improcedente.
O acórdão da Relação conheceu de duas questões suscitadas pelo apelante: a da impugnação da decisão de facto; e a da saber de se ao Autor assistia o direito a ser indemnizado pela Ré devido à "revogação antecipada" e sem justa causa do contrato que celebraram e, na afirmativa, qual o valor da indemnização devida, sustentando o apelante que tinha direito a lucros cessantes correspondentes ao valor que tinha deixado de receber por força do contrato se este não tivesse sido revogado.
A impugnação de facto foi julgada apenas parcialmente procedente.
Assim, ao facto dado como provado de que “O acordo referido em 2. regulava-se pelas cláusulas constantes do "Caderno de Encargos Serviço de Vigilância - Rondas Grupo JAP 2021/2022", cujo teor não se apurou” a Relação eliminou a parte final, isto é, a parte onde se escreve "cujo teor não se apurou".
Em relação à segunda questão, verifica-se que a Relação confirmou a sentença.
Assim, entendendo que a quantificação da indemnização por lucros cessantes devia equivaler à diferença entre a situação patrimonial que existia se o contrato tivesse sido integralmente executado e aquela que resultou da diferença e que, por isso, a indemnização não se resumia às retribuições que o A. tinha deixado de auferir, a Relação ponderou que: “Ante os (escassos) factos alegados e provados, não podemos considerar que, por causa da cessação antecipada do contrato, se verificou uma situação danosa para o Autor, sofrendo um efetivo prejuízo, por não ter podido (ou muito provavelmente não vir a poder) auferir um nível rendimentos que atingisse o patamar expetável, isto é, o nível da remuneração que, em termos globais - descontando também as suas despesas - iria obter se o contrato tivesse vigorado pelo prazo previsto.”
Também a sentença tinha entendido que o lucro cessante não correspondia às retribuições que o A. tinha deixado de auferir mas antes aos rendimentos que tinha deixado de auferir calculados de acordo com a teoria da diferença (com dedução de despesas e de receitas obtidas a partir da revogação). E, por isso, concluiu também: ”não tendo sido alegados nem demonstrados prejuízos concretos deve a ré ser absolvida do pedido formulado pelo A. “
Não se conformou, de novo, o autor com o acórdão da Relação tendo dele interposto recurso de revista, sem menção de quaisquer disposições legais no que se refere ao fundamento do recurso.
Rematou o recurso com as seguintes conclusões:
“I. O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa contraria o disposto nos artigos 406.º, 564.º e 798.º do Código Civil, bem como a posição da Doutrina e da Jurisprudência nele citadas, fazendo uma interpretação e aplicação contrária ao sentido dos acórdãos nele citados;
II. Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de que aqui se recorre, em suma, que a responsabilidade civil, seja contratual, seja extracontratual, não dispensa nunca o pressuposto da existência de dano, sem a qual não há obrigação de indemnizar, e que, no caso em apreço, não se pode considerar que, por causa da cessação antecipada do contrato, se verificou uma situação danosaparao aqui Recorrente, porque, segundo o entendimento desse Tribunal, o mesmo Recorrente não provou que o contrato que celebrou com a Recorrida fosse em regime de exclusividade, fundamentando a sua decisão, quanto à matéria de direito, nos seguintes acórdãos:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2015,proferido no âmbito do processo n.º 4747/07.2TVLSB.L1.S1;
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-11-2020, proferido no âmbito do processo n.º 10608/19.5T8PRT.P1;
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2021, no âmbito do processo n.º 181113/10.6YIPRT.E1; e
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2010, proferido no âmbito do processo n.º 872/06.5TVPRT.P1;
III. A Jurisprudência citada não vai no mesmo sentido da conclusão tecida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Douto Acórdão de que qui se recorre, impondo-se decisão diferente;
IV. In casu, estamos perante um contrato de prestação de serviços, cuja definição se encontra no artigo 1154.º do Código Civil;
V. Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do processo n.º 926/10.3TVPRT.C1, em 18-11-2014,disponível para consulta em www.dgsi.pt, o contrato por via do qual alguém se obrigaa prestar a outrem determinados serviços (no caso concreto deste acórdão, serviços de arquitectura), mediante retribuição, e do qual não resulta para o prestador dos serviços qualquer outro interesse que não seja o de receber a retribuição, é um contrato de prestação de serviços que, por força do disposto no artigos 1156.º e 1170.º do código Civil é livremente revogável por qualquer das partes, independentemente da existência de justa causa;
VI. Entenderam os Venerandos Desembargadores naquele acórdão, todavia, que, não obstante a sua livre revogabilidade, estando em causa um contrato oneroso que tem como objecto a prestação de determinados serviços, a sua revogação unilateral por parte do contraente a quem se destinam os serviços implica, em princípio, a obrigação de indemnizar a outra parte pelos prejuízos decorrentes da cessação antecipada do contrato;
VII. Segundo o referido acórdão, não haverá, porém, lugar a qualquer indemnização quando exista justa causa para a revogação do contrato e desde que essa justa causa se reconduza a qualquer facto ou circunstância que seja imputável à contraparte;
VIII. A justa causa, enquanto pressuposto da faculdade de revogar o contrato (como acontece na situação previstas artigo 1170.º,n.º2, do Código Civil), há-de corresponder a qualquer facto, situação ou circunstância que torne inexigível, de acordo com as regras da boa-fé, a manutenção da relação contratual e que poderá ser ou não imputável à contraparte;
IX. Todavia, enquanto factor de exclusão da obrigação de indemnizar a cargo da parte que revoga o contrato, apenas releva a justa causa que se reconduza a um comportamento ou actuação da contraparte, de forma a que possa afirmar-se que a revogação do contrato decorreu de uma determinada actuação da contraparte que, segundo as regras da boa-fé, tornava inexigível para a parte revogante a manutenção da relação contratual;
X. No caso em apreço nos presentes autos, o contrato foi revogado pela Ré sem justa causa;
XI. Daquiresultaque,incasu,apesar dalivrerevogabilidade do contrato pela Recorrida, a mesma teria sempre que indemnizar o Recorrente, uma vez que a revogação não assenta em motivo que constitua justa causa;
XII. Aqui chegados, conclui-se que o Recorrente tem direito a ser indemnizado pela Recorrida, pela revogação antecipada do contrato;
Vejamos então em que moldes:
XIII. Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 19-02-2019, no âmbito do processo n.º 13908/17.5T8LSB.L1-7, disponível para consulta em www.dgsi.pt, “assiste ao prestador de serviços direito a uma indemnização pelos lucros cessantes, respeitantes ao período em que o contrato vigoraria não fosse a revogação unilateral (imprópria), consubstanciados na diferença entre o que o prestador teria recebido no período ainda previsto para a duração do contrato, deduzido do que tenha ganho por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, designadamente das despesas que faria na execução do contrato até ao seu termo”;
XIV. Sucumbindo factualidade suficiente para calcular os lucros cessantes em tais termos, há que fixar a indemnização segundo a equidade (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil);
XV. De tal Acórdão não resulta que a obrigação de indemnizar pelos lucros cessantes esteja dependente da verificação de qualquer dano que não seja o próprio lucro cessante, que será o valor que o prestador teria recebido no período ainda previsto para a duração do contrato, que, no caso em apreço, são os €48.000,00 (quarenta e oito mil euros) reclamados, que resultam da diferença entre o que o Recorrente recebeu pela prestação dos serviços e aquilo que teria recebido no período ainda previsto para a duração completa do contrato;
XVI. Esse valor, que consubstancia o lucro cessante, resulta do próprio contrato e das condições negociadas e aceites pelas partes, e que não foram postas em crise nos presentes autos;
XVII. Estádevidamentealegada, fundamentada e demonstrada, nos autos, pelo Recorrente, a dimensão do dano, neste caso, do lucro cessante, baseada, precisamente, na teoria da diferença;
XVIII. O Recorrente deu cumprimento ao artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, mormente nos artigos 15.º, 44.º, 49.º e 55.º da Petição Inicial, alegando, demonstrando, justificando e comprovando a existência do seu direito a ser indemnizado, do prejuízo por si sofrido e da concreta dimensão do mesmo, indicando o valor do lucro cessante – o lucro que deixou de auferir, no valor de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros);
XIX.O Autor, aqui Recorrente, deu cumprimento ao ónus de alegar os pressupostos do seu direito à indemnização, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegando os factos que integram o prejuízo;
XX. Nesse sentido vide também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 14-07-2021, no âmbito do processo n.º 181113/10.6YIPRT.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de19-11-2020, proferido no âmbito do processo n.º 10608/19.5T8PRT.P1, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt;
XXI. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2010, proferido no âmbito do processo n.º872/06.5TVPRT.P1, citado pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Douto Acórdão recorrendo, vai no mesmo sentido, e, com todo o devido respeito, não foi devidamente interpretado pelo Tribunal da Relação de Lisboa;
XXII. Naquele caso concreto, e contrariamente ao que sucedeu no caso dos presentes autos, a Autora não deu cumprimento ao ónus de alegar os pressupostos do seu direitoàindemnização, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, não alegando os factos que integram o prejuízo, limitando-se a pedir o pagamento de determinada quantia a título de indemnização por danos patrimoniais;
XXIII. O Tribunal da Relação de Lisboa, no caso em discussão nos presentes autos, partiu da interpretação (incorrecta, a nosso ver) daquele acórdão, para concluir que só existiria lucro cessante se o Recorrente tivesse provado que o contrato celebrado com a Recorrida era em regime de exclusividade e que ficou impedido de celebrar outros contratos com outras entidades;
XXIV. Daquele acórdão, e dos demais acórdãos citados pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão recorrido, não resulta tal interpretação, de dependência (ou não dependência) da verificação de lucro cessante de um regime de exclusividade na prestação contratual;
XXV. No mesmo sentido vai também a posição do Supremo Tribunal de Justiça, materializada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 05-02-2015, no âmbito do processo n.º 4747/07.2TVLSB.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que estabelece que a revogação unilateral de um contrato de prestação de serviços oneroso pela parte solicitante constitui-a na obrigação de indemnizar o prestador dos serviços pelos danos provocados, abarcando tanto os danos emergentes como os lucros cessantes(artigo1172.º,alíneac),exviartigo1156.ºdoCódigoCivil);
XXVI. Segundo o mesmo, a quantificação dos lucros cessantes em função das receitas projectadas para o período contratual em falta satisfaz os requisitos da probabilidade e da previsibilidade do dano a que se reportam os artigos 563.º e 564.º, n.º 2, do Código Civil;
XXVII. Também desse Acórdão não resulta que a obrigação de indemnizar pelos lucros cessantes esteja dependente da verificação de qualquer dano que não seja o próprio lucro cessante;
XXVIII. Contrariamente à posição assumida pelo Acórdão de que aqui se recorre, esse Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não afasta a obrigação de indemnizar os lucros cessantes nas situações em que o lesado ficou disponível para realizar outras actividades, por conta própria ou de outrem;
XXIX. Nenhum acórdão faz depender a obrigação de indemnizar pelos lucros cessantes da existência ou não existência de um regime de exclusividade na prestação da parte lesada, nem da existência de qualquer outro dano que não o próprio lucro cessante, contrariamente ao que entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa no Douto Acórdão de que aqui se recorre;
XXX. A obrigação de indemnizar compreende tanto o dano emergente(damnum emergens) como o lucro cessante (lucrum cessans);
XXXI. Constitui lucro cessante, para efeitos de indemnização fundada em responsabilidade contratual, a diminuição da facturação de uma empresa ou de um prestador de serviços, enquanto consequência adequada da cessação antecipada do contrato de prestação de serviços sem justa causa;
XXXII. Neste caso, a quantificação do acréscimo patrimonial frustrado corresponderá ao valor do que não foi facturado, como poderia ter sido não fosse a cessação antecipada do contrato de prestação de serviços, pela outra parte, sem justa causa, que, no caso concreto, ascende ao valor líquido de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros);
XXXIII. A indemnização pelos danos materiais na modalidade lucros cessantes corresponde à frustração da expectativa de um lucro, ou seja, a perda de um ganho esperado, que encontra tutela jurídica no artigo 564.º do Código Civil;
XXXIV. Essa é a posição da doutrina dominante – vide, entre outros, os comentários de Pires de Lima e Antunes Varela ao artigo 564.º do Código Civil, in Código Civil Anotado, Volume I, págs. 579 e 580;
XXXV. Se não fosse a resolução injustificada do contrato de prestação de serviços pela Ré aqui Recorrida, o Autor, aqui recorrente, teria, até ao final do contrato, um ganho de, pelo menos, mais €48.000,00 (quarenta e oito mil euros), ganho esse que se frustrou por causa alheia ao Autor e imputável, única e exclusivamente, à Ré;
XXXVI. O Recorrente, ao celebrar o contrato de prestação de serviços para o período de 22 (vinte e dois) meses, pela quantia mensal de €3.000,00 (três mil euros), tinha uma expectativa, que lhe foi criada pela Recorrida, de auferir um lucro total de €66.000,00 (sessenta e seis mil euros);
XXXVII. Ao fazer cessar o contrato de prestação de serviços antecipadamente, sem justa causa, a Recorrida deu origem a uma frustração dessa expectativa de lucro, sendo, por isso, responsável pelo pagamento, ao Recorrente, do valor que o mesmo perdeu com a antecipação do fim do contrato;
XXXVIII. Os contratos são para cumprir – pacta sunt servanda;
XXXIX. As partes têm, como regra, o direito de fixar livremente o conteúdo
dos contratos;
XL. A liberdade contratual é a faculdade de criar um pacto que, uma vez concluído, nega a cada uma das partes a possibilidade de se afastar unilateralmente dele - pacta sunt servanda;
XLI. Os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei – artigo 406.º do Código Civil;
XLII. O contrato de prestação de serviços em questão, ainda que pudesse ser revogado pela Recorrida, não o poderia ser sem que esta fosse responsabilizada peloslucroscessantes,queoRecorrentedeixoude auferir com a cessação antecipada e sem justa causa do contrato;
XLIII. O Douto Acórdão de que se recorre está em contradição, por fazer uma incorrecta apreciação e aplicação do seu sentido como Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2015, proferido no âmbito do processo n.º 4747/07.2TVLSB.L1.S1, com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-11-2020, proferido no âmbito do processo n.º 10608/19.5T8PRT.P1, com o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2021, no âmbito do processo n.º 181113/10.6YIPRT.E1, e com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2010, proferido no âmbito do processo n.º 872/06.5TVPRT.P1;
XLIV. Contraria também o disposto nos artigos 406.º, 564.º e 798.º do Código Civil, que impõe, no caso concreto,aobrigação de a Recorrida indemnizar o Recorrente pelos lucros cessantes;
XLV.A apreciação do presente recurso de revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e para que seja feita justiça;
XLVI. Deverão ser revogados a Douta Sentença e o Douto Acórdão recorrido e ser proferido Acórdão que condene a Recorrida no pagamento, ao Recorrente, de indemnização no montante líquido de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros), acrescida dos juros que se vencerem sobre essa quantia, entre a data da citação e o integral pagamento de todas as quantias em dívida, a calcular em sede de execução de sentença.
Nestes termos e nos melhores de Direito que VV. Exas. Mui Doutamente suprirão, deverá o presente RECURSO ser admitido e julgado totalmente procedente, devendo, em consequência, ser proferido ACÓRDÃO que revogue o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação e, por consequência, a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, e, assim, condene a Recorrida no pagamento, ao Recorrente, de indemnização no montante líquido de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros), a título de lucros cessantes, acrescida dos juros que se vencerem sobre essa quantia, entre a data da citação e o integral pagamento de todas as quantias em dívida, a calcular em sede de execução de sentença, pois só assim, Colendos Conselheiros, farão V. Exas. a COSTUMADA JUSTIÇA”.
Porém, com o fundamento de que o acórdão confirmou a sentença, sem fundamentação essencialmente diferente, de que não foi accionado pelo Autor-recorrente a via do recurso da revista excepcional nos termos previstos no art. 672º do CPC e de que não se está perante um caso em que o recurso seria sempre admissível, a Exma. Relatora da Relação rejeitou o recurso.
Desse despacho veio o Autor recorrente reclamar, com o fundamento de que o recurso era admissível nos termos do art. 629º, nº 2, al. d) do CPC, uma vez que o acórdão estava em contradição com um acórdão do Supremo e três das Relações, que identificou e porque o acórdão da Relação só não admite recurso por motivo estranho à alçada do tribunal, como é o caso da dupla conformidade.
No Supremo o relator proferiu decisão singular em que indeferiu a reclamação e confirmou o despacho reclamado que não admitiu o recurso de revista, com base na dupla conformidade e no facto de o recorrente não ter indicado como fundamento da recorribilidade a previsão da al. d) do nº 2 do art. 629º do CPC.
Porém, e mediante reclamação, a conferência acordou em deferir a reclamação e substituir a decisão singular pelo convite ao recorrente para apresentar, no prazo de 10 dias, um único acórdão fundamento transitado em julgado (mediante cópia ou certidão) por cada questão jurídica, devendo explicitar onde se situa a contradição essencial entre os dois acórdãos (o recorrido e o fundamento.
O autor e recorrente respondeu ao convite, apresentando novo requerimento, a que a ré respondeu.
A conferência decidiu nos seguintes termos:
“ (…)
O recorrente identifica quatro questões fundamentais de direito em relação às quais o acórdão da Relação estará em contradição com outros tantos acórdãos: três da Relação e um do Supremo.
Assim, identificou as seguintes questões:
a) se os lucros cessantes, em virtude da cessação antecipada do contrato sem justa causa são ou não indemnizáveis;
b) em que moldes são os lucros cessantes indemnizáveis;
c) se a verificação da obrigação de indemnizar está dependente da verificação de qualquer outro dano ou “efectivo prejuízo que não seja o próprio lucro cessante
d) se a verificação da obrigação de indemnizar pelos lucros cessantes está dependente da existência de um regime de exclusividade na prestação da parte lesada
Porém, existem apenas duas verdadeiras questões: a de saber que lucros cessantes são indemnizáveis e a de saber se o A. alegou e provou esses lucros cessantes.
É o que decorre, aliás, do sumário do acórdão recorrido:
“ I- (…)
II- A revogação unilateral pela Ré do contrato de prestação de serviços de vigilância (de guarda-noturno) que celebrou com o Autor, antes do fim do prazo que havia sido estipulado, ainda que lícita, pode fazê-la incorrer na obrigação de indemnizar o Autor do prejuízo que este sofrer, nos termos conjugados dos artigos 1156.°, 1170.°, n.° 1, e 1172.°, ai. c), do CC.
III. - A responsabilidade civil, seja contratual, seja extracontratual (delitual, pelo risco ou até por facto lícito), não dispensa nunca o pressuposto da existência de dano (recaindo sobre o autor o ónus da prova a esse respeito - cf. art. 342.°, n.° 1, do CC), sem o qual não haverá obrigação de indemnizar, aplicando-se neste âmbito as disposições dos artigos 562.° e ss. do CC. Assim, sendo indispensável que dos factos provados resulte a existência de um dano efetivo, não há dúvida que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, podendo tais "benefícios" ou vantagens patrimoniais serem danos futuros, desde que previsíveis (cf. art. 564.° do CC).
IV. - No caso dos autos, não há lugar a obrigação de indemnizar, uma vez que, ante os factos alegados e provados, não se pode considerar que, por causa da cessação antecipada do contrato, se verificou uma situação danosa para o Autor, sofrendo um efetivo prejuízo, por não ter podido (ou muito provavelmente não vir a poder) auferir um nível de rendimentos que atingisse o patamar expetável, isto é, o nível da remuneração que, em termos globais (descontando também as suas despesas) iria obter se o contrato tivesse vigorado pelo prazo previsto.
V - Efetivamente, ainda que o Autor tenha deixado de auferir as quantias mensais que a Ré lhe iria pagar se o contrato tivesse vigorado até ao fim do prazo estipulado, não podemos assumir que o Autor não auferiu durante esse período de tempo quantia igual ou superior, até porque este não provou que o contrato celebrado com a Ré fosse em regime de exclusividade e que tenha ficado impedido de celebrar outros contratos com outras entidades, sendo certo que, ao não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, o Autor ficou disponível para realizar outras atividades, por conta própria ou de outrem.”.
Assim, entendendo que a quantificação da indemnização por lucros cessantes devia equivaler à diferença entre a situação patrimonial que existia se o contrato tivesse sido integralmente executado e aquela que resultou da revogação e que, por isso, a indemnização não se resumia às retribuições que o A. tinha deixado de auferir, sendo que “ante os (escassos) factos alegados e provados” não se podia considerar que, por causa da cessação antecipada do contrato, se tinha verificado uma situação danosa para o Autor, um efectivo prejuízo, por não ter podido “auferir um nível de remuneração que, em termos globais - descontando também as suas despesas - iria obter se o contrato tivesse vigorado pelo prazo previsto”,
Portanto, e como se sublinhou na decisão singular, tanto a sentença como o acórdão rejeitaram a ideia de que os lucros cessantes equivalessem simplesmente às retribuições deixadas de auferir, convergindo no entendimento de que esses lucros resultavam da diferença entre o que o A. tinha deixado de auferir e o que tinha auferido na realidade (o que não tinha sido alegado).
Mas vejamos as “questões” tal como vêm enunciadas pelo recorrente.
1ª questão: se os lucros cessantes, em virtude da cessação antecipada do contrato sem justa causa são ou não indemnizáveis.
Para o recorrente, a contradição essencial entre o acórdão recorrido e o acórdão da Relação de Coimbra de 18.11.2014, proferido no âmbito do processo nº 926/10.3TVPRT.C1, em www.dgsi.p, reside no facto de este último determinar que a revogação unilateral por parte do contrato a quem se destinam os serviços implica, em princípio, a obrigação de indemnizar a outra parte pelos prejuízos decorrentes da cessação antecipada do contrato sem fazer depender essa obrigação de indemnizar de qualquer dos circunstancialismos indicados no acordo recorrido mas sim da existência de justa causa para a resolução do contrato.
O citado Ac. R.C. foi sumariado da seguinte forma: (…)
Ora, como se verifica, e em relação à indemnizabilidade dos lucros cessantes, o acórdão invocado não se encontra em contradição com o acórdão recorrido. Este não entendeu que os danos resultantes da cessação antecipada do contrato sem justa causa não são indemnizáveis. Apenas exprimiu o entendimento, que comprometeu o recurso do autor, de que os danos, que consistiam na diferença entre o rendimento perdido e o rendimento real, tinham de ser alegados e provados.
Como assim, não ocorre qualquer contradição de julgados em relação à questão da indemnizabilidade dos lucros cessantes, que não é controvertida.
Em relação aos danos em concreto, o acórdão invocado apreciou assim:
“É certo, portanto, que não está aqui em causa a questão de saber se a Autora tem ou não direito à totalidade do preço que havia sido contratado; importa apenas saber (pois é apenas esse o objecto do recurso) se a Autora tem ou não direito à 3ª prestação que, nos termos do contrato, deveria ser paga no prazo de trinta dias após a recepção pela C... da aprovação camarária do projecto base de arquitectura.
É certo que o aludido projecto ainda não havia obtido aprovação camarária e, portanto, não estava ainda verificada a condição de que dependia a exigibilidade do pagamento daquela prestação.
A verdade é que, aquando da revogação do contrato, já estavam ultrapassadas as questões que haviam impedido a apreciação do projecto apresentando pela Autora e, portanto, estavam reunidas as condições para que o mesmo visse a obter aprovação em curto prazo, ainda que, para o efeito, a Autora tivesse que proceder a algumas rectificações, já que, como resulta da matéria de facto provada, o projecto que havia elaborado e apresentado não respeitava a implantação imposta pelo Plano de Pormenor.
De qualquer forma, será seguro afirmar que a quantia de 45.000,00€ a que alude a 3ª prestação (a que nos reportamos) corresponde à remuneração/preço de serviços que, à data da revogação do contrato, a Autora já havia elaborado em parte e que, como tal, lhe é devido. É certo, no entanto, que os serviços a que se reportava tal prestação não estariam ainda inteiramente executados, já que, como se disse, a Autora ainda teria que efectuar alterações ao projecto. De qualquer forma, ultrapassados que estavam todos os entraves que se colocaram (emparcelamento, anexação e registo), a Autora tinha expectativa de receber a curto prazo o valor daquela prestação, porquanto nada obstava já a que, efectuadas as necessárias rectificações, o projecto base viesse a ser aprovado pela CM, expectativa essa que se frustrou pela circunstância de a Ré ter revogado unilateralmente o contrato.
É justo, portanto, que seja paga à Autora a aludida quantia.” (…)
Ora, como decorre do trecho transcrito, não existe manifestamente qualquer oposição entre os acórdãos, o recorrido e o invocado, que não versam, sequer, sobre núcleos factuais idênticos.
2ª questão: em que moldes são os lucros cessantes indemnizáveis.
Para o recorrente, a contradição essencial entre o acórdão recorrido e o Ac.R.Lx. de 19.2.2019, processo nº 13908/17.5TB8LSB.L1.S1, reside no facto de este último determinar a indemnização pelos lucros cessantes, respeitantes ao período em que o contrato vigoraria não fosse a revogação unilateral (imprópria), ter como medida a diferença entre o que o prestador teria recebido no período ainda previsto para a duração do contrato, deduzido do que tenha ganho por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, designadamente das despesas que faria na execução do contrato até ao seu termo.
O acórdão invocado tem o seguinte sumário (…)
Para o acórdão recorrido, como se recorda, os lucros atendíveis eram os resultavam da diferença entre o que o autor tinha deixado de auferir e o que tinha auferido na realidade, o que não tinha sido alegado.
Segundo o acórdão de 19.2.2019. a autora terá direito a uma indemnização dos lucros cessantes, na diferença entre o que a autora teria recebido no período entre a revogação unilateral e o termo do contrato, deduzido do que tenha ganho por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, designadamente das despesas que faria na execução do contrato até ao seu termo, sendo certo que a autora não alegou (nem demonstrou) qualquer factualidade a tal propósito. Cita-se, em abono, um acórdão deste STJ de 7.7.2010, proc. 4865/07, que considera que “com a revogação do contrato ocorre prejuízo para o contratado que se traduz na perda de retribuição a que tinha direito, devendo a indemnização colocá-lo na situação patrimonial que teria se o contrato de prestação de serviço não tivesse sido revogado” e que “ pondo de parte cálculos rigorosos ou quaisquer outras fórmulas matemáticas, o tribunal deve recorrer à equidade para quantificar o que entende por justa indemnização”.
Assim, e no caso apreciado, o acórdão invocado entendeu que, “inexistindo factos provados que permitam calcular os lucros cessantes pela teoria da diferença (…) o tribunal tem que fixar o seu valor” e tendo em consideração que “ o contrato tinha uma vigência prevista de mais de 21 meses, com a mensalidade acordada de 7784 euros , o que perfaria um total de 163464 euros “ e que “neste tipo de prestação de serviço a margem de lucro do prestador não é inferior a 15%”, devia em equidade atribuir a indemnização de € 24.519,60.
É verdade que o acórdão invocado só se debruçou sobre as despesas que deixou de gastar, para deduzir àquela quantia que teria de receber. Não se debruçou exactamente sobre o que a autora ganhou realmente no período entre a revogação unilateral e o termo do contrato, para aquilatar se o autor sofreu um efectivo prejuízo, comparando os rendimentos perdidos com o rendimento real que auferiu depois da revogação.
Porém, a situação material litigiosa é análoga ou equiparável: também no acórdão recorrido estão em causa “ganhos” que o autor teria auferido “ por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado” e também, como no acórdão invocado, o autor não alegou (nem demonstrou) qualquer factualidade a propósito desses ganhos (incluindo as despesas evitadas) que deviam ter sido deduzidos. Todavia, ao invés de fixar uma indemnização em equidade, o tribunal a quo decidiu julgar o recurso improcedente, pelo que, nesta particular questão, se entende que existe oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado.
3ª questão: se a verificação da obrigação de indemnizar está dependente da verificação de qualquer outro dano ou “efectivo” prejuízo que não seja o próprio lucro cessante.
Entende o recorrente que a contradição essencial entre o acórdão recorrido e o acórdão aqui invocado reside na interpretação que o Tribunal a quo faz desse acórdão, pois, do mesmo resulta que os lucros cessantes são indemnizáveis sem que tenha que haver prova de qualquer “dano efectivo” (ou de qualquer regime de exclusividade) que não seja o próprio lucro cessante ou ganho frustrado com a resolução antecipada e sem justa causa do contrato, sendo que, naquele caso concreto, e contrariamente ao que sucedeu no caso dos presentes autos, a autora não deu cumprimento ao ónus de alegar os pressupostos do seu direito à indemnização, nos termos do art. 342º, nº 1, do Código Civil, não alegando os factos que integram o prejuízo, limitando-se a pedir o pagamento de determinada quantia a título de indemnização por danos patrimoniais.
O referido acórdão recorrido [rectius, o invocado Ac. R.P. de 21.1.2010, proc. 872/06.5TVPRT.P1] foi sumariado assim: (…)
No acórdão pode ler-se ainda: (…)
Assim, e como emerge manifestamente da sua leitura, não é verdade que do acórdão invocado resulte que “ que os lucros cessantes são indemnizáveis sem que tenha que haver prova de qualquer “dano efectivo” (ou de qualquer regime de exclusividade) que não seja o próprio lucro cessante ou ganho frustrado com a resolução antecipada sem justa causa do contrato.
Não se verifica, pois, qualquer contradição essencial entre o acórdão recorrido e o invocado.
4ª questão: se a verificação da obrigação de indemnizar pelos lucros cessantes está dependente da existência de um regime de exclusividade na prestação da parte lesada.
Entende o recorrente que a contradição essencial entre o acórdão recorrido e o Acórdão do STJ de 5.2.2015, no processo nº 4747/07.2TVLSB.L1.S1, reside no facto de este último fazer indemnizáveis os lucros cessantes pela cessação antecipada do contrato, sem fazer essa obrigação de indemnização dependente de qualquer circunstancialismo, nomeadamente da celebração do contrato cessado em regime de exclusividade ou do impedimento, para o prestador, de celebrar outros contratos com outras entidades.
Transcreve-se o sumário do referido acórdão do Supremo: (…).
O acórdão recorrido refere que não tendo o autor provado que o contrato celebrado com a ré o foi em regime de exclusividade não provou que tenha ficado impedido de celebrar contratos com outras entidades e que não tenha ficado disponível para realizar outras actividades por conta própria ou de outrem e assim não poder auferir um nível de remuneração que, em termos globais (descontando também as suas despesas) iria obter se o contrato tivesse vigorado pelo prazo previsto.
Ora, o acórdão invocado não aborda qualquer situação semelhante, de a aí autora não ter provado que celebrou contrato em regime de exclusividade e (ou) de não ter ficado disponível para realizar outras actividades por conta própria ou outrem. Debruça-se apenas sobre eventuais despesas que a ali autora haveria de realizar se o contrato subsistisse no período a que respeitavam as receitas projectadas (pelo exercício de serviços de acesso à internet).
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em deferir a reclamação e admitir o recurso de revista, circunscrito, embora, à questão de saber se, não tendo alegado o seu rendimento real a partir da revogação do contrato, o autor tem, ainda assim, direito a indemnização por lucros cessantes.
Custas pela recorrida.
Requisite o processo principal.”
Delimitada a questão decidenda, cumpre decidir.
Na Relação, após impugnação, foram considerados provados os seguintes factos:
“1. No ano de 2021 o Autor dedicava-se à atividade de guarda noturno e de segurança privado.
2. No dia 25-02-2021 o Autor celebrou com a Ré acordo mediante o qual o Autor se obrigou a prestar serviços de vigilância humana nas instalações da Ré sitas na Estrada 1, ..., Torres Vedras, todos os dias, no período compreendido entre as 20 horas e as 8 horas, com início em 01-03-2021 e termo em 31-12-2022, com um valor horário
líquido de 8,21918 €, no total mensal líquido de 3.000,00 €, sendo o preço total final de execução dos serviços de 66.000,00 €.
3. O acordo referido em 2. regulava-se pelas cláusulas constantes do "Caderno de Encargos Serviço de Vigilância - Rondas Grupo JAP 2021/2022.
4. Os serviços prestados pelo Autor à Ré nos meses de março a agosto de 2021 foram faturados e integralmente pagos pela Ré.
5. Em 15 de junho de 2021, a Ré informou o Autor que apenas pretendia os seus serviços até 31 de Agosto de 2021, por "uma opção meramente operacional e racionalização de custos", manifestando estar satisfeita com o desempenho do Autor.
6. Em 18 de junho de 2021, o Autor respondeu à Ré informando que não aceitava o termo do contrato.
7. Em 2 de setembro de 2021, o Autor, por lhe ter sido solicitado pelo responsável da Vesauto de Torres Vedras, BB, procedeu à entrega do comando dos portões bem como da chave das instalações da Ré em Torres Vedras.
8. Tendo, nessa data, voltado a manifestar a sua oposição ao termo do contrato, e permanecendo sempre disponível para a prestação dos serviços, nos termos acordados.
9. A Ré integra o denominado Grupo JAP, do qual fazem parte diversas empresas, dispondo de vários estabelecimentos.
10. No ano de 2020, foi aberto um concurso, como é prática no Grupo JAP, com vista à adjudicação de serviços de vigilância para as várias empresas que o compõem, onde se incluiu a R. (Prestação de Serviços de Vigilância Grupo JAP 2020/2022).
11. O concurso referido em 10. regulava-se, além do mais, pelo "Caderno de Encargos Prestação de Serviços de Vigilância Grupo JAP 2020/2022", que foi enviado a todos os candidatos, de onde consta, além do mais, na cláusula 6: "A resolução do contrato total ou parcial pode ser feita a pedido do adjudicante, em qualquer momento, sem que para isso exista alguma indemnização a favor do adjudicatário. ", conforme documento junto aos autos cujo teor se dá integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
12. Não obstante o caderno de encargos referido em 11. não incluir as instalações da Ré sitas em Torres Vedras, porquanto, à data de elaboração do mesmo as instalações ainda não estavam concluídas, foi dado posteriormente conhecimento aos candidatos no referido concurso da sua inclusão.
13. A empresa Mama Sume - Serviços de Vigilância e Segurança, Lda. candidatou-se ao concurso referido em 10., por intermédio do Autor, que, por via disso, teve conhecimento do teor do caderno de encargos referido em 11., mas não ganhou o concurso.
14. A Ré realizou um investimento em sistema de alarme e videovigilância, que salvaguardaria a segurança das instalações sitas em Torres Vedras, permitindo obter uma poupança mensal, pelo menos, no valor dos honorários de um segurança noturno.
15. Na sequência do referido em 14., e com vista a uma racionalização de custos, a Ré remeteu ao Autor a comunicação referida em 5.
16. Após o Autor ter deixado de prestar serviços de vigilância à Ré esta nunca mais contratou outro prestador de serviços para o efeito.
17. Nos meses de março de 2021 a novembro de 2022 o Autor exerceu atividade como trabalhador independente.
18. Nos meses de março de 2021 a dezembro de 2022 o Autor trabalhou por conta de outrem, nomeadamente por conta da empresa CC e DDConstrução Civil, Lda.
19. No ano de 2021 o Autor declarou rendimento de trabalho por conta de outrem no montante de 2.879,50 €.
20. No ano de 2021 o Autor declarou rendimentos de trabalho independente no montante de 84.992,00 €.”
Foram considerados não provados os seguintes factos:
“1. O Autor prestou os serviços à Ré em regime de exclusividade tendo ficado impedido de celebrar outros contratos com outras entidades.
2. A Ré acordou com o Autor, conforme referido em 2. dos factos provados, a pedido da sociedade Mama Sume - Serviços de Vigilância e Segurança, Lda., o que a Ré aceitou devido ao facto de o Autor ser o Área Manager da referida sociedade.
3. O acordo celebrado entre o Autor e a Ré regulava-se pelo caderno de encargos referido em 11. dos factos provados.”
Dos factos provados resulta, portanto, que a ré, que tinha celebrado com o autor um contrato mediante o qual este se obrigava a prestar-lhe serviços de vigilância com início em 1.3.2021 e termo em 31.12.2022,, no total mensal líquido de 3.000 €, o informou que apenas pretendia os seus serviços até 31.8.2021, por "uma opção meramente operacional e racionalização de custos", apesar de estar satisfeita com o seu desempenho.
Por entender que a ré tinha resolvido o contrato sem justa causa, veio o autor reclamar a diferença das retribuições devidas desde 1.9.2021 até ao fim do contrato, em 31.12.2022, no montante líquido de 48.000,00 €.
Porém, a Relação decidiu, confirmando a sentença, que, tendo sido revogado o mandato (na modalidade de contrato de prestação de serviços), antecipadamente e de forma unilateral, o autor tinha direito não às retribuições que tinha deixado de auferir mas apenas aos lucros (cessantes) que resultavam da diferença entre o que tinha deixado de auferir e o que tinha auferido na realidade, o que não tinha sido por ele alegado.
Não está agora em discussão que a indemnização pelos lucros cessantes corresponde a essa diferença.
O que se discute apenas é se, como se disse no despacho do relator proferido na reclamação, não tendo alegado o seu rendimento real a partir da revogação do contrato, o autor tem, ainda assim, direito a indemnização por lucros cessantes.
O acórdão recorrido entendeu que “no caso dos autos, não há lugar a obrigação de indemnizar, uma vez que, ante os factos alegados e provados, não se pode considerar que, por causa da cessação antecipada do contrato, se verificou uma situação danosa para o autor, sofrendo um efectivo prejuízo, por não ter podido (ou muito provavelmente não vir a poder) auferir um nível de rendimentos que atingisse o patamar expectável, isto é, o nível da remuneração que, em termos globais (descontando também as suas despesas) iria obter se o contrato tivesse vigorado pelo prazo previsto”.
Já o Ac. R. Lx. de 19.2.2019, invocado como acórdão fundamento - apesar de considerar que, no caso apreciado, a ali autora, também ela prestadora de serviços que tinha visto o contrato revogado, unilateral e antecipadamente, tinha “direito a uma indemnização dos lucros cessantes, na diferença entre o que a autora teria recebido no período entre a revogação unilateral e o termo do contrato, deduzido do que tenha ganho por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, designadamente das despesas que faria na execução do contrato até ao seu termo “ – entendeu, não obstante, que “sucumbindo factualidade suficiente para calcular os lucros cessantes” (a autora não tinha alegado nem demonstrado qualquer factualidade a esse propósito) havia que fixar a indemnização segundo a equidade (art. 566º, nº3, do CC).
Cremos que a solução correcta é a adoptada no acórdão recorrido.
Como se sabe, é ao lesado que termos do art. 342º, nº 1 do CC compete o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade civil; e que um desses pressupostos é o dano, no qual se podem englobar os lucros cessantes (art. 564º, nº 1 do CC).
Segundo as regras de ónus da prova, é, por conseguinte, ao autor que compete provar os lucros cessantes decorrentes da quebra contratual, por traduzirem elemento constitutivo do direito de indemnização do mesmo (cfr. Ac. STJ de 19.9.2024, proc. 12465/20.0T8LSB.L1.S1).
É certo que, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, ”se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Porém isso não dispensa o lesado de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, volume I, 3ª edição, pág. 553).
Ora, revertendo ao caso concreto, verifica-se que o autor não fez prova dos danos, na vertente de lucros cessantes, que tinham, tal como ficou definido no acórdão, de equivaler à diferença entre a situação patrimonial que existiria se o contrato tivesse sido integralmente executado e aquela que tinha resultado da revogação antecipada (cfr., também, neste sentido, o Ac. STJ de 5.2.2015, proc. 4747/07.2TVLSB.L1.S1).
Com efeito, o autor não alegou, como devia, a situação real em que ficou depois da revogação do mandato, se passou ou não a auferir qualquer rendimento, assim comprometendo a prova dos lucros cessantes, tal como estes ficaram definidos.
Deste modo, não é possível considerar que existe um dano indemnizável.
Mas mesmo que se considerasse, por absurdo, que existia um dano indemnizável (na vertente de lucros cessantes) não podia o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites provados.
É que devendo o recurso à equidade fazer-se de acordo com o disposto no nº 3 do art. 566º do CC, o julgamento equitativo deve obedecer a duas condições ou requisitos: o de não estar determinado o “valor exacto” do dano mas também o de terem sido provados “limites”, máximo e mínimo, para esse dano (cfr. Ac. STJ de 28.10.2010, proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1, em www.dgsi.pt).
Ora, se, por um lado, se sabe o que, depois da revogação, o autor deixou de ganhar, não se sabe, por outro lado, o que passou a ganhar efectivamente, em que situação real é que ficou.
Apenas se sabe que em 2021 declarou rendimento de trabalho por conta de outrem no montante de 2.879,50 € (19) e rendimentos de trabalho independente no montante de 84.992,00 € (20), mas esses factos não permitem concluir que a situação patrimonial do autor tenha piorado depois da revogação do contrato. Aliás, tendo alegado (ainda que não o tenha provado) que estava em exclusividade até 31.8.2021, o que o autor teria percebido, ainda, em 2021, em 4 meses após a revogação (87.871,50€ - 18,000 €), ultrapassaria em muito aquilo que deixou de receber nesse ano (12.000 €) e mesmo aquilo que deixou de receber até ao fim do contrato (36.000€).
Como assim, não tendo o autor alegado nem provado que, depois da revogação do contrato, a sua situação real tenha ficado pior do que aquela que teria se o contrato não tivesse revogado, a atribuição de uma qualquer indemnização, em tal contexto, não deixaria de se revelar totalmente arbitrária.
Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
*
Lisboa, 25 de Novembro de 2025
António Magalhães (Relator)
Maria João Vaz Tomé
António Domingos Pires Robalo