RECURSO DE APELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REQUISITOS
DEPOIMENTO DE PARTE
PROVA TESTEMUNHAL
TESTEMUNHA
TRANSCRIÇÃO
REPRODUÇÃO
REJEIÇÃO
Sumário


I – Este recurso de revista tem por objeto o Aresto do Tribunal da Relação do Porto que rejeitou o recurso de Apelação do Autor na parte em que visava a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto que constava da sentença da 1.ª instância, com base no disposto nos artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), do CPC.
II - A impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto tem de ser devidamente concretizada segundo o regime adjetivo constante do artigo 640.º do NCPC e julgado pela 2.ª instância ao abrigo, designadamente, do estatuído no artigo 662.º do mesmo diploma legal, havendo que realçar que essa reapreciação pelos tribunais da relação da factualidade dada como assente e não assente, em função dos meios de prova produzidos nos autos e das regras de cariz adjetivo e substantivo aplicáveis, não se traduz num novo julgamento, idêntico ao realizado pelo tribunal da 1.ª instância, com a mesma abrangência factual, probatória e jurídica que para o mesmo é legalmente exigido, mas antes na valoração, parcial e pontual, da prova identificada pelas partes, por referência aos factos controvertidos e identificados pelo recorrente nas suas alegações/conclusões e em razão de eventuais normas de direito probatório que possam ser para tal convocadas.
III - É esse preciso objeto do recurso que, no que toca à Fundamentação de Facto da sentença da 1.ª instância - e sem prejuízo das problemáticas de conhecimento oficioso que devam ser também aferidas pelo tribunal da 2.ª instância -, tem de ser apreciado e decidido pelo tribunal ad quem, assim se explicando e compreendendo as exigências formais constante do artigo 640.º do NCPC, quer quanto aos pontos de facto que se contesta, quer quanto ao diferente e alternativo conteúdo, alcance e sentido que se defende relativamente aos mesmos [podendo, no extremo, requerer-se a sua simples eliminação], quer finalmente quanto à identificação das partes ou dos excertos dos efetivos e precisos meios probatórios que no entender do recorrente suportam tal modificação ou supressão.
IV - O guião ou pauta de análise e ponderação do recurso da Decisão sobre a Matéria de Facto, que tem de ser redigido pelo recorrente, deve obedecer assim às regras impostas pelo referido artigo 640.º, ainda que sem se cair em exigências formais mecanicistas, excessivas e desproporcionadas, que venham a redundar em violação de direitos, como o do acesso efetivo aos tribunais e à concreta resolução pelos mesmos dos litígios que lhes são apresentados pelos cidadãos e outras entidades.
V - Feita uma leitura atenta quer das alegações e conclusões recursórias da Apelação do Autor e que acima se reporoduziram, quer da motivação do Acórdão do Tribunal da Realção do Porto para rejeitar tal impugnação das Decisão sobre a Matéria de Facto, diremos que o Autor não cumpriu devida e suficientemente as exigências formais constantes das normas processuais indicadas.
VI - Sem nos determos muito na impugnação por blocos que é levada a cabo pelo recorrente - ainda que se nos afigure que não existe uma uniformidade ou uma estrita e estreita conexão material entre os Pontos de Facto que os compõem - diremos que o recorrente, para um conjunto relativamente grande de factos, se limitou a fazer considerações e análises de índole genérica ou geral aos meios de prova indicados e a transcrever depois, na íntegra e sem destacar ou selecionar os excertos das declarações de parte ou dos depoimentos testemunhais [de considerável extensão, frize-se] que determinavam, em si e só por si ou em conjugação com outras provas [documentos] uma factualidade distinta.
VII - A justificação que o recorrente invoca para reproduzir a totalidade das suas declarações de parte e dos depoimentos testemunhais – no sentido de assim «obrigar» o TRP a ler os mesmos em toda a sua extensão, até se localizar o que probatoriamente pode relevar – não tem fundamento legal mínimo e até contraria o regime jurídico que aqui analisamos, pois se, em tais declarações de parte ou depoimentos de testemunhas, que o recorrente sustenta que devam ser lidos na íntegra pelo tribunal de recurso, forem abordados outros assuntos que não são minimamente visados no recurso, tal não só implica que a Requerida e os juízes do TRP tenham de andar, de alguma maneira, a «pescar» as temáticas objeto do recurso e os excertos probatórios significativos, como a prática concomitante de atos inúteis, o que está vedado pelo artigo 130.º do NCPC.
VIII - Poder-se-á mesmo questionar se nessa busca feita pelo recorrido ou pelos Juízes-Desembargadores seriam destacados e considerados os excertos probatórios que eram importantes para o recorrente, porque significativos da sua versão dos factos, ou se, ao invés ou em simultâneo, não iria ser dada relevância a outros que aquele nunca escolheria e indicaria para esse mesmo efeito.

Texto Integral

RECURSO DE REVISTA N.º 1490/22.6T8PNF.P1.S1 (4.ª Secção)

Recorrente: AA

Recorrida: INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A.

(Processo n.º 1490/22.6T8PNF - Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo do Trabalho de Penafiel – Juiz 1)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I – RELATÓRIO

1. AA, devidamente identificado nos autos, veio propor, em 19/05/2022, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum laboral, contra INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., igualmente identificada nos autos, peticionando, a final e em síntese, o seguinte:

«TERMOS EM QUE deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser a Ré condenada:

1. A pagar mensalmente ao Autor o valor da retribuição devida pelo exercício da categoria profissional de encarregado de infraestruturas, em respeito pela sua categoria profissional e em respeito pelos valores monetários definidos na convenção coletiva de trabalho aplicável ao sector;

2. No pagamento das diferenças salariais vencidas desde Junho de 2004 e até à presente data, conforme melhor descrito nos artigos 26.º a 29.º deste articulado, que nesta data totaliza o valor de € 28.679,66 (vinte e oito mil, seiscentos e setenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos), acrescido do valor das diferenças salariais que se vencerem na pendência da presente ação e até à regularização por parte da Ré do valor da retribuição mensal;

3. No pagamento das diferenças salariais vencidas, referentes ao valor do subsídio de escala atribuído ao Autor, conforme melhor descrito nos artigos 37.º a 39.º deste articulado, que nesta data totalizam o valor de € 2.889,86 (dois mil, oitocentos e oitenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos) acrescido do valor das diferenças salariais que se vencerem na pendência da presente ação e até à regularização por parte da Ré do valor da retribuição mensal;

4. No pagamento das diferenças salariais vencidas, referentes ao valor do trabalho noturno prestado pelo Autor, conforme melhor descrito nos artigos 43.º a 46.º deste articulado, que nesta data totalizam o valor de € 64.485,10 (sessenta e quatro mil e quatrocentos e oitenta e cinco euros e dez cêntimos), acrescido do valor das diferenças salariais que se vencerem na pendência da presente ação e até à regularização por parte da Ré do valor da retribuição mensal;

5. No pagamento da quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Autor pela discriminação de que tem sido vítima por parte da entidade empregadora;

6. Ser ainda a Ré condenada no pagamento dos juros vincendos à taxa legal de 4% sobre todas as quantias peticionadas nos pontos anteriores, contabilizados desde a citação da Ré e até integral e efetivo pagamento.»

*

2. Para o efeito invocou o Autor que foi admitido pela Ré em 04/03/1987, sendo que em 2004 concluiu uma formação para atribuição de categoria profissional de Encarregado de Infraestruturas, cujas funções passou a exercer.

No entanto, manteve a categoria de operador de ..., não obstante todos os colegas que frequentaram a formação tenham integrado a categoria de Encarregado de Infraestruturas.

Só em 2007 é que o Autor passou a deter tal categoria.

No entanto, manteve-se inalterado o valor da retribuição auferida.

Invoca a violação do disposto nos artigos 59.º n.º 1 alínea a) da CRP e 270.º do CT.

O CCT aplicável não foi respeito pela Ré, no que a si diz respeito.

Desde Junho de 2004 a Abril de 2022, o Autor ficou prejudicado no valor total de € 28.679,96 referente a diferenças salariais base.

Foi ainda prejudicado no cálculo do subsídio de escala de serviço que efetua desde Janeiro de 2013, no valor total de € 2.889,86, no cálculo do valor atribuído ao trabalho noturno, que sempre exerceu na Ré, numa diferença total de € 64.022,72, isto para além das implicações no valor da sua reforma. ´

O Autor denunciou a situação à Ré, que manteve a mesma postura.

Alega a existência de danos não patrimoniais desde Junho de 2004.

***

3. Autora e Ré não chegaram a acordo em sede da Audiência de Partes, tendo a segunda, depois de regularmente notificada, apresentado contestação, na qual, muito em síntese, aceita a existência da relação laboral mas impugna o alegado quanto à finalidade da frequência da formação inicial de permanentes de infraestruturas, alegando que a mesma visava o desempenho de uma nova função ainda em fase de desenvolvimento, ou seja, para possibilitar o exercício de uma nova e diferente atividade que ainda não tinha enquadramento definido no sistema de carreiras da Ré.

Alega ainda que foi divulgado que quem acedesse ao exercício da nova função iria auferir contrapartida monetária por referência ao índice base da categoria de encarregado de infraestruturas.

Alega que esta nova função foi incluída nas valências de infraestruturas e de infra-estruturas-via (na qual o Autor se enquadrava até 01/06/2004).

Em 01/06/2004 o Autor passou ao índice correspondente ao código de categoria profissional de encarregado de via, com o abono de complemento função permanentes.

A área infraestruturas via detinha um índice salarial mais baixo que a área infraestruturas, motivo pelo qual foi pago ao Autor o indicado abono, que correspondia à diferença entre a retribuição do Autor acrescida de subsídio de turno e o valor da retribuição base de encarregado de infraestruturas acrescida do valor de subsídio de turno correspondente.

Os demais trabalhadores originários da área de infraestruturas da via tiveram o mesmo tratamento que o Autor.

A passagem do Autor à categoria de encarregado de infraestruturas, em 2007, resultou de uma alteração ao sistema de carreiras da Ré que agregou as duas áreas de infraestruturas e que resulta da alteração ao AE aplicável.

O Autor passou a auferir a retribuição base da nova categoria e manteve o complemento supra referido.

O índice da carreira de infraestruturas é de 165 para esta categoria, auferindo o Autor desde 2022 pelo índice 212.

Em 2009 o Autor deixou de receber o complemento devido ao aumento da retribuição para 842,62.

Impugna o prejuízo invocado quanto ao subsídio de turno, escala ou noturno, na medida em que a remuneração horária base era calculada pela soma da retribuição base, diuturnidades, subsídio de turno e complemento função permanentes.

A Ré respondeu à interpelação via email de 19/07/2020.

Impugna o demais alegado pelo Autor.

Conclui pela improcedência da ação, por falta de fundamento e prova e sua absolvição dos pedidos.

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4. A fls. 354 e segs., o Autor apresentou resposta à contestação, na qual alega que dos 13 trabalhadores que frequentaram a formação apenas 3 não acederam à categoria profissional de encarregado de infraestruturas, sendo que todos eram operário de via e todos tiveram aprovação à formação, dos quais era o Autor quem detinha maior antiguidade.

Nega terem sido explicadas as razões subjacentes à atribuição do complemento, já que os demais colegas passaram a receber a remuneração correspondente à nova categoria, com um aumento superior só valor do complemento que lhe foi atribuído.

O Autor foi aliciado a concorrer ao curso de encarregado de infraestruturas pelos superiores hierárquicos, que depois viu as expectativas frustradas.

Impugna o demais alegado pela Ré.

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5. A fls. 358 e segs., a Ré invocou a inadmissibilidade de resposta apresentada pelo Autor, ao qual este respondeu a fls. 360 e segs.

A fls. 365, foi proferido despacho a admitir a resposta apresentada pelo Autor.

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6. Em sede do Despacho Saneador, prolatado nos autos, no dia 9/11/2022, foi, entre outros atos, considerada válida e regular a instância, fixada à causa o valor de € 98.554,92 e marcada data para a realização da Audiência Final.

As partes não reagiram atempadamente à atribuição à ação de tal valor, através da interposição de recurso de Apelação, nos termos dos artigos 79.º do CPT e 629.º do NCPC.

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7. Os autos prosseguiram a sua tramitação normal, tendo-se realizado a Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo.

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8. O tribunal da 1.ª Instância proferiu sentença no dia 28 de setembro de 2023, onde julgou nos moldes seguintes a ação:

«Pelo exposto, julga-se a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a Ré dos pedidos formulados pelo Autor.

Custas a cargo do Autor (cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

Registe e notifique. »

*

9. O Autor AA interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que tendo sido admitido e aí corrido os seus termos normais, veio a culminar em Acórdão, datado de 24/2/2025, que julgou improcedente o mesmo, com a confirmação da referida sentença, nos seguintes moldes:

«Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas do recurso pelo Recorrente.

Valor do recurso: o da ação (artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento de Custas Processuais).

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Notifique e registe.»

*

10. O Autor AA não se conformou com tal Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, tendo interposto, no dia 31/3/2025 e nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, com subida imediata, nos próprios autos (artigo 675.º do NCPC) e com efeito meramente devolutivo, Recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, que fez acompanhar das correspondentes alegações onde formulou as seguintes conclusões:

«1.ª – O Supremo Tribunal de Justiça apenas aprecia matéria de direito, sendo as questões sujeitas à apreciação deste Colendo Tribunal exclusivamente questões de direito.

2.ª – O disposto no artigo 671.º do Código de Processo Civil faz depender a admissibilidade do recurso de revista da verificação cumulativa de dois requisitos:

a) Estarem verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso ordinário (critério do valor e da sucumbência);

b) Sempre que esteja em causa decisão que conheça do mérito da causa, ou ponha termo ao processo;

3.ª – A mesma disposição legal, no seu n.º 3, exclui a admissibilidade do recurso de revista nas designadas situações de dupla conformidade. Mas, no caso concreto, se em abstrato parece que está em causa uma aparente dupla conformidade (por existir confirmação da decisão proferida em sede de primeira instância), entende o Recorrente que para além de existir fundamentação essencialmente diferente – até por causa da interferência que a rejeição da impugnação da matéria de facto operou na apreciação do recurso, que afasta a dupla conformidade.

4.ª – Efetivamente, a rejeição injustificada da impugnação da matéria de facto pelo tribunal da Relação, com fundamento em inobservância dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC, constitui violação da lei processual que, por ser imputada a esse tribunal superior, descaracteriza a dupla conformidade decisória.

5.ª – Por outro lado, o douto acórdão recorrido rejeitou a parte do recurso respeitante à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, na parte em que se fundamenta na prova gravada, com base numa interpretação estritamente formal, no que concerne ao alegado incumprimento das obrigações processuais especificas exigidas no artigo 640º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 alínea a) do Código Processo Civil, rejeitando o recurso na parte que se fundamenta na prova gravada, sem ponderar que todos os argumentos do Recorrente assentavam na rejeitada impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada, que assim condicionou a apreciação da apelação, prejudicando-a.

6.ª – Está em causa, exclusivamente, a apreciação de uma questão de direito, sendo admissível o recurso de revista de acórdão da Relação quando este diga respeito a sentença de 1.ª instância, mas em que o acórdão se abstém de apreciar o mérito do recurso de apelação por incumprimento dos requisitos constantes do n.º 2 do artigo 640.º do Código Processo Civil.

7.ª – Impondo-se a sindicância por parte do Supremo Tribunal de Justiça em relação ao modo como as instâncias interpretaram e aplicaram normas de direito relacionadas com questões formais, como é o caso da observância (ou não) das obrigações processuais previstas no artigo 640.º do Código Processo Civil, relativas ao ónus que impende sobre o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto, como sucedeu no caso concreto, em que a apelação tinha por base, exclusivamente, a reapreciação da matéria de facto, assente sobre a prova gravada, impugnação que o Tribunal da Relação rejeitou por inobservância de um critério formal, em causa um ónus secundário.

8.ª – O presente recurso de revista vem interposto do douto acórdão que considerou improcedente o recurso de apelação, improcedência essa que teve na sua base a rejeição do recurso na parte em que se fundamenta na prova gravada, o que valeu quanto a toda a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

9.ª – Constitui principal e até único fundamento do presente recurso, o facto do Recorrente entender que o acórdão recorrido incorreu em violação ou errada interpretação da lei processual, conforme dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do Código Processo Civil, pelo seguinte fundamento:

b) Saber se a falta de indicação de concretas passagens da gravação em que se funda o recurso, sem análise casuística das razões subjacentes a tal opção, que optou pela transcrição integral, será fundamento, sem mais, para rejeição da impugnação do recurso sobre a matéria de facto;

10.ª – São dois os aspetos de direito fulcrais cuja apreciação se sujeita a este Colendo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos melhor desenvolvidos na motivação de recurso, para a qual se remete por economia e para evitar a sua repetição, a saber:

a) A falta da indicação do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640º do Código Processo Civil não deverá implicar, só por si, a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, na medida que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso facilitado aos meios de prova, assegurar o exercício do contraditório e facilitar a análise por parte do Tribunal;

b) Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º Código Processo Civil os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sob pena de cair-se num excesso de formalismo e rigor que a dogmática processual pretende evitar, priorizando a justiça material, em detrimento da justiça formal;

11.ª – O Recorrente deu cumprimento ao ónus principal de delimitação do objeto do recurso, definindo com detalhe as questões a reapreciar (“os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” – alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º CPC); também especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre pontos da decisão sobre a matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1 do artigo citado), e, deliberadamente, optou pela transcrição integral dos depoimentos das testemunhas cuja relevância identificou, por tais depoimentos se debruçarem, exclusivamente, sobre a factualidade cuja alteração/modificabilidade se pretendeu, sem abrangerem factualidade não impugnada, aliás, por essa circunstância, foi requerida a audição da prova na sua globalidade.

12.ª – Acresce que, o Recorrente não optou por uma indicação parcelada de determinadas passagens dos depoimentos identificados e transcritos, por entender que era relevante para a pretendida reapreciação que o Tribunal de recurso não ficasse dispensado de ouvir todo o depoimento, na medida em que no que concerne à factualidade concretamente indicada/impugnada, os depoimentos não são sequenciais, antes se encontrando disseminadas ao longo de todo o depoimento, sem ignorar que os mesmos versam sobre a factualidade impugnada, não tendo prestado declarações em relação a factualidade não impugnada.

13.ª – A sanção prescrita na alínea a), n.º 2, do artigo 640.° do CPC não pode ser aplicada como uma formalidade rigorosa, sem ponderar tratar-se de um ónus secundário, impondo-se uma análise casuística, tendo em conta as características do caso concreto, da factualidade sob apreciação e da razão de ciência das testemunhas cujo depoimento se transcreveu e em relação aos quais a audição foi requerida na globalidade, a arbitrariedade na aplicação da citada disposição legal, sem ponderar tratar-se de opção deliberada do Recorrente, face às características dos depoimentos selecionados, constitui a prevalência da mera formalidade, logo, da justiça formal, sem priorizar a justiça material, invertendo-se o atual paradigma que rejeita o excesso de formalismo quando este nega a verdade material;

14.ª – O nosso ordenamento jurídico processual tem vários normativos que defendem a primazia da justiça material, em detrimento de uma justiça meramente formal, de facto, o primado da justiça material sobre a justiça formal foi um princípio acolhido pela reforma processual de 1997, que impõe ao julgador a efetiva resolução de mérito das questões submetidas à sua apreciação, em detrimento das soluções formais. No caso concreto, a rejeição do recurso na parte referente à impugnação da matéria de facto determinou, de modo irremediável, a improcedência do recurso, na medida em que todas as questões suscitadas no recurso assentavam nessa reapreciação, sem a qual todas ficaram prejudicadas.

15.ª – O douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 6.º, no artigo 7.º, nos n.ºs 3 e 4 do artigo 590.º, no artigo 639.º e na alínea b) n.º 1 e n.º 2 do artigo 640.º, todos do Código Processo Civil e n.º 2 e 3 do artigo 18.º e n.º 4 do artigo 20.º ambos da Constituição da República Portuguesa.

Pelo exposto REQUER a V. EX.ªS se dignem admitir o presente recurso de revista e uma vez admitido de se digne considerar o mesmo procedente e consequentemente:

a) Declarar que no Acórdão recorrido ocorreu a violação de lei processual, por erro de interpretação e aplicação de norma jurídica, nomeadamente, em relação à aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 640.º do Código Processo Civil, na medida em que o Venerando Tribunal da Relação rejeitou o recurso na parte referente à impugnação da decisão da matéria de facto, na parte em que se fundamenta na prova gravada, face à opção (deliberada) do Recorrente de não identificar concretas passagens da gravação, em que funda o seu recurso.

b) Deverá ser revogado o douto acórdão recorrido, determinando a remessa do processo ao Tribunal da Relação do Porto para reapreciação da matéria de facto nos termos peticionados na apelação interposta da douta sentença, julgando, com base na impugnação da matéria de facto e reapreciação da prova gravada, o mérito da apelação.

E assim se fará Justiça!».

*

11. A Ré INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., tendo sido notificada de tais alegações, veio responder-lhes dentro do prazo legal [12/5/2025], tendo apresentado as seguintes contra-alegações:

«A. O Requerente pretende é uma reapreciação de prova produzida e não a ampliação da matéria de facto, pois, não indicou novos factos a incluir, mas sim, como aí referido, a radical alteração da prova sobre eles produzida, agora no sentido diametralmente oposto.

B. O tribunal ad quem não pode, nem deve, reapreciar a prova julgando pela “segunda vez” o objeto do processo, mas sim triar erros in judicandum ou in procedendo que devem ser indicados com precisão pelo Autor aqui Recorrente (artigo 640.º, CPC) o que este manifestamente não fez;

C. O Recorrente não indicou com precisão qual o particular da matéria de facto que configurou um erro de julgamento por flagrante discrepância entre o elemento de prova e a decisão de facto — o que não se vislumbra minimamente concretizado ao longo de todo o arrazoado das Conclusões e, muito menos, ao ponto de traduzir um erro de tal modo grosseiro que obrigue a reapreciá-la no sentido pretendido pelo Recorrente: i.e., resultando sem mais na substituição de todas as alíneas DD), EE), GG), HH), JJ) e LL), da matéria de facto provada pela diametralmente opostas alíneas 1), 2), 3), 4), 19), 20) e 21), da matéria de facto não provada (vide a 15.ª Conclusão das alegações de Apelação do Recorrente bem como a 16.ª e 17.ª).

D. O Recorrente optou por indicar a matéria objeto dessa impugnação por “temas” ou “blocos”, como bem aponta o Acórdão a fls. 46 (impugnação sob o ponto II.A.1 e sob o ponto II.B.1, das alegações), e não quanto a cada um dos pontos da matéria de facto concreta com que discorda e porquê, o que torna turvo quais os motivos da divergência fundados nos depoimentos gravados que são comuns a todos os pontos “aglomerados” ou apenas a um ou alguns deles;

E. A seu propósito também nada consta vertido nas suas Conclusões de Revista.

F. A opacidade da sua impugnação é a aumentada ao, teimosamente, insistir (inclusive em sede da presente Revista) que o cumprimento do ónus legal (secundário) de identificar as concretas passagens dos depoimentos gravados é uma mera opção;

G. Tornando desse modo impossível que as concretas passagens selecionadas, como exige a lei processual — independentemente de mencionarem, ou não, a indicação do momento de início e termo de sua gravação —, porventura, revelassem quais os pontos de facto que concretamente eram contrariados por esses segmentos de prova testemunhal mas que, contudo, também não foram consignadas pelo Recorrido como era seu dever e, obviamente, não pode ser “adivinhado” mediante a consulta à transcrição integral daqueles depoimentos gravados, seja por iniciativa da Recorrida ou do tribunal ad quem.

H. A latitude com que o Recorrente preteriu o formalismo processual prescrito (seja ele na medida do ónus que chama principal ou secundário) inquina a seriedade material do exercício de reapreciação da prova gravada de que é um garante, impossibilitando a apreciação do seu mérito que, caso contrário, se transformaria numa mera discussão de “discórdias” o que não pode ser.

I. Não é admissível lançar mão de um despacho de aperfeiçoamento por iniciativa do tribunal, como reconhece o próprio acórdão recorrido a fls. 44, a verdade é que também nada há para aperfeiçoar, porquanto, o dever do Recorrente foi totalmente preterido, nada restando que possa ser complementado em sede de um putativo “aperfeiçoamento”.

J. Não se verifica violação ou errada aplicação de lei de processo pelo Acórdão que o Recorrente reclama, à sombra da alínea b), do n.º 1, do artigo 647.º, do CPC, mas, muito pelo contrário, a fundamentação da sua acertada decisão à luz dos cânones e da jurisprudência que vêm enformando a aplicação das regras da impugnação da matéria de facto pelo uso de depoimentos gravados.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicável e com o sempre Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso de Revista e integralmente mantido o decidido no Acórdão recorrido. »

**

12. O tribunal recorrido proferiu então, com data de 19/05/2025, o seguinte despacho judicial:

«Inconformado com o Acórdão deste tribunal de 24/2/2025, que julgou improcedente o recurso confirmando a decisão recorrida, veio o Autor interpor recurso de Revista, a subir imediatamente, nos próprios autos.

Dispõe o art.º 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

Por seu turno, estabelece o n.º 3 do mesmo preceito que, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

O art.º 672.º, n.º 1 do Código de Processo Civil prevê que, excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;

c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

E o seu n.º 2 especifica que o requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

c) Os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

Analisando o acórdão recorrido verificamos que o mesmo confirmou a sentença da primeira instância, sem voto de vencido e com fundamentação idêntica nos seus aspetos essenciais. Pelo que, de harmonia com o preceituado no art.º 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, não seria, no caso concreto, admissível recurso de Revista.

Importa então averiguar se estão reunidos os pressupostos da revista excecional.

Quanto a qualquer das hipóteses previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do art.º 672.º do Código de Processo Civil, não foram as mesmas sequer invocadas pelo recorrente.

A invocação de algumas das alíneas do n.º 1 do art.º 671.º do Código de Processo Civil seria suficiente para, neste Tribunal da Relação, se admitir o recurso de revista excecional, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça a verificação, em concreto, dos pressupostos – art.º 672.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

Não tendo sido invocada qualquer das referidas a líneas, a consequência é a inadmissibilidade do recurso.

É certo que, lendo as alegações de recurso, o recorrente parece sustentar a admissibilidade do recurso na a al. c) - o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme -, uma vez que o recorrente cita três acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que, na sua perspetiva, e sob a mesma questão fundamental do recurso, decidiram de modo distinto.

Simplesmente, o art.º 672.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil consagra que o requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

(…)

c) Os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

Pelo que, mesmo que se entendesse que a não invocação do norma legal podia ser suprida pela indicação, quanto à alínea c), dos acórdãos em contradição, ainda assim o recorrente não cumpriu o ónus imposto, desde logo porque se limitou a transcrever os

sumários dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, não juntando cópia do “acórdão-fundamento” como imposto por lei.

Em face do exposto, não se admite o recurso de Revista apresentado pelo autor.

Notifique»

*

13. O Autor recorrente, notificado do despacho transcrito e inconformado com o mesmo, veio, em 2/6/2025, reclamar, nos termos dos artigos 82.º, n.º 2 do CPT e artigo 643.º, número 3, do Novo Código de Processo Civil, de tal despacho de não admissão do recurso de Revista por ele anteriormente interposto.

*

14. A Ré respondeu, dentro do prazo legal de 10 dias, a tal reclamação, pugnando pelo seu indeferimento.

*

15. Tendo a dita Reclamação, conjuntamente com uma certidão de algumas das peças dos autos principais, subido a este Supremo Tribunal de Justiça e sido admitida, veio o relator da mesma a proferir Decisão Sumária, com data de 27/6/2025, com o seguinte dispositivo final:

«Em conclusão e pelos fundamentos expostos, nos termos dos artigos 82.º do Código do Processo do Trabalho e 643.º do Novo Código de Processo Civil, decide-se indeferir a presente Reclamação, deduzida pela recorrente AA, revogando-se o despacho reclamado de não recebimento do recurso de Revista pelo mesmo interposto e substituindo-se tal despacho por um outro que admite esse recurso, nas condições acima descritas e ao abrigo dos fundamentos expostos.

Custas a cargo da Reclamada – artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Notifique e registe.

Solicite a subida oportuna dos autos principais a este Supremo Tribunal de Justiça. D.N.»

*

16. Tal Decisão Sumária não foi objeto de Reclamação para a Conferência, o que determinou o seu trânsito julgado formal e a subida a este Supremo Tribunal de Justiça dos autos principais.

*

17. O ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu Parecer nos autos que concluiu nos seguintes moldes:

«Assim, bem procedeu o Tribunal da Relação do Porto ao rejeitar o recurso de apelação na parte em que se fundamenta na prova gravada, por força do disposto no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

O Ministério Público emite, assim, parecer no sentido de que não deve ser dado provimento ao recurso, sendo de manter o acórdão recorrido..»

*

18. As partes não se pronunciaram sobre o teor desse Parecer, dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de terem sido notificadas do mesmo.

*

19. Cumpre decidir, tendo o projeto de acórdão sido oportunamente remetido aos Exmos. Juízes-Conselheiros Adjuntos assim como lhe concedido o acesso eletrónico ao presente processo.

II. FACTOS

20. Com relevância para o presente Aresto, há a considerar os seguintes factos:

- FACTOS DADOS COMO PROVADOS PELO TRIBUNAL DA 1.ª INSTÂNCIA:

Factos assentes por acordo:

A) O Autor foi admitido pela Ré na sua organização empresarial em 04/03/1987 para desempenhar as funções de operador de via;

B) Em respeito pelos procedimentos internos da Ré, para efeitos de registo dos recursos humanos e identificação de pessoal, foi-lhe atribuído o número individual 8703308;

C) Em Junho de 2004 o Autor frequentou e concluiu uma Formação Inicial de Permanentes de Infraestruturas, disponibilizada pela Ré, onde estavam inscritos, para além do Autor, outros 10 colaboradores;

D) O Autor só integrou a categoria profissional de Encarregado de Infraestruturas em Julho de 2007;

E) É aplicável à relação laboral entre Autor e Ré o Acordo de Empresa celebrado entre a Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P. e o SNTSF – Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário, publicado a fls. 1963 a 1999 do BTE n.º 27, de 22/07/2000 (doravante AE 2000);

F) Foi celebrado Acordo de Empresa entre a Rede Ferroviária Nacional, E.P. e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário, entre outros, que procedeu à alteração do acordo de empresa indicado em E) e republicação do texto consolidado, publicado a fls. 1908 a 1961 do BTE n.º 22, de 15/06/2008 (doravante AE 2008); Este Acordo de Empresa foi alterado pelo Acordo de empresa entre a REFER — Rede Ferroviária Nacional, E. P., e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário e outros, publicado a fls. 177 a 213 do BTE n.º 2, de 15/01/2011 (doravante AE 2011);

G) O Acordo de Empresa indicado em F) foi revogado pelo Acordo Coletivo celebrado entre a ora Ré e outros e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário, entre outros – Revisão Global, publicado a fls. 2288 a 2327 do BTE n.º 22, de 15/06/2019 (doravante AE 2019);

H) As remunerações base auferidas pelo Autor entre Junho de 2004 e Abril de 2022, incluindo os subsídios de Natal e de Férias, foram as seguintes:

[QUADRO/TABELA CONSTANTE DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO PARA ONDE SE REMETE]

I) O Autor auferiu os seguintes valores a título de subsídio de escala:

[QUADRO/TABELA CONSTANTE DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO PARA ONDE SE REMETE]

J) O Autor prestou trabalho noturno e foram-lhe pagas a tal título as seguintes horas e quantias mensais:

[QUADRO/TABELA CONSTANTE DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO PARA ONDE SE REMETE]

K) No dia 19/02/2020 o Autor enviou E-mail dirigido para o “Capital Humano” da Ré a solicitar a regularização da sua situação salarial, pelo pagamento dos créditos salariais a que tem direito, nos termos constantes de fls. 177 e 178 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;

L) A Mandatária do Autor remeteu em 06/10/2021 Email dirigido à Diretora de Capital Humano, Dr.ª BB, instruído com uma comunicação detalhada sobre os motivos pelos quais vinha ao S/contacto, nos termos constantes de fls. 178 verso a 180 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;

M) A Mandatária do Autor remeteu E-mail à Dr.ª BB em 18/10/2021, nos termos constantes de fls. 181 dos autos e que se dá por integralmente reproduzida;

N) Em 01/06/2004 o Autor passou, por concurso, ao índice N 158, correspondente ao código de categoria profissional (11CB020) de Encarregado de ..., com a retribuição mensal da categoria de € 690,55 e o abono de “complemento função permanentes” no valor de € 66,07;

O) Dos boletins da retribuição mensal do Autor relativos aos meses de Maio e Junho de 2004 resulta, no primeiro, que o código de categoria é 11CA050 correspondente a Operador de ... e a retribuição mensal da categoria é de € 659,96 e, no segundo, o código de categoria é 11CB020 correspondente a Encarregado de ... e a retribuição mensal da categoria é € 690,55 surgindo nesse mês o abono de “complemento função permanentes” no valor de € 66,07;

P) O Autor auferiu o abono de “complemento função permanentes” até ao mês de Outubro de 2009;

Q) O contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré caducou em 12/04/2023, por reforma do Autor por velhice;

Factos demonstrados por produção de prova:

R) O indicado em D) sucedeu porque a nível nacional houve uma reestruturação das categorias profissionais da Ré, onde foram agregadas as áreas de Infraestruturas e de Infraestruturas de Via, e o Autor passou automaticamente à categoria profissional de Encarregado de Infraestruturas;

S) Dois trabalhadores que desempenham a mesma função que o Autor, e se situam na mesma categoria profissional, auferem remunerações diferentes;

T) Entende-se por escalas de serviço, os horários de trabalho individualizados, destinados a assegurar a prestação de trabalho em períodos não regulares, quanto à duração diária e às horas de entrada e saída;

U) O Autor começou a fazer escalas de serviço em Junho de 2013 e manteve a execução das mesmas até Maio de 2022;

V) O Autor recebeu uma retribuição mensal calculada em respeito pelo valor definido para a categoria de operador de via até Junho de 2004;

W) O Autor falou com a chefia sobre a categoria profissional e a retribuição devida;

X) O Autor sente que o seu trabalho não é valorizado pela Ré, nem é pela mesma respeitado;

Y) Sentindo-se humilhado perante os seus colegas que exercem as mesmas funções, porém, recebem retribuição mensal superior à por si auferida, com o conhecimento e aprovação da Ré;

Z) Dos trabalhadores que frequentaram a formação identificada em C), apenas 3 (incluindo o Autor) não acederam à categoria profissional de encarregado de infraestruturas após a formação;

AA) Os demais acederam de imediato à categoria profissional de encarregado de infraestruturas, mesmo se tinham menor antiguidade em relação ao Autor;

BB) O complemento de funções de permanente atribuído ao Autor não foi atribuído aos colegas que passaram à categoria de encarregado de infraestruturas;

CC) A frequência da Formação Inicial de Permanentes de Infraestruturas identificada em C) destinava-se a atribuir aos seus formandos formação para o desempenho de uma nova função permanente de infraestruturas, ainda em fase de desenvolvimento;

DD) Não era, portanto, uma formação para acesso a categoria profissional, mas para possibilitar o exercício de uma diferente atividade que, por ser nova, ainda não tinha um enquadramento definido no sistema de carreiras da Ré;

EE) A Ré determinou e divulgou que quem acedesse ao exercício na nova função, mediante aprovação nessa formação, iria auferir contrapartida monetária por referência ao índice base da categoria profissional de Encarregado de Infraestrutura;

FF) A carreira profissional “Operacional” estava dividida em áreas distintas, cada uma integrando categorias próprias, a saber:

a) a área de circulação;

b) a área de infraestruturas;

c) a área de infra-estruturas-via e

d) a área de apoio;

GG) Todavia, quando foi implementada a função de permanente de infraestruturas, esta foi incluída nas valências tanto da área de infra-estruturas como da área de infra-estruturas-via;

HH) Por tal, entendeu a Ré que a remuneração dessa nova função, comum àquelas duas áreas da carreira operacional, seria remunerada por reporte à remuneração de referência de encarregado da área de infraestruturas, cuja base da categoria correspondia a índice salarial de valor superior, pela sua maior complexidade, nivelando a contrapartida por excesso e não por defeito;

II) A área de Infraestrutura de Via, onde se encontrava o Autor, detinha um índice salarial menos favorável que área de Infraestruturas;

JJ) Contudo, como a retribuição de referência para a função de permanente era a de Encarregado de Infraestruturas (superior à do Encarregado de Infraestruturas Via), ao Autor e aos outros trabalhadores na mesma situação, foi pago aquele abono com a designação “complemento função permanentes”;

KK) O valor desse abono correspondia à diferença entre a retribuição do Autor enquanto Encarregado de ... acrescida do subsídio de turno e o valor da retribuição correspondente ao índice base da categoria de Encarregado de Infraestruturas acrescida do valor do subsídio de turno correspondente;

LL) Assim, uma vez que a Ré tinha estabelecido a retribuição daquela categoria de Encarregado de Infraestruturas como retribuição de referência daquela função de Permanente de Infraestruturas, o Autor passou logo desde o mês de Junho de 2004 a receber o abono de “complemento função permanentes”, que pagava a diferença entre a categoria de Encarregado de ... do Autor e a categoria de Encarregado de Infraestruturas;

MM) Os trabalhadores da Ré que como o Autor também eram originários da área de infraestrutura de via tiveram o mesmo tratamento do Autor, ou seja, foram enquadrados em Encarregado de ... e, para além do aumento da retribuição base mensal dessa categoria, passaram a auferir o “complemento função permanentes”;

NN) Os trabalhadores que eram originários de área de infraestruturas (não via) foram enquadrados em Encarregado de Infraestruturas, não necessitando, por esse motivo, de auferir como o Autor e demais o “complemento função permanentes”;

OO) A alteração ao sistema de carreiras da Ré indicado em R) implicou que a base dessa nova categoria agregadora de Encarregado de Infraestruturas se iniciasse num índice inferior ao da antiga categoria profissional de Encarregado de Infraestruturas;

PP) Por mero efeito dessa agregação, o Autor permaneceu auferindo o “complemento função permanentes”;

QQ) A categoria profissional do Autor sofreu a seguinte evolução:

[QUADRO/TABELA CONSTANTE DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO PARA ONDE SE REMETE]

RR) A retribuição mensal do Autor considerada para apurar a remuneração horária base do cálculo para o pagamento de subsídios de turno ou de escala ou trabalho noturno resultava do seguinte somatório: Retribuição base categoria profissional + diuturnidades + subsídio de turno + complemento função permanentes;

SS) A retribuição horária não foi diminuída no período reclamado;

TT) O subsídio de turno e da retribuição de referência eram tomados em conta no apuramento do valor do complemento para efeitos de subsídio de férias ou Natal;

UU) A Ré respondeu ao E-mail do Autor identificado em K) por meio de E-mail remetido no dia 21/02/2020, nos termos constantes de fls. 349 verso e 350 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas.

*

- FACTOS NÃO PROVADOS:

Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:

1) A frequência da formação identificada em C) dos factos provados destinava-se a conferir aos inscritos a atribuição da categoria profissional de Encarregado de infraestruturas;

2) Concluída a respetiva formação, o Autor deveria ter subido à identificada categoria profissional de Encarregado de Infraestruturas; [eliminado conforme decidido infra em 2, por intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem]

3) Após a formação identificada em C) o Autor manteve a categoria profissional de operador de via que já possuía;

4) Todos os outros colegas que frequentaram a mesma formação, integraram, logo em Junho de 2004 e por força da conclusão da formação identificada em C), a categoria profissional de Encarregado de Infraestruturas;

5) O indicado em R) dos factos provados ocorreu considerando também as qualificações profissionais alcançadas por força da formação identificada em C) dos factos provados;

6) Manteve-se inalterado o valor da retribuição auferida, destinada à categoria profissional de operador de via;

7) Desde Junho de 2004 que o Autor adquiriu qualificações técnicas de encarregado de infraestruturas e passou a exercer tais funções;

8) O Autor começou a fazer escalas de serviço em Janeiro de 2013;

9) O Autor recebeu uma retribuição mensal calculada em respeito pelo valor definido para a categoria de Encarregado de ... desde Junho de 2004 até Junho de 2009;

10) O Autor sempre exerceu as suas funções ao serviço da Ré em regime de trabalho noturno, situação que já existia em Junho de 2004 e se manteve;

11) Os superiores hierárquicos sempre ignoraram a situação do Autor;

12) A Ré nada fez para colocar termo às divergências denunciadas;

13) O desprezo pela reclamação apresentada e a inércia da Ré faz com que o Autor se sinta profissionalmente desvalorizado e diminuído;

14) O Autor sempre desempenhou as funções para as quais foi contratado com zelo, competência e assiduidade;

15) Cumprindo e respeitando as instruções e ordens de trabalho recebidas por parte dos seus superiores hierárquicos;

16) O Autor nunca deixou de exercer as suas funções ao serviço da Ré com todo o seu zelo e diligência, diariamente, sem abrandar o ritmo, sem pausas e interrupções, como sempre fez ao longo dos últimos anos;

17) O e-mail identificado em L) dos factos provados foi remetido face à ausência de qualquer resposta ao email enviado pelo Autor e indicado em K) dos factos provados;

18) O email indicado em L) dos factos provados não mereceu nenhuma resposta da parte da Ré, não obstante ter insistido nesse sentido através do email indicado em M) dos factos provados;

19) Os trabalhadores que se candidataram e foram admitidos a frequentar o curso de encarregado de infraestruturas eram todos operários de via;

20) Não existia qualquer diferenciação entre eles, a não ser a antiguidade ao serviço da Ré, e no final do curso todos tiveram aprovação;

21) Os colegas do Autor que acederam à categoria profissional de Encarregado de infraestruturas passaram a receber a retribuição correspondente a esta nova categoria profissional, cujo aumento salarial foi superior ao valor do complemento de permanente atribuído ao Autor;

22) O Autor foi “aliciado” a concorrer ao curso de encarregado de infraestruturas pelos seus superiores hierárquicos, para poder passar a integrar a correspondente categoria profissional;

23) Após receber o e-mail identificado em K) dos factos provados, o Autor contactou de imediato, telefonicamente, o Engenheiro CC e nesse contacto informou o subscritor do E-mail que frequentou o curso de encarregado de infraestruturas, que contrariamente ao vertido no E-mail, o habilitava a integrar a correspondente categoria profissional;

24) Na sequência do contacto telefónico existente o subscritor do E-mail pediu ao Autor para lhe facultar o comprovativo da frequência do curso, por não estar na posse de tal informação, que condicionou a informação vertida no E-mail;

25) Entre 01/02/1999 e 10/05/2003 o Autor integrou a categoria de operador de ..., pelo índice 151 do AE 2000, com a retribuição base mensal de € 647,33.”

III – OS FACTOS E O DIREITO

21. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).

*

A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

22. Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação declarativa com processo comum laboral ter sido intentada no dia 19/5/2022, com a apresentação, pelo Autor da sua Petição Inicial, ou seja, muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.

Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido na sucessiva vigência da LCT e legislação complementar, do Código de Trabalho de 2003 e do Código de Trabalho de 2009, que, como se sabe, entraram em vigor em 1/12/2003 e em 17/02/2009, sendo, portanto, os regimes jurídicos deles decorrentes que aqui irão ser chamado à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista, tudo sem prejuízo da Regulamentação Coletiva que é aplicável à relação laboral dos autos.

B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA

23. Neste recurso de Revista está em causa decidir o seguinte, segundo o próprio recorrente:

«9.ª – Constitui principal e até único fundamento do presente recurso, o facto do Recorrente entender que o acórdão recorrido incorreu em violação ou errada interpretação da lei processual, conforme dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do Código Processo Civil, pelo seguinte fundamento:

b) Saber se a falta de indicação de concretas passagens da gravação em que se funda o recurso, sem análise casuística das razões subjacentes a tal opção, que optou pela transcrição integral, será fundamento, sem mais, para rejeição da impugnação do recurso sobre a matéria de facto;

10.ª – São dois os aspetos de direito fulcrais cuja apreciação se sujeita a este Colendo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos melhor desenvolvidos na motivação de recurso, para a qual se remete por economia e para evitar a sua repetição, a saber:

a) A falta da indicação do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do Código Processo Civil não deverá implicar, só por si, a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, na medida que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso facilitado aos meios de prova, assegurar o exercício do contraditório e facilitar a análise por parte do Tribunal;

b) Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640.º do Código Processo Civil os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sob pena de cair-se num excesso de formalismo e rigor que a dogmática processual pretende evitar, priorizando a justiça material, em detrimento da justiça formal».

C – REGIME LEGAL APLICÁVEL

24. Importa chamar, desde logo, à colação o regime jurídico-processual aplicavel:


Artigo 639.º

Ónus de alegar e formular conclusões


1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.

4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.

5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.


Artigo 640.º

Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto


1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Será com base nestas disposições legais que iremos abordar as questões suscitadas pelo recorrente.

E – FUNDAMENTAÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

25. O Aresto recorrido, depois de fazer uma longa viagem pela jurisprudência dos tribunais superiores sobre a interpretação do regime do artigo 640.º do NCPC, por referência aos requisitos mínimos legalmente exigidos para efeitos da admissibilidade do recurso de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, debruça-se sobre o cenário concreto dos autos e que, em seu entender, justifica a rejeição da correspondente impugnação, nos seguintes moldes:

«Revertendo ao caso dos autos, analisadas as conclusões e a motivação do recurso, no que respeita ao ónus previsto na alínea b), do artigo 640.º, n.º 1, do CPC, constata-se que o Recorrente impugna a factualidade que indica por bloco de factos, que, aliás, reconduz a temas, sendo que é a esse conjunto de factos e temas que depois indica a prova que em seu entender permitiria fosse dada resposta diversa daquela a que se chegou na sentença [cfr. pontos II. A) 1. e II. B 1. da motivação e conclusões 12.ª e 21.ª].

Por outro lado, mesmo abstraindo do modo pouco objetivo como estruturou o recurso na parte dirigida à impugnação da matéria de facto, englobando um conjunto de factos provados e não provados, em bloco, o certo é que, também a respeito das suas declarações (na motivação apela também às suas declarações de parte) e dos depoimentos das três testemunhas que convoca, esses meios probatórios, diversamente do que é imposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC - “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva partes, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” -, não são efetivamente localizados no registo da gravação nos termos e para os efeitos exigidos nesse normativo.

Com efeito, o Recorrente em relação à prova gravada que aponta como relevante para a alteração da decisão pretendida, indica sempre apenas que a gravação foi feita na audiência de julgamento de 30-01-2023 e o facto de esta ter sido feita “através do sistema de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS”, sem sequer referir/localizar os momentos de início e fim de gravação, transcrevendo depois, na íntegra, o teor das suas declarações de parte e o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD, EE e FF (cfr. ponto II. A) da impugnação apresentada - páginas 5 a 57 da motivação), e não indicando (seja na motivação, seja nas conclusões, bastando que o tivesse feito na motivação) concretas passagens da gravação em que funda o seu recurso

O Recorrente nunca faz, pois, a exigida localização das concretas passagens da gravação. A referida invocação em bloco (global) da prova gravada não corresponde ao ónus legal de indicação «com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso», o que nem sequer pode ter-se de algum modo por compensado com uma eventual transcrição de excertos (segmentos selecionados) relevantes, já que procedeu sempre à transcrição integral.

Ora, perante o acima descrito regime jurídico, quanto à prova pessoal gravada invocada pelo Recorrente na impugnação, verifica-se no caso em apreciação ostensivo desrespeito das exigências claramente estabelecidas na lei sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, não tendo sido cumprido desde logo o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes para fundamentar o recurso, nos termos prescritos no artigo 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC.

Estamos, pois, perante claro incumprimento por parte do Recorrente das obrigações processuais especificamente exigidas no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), do CPC quanto à prova pessoal gravada a que alude (declarações de parte do Autor e depoimentos das testemunhas DD, EE e FF), rejeitando-se o recurso nessa parte, ou seja, na parte em que se fundamenta na prova gravada, como expressamente cominado no citado artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, o que vale quanto a toda a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada (atente-se que o Recorrente apela a meios probatórios gravados, quer quanto à impugnação mencionada no ponto II. A) 1., quer quanto à impugnação mencionada no ponto II. B 1., como decorre da leitura da motivação e das conclusões de recurso máxime quanto a estas as conclusões 19.ª e 20.ª).

Tendo em conta que o Recorrente para fundamentar a impugnação apresentada apela a outros elementos probatórios, mais precisamente a elementos de prova documental – recibos de retribuição juntos pelo Autor - ou à inexistência de prova documental (falta de prova documental relacionada com a publicitação do curso) e consequências a extrair em sede de inversão de ónus de prova, não deixará de ser conhecida sob estes aspetos a impugnação da matéria de facto, mas, conforme já decidido, não poderá para tanto ser considerada a prova gravada mencionada.

Sustenta o Recorrente, movendo-se ainda na impugnação em bloco que apresentou, que o Tribunal a quo apenas valorizou a prova testemunhal indicada pela Ré, ignorando que as caraterísticas do curso frequentado pelo Recorrente e demais colegas constam de documento elaborado para o efeito e que não foi junto pela Ré. Argumenta que a não junção de tal documentação tornou impossível ao Recorrente a demonstração das finalidades subjacentes à criação do curso, porém, o Tribunal onerou o Autor com tal demonstração, sem, contudo, penalizar a Ré pela não demonstração (documentalmente) do contrário. Defende ainda que as declarações da testemunha arrolada pela Ré, considerando a impossibilidade de junção da prova documental suscetível de demonstrar o alegado pela Ré não podiam ser valoradas nos termos em que o foram, por se tratar de factos favoráveis à Ré, que não foram corroborados por qualquer outra prova. Mais argumenta que a livre apreciação da prova não pode abranger factos que deveriam ter sido provados por documento, mas não foram apresentados pela parte que os elaborou, sustentando, em substância, que se verificam os pressupostos da inversão do ónus de prova que deverá ser aplicada por este Tribunal ad quem.

Quanto à pretendida inversão do ónus de prova, como bem observa a Recorrida, está em causa questão que foi já objeto de decisão transitada em julgado (não foi interposto recurso dessa decisão) em que o Tribunal a quo expressamente considerou não estarem verificados os pressupostos legais para a inversão do ónus de prova requerida pelo Autor quanto à não junção da documentação a que agora o Autor se reporta neste recurso. Sendo questão decidida por decisão transitada em julgado, não pode sobre a mesma incidir pronúncia deste Tribunal ad quem.

Sem prejuízo do antedito, a verdade é também que - ao contrário do que o Recorrente parece pressupor na sua impugnação, de que se tratariam de factos que apenas poderiam ser demonstrados por documentos que não teriam sido juntos -, o certo é que os factos em referência (atinentes ao curso/formação) não estão sujeitos a prova vinculada, mormente documental.

De facto, não decorre de preceito algum que apenas possam ser provados documentalmente e/ou que o não possam ser por qualquer meio de prova, designadamente testemunhal. Estão, pois, tais factos sujeitos a qualquer meio de prova, designadamente testemunhal, valendo quanto a esta prova a livre convicção do julgador, sendo certo que a julgadora a fundamentou na análise crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte do Autor que indica na motivação da decisão da matéria de facto. Nessa ponderação entraram também os depoimentos das testemunhas CC e GG do departamento de recursos humanos da Ré conjugados com os documentos juntos a fls 320, 321 e 381 a 386, que merecerem na matéria em causa a credibilidade do Tribunal a quo, na sua livre apreciação (artigo 607.º, n.º 5, do CPC) em processo de valoração que se alcança em termos suficientemente claros e objetivos da fundamentação da decisão da matéria de facto. O Recorrente, aliás, nem sequer faz qualquer ensaio no sentido de procurar descredibilizar esses meios de prova valorados pela julgadora nessa matéria, de procurar evidenciar de alguma forma um erro na sua valoração, parte é do pressuposto da exigência de prova documental, o que, como vimos, não procede.

Assim, e não podendo haver por parte deste Tribunal de recurso reapreciação dos meios de prova testemunhal e declarações de parte indicados (já que o Recorrente não observou nos termos sobreditos o ónus de impugnação que sobre si recaía quanto a essa prova gravada, implicando a rejeição do recurso nessa parte nos termos decididos), o certo é também que quanto aos factos que foram objeto de impugnação por parte do Recorrente não estão em causa factos relativamente aos quais existissem regras de prova vinculada, como seja aquelas que impõem a apresentação de prova documental e, portanto, não existe no caso qualquer violação dessas regras de prova vinculada a reclamar a intervenção oficiosa da Relação para a desconsideração de qualquer um desses factos com esse fundamento.

Por outro lado, tendo em conta a já decidida rejeição quanto à prova gravada, em termos de meios probatórios haverá agora apenas que apreciar se os documentos convocados pelo Recorrente – recibos de retribuição juntos aos autos pelo Autor em conjugação com as tabelas salariais constantes do acordo de empresa aplicável à categoria profissional de encarregado de infraestruturas - impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Também nesta sede o Recorrente se moveu dentro da impugnação em bloco que apresentou, não relacionando esses elementos com qualquer concreto ponto de facto objeto de impugnação e que no seu entender justificaria decisão diversa.

Mesmo abstraindo dessa circunstância, analisados os recibos de retribuição juntos aos autos pelo Autor - constantes a fls. 40 a 156 dos autos -, não temos quaisquer dúvidas em concluir que os mesmos não impõem de todo decisão diversa quanto aos pontos impugnados. Tal documentação foi considerada em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto da 1.ª instância, em conjugação com outros elementos de prova que foram valorados, nos termos explicitados na sentença e que nos dispensamos aqui de replicar, tendo em conta que o Recorrente nem sequer explicita os motivos da sua discordância em termos de valoração dessa documentação pela 1.ª instância por reporte a um qualquer ponto da matéria de facto que impugna. O mesmo acontece em relação às tabelas salariais do apelidado “acordo de empresa aplicável”, sendo certo que no período temporal em causa nos autos estiveram em vigor os acordos de empresa identificados nos pontos E) a G) dos factos provados por acordo das partes e que não estão em crise na impugnação, sendo que, como é óbvio, as tabelas salariais a atender não são apenas as constantes do AE de 2019 mas sim as que estiveram em vigor ao longo desse período temporal (ou seja, desde 2004, por referência aos Acordos de Empresa que vigoraram nesse período).

Por todo o exposto, e sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso quanto à alteração da decisão da matéria de facto pretendida pelo Autor, ou seja, no sentido de que os pontos 1), 2), 3), 4), 7), 9), 19), 20) e 21) dos factos não provados passassem a integrar a matéria de facto provada e as alíneas DD), EE), GG), HH), JJ), KK) e LL) dos factos provados passassem a integrar a matéria de facto não provada.»

F – LITÍGIO DOS AUTOS

26. As alegações e conclusões de recurso do Autor, no quadro da Apelação pelo mesmo interposta da sentença da 1.ª instância, são as seguintes, no que respeita à impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, nos termos e para os efeitos do artigo 640.º do NCPC [aplicável ao processo de trabalho por força, designadamente, dos artigos 1.º e 80.º, número 3 do CPT]:

«No presente recurso pretende o Apelante a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, desde logo, com vista à modificação da mesma, pela alteração no que concerne aos factos dados como não provados (que deverão passar a integrar o elenco dos factos “provados”), tendo em consideração a reapreciação da prova testemunhal gravada, cuja transcrição, na parte que releva, constará da presente motivação de recurso e ainda, com base na análise dos documentos juntos.

Estes meios de prova, analisados rigorosamente, corroboram com a posição do Autor, aqui Apelante, conforme se demonstrará.

Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não teve em consideração que a formação de permanentes de infraestruturas (facto provado C)) marcou uma viragem na carreira profissional do Apelante, habilitando-o à prática de outras funções, fazendo o corte com as funções por si anteriormente desempenhadas.

O Tribunal a quo seguiu a linha de raciocínio da Ré, que para efeitos de definição da categoria profissional do Apelante, desvalorizou a formação pelo mesmo frequentada e as competências adquiridas por força da mesma, cingindo-se à proveniência do Apelante (trabalhador da via), mantendo a progressão deste como se continuasse a ser um trabalhador da “via”.

Ora, não deveria ser a proveniência a limitar e condicionar a progressão do trabalhador, como sucedeu, deveria ser atribuir-se a este a categoria profissional correspondente às funções efetivamente exercidas, independentemente da sua proveniência e competência anteriores.

A título de exemplo para compreensão do raciocínio: se um operário fabril em empresa ligada à mecânica, se obtém o grau académico de licenciatura em engenheiro mecânico, nunca poderá manter a sua proveniência base, para efeitos de carreira e respetiva retribuição, porque passou a exercer funções como engenheiro mecânico.

Foi o que sucedeu com o Autor, o mesmo porque tinha proveniência na carreira ligada à “via”, manteve a mesma linha/índice de progressão, mesmo se passou a exercer funções de encarregado de infra estruturas, por força da formação/curso que frequentou que lhe deu tais competências.

Os concretos meios probatórios agora identificados (prova documental e testemunhal) e a reapreciação da prova gravada em termos que melhor se explicitarão infra, justificam e fundamentam a alteração da matéria de facto, tudo circunstâncias que impõem, necessariamente, uma decisão diferente daquela que foi proferida, porque sem sustentação fáctica e sem meios de prova que a fundamente.

Entende o Recorrente que a devida ponderação da produção de prova feita em sede de audiência de julgamento (seja prova testemunhal, seja a própria prova documental), impõe uma decisão diferente daquela que foi efetivamente proferida, conforme se procurará demonstrar.

II – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO:

II. A) – MODIFICABILIDADE da DECISÃO de FACTO – AMPLIAÇÃO da MATÉRIA de FACTO PROVADA (reapreciação da prova gravada):

Procedeu-se à gravação do depoimento das testemunhas em audiência de julgamento, o que permitirá uma reapreciação da matéria de facto dada como não provada, que se pretende passe a integrar a matéria de facto “provada”.

Se é certo que a apreciação do depoimento das testemunhas tem por base, em audiência de julgamento, um conjunto de fatores que a imediação permite ponderar, também é certo que há depoimentos que são objetivos e claros, sem interferência de muitos elementos de carácter psicológico ou comportamental – o que sucede nos depoimentos a que se fará referência infra – permitindo ao Tribunal ad quem uma perceção dos aspetos que relevam para a análise dos respetivos depoimentos.

Além do mais, nos presentes autos a reapreciação da matéria de facto que se pretende ver alterada/ampliada, encontra sustentabilidade na prova documental junta ao processo e que serviu para formar a convicção do Tribunal a quo.

1 – FACTOS NÃO PROVADOS 1, 2, 3, 4, 7, 9, 19, 20 e 21 constantes da DOUTA SENTENÇA RECORRIDA e ASSIM NELA IDENTIFICADOS (cuja modificação se pretende):

Trata-se dos seguintes factos, que se transcrevem na íntegra, por facilidade de exposição:

“(…)

1) A frequência da formação identificada em C) dos factos provados destinava-se a conferir aos inscritos a atribuição da categoria profissional de Encarregado de infraestruturas;

2) Concluída a respetiva formação, o Autor deveria ter subido à identificada categoria profissional de Encarregado de Infraestruturas;

3) Após a formação identificada em C) o Autor manteve a categoria profissional de operador de via que já possuía;

4) Todos os outros colegas que frequentaram a mesma formação, integraram, logo em Junho de 2004 e por força da conclusão da formação identificada em C), a categoria profissional de Encarregado de Infraestruturas;

(…)

7) Desde Junho de 2004 que o Autor adquiriu qualificações técnicas de encarregado de infraestruturas e passou a exercer tais funções;

(…)

9) O Autor recebeu uma retribuição mensal calculada em respeito pelo valor definido para a categoria de Encarregado de ... desde Junho de 2004 até Junho de 2009;

(…)

19) Os trabalhadores que se candidataram e foram admitidos a frequentar o curso de encarregado de infraestruturas eram todos operários de via;

20) Não existia qualquer diferenciação entre eles, a não ser a antiguidade ao serviço da Ré, e no final do curso todos tiveram aprovação;

21) Os colegas do Autor que acederam à categoria profissional de Encarregado de infraestruturas passaram a receber a retribuição correspondente a esta nova categoria profissional, cujo aumento salarial foi superior ao valor do complemento de permanente atribuído ao Autor;

(…)”

O Apelante indicou como suas testemunhas os dois colegas de trabalho, DD e EE, os quais tendo frequentado a mesma formação para encarregado de infraestruturas que o Apelante frequentou, passaram a exercer as funções correspondentes às de encarregado de infraestruturas e, consequentemente, passaram a auferir a correspondente retribuição.

Os identificados colegas, à semelhança do Apelante, também prestavam as suas funções na zona norte, as mesmas que sempre foram exercidas pelo Apelante.

De facto, as testemunhas DD e EE foram os colegas que tal como o Apelante foram com ele fazer a formação/curso de permanentes de infraestruturas e ficaram os três a desenvolver o mesmo trabalho, nos mesmos locais, com as mesmas atribuições funcionais.

A única diferença residia na retribuição auferida, a do Apelante de valor inferior – conforme se extrai dos recibos de retribuição juntos aos autos, os do Apelante e os destes colegas de trabalho -, circunstância que não foi considerada pelo Tribunal a quo, que não teve em consideração o princípio de salário igual, para o desempenho das mesmas funções.

É o que decorre das declarações prestadas pelo Autor/Apelante e as declarações prestadas pelas identificadas testemunhas.

Transcreve-se, na íntegra, o teor das declarações de parte prestadas em audiência de julgamento e o teor dos depoimentos prestados pelas identificadas testemunhas.

(cfr. gravação feita em audiência de julgamento, realizada no dia 30 de Janeiro de 2023 registada através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática CITIUS):

[…]

Transcreve-se, também na íntegra, o teor dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, das testemunhas DD e EE, (cfr. gravação feita em audiência de julgamento, realizada no dia 30 de Janeiro de 2023 registada através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática CITIUS):

[…]

Transcreve-se, na íntegra, o teor das declarações prestadas em audiência de julgamento pela Testemunha EE. (cfr. gravação feita em audiência de julgamento, realizada no dia 30 de Janeiro de 2023 registada através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática CITIUS):

[…]

Importa referir que o Autor indicou como testemunhas os colegas de trabalho que tendo frequentado o mesmo curso (formação de permanentes de infraestruturas), ficaram colocados a trabalhar no mesmo local, na zona norte.

Resulta do depoimento das testemunhas, colegas de trabalho do Autor, no mesmo posto de trabalho, localizado na zona norte, que após a frequência do referido curso, com vista a exercer funções de encarregado de infraestruturas, todos eles, incluindo o Apelante, passaram a exercer as mesmas funções, indistintamente.

Cada uma das testemunhas declarou quais as funções exercidas ao serviço da Ré, que correspondiam às mesmas funções que eram exercidas pelo Apelante e no mesmo local.

O Tribunal a quo não considerou o depoimento das testemunhas (colegas de trabalho do Apelante, no exercício das mesmas funções – encarregados de infraestruturas).

Aliás, a testemunha indicada pela Ré, FF, superior hierárquico do Apelante e das supra identificadas testemunhas, não só identifica quais as funções exercidas pelo Apelante e referidas testemunhas, ou seja, encarregado de infraestruturas, como concretiza as funções em causa, exercidas pelo Apelante.

Mais refere esta testemunha que o Apelante e as testemunhas DD e EE exerciam as mesmas funções, no mesmo local, sob a sua supervisão.

Transcreve-se, na íntegra, o teor das declarações prestadas em audiência de julgamento por esta testemunha da Ré, o Eng. FF, superior hierárquico do Apelante e das testemunhas por si indicadas. (cfr. gravação feita em audiência de julgamento, realizada no dia 30 de Janeiro de 2023 registada através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática CITIUS):

[…]

[Considerações genéricas de natureza factual e jurídica]

Por todo o exposto, pela apreciação crítica e ponderada da prova – designadamente a prova testemunhal indicada e ainda o teor dos documentos junto aos autos, a factualidade vertida nas referidas alíneas 1), 2), 3), 4), 7), 9), 19), 20) e 21) da matéria de facto dada como não provada deverá merecer resposta positiva e passar a integrar o elenco da matéria de facto “PROVADA”, mantendo a mesma redação.

II. B – MODIFICABILIDADE da DECISÃO de FACTO – AMPLIAÇÃO da MATÉRIA de FACTO NÃO PROVADA (reapreciação da prova gravada):

1 – FACTOS PROVADOS IDENTIFICADOS SOB AS ALÍNEAS DD), EE), GG), HH), KK) e LL) constantes da DOUTA SENTENÇA RECORRIDA e ASSIM NELA IDENTIFICADOS (cuja modificação se pretende):

Estes factos constantes da Douta sentença recorrida, individualizados através das alíneas DD), EE), GG), HH), KK) e LL) encontram-se integrados entre os factos considerados «PROVADOS» pelo Tribunal a quo.

Trata-se dos seguintes factos, que se transcrevem na íntegra, por facilidade de exposição:

“(…)

DD) Não era, portanto, uma formação para acesso a categoria profissional, mas para possibilitar o exercício de uma diferente atividade que, por ser nova, ainda não tinha um enquadramento definido no sistema de carreiras da Ré;

EE) A Ré determinou e divulgou que quem acedesse ao exercício na nova função, mediante aprovação nessa formação, iria auferir contrapartida monetária por referência ao índice base da categoria profissional de Encarregado de Infraestrutura;

(…)

GG) Todavia, quando foi implementada a função de permanente de infraestruturas, esta foi incluída nas valências tanto da área de infraestruturas como da área de infra-estruturas-via;

HH) Por tal, entendeu a Ré que a remuneração dessa nova função, comum àquelas duas áreas da carreira operacional, seria remunerada por reporte à remuneração de referência de encarregado da área de infraestruturas, cuja base da categoria correspondia a índice salarial de valor superior, pela sua maior complexidade, nivelando a contrapartida por excesso e não por defeito;

(…)

KK) O valor desse abono correspondia à diferença entre a retribuição do Autor enquanto Encarregado de ... acrescida do subsídio de turno e o valor da retribuição correspondente ao índice base da categoria de Encarregado de Infraestruturas acrescida do valor do subsídio de turno correspondente;

LL) Assim, uma vez que a Ré tinha estabelecido a retribuição daquela categoria de Encarregado de Infraestruturas como retribuição de referência daquela função de Permanente de Infraestruturas, o Autor passou logo desde o mês de Junho de 2004 a receber o abono de “complemento função permanentes”, que pagava a diferença entre a categoria de Encarregado de ... do Autor e a categoria de Encarregado de Infraestruturas

(…)”

Os factos neles vertidos estão relacionados com a alegada definição das carreiras por parte da própria Ré, em que a própria também parece definir o valor das retribuições e valor dos complementos a atribuir para equiparar em termos remuneratórios trabalhadores em função da sua proveniência – ou seja, fica, para já, a confissão que a Ré reconhecia a necessidade de equiparar trabalhadores de proveniências diferentes, em função das novas funções que passaram a exercer.

No que concerne a estes factos, o Tribunal a quo apenas valorizou a prova testemunhal indicada pela Ré, mesmo se estão em causa factos favoráveis à Ré, cuja verificação nos moldes em que consta na Douta sentença não possuem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova, nomeadamente, prova documental.

O Tribunal a quo ignorou que as características do curso frequentado pelo Apelante e demais colegas, incluindo as finalidades subjacentes à criação do mesmo, constam de documento elaborado para o efeito, conforme aliás resulta do alegado pela Ré, que até protestou juntar tal documentação, mas nunca o fez, por alegado extravio.

Mesmo se estão em causa factos constitutivos do direito do Autor (demonstrar que a frequência do curso de destinou a permitir o acesso a uma nova categoria profissional), certo é que existe documentação que o demonstre, que se encontra na posse da Ré, por ter sido autora desses mesmos documentos, mas que não os juntou, não obstante ter protestado fazê-lo, desde logo, por constituir um efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do efeito prático-jurídico pretendido pelo Apelante.

A não junção de tal documentação tornou impossível ao Apelante a demonstração das finalidades subjacentes à criação do curso, porém, o Tribunal onerou o Apelante com tal demonstração, sem, contudo, penalizar a Ré pela não demonstração (documentalmente) do contrário, mesmo se estão em causa factos impeditivos alegados pela Ré, cuja demonstração lhe cabia.

As declarações da testemunha arrolada pela Ré, considerando a impossibilidade de junção da prova documental suscetível de demonstrar o alegado pela Ré (que não visou aceder a nova categoria profissional) não podiam ser valoradas nos termos em que o foram, por se tratar de factos favoráveis à Ré, que não foi corroborada por qualquer outra prova.

Vem também a Ré apelar à existência de “alegadas divulgações” quanto às finalidades inerentes à frequência do curso que confessou ter existido.

Antes de mais, importa considerar que a Ré protestou juntar documentação da época (2004) relacionada com a publicitação do curso, destinada a provar o por si alegado quanto às características e finalidades inerentes à frequência desse mesmo curso.

Resulta dos autos que a Ré não conseguiu localizar tal documentação.

O que significa que a existência de alegada divulgação quanto às características e finalidades da frequência do curso não foi feita através de prova documental, como se impunha, mas antes, através de prova testemunhal.

Ou seja, com apelo à memória de uma testemunha (ainda trabalhador da Ré) relativamente a factos ocorridos há quase 20 anos, relativamente a publicações feitas há quase 20 anos atrás.

Por outro lado temos o Apelante e dois trabalhadores da Ré (DD e EE), que leram as publicações existentes, analisaram as mesmas e frequentaram o curso na convicção que o mesmo lhes asseguraria o acesso a uma nova função: encarregado de infraestruturas, ou seja, contrariando o alegado pela Ré.

Não está ao alcance do Apelante a junção de documentação da época para demonstrar as características e finalidades inerentes à frequência do curso/formação, porque se trata de documentação da autoria da Ré, por ela emitida e divulgada, que deveria estar na sua posse, mas que nunca juntou apesar das insistências por parte do Autor.

Assim, não foi junta documentação por parte da Ré para demonstrar as características e as finalidades do curso, como se impunha, mesmo se o próprio Réu declarou a sua existência, mas a impossibilidade de localização da mesma.

Não obstante tratar-se de informação veiculada em documento escrito, cuja junção o Réu não fez (permanecendo para sempre a dúvida se tal junção não ocorreu por conter informação relevante para prova do alegado pelo Autor, ou, conforme alegado, impossibilidade de localização pelo decurso do tempo).

O Tribunal a quo entendeu fazer prevalecer a “tese” da Ré – mesmo se não foi demonstrada documentalmente, como deveria e poderia ter sido, com base no depoimento testemunhal relativamente a factos ocorridos no ano de 2004, por parte de uma testemunha que não frequentou o curso, antes recorreu à memoria do sucedido há quase 20 anos atrás.

Foi o Autor penalizado com o ónus da prova em relação a factos cujos documentos que os demonstram deveriam estar na posse da Ré, mas não estão, porque, convenientemente, os considerou extraviados.

Por outro lado, trata-se de factos pessoais do Autor, porque os vivenciou na primeira pessoa, porque frequentou o curso na convicção (que à época lhe foi assegurada) de destinar-se a adquirir competências para aceder a nova categoria profissional.

Em apoio da tese/convicção do Apelante há o facto, inegável, que essa nova categoria veio a ser implementada – encarregado de infraestruturas – ainda que em 2007.

O que torna estranha a versão da Ré, mesmo se confessa a reestruturação das carreiras, mas depois venha negar a finalidade associada à criação do curso/formação de permanentes.

Ora, a livre apreciação da prova não poderá abranger os factos que deveriam ter sido provados por documento, mas que não foram apresentados pela parte que os elaborou.

Não podendo onerar-se o Apelante com a demonstração de factualidade inserida em documentos elaborados pela Ré e nunca juntos por esta, porque se extraviaram pelo decurso do tempo.

O Apelante não tem dúvidas em relação à sua motivação para frequentar o curso/formação de permanentes – aceder à nova categoria profissional que irai nascer da reestruturação – nem têm dúvidas os colegas de trabalho do Autor, que frequentaram o curso com a mesma convicção, que, ao contrário do Apelante, passaram a exercer essa nova categoria, conforme declararam no depoimento que prestaram em sede de audiência de julgamento, supra transcritas.

A Ré em relação aos documentos relacionados com a criação e finalidades do curso/formação, referiu não possuir cópias, atento o tempo já decorrido, quase 20 anos, porém, não negou que existiu documentação relacionada com a criação do curso e das finalidades a ele inerentes.

A sentença recorrida é totalmente omissa sobre esta questão, pois onerou o Apelante com a prova da finalidade associada à frequência do curso, como resulta do facto não provado 1), estribando-se na prova testemunhal prestada pela Ré, conforme resulta do facto provado DD).

Salvo o devido respeito, conforme foi alegado nos requerimentos apresentados pelo Autor, face à impossibilidade manifestada por parte da Ré em juntar documentação relevante para a prova desta factualidade, da inexistência da documentação (por razões a que o Autor é alheio e apenas a Ré poderá ser responsável, por se tratar do seu arquivo documental), só poderá extrair-se as consequências previstas nos artigos 430.º, 431.º do Código Processo Civil, incluindo a inversão do ónus da prova, por tratar-se de documento em poder da parte contrária.

Como princípio geral, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, cabendo ao demandado a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo demandante; em caso de dúvida os factos devem considerar-se como constitutivos do direito – cfr. artigo 342.º, n.ºs 1 a 3, do Código Civil.

De acordo com o disposto no artigo 417.º, n.º 1 do Código Processo Civil, todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, devem prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.

Acrescentando-se no seu n.º 2 que a recusa da colaboração devida acarretará a condenação em multa e, se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.

Este preceito determina a inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado. Assim, impõe-se para a sua aplicação a verificação cumulativa de dois requisitos ou pressupostos:

1) que a prova de determinada factualidade, por ação/omissão da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer, o que determina que a prova que foi inviabilizada seja decisiva para demonstrar a realidade do facto;

2) que tal comportamento seja imputável à parte contrária a título de culpa (bastando para tanto a negligência no arquivo do documento).

A aplicação da inversão do ónus da prova referida no artigo 344.º/2 Código Civil não depende da invocação das partes, pois o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º/3 Código Processo Civil), o que significa que esta questão poderá ser apreciada pelo Tribunal ad quem.

Ora, ao Apelante, onerado com a prova, para conseguir a inversão do ónus importa demonstrar três aspetos essenciais:

a) Que existe ou existiu um meio de prova – foi a própria Ré que alegou existir prova documental e até protestou juntar a mesma, além de que, toda a documentação inerente às características e finalidades do curso é da autoria da Ré, sua promotora;

b) Que o meio de prova é relevante para a decisão da causa (pressuposto positivo do nexo de causalidade) – o Apelante está plenamente convencido que a formação existente se destinou a permitir o acesso a uma nova categoria profissional, sendo que, apenas a documentação na posse da Ré poderia assegurar tal demonstração;

c) De que não restam outros meios de prova relevantes (pressuposto negativo do nexo de causalidade): o Tribunal a quo não considerou a prova testemunhal indicada pelo Autor, mesmo se foram trabalhadores que frequentaram o mesmo curso e acederam à categoria profissional em causa;

d) E que o mesmo se encontrava em posse da contraparte (componente para o pressuposto da ilicitude e da culpa): esta posse foi confessada pela Ré.

Acresce que, a definição das diversas categorias profissionais e as correspondentes tabelas salariais, são aspetos que resulta da contratação coletiva, que assim constam de acordo de empresa, não estando na disponibilidade da entidade empregadora, de forma unilateral, definir “tabelas salariais” à revelia do acordo de empresa.

Impõe-se a definição da categoria profissional pelo núcleo de funções exercidas pelo Autor, às quais corresponde uma concreta tabela salarial.

Não podendo a Ré, de forma arbitrária, definir formalmente a categoria do Autor, com base na sua proveniência (operador de via), ignorando a existência de uma concreta categoria e as funções a ela inerentes – que foi identificada pelo seu superior hierárquico, em sede das declarações por si prestadas em audiência de julgamento e supra transcritas – logo, ignorando que à mesma corresponde uma concreta tabela salarial, que a Ré deve respeitar.

As declarações dos colegas de trabalho do Apelante e do seu superior hierárquico, encontram-se transcritas supra, constando da gravação feita em audiência de julgamento, declarações estas registadas através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso nos tribunais, na aplicação CITIUS da audiência de julgamento realizada no dia 30.01.2023, que poderão ser ouvidas por este Venerando Tribunal – o que se pretende. […]»

CONCLUSÕES

1.ª – A Douta decisão recorrida considerou improcedente a acção, por entender que o Apelante não demonstrou a violação do seu direito retributivo por parte da Ré, desde logo, porque não demonstrou que o curso/formação inicial de permanentes de infraestruturas assegurado pela Ré a alguns dos seus trabalhadores no ano de 2004 (incluindo o Apelante) se destinou a assegurar o acesso a uma nova categoria profissional, aquela cujo enquadramento retributivo o Apelante reclama;

2.ª – O Apelante no ano de 2004 inscreveu-se, juntamente com outros colegas, na frequência de uma formação inicial de permanentes de infraestruturas, promovida pela sua entidade empregadora, convencendo-se que a aprovação nessa formação lhe conferiria (à semelhança do que sucedeu com os colegas) o acesso à categoria profissional de encarregado de infraestruturas, convencimento esse que se consolidou pelo facto de os outros colegas de formação logo após o curso terem ingressado na categoria profissional de encarregado de infraestruturas, quando em relação ao Apelante tal apenas sucedeu em Julho de 2007, mesmo se a sua antiguidade ao serviço da Ré era superior à dos colegas;

3.ª – Conforme se extrai das declarações prestadas pelas testemunhas arroladas pelo Apelante, este logo após a frequência da formação passou a exercer as mesmas funções que os seus colegas, no mesmo local de trabalho, conforme também foi confirmado pelo seu superior hierárquico, no depoimento por si prestado.

4.ª - A única diferença entre todos os inscritos na formação, residia na proveniência em termos de carreira ao serviço da Ré, porém, tal circunstância, relativamente aos colegas de trabalho tornou-se irrelevante no momento em que acederam à nova categoria de encarregado de infraestruturas, já assim não sucedeu com o Apelante, que mereceu um tratamento diferenciado, pois manteve-o ligado à anterior categoria, atribuindo-lhe, para além da retribuição base, um complemento, quando bastaria atribuir-lhe a retribuição correspondente à nova categoria .

5.ª – Assim, a única diferença a registar entre a situação laboral do Apelante e a dos seus colegas de trabalho reside no valor da retribuição que lhes foi paga, em que os colegas de trabalho do Apelante receberam a retribuição correspondente à categoria de encarregados de infraestruturas e o Autor/Apelante recebeu retribuição de valor inferior, mesmo se em 2007 (mais do que o exercício das mesmas funções), passou a estar também integrado na mesma categoria profissional, porém, em vez de receber a retribuição correspondente à categoria que lhe foi atribuída, nos termos definidos em tabela salarial, a Ré contornou tal obrigação, atribuindo-lhe um complemento para equiparar a sua situação à dos colegas – mesmo se a equiparação passava pelo respeito pela tabela salarial aprovada em acordo de empresa para a categoria que lhe foi atribuída, sem mais;

6.ª – O Tribunal a quo penalizou o Apelante por entender que este não demonstrou que a frequência da formação se destinou a conferir-lhe o acesso à categoria profissional de encarregado de infraestruturas, onerando-o com as consequências de tal falta de prova.

7.ª - Porém, não teve o Tribunal a quo em consideração que a Ré negou que a formação tivesse tal finalidade, remetendo para a existência de documentação que provava tal factualidade negativa, todavia, nunca juntou aos autos tal documentação, por alegado extravio.

8.ª - O que significa que, não obstante ter apresentado defesa por exceção da Ré, em que alegou factos impeditivos do efeito pretendido pelo Apelante nos termos melhor identificados na motivação de recurso, a Douta sentença recorrida desvalorizou o ónus de prova que recaía sobre a Ré, a quem se impunha a demonstração da factualidade por si alegada, nomeadamente, que a frequência do curso não se destinou a permitiu acesso a nova categoria;

9.ª – O Tribunal a quo não teve em consideração que estava ao alcance da Ré demonstrar documentalmente tal circunstância, dissipando quaisquer dúvidas, como protestou fazer, por se tratar de documentação cuja autoria lhe é atribuída, que estava na posse da documentação, mas não a juntou aos autos.

10.ª – Logo, o Tribunal a quo também não teve em consideração que a falta de junção de documentação na posse da Ré, constituiu uma limitação em termos de prova, que o Tribunal a quo desvalorizou, mesmo se condicionou a demonstração das finalidades inerentes à criação do curso, onerando o Apelante com tais limitações de prova, já não a Ré, que era quem estava na posse do documento e podendo apresentá-los não os apresentou, impondo-se considerar a existência de inversão do ónus da prova, por estarem verificados os pressupostos que a determinam (cfr. artigo 344.º Código Civil), além de que, tendo sido declarado pela Ré que estava impossibilitada de juntar documentação destinada a provar as finalidades inerentes à criação e frequência do curso, ao Apelante nunca poderia ter sido prejudicado;

11.ª – A categoria profissional, por regra, é determinada pelas funções e tarefas atribuídas ao trabalhador nela integrado, no caso concreto o Apelante acedeu formalmente à categoria profissional de encarregado de infraestruturas apenas em 2007, mesmo se sempre exerceu as mesmas funções dos colegas, que acederam à mesma categoria logo em 2004 após a frequência da formação – o único aspeto distintivo da situação profissional do Apelante e dos colegas residia no valor da retribuição, em que os colegas recebiam a retribuição correspondente à categoria profissional que formalmente lhes estava atribuída e o Apelante recebia valor diferente, por causa da sua proveniência;

12.ª – A prova documental junta aos autos e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, que também terá servido para formar a convicção do Tribunal a quo, impõe, necessariamente e obrigatoriamente, decisão diferente daquela que foi proferida.

13.ª – Uma vez que existiu a gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento é possível a reapreciação da prova quanto à matéria de facto, com a consequente alteração da decisão relativamente à matéria de facto, com a inerente modificação da mesma, quer pela ampliação da matéria de facto provada, quer pela ampliação da matéria de facto não provada, em relação a concretos factos identificados na douta sentença recorrida, o que se pretende e resulta da motivação de recurso;

14.ª - Designadamente, pela audição e reapreciação do depoimento prestado pelas testemunhas DD e o EE, que foram os colegas que tal como o Apelante foram com ele fazer a formação/curso de permanentes de infraestruturas e ficaram os três a desenvolver o mesmo trabalho, nos mesmos locais, com as mesmas atribuições funcionais, e ainda através do depoimento prestado pela testemunha do Réu, FF, superior hierárquico do Autor, registadas através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática CITIUS em uso nos tribunais, na audiência de julgamento realizada no dia 30/01/2023, cuja audição se pretende, por se revelarem pertinentes, na medida em que a respetiva apreciação impõe decisão diferente daquela que foi proferida pelo Tribunal a quo, relativamente aos factos que a seguir melhor se identificam:

15.ª – No que concerne à modificação da matéria de facto, a mesma passará pelo seguinte:

a) Ampliação da matéria de facto provada, passando a incluir novos factos, que foram incorretamente julgados “não provados” uma vez que existe prova documental e testemunhal que justifica a sua alteração, para passarem a constar da matéria de facto provada, trata-se dos factos individualizados através das alíneas 1), 2), 3), 4), 7), 9), 19), 20) e 21) constantes da douta sentença recorrida e assim nela identificados (cuja modificação se pretende): que se encontram integrados entre os factos considerados «NÃO PROVADOS» pelo Tribunal a quo, mas que deverão passar a integrar os factos “PROVADOS”;

b) E ainda, pela eliminação dos factos constantes da matéria de facto provada, que foi assim decidida indevidamente, impondo-se a ampliação da matéria de facto não provada, passando a incluir novos factos, que foram incorrectamente julgados como provados, trata-se dos factos identificados nas alíneas DD), EE), GG), HH), JJ), KK) e LL), que deverão ser eliminados de entre os factos provados para passarem a integrar os factos não provados; consequentemente, deverá ser ampliada a matéria de facto não provada, passando a incluir outros factos não provados (com a inclusão de novas alíneas, designadamente, com a factualidade vertida nas referidas alíneas, conforme melhor descrito na motivação do presente recurso;

16.ª – Os factos considerados não provados, identificados sob a alínea a) da conclusão anterior, estão relacionados com as alegadas finalidades subjacentes à frequência da formação de permanentes de infraestruturas, promovida pela Ré no ano de 2004, na ótica do Apelante e ainda com os critérios subjacentes à fixação da retribuição e as proveniências em termos de carreira ao serviço da Ré, anterior á frequência da formação.

17.ª – E os factos considerados provados, identificados na alínea b) da 9.ª conclusão estão também relacionados com as finalidades inerentes à frequência do curso e a divulgação da mesma que foi feita à época, porém, considerando a factualidade alegada pela Ré – foi mencionada a existência de documentação que comprovava o alegado, porém, não foi junta pela Ré, atendo o lapso de tempo decorrido, que assim foi demonstrada através de prova testemunhal, logo, com recurso à memória do que terá sucedido há quase 20 anos atrás;

18.ª – Estes factos identificados sob a alínea b) da 9.ª conclusão, foram dados como provados apenas com base no depoimento da testemunha da Ré, CC, que contêm as seguintes fragilidades:

a) Reporta-se a factos ocorridos há quase 20 anos;

b) A testemunha, ao contrário do Autor e dos seus colegas, não frequentou a formação, que assim também não criou expectativas em relação às finalidades inerentes á frequência da mesma;

c) Relatou a versão da Ré, com recurso à memória dos factos ocorridos, quando o Autor e os colegas relataram o que viveram, a convicção que lhes foi criada quando se inscreveram na formação e as razões que os levaram a inscrever-se, ou seja, para receber competências funcionais para acederem a uma nova categoria;

d) Tais factos estavam documentados, documentos esses da autoria da Ré e que estavam na sua posse, mas que não foram juntos, por razões a que o Autor é alheio e que não o podia prejudicar.

19.ª – Existem meios probatórios constantes do processo que, impõem uma decisão diferente da que foi proferida pelo Tribunal a quo relativamente aos identificados pontos da matéria de facto provada e não provada, pelo que, os factos identificados sob a alínea a) da conclusão 11.ª deverão ser eliminados do elenco dos factos não provados, para passarem a constar dos “FACTOS PROVADOS”, e os factos identificados sob a alínea b) da conclusão 11.ª deverão ser eliminados do elenco dos factos provados, para passarem a constar dos “FACTOS NÃO PROVADOS”, e, em qualquer das situações, ampliando-se a matéria de facto dada como provada e ampliando-se a matéria de facto dada como não provada, nos termos melhor descritos na motivação.;

20.ª - Esses meios probatórios são:

a) O depoimento das testemunhas indicadas pelo Autor DD, EE e a testemunha indicada pela Ré FF, todas registadas através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso nos tribunais, dia 30/01/2023

b) Inexistência de prova documental relacionada com as características da formação frequentada pelo Autor e pelos colegas, que se encontrava na posse da Ré, mas que esta não juntou aos autos;

c) Recibos de retribuição juntos pelo Autor, que em conjugação com as tabelas salariais constantes do acordo de empresa aplicável à categoria profissional equivalente às funções exercidas pelo Autor, de encarregado de infraestrutura, revelam a existência das diferenças salariais reclamadas nos autos;

21.ª – Dos depoimentos prestados pelas identificadas testemunhas, transcritos na presente motivação, resulta que o Autor, não obstante a sua proveniência em termos de carreira profissional ao serviço da Ré, após a frequência, com aprovação, do curso de permanentes de infraestruturas, passou a exercer as funções de encarregado de infraestrutura, à semelhança do que aconteceu com os seus colegas – as testemunhas por si arroladas, este exercício das mesmas funções foi confirmado pelo seu superior hierárquico, que concretizou quais eram essas funções, cujas declarações também foram transcritas e constam da motivação;

22.ª – A frequência do identificado curso, para aquisição de competências para exercício das funções de encarregado de infraestruturas, representava para o Apelante (e demais colegas que se candidataram) a atribuição de competências funcionais típicas do encarregado de infraestruturas. Assim, o Apelante quando se inscreveu na frequência da formação de permanentes de infraestrutura, pretendeu, tal como os colegas de trabalho, em exercício de funções no mesmo local e posto de trabalho, ingressar na mesma categoria de “encarregado de infraestruturas”, aliás, como se impunha, uma vez que passou a exercer as mesmas funções que eles, indistintamente.

23.ª – A categoria profissional afere-se não pela denominação ou pelo nomen juris atribuído pela entidade empregadora ao trabalhador, mas sim pelas funções efetivamente exercidas por este, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respetiva atividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional (o “núcleo duro” de funções) que caracteriza ou determina a categoria em questão. O que significa que tendo o Autor/Apelante após a frequência do curso passado a executar as mesmas tarefas dos seus colegas de curso, no exercício das mesmas funções, logo, deveria ser este o critério para a definição da retribuição a fixar-lhe, ou seja, com base no exercício das mesmas funções que os seus colegas.

24.ª – O princípio constitucional da igualdade de tratamento, consagrado genericamente no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe que sejam tratados igualmente os que se encontrem em situações iguais, e desigualmente os que se encontrem em situações desiguais, de maneira a não se criarem situações arbitrárias. No caso concreto do Apelante, este mereceu um tratamento diferente relativamente aos colegas de trabalho, que estando todos integrados na categoria “encarregado de infraestruturas” e sendo o Apelante quem detinha maior antiguidade, no exercício das mesmas concretas funções, o Apelante foi colocado num nível inferior em termos de fixação da retribuição, por decisão unilateral da Ré.

25.ª – O Apelante deve ser qualificado não de acordo com a categoria formal que a entidade empregadora arbitrariamente lhe atribuiu (ignorando a frequência e aprovação no mesmo curso dos colegas de trabalho), mas sim de acordo com as funções por si exercidas, portanto, com a categoria que decorre da definição das concretas e especificas funções exercidas, ou seja, as de encarregado de infraestruturas, em respeito pelas tabelas salariais que resultam do acordo de empresa publicado e aplicável á categoria atribuída, compatível com as funções exercidas.

26.ª – Por todo o exposto, pela apreciação crítica e ponderada da prova – designadamente a prova testemunhal indicada e ainda o teor dos documentos junto aos autos, a factualidade vertida nas referidas alíneas 1), 2), 3), 4), 7), 9), 19), 20) e 21) da matéria de facto dada como não provada deverá passar a integrar o elenco da matéria de facto “PROVADA”, mantendo a mesma redação que lhes foi dada e que consta da douta sentença.

27.ª – A definição da categoria profissional é feita tendo em consideração o núcleo de funções exercidas pelo Autor, às quais corresponde uma concreta tabela salarial, logo, não pode a Ré, de forma arbitrária, definir formalmente a categoria do Autor, com base na sua proveniência (operador de via), ignorando a existência de uma concreta categoria e as funções a ela inerentes – que foi identificada pelo seu superior hierárquico, em sede das declarações por si prestadas em audiência de julgamento e supra transcritas – logo, ignorando que à mesma corresponde uma concreta tabela salarial, que a Ré deve respeitar. Sem esquecer que existe um Contrato Coletivo de Trabalho que regula a atividade em que se insere a Ré e o Autor, enquanto trabalhador, definindo-se aí, entre outros, a categoria profissional do trabalhador a nível salarial.

28.ª – A posição do trabalhador na organização em que se integra define-se a partir das concretas funções que exerce ao serviço da entidade empregadora, na execução daquilo que lhe cabe fazer, isto é, pelo conjunto de tarefas e serviços que formam o objeto da prestação de trabalho, determinando-se este a partir da atividade contratada com o empregador (cfr. artigo 115.º, n.º 1 do Código do Trabalho), ao Apelante foi atribuída a categoria de encarregado de infraestruturas, sem que lhe tivesse sido fixada a correspondente retribuição, como se impunha.

29.ª – O valor pago ao Autor (facto provado H) resulta do confronto com o valor inscrito nos recibos de vencimento entregues mensalmente ao Autor, já a diferença salarial reclamada resulta do concreto valor definido no Contrato Coletivo de trabalho para as diferentes categorias profissionais, designadamente, pela análise das tabelas constantes do CCT, publicado no BTE n.º 22, de 15/06/2019 (também junto aos autos pelo Apelante, para mais fácil localização, sob o número 217).

Como aponta a doutrina, há que destrinçar entre os vários significados da designação “categoria profissional” com efeitos juridicamente relevantes.

30.ª – Pela apreciação crítica e ponderada da prova – designadamente a prova testemunhal transcrita na motivação de recuso, mas também, considerando o teor dos documentos junto aos autos – a factualidade vertida nas referidas alíneas DD), EE), GG), HH), KK) e LL) da matéria de facto dada como provada deverá passar a integrar o elenco da matéria de facto “NÃO PROVADA”, mantendo a mesma redação constante da douta sentença.

31.ª – A apreciação da impugnação da decisão relativa à matéria de facto nos termos descritos nas conclusões anteriores e melhor desenvolvidos na motivação de recurso, com a inerente ampliação da matéria de facto (quer dos factos considerados provados, mas também dos factos considerados não provados), implicam uma modificação da decisão de facto, reconhecendo-se ao Autor, que o exercício das mesmas funções que os seus colegas, desde a conclusão e aprovação do curso de encarregado de infraestruturas por todos frequentado e no qual tiveram aprovação, implica a atribuição da mesma retribuição mensal, colocando-o, em consequência, em termos de carreira profissional, na situação em que se encontraria se tivesse sido integrado na categoria de encarregado de infraestruturas quando os seus colegas, logo, a pagar-lhe as correspondentes diferenças remuneratórias, identificadas na petição, por referência ao contrato coletivo de trabalho aplicável ao Apelante.

32.ª – Assim, é inequívoco que se verifica a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito que foi proferida. Por esta razão, é necessário, para a boa decisão da causa, ampliar a matéria de facto considerada provada, com inclusão de novos factos provados, cuja redação corresponde aos factos considerados “não provados” identificados sob as alíneas 1), 2), 3), 4), 19), 20) e 21); e ainda, ampliação do elenco descritivo dos factos não provados, pela eliminação dos factos mencionados nas alíneas DD), EE), GG), HH), JJ), KK) e LL) constantes de entre o elenco dos factos provados e a sua inclusão nos factos não provados, nos termos melhor desenvolvidos na presente motivação.

33.ª – A Douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 13.º e 59.º das Constituição da República Portuguesa, artigo 344.º do Código Civil, artigos 23.º, 115.º e 504.º todos do Código do Trabalho.

Pelo exposto REQUER-SE A V. EX.ªS se dignem considerar procedente a presente Apelação e consequentemente, se digne decretar a alteração da decisão quanto à matéria de facto nos termos melhor identificados nas conclusões 13.ª, 15.ª, 16.ª, 17.ª, 18.ª, 19.ª, 26.ª, 29.ª, 30.ª, 31.ª e 32.ª da presente Motivação, e, consequentemente, deverá ser revogada a Douta sentença recorrida, reconhecendo-se que o exercício, por parte do Apelante, das mesmas funções que os seus colegas, desde 2004 (data da conclusão e aprovação do curso de encarregado de infraestruturas por todos frequentado e no qual tiveram aprovação) implica a atribuição da mesma retribuição mensal que os colegas de trabalho, colocando-o, em consequência, em termos de carreira profissional, na situação em que se encontraria se tivesse sido integrado na categoria de encarregado de infraestruturas quando os seus colegas (após a conclusão do curso), logo, a pagar-lhe as correspondentes diferenças remuneratórias, identificadas na petição, por referência aos valores previstos nas tabelas salariais inseridas no contrato coletivo de trabalho aplicável à referida categoria, nos termos por si peticionados, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA»

G – LITÍGIO DOS AUTOS

27. Como já foi antes referenciado, deparamo-nos com um recurso de revista que tem por objeto o Aresto do Tribunal da Relação do Porto que rejeitou o recurso de Apelação do Autor na parte em que visava a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto que constava da sentença da 1.ª instância, com base no disposto nos artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), do CPC.

Trata-se de uma matéria complexa e difícil, que já foi tratada por este Supremo Tribunal de Justiça em diversos Arestos, conforme resulta dos três que, de imediato, se identificam:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2021, Revista n.º 756/14.3TBPTM.L1.S1 [2.ª Secção], Relator: Bernardo Domingos, publicado em https://iris.sysresearch.org/jurisprudencia/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:756.14.3TPTM.L1.S1.21?search=VHIl0DVLrcoSMYwI1Kg , com o seguinte Sumário Parcial

«III - Omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado nas als. a) e c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.»

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/12/2021, Revista n.º 9296/18.0T8SNT.L1.S1 [2.ª Secção], Relator: Rijo Ferreira , publicado em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:9296.18.0T8SNT.L1.S1.80?search=6jkyZLg94kuuc0HULiI, com o seguinte Sumário Parcial:

«III - A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente os factos e a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual, se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.

IV - Não é admissível, quanto ao recurso da matéria de facto, convite tendente ao aperfeiçoamento das conclusões.»

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2024, Proc.º n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1 [4.ª Secção], Relator: Mário Belo Morgado, publicado em https://juris.stj.pt/823%2F20.4T8PRT.P1.S1/Q2wyF7RQqU8HQ_lpzj2pAf7LPh8?search=EPtThtKNxEaf-8gjLcg, com o seguinte Sumário parcial:

«3. Enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1, alíneas a), b) e c) do art. 640.º implica a imediata rejeição do recurso, já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o n.º 2 do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso

4. O ónus do artigo 640.º do CPC não exige que todas as especificações referidas no seu n.º 1 constem das conclusões do recurso, sendo de admitir que as exigências das alíneas b) e c) do n.º 1 deste artigo, em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações.

5. Tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por "blocos de factos", quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova -, o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto.»

28. Chegados aqui e atendendo à circunstância de a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto ter de ser devidamente concretizada segundo o regime adjetivo constante do artigo 640.º do NCPC e julgado pela 2.ª instância ao abrigo, designadamente, do estatuído no artigo 662.º do mesmo diploma legal, há que realçar que essa reapreciação pelos tribunais da relação da factualidade dada como assente e não assente, em função dos meios de prova produzidos nos autos e das regras de cariz adjetivo e substantivo aplicáveis, não se traduz num novo julgamento, idêntico ao realizado pelo tribunal da 1.ª instância, com a mesma abrangência factual, probatória e jurídica que para o mesmo é legalmente exigido, mas antes na valoração, parcial e pontual, da prova identificada pelas partes, por referência aos factos controvertidos e identificados pelo recorrente nas suas alegações/conclusões e em razão de eventuais normas de direito probatório que possam ser para tal convocadas.

O coletivo de Juízes-Desembargadores responsável funcionalmente por tal revaliação da Decisão sobre a Matéria de Facto, na parte maior ou menor que é contestada pelo Apelante, não está obrigado a proceder a tal julgamento para além das questões concretas suscitadas pelo recorrente, que sendo, prefencialmente, de facto, não excluem também as de direito, que sejam levantadas em função das primeiras, como será o caso das matérias do ónus da prova assim como da prova de apreciação livre ou vinculada, permitida ou proibida, etc.

É esse preciso objeto do recurso que, no que toca à Fundamentação de Facto da sentença da 1.ª instância - e sem prejuízo das problemáticas de conhecimento oficioso que devam ser também aferidas pelo tribunal da 2.ª instância -, tem de ser apreciado e decidido pelo tribunal ad quem, assim se explicando e compreendendo as exigências formais constante do artigo 640.º do NCPC, quer quanto aos pontos de facto que se contesta, quer quanto ao diferente e alternativo conteúdo, alcance e sentido que se defende relativamente aos mesmos [podendo, no extremo, requerer-se a sua simples eliminação], quer finalmente quanto à identificação das partes ou dos excertos dos efetivos e precisos meios probatórios verbais ou orais que no entender do recorrente suportam tal modificação ou supressão.

O guião ou pauta de análise e ponderação do recurso da Decisão sobre a Matéria de Facto, que tem de ser redigido pelo recorrente, deve obedecer assim às regras impostas pelo referido artigo 640.º, ainda que sem se cair em exigências formais mecanicistas, excessivas e desproporcionadas, que venham a redundar em violação de direitos, como o do acesso efetivo aos tribunais e à concreta resolução pelos mesmos dos litígios que lhes são apresentados pelos cidadãos e outras entidades.

Face ao quadro legal aplicável, à interpretação que dela tem feito a nossa doutrina e jurisprudência e ao mais que, muito sinteticamente, deixámos antes exposto, que dizer acerca do cumprimento ou incumprimento por parte do Autor, no âmbito do recurso de Apelação por ele interposto, dos requisitos adjetivos do artigo 640.º [vg., da alínea b) do número 1 e da alínea a) do número 2 de tal disposição legal]?

Feita uma leitura atenta quer das alegações e conclusões recursórias da Apelação do Autor e que acima se reproduziram, quer da motivação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto para rejeitar tal impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, diremos que o Autor não cumpriu devida e suficientemente as exigências formais constantes das normas processuais indicadas.

Sem nos determos muito na impugnação por blocos que é levada a cabo pelo recorrente - ainda que se nos afigure que não existe uma uniformidade ou uma estrita e estreita conexão material entre os Pontos de Facto que os compõem - diremos que o recorrente, para um conjunto relativamente grande de factos, se limitou a fazer considerações e análises de índole genérica ou geral aos meios de prova indicados e a transcrever depois, na íntegra e sem destacar ou selecionar os excertos das declarações de parte ou dos depoimentos testemunhais [de considerável extensão, frize-se] que determinavam, em si e só por si ou em conjugação com outras provas [documentos] uma factualidade distinta.

A justificação que o recorrente invoca para reproduzir a totalidade das suas declarações de parte e dos depoimentos testemunhais – no sentido de assim «obrigar» o TRP a ler os mesmos em toda a sua extensão, até se localizar o que probatoriamente pode relevar – não tem fundamento legal mínimo e até contraria o regime jurídico que aqui analisamos, pois se, em tais declarações de parte ou depoimentos de testemunhas, que o recorrente sustenta que devam ser lidos na íntegra pelo tribunal de recurso, forem abordados outros assuntos que não são minimamente visados no recurso, tal não só implica que a Recorrida e os juízes do TRP tenham de andar, de alguma maneira, a «pescar» as temáticas objeto do recurso e os excertos probatórios significativos, como a prática concomitante de atos inúteis, o que está vedado pelo artigo 130.º do NCPC.

Poder-se-á mesmo questionar se nessa busca feita pelo recorrido ou pelos Juízes-Desembargadores seriam destacados e considerados os excertos probatórios que eram importantes para o recorrente, porque significativos da sua versão dos factos, ou se, ao invés ou em simultâneo, não iria ser dada relevância a outros que aquele nunca escolheria e indicaria para esse mesmo efeito.

Neste confronto que fazemos entre o cenário adjetivo que nos é apresentado nos autos e as disposições legais pertinentes, encontramos uma posição idêntica à que aqui sustentamos no Parecer do ilustre Procurador-Geral Adjunto que foi proferido nos autos e que, para o que aqui interessa, reza o seguinte:

«Ora, afigura-se que o recorrente carece manifestamente de razão.

O mesmo assume, como se pode ler nas conclusões da alegação de recurso, que «deliberadamente, optou pela transcrição integral dos depoimentos das testemunhas» (conclusão 11.ª) por pretender que «o Tribunal de recurso não ficasse dispensado de ouvir todo o depoimento» (conclusão 12.ª), o que alega ter feito porque «os depoimentos não são sequenciais, antes se encontrando disseminadas ao longo de todo o depoimento» (conclusão 12.ª).

Ora, como se observou no acórdão recorrido do Tribunal da Relação do Porto, «o Recorrente em relação à prova gravada que aponta como relevante para a alteração da decisão pretendida, indica sempre apenas que a gravação foi feita na audiência de julgamento de 30-01-2023 e o facto de esta ter sido feita “através do sistema de gravação digital na aplicação informática CITIUS”, sem sequer referir/localizar os momentos de início e fim da gravação, transcrevendo depois, na íntegra, o teor das suas declarações de parte e o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD, EE e FF (cfr. ponto II. A) da impugnação apresentada - páginas 5 a 57 da motivação), e não indicando (seja na motivação, seja nas conclusões, bastando que o tivesse feito na motivação) concretas passagens da gravação em que funda o seu recurso». E, ainda, que «O Recorrente nunca faz, pois, a exigida localização das concretas passagens da gravação. A referida invocação em bloco (global) da prova gravada não corresponde ao ónus legal de indicação «com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso», o que nem sequer pode ter-se de algum modo por compensado com uma eventual transcrição de excertos (segmentos selecionados) relevantes, já que procedeu sempre à transcrição integral.».

Da norma legal da alínea a) do n.º 2 do art.º 640.º do CPC resulta de forma totalmente clara que o recorrente deve indicar «com exactidão as passagens da gravação», o que significa que tem a obrigação de identificar o momento temporal de início e de fim que pretende que seja considerado em cada depoimento, podendo, além disso, transcrever os excertos que considere relevantes.

Não se vislumbra como a transcrição integral de depoimentos possa corresponder ao cumprimento da obrigação legalmente imposta de identificar «com exactidão as passagens da gravação».

E a sua expressa pretensão de que «o Tribunal de recurso não ficasse dispensado de ouvir todo o depoimento» não tem qualquer sustentação racional nem legal.

O tribunal de recurso deveria ouvir e reapreciar a prova gravada nos concretos excertos de cada depoimento que o recorrente indicasse como sendo relevantes, obrigação que lhe é imposta legalmente, pelo que não é lícito que o mesmo queira obrigar o tribunal a ouvir os depoimentos na íntegra e, substituindo-se assim ao recorrente, procurar neles os extratos ou passagens que poderiam impor a alteração da decisão quanto à matéria de facto.

Tal ónus de alegação legalmente imposto ao recorrente é, também, uma emanação do princípio do dispositivo.

Num caso com uma significativa proximidade com o que aqui está em apreciação, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-06-2024, da secção social (p. 299/21.9T8CTB.C1.S1), o que se pode verificar no seu sumário:

«Não cumpre os ónus previstos no artigo 640.º do CPC, o Recorrente que para um extenso bloco de factos cuja decisão pretende impugnar, remete para um conjunto de depoimentos, deixando ao Recorrido e ao Tribunal o encargo de ter de ouvir as respetivas gravações, em alguns casos na totalidade, para tentar individualizar as eventuais afirmações pertinentes relativamente a cada um dos factos impugnados.»

Com efeito, verifica-se no caso dos autos, tal como naquele acórdão, e como nele se escreve, que «(…) o Recorrente não indicou sequer quanto a alguns depoimentos o início e o termo das passagens relevantes deixando ao Tribunal e ao Recorrido o ónus de as encontrar e dificultando sobremaneira o contraditório.».

Pode, por isso, concluir-se, tal como se fez no acórdão da secção social do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2024 p. 26736/20.1T8LSB.L1.S1 que o recorrente, na apelação, «não faz a delimitação do âmbito probatório do recurso de uma forma devidamente individualizada em relação a cada um dos pontos da matéria de facto impugnada.»

Logo, pelos fundamentos expostos, tem de ser julgado improcedente o presente recurso de Revista interposto pelo Autor, com a inerente confirmação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 671.º, 674.º, 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o presente recurso de Revista interposto pelo Autor AA, com a inerente confirmação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

Custas da ação a cargo do recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 26 de novembro de 2025

José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro Relator]

Antero Veiga [Juiz-Conselheiro Adjunto] por impedimento do Juiz-Conselheiro Domingos José de Morais [artigo 661.º, número 2 do NCPC]

Júlio Gomes [Juiz-Conselheiro Adjunto]