INTERPRETAÇÃO
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário


I. O elemento literal assume grande importância na interpretação da convenção coletiva.
II. Uma pensão bonificada tem a mesma natureza de uma pensão estatutária e é um “benefício” a ter em conta para o cálculo da diferença pela qual o empregador é responsável.
III. Não há enriquecimento injustificado porquanto a causa desse possível enriquecimento é a lei e a própria convenção coletiva.

Texto Integral


Processo n.º 20192/23.0T8LSB.L1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

AA intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra Caixa Económica Montepio Geral peticionado a final o seguinte:

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente ação ser julgada procedente e provada e, em consequência, ser a Ré condenada a:

a) Reconhecer que o Autor apenas deve à Ré, a título de acerto de pensões, o valor atual de €5.605,30 cujo montante deverá ser compensado nos débitos mensais excessivos aplicados pela Ré desde março de 2023;

c) Condenada a abster-se de reter percentagem superior a 28,57% da pensão estatutária atribuída pela segurança social;

d) Acrescido dos juros de mora vincendos, à taxa legal, por cada mensalidade de reforma indevidamente deduzida, até integral cumprimento da obrigação”.

A Ré contestou.

O Autor veio requerer a ampliação do pedido, peticionando que os pedidos a) e b)1 passem a ter a seguinte redação:

a) Pagar ao Autor todas as prestações de reforma em dívida, vencidas e vincendas, com efeitos a 12 de Junho de 2022 e cujo valor já vencido ascende a € 20.921,76;

b) Condenada a abster-se de reter percentagem superior a 28,57% da pensão estatutária atribuída pela segurança social.

Foi admitida a ampliação do pedido por despacho de 10.04.2024.

Realizou-se audiência final.

Foi proferida Sentença em 30.07.2024 na qual se decidiu o seguinte:

Tudo ponderado, julga-se a ação parcialmente procedente e, consequentemente:

i. Reconhece-se ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, nos termos fixados em M., deduzido do valor correspondente à percentagem de 28,57%;

ii. Condena-se a Ré a reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, nos termos fixados em M., deduzida do valor referente à percentagem de 28,57%;

iii. Condena-se a Ré a devolver ao Autor os montantes por si retidos desde Junho de 2022, que extravasem o valor mensal correspondente à percentagem referida em i., acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral e efetivo pagamento.”.

O Autor interpôs recurso de apelação.

Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.03.2025, o recurso foi julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

O Autor interpôs recurso de revista excecional.

Foi determinada a subida do recurso.

A Ré contra-alegou.

Por Acórdão da Formação prevista no artigo 672.º n.º 1 do Código do Processo Civil, a revista excecional foi admitida.

Ao abrigo do artigo 87.º n.º 3 do Código do Processo de Trabalho, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

O Recorrente respondeu ao Parecer.

Fundamentação

De Facto

A. AA e "Finibanco, S.A." celebraram, em 03 de Setembro de 1998, acordo escrito, denominado Contrato de Trabalho, mediante o qual o segundo declarava admitir o primeiro ao seu serviço e este se obrigava a prestar-lhe a sua atividade com a categoria de Subdiretor, no Grupo I, nível 13, nos termos estabelecidos no ACTV para o sector bancário;

B. Sob a Cláusula Oitava do acordo referido em A., as partes estabeleceram que a
antiguidade e tempo de serviço se contam, para todo os efeitos, designadamente diuturnidades e segurança social, a partir de 14 de setembro de 1998;

C. Em 04 de abril de 2011, o "Finibanco, S.A." foi adquirido pela "Caixa Económica Montepio Geral";

D. Na sequência do referido em C. o acordo mencionado em A. foi transferido para a aqui Ré;

E. Em 14 de outubro de 2015, o Autor celebrou com a Ré acordo escrito denominado de "Contrato de suspensão de prestação de trabalho", mediante o qual acordaram que a prestação de trabalho do Autor ficaria suspensa desde 01 de Novembro de 2015 até atingir a idade legal de reforma por invalidez presumível;

F. Em 12 de junho de 2022, o Autor passou à situação de reforma por invalidez
presumível;

G. Na data referida em F. o Autor contava com 23 anos, 7 meses e 28 dias de
antiguidade no sector bancário;

H. Na data referida em F. o Autor tinha a categoria profissional de Diretor e o nível retributivo 16;

I. O Autor é filiado, desde 25 de setembro de 1998, no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários ("SNQTB");

J. Em 12 de maio de 2022, o Autor efetuou pedido de reforma junto do Instituto de Segurança Social:

K. O Autor possui registo de contribuições fora do sector bancário entre outubro de 1968 e setembro de 1998;

L. Desde outubro de 1998, o Autor descontou para a segurança social por trabalho efetuado no sector bancário;

M. Em 10 de novembro de 2022, o pedido do Autor foi deferido pelo Instituto de Segurança Social, atribuindo-lhe uma pensão por velhice no valor de € 4.104,85;

N. O cálculo da pensão referida em M. teve em conta quarenta e dois anos de contribuições para formação da pensão, num total de cinquenta e quatro anos de contribuições;

O. Dos anos referidos em N., doze anos foram no sector bancário;

P. O valor referido em M., tem por base uma pensão de € 3.107,59 mensais, acrescidos de um fator de bonificação de 1,54;

Q. A pensão referida em M. foi paga ao Autor a partir de 08 de dezembro de 2022, com retroativos a 12 de maio de 2022, num total de € 31.470,52;

R. Por comunicação eletrónica datada de 21 de novembro de 2022, o Autor deu conhecimento à Ré do ofício da segurança social;

S. Por comunicação eletrónica datada de 30 de março de 2023, a Ré deu a conhecer ao Autor a sua discordância quanto à aplicação da regra pro rata temporis e solicitou a devolução da quantia já paga, no montante de € 21.662,93;

T. Em março de 2023, a Ré iniciou a dedução mensal, ao valor pago pela segurança social, no montante de € 2.015,97;

U. Por comunicação datada de 04 de abril de 2023, o Autor solicitou à Ré o envio de IBAN a fim de efetuar a devolução de retroativos devidos pelo pagamento da pensão, dando conta à Ré que "sendo a pensão estatuária atribuída pela Segurança Social no valor de € 3.107,59; o período contributivo considerado para o cálculo 42 anos; o período a que tem direito o banco 12 anos; o cálculo mensal da pensão de abate seria: (12/42)x3.107.59 euros=887,88euros/mês (...)";

V. A pensão suportada pela Ré ascende ao montante global de € 3.333,70.

W. [Considera-se reproduzida para todos os efeitos legais a tabela constante do Acórdão recorrido com os valores das retenções efetuadas pela Ré entre 12 de junho de 2022 e outubro de 2023]

X. Em setembro de 2023, na sequência do referido em S., o Autor entregou à Ré a quantia de € 21.662,93.

De Direito

Como se pode ler no Acórdão recorrido, “não se questiona que à situação dos autos se aplica o estabelecido na cláusula 98.a do Acordo Colectivo entre a Caixa Económica Montepio Geral e outros e a Federação dos Sindicatos Independentes da Banca - FSIB, publicado no BTE n.° 7/2017, de 22-02-2017, vigente à data em que o Autor passou à situação de reforma por velhice”.

A questão a decidir neste recurso depende efetivamente da interpretação da referida cláusula e da sua articulação com o artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 37/2007 de 10-05.

O teor da cláusula 98.ª é o seguinte:

1. As instituições subscritoras garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 96.a, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições subscritoras a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 107.a

3. Os trabalhadores ou os seus familiares devem requerer o pagamento dos benefícios a que se refere o número 1 da presente cláusula junto das respetivas instituições ou serviços de Segurança Social a partir do momento em que reúnam condições para o efeito sem qualquer penalização e informar, de imediato, as instituições subscritoras logo que lhes seja comunicada a sua atribuição, juntando cópia dessa comunicação.

4. O incumprimento do referido no número anterior, determina que:

a. No caso em que o benefício assuma a natureza de pensão e esta seja atribuída com penalização, as instituições subscritoras considerem, para o apuramento da diferença a que se refere a segunda parte do número 1, o valor da referida pensão sem aplicação do fator de sustentabilidade e com uma taxa de penalização correspondente a 75 % da taxa efetivamente aplicada pela Instituição ou serviço de Segurança Social.

b. No caso em que não seja requerido o pagamento dos benefícios logo que reúnam condições para o efeito, apenas é garantido pelas instituições subscritoras, a partir dessa data, o pagamento da diferença entre os benefícios previstos neste acordo e o valor, por si estimado, dos benefícios a atribuir pelas instituições ou serviços de Segurança Social.

c. No caso em que não seja comunicada às instituições subscritoras a atribuição dos benefícios ou não lhes seja enviada cópia da comunicação recebida das instituições ou serviços de Segurança Social, aplica-se o previsto na alínea b) deste número.

5. As correções que se mostrem devidas em relação aos valores pagos pelas instituições subscritoras nos termos da presente secção serão efetuadas logo que esta disponha dos elementos necessários para o seu processamento e serão aplicadas à data em que produzam ou devessem ter produzido efeitos.

6. No momento da passagem à situação de reforma as instituições subscritoras informarão o trabalhador dos diplomas legais, em vigor nessa data e que lhe são aplicáveis, que regulam a atribuição de subsídios e pensões por parte dos regimes públicos de Segurança Social.

Como este Supremo Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado, a interpretação das convenções coletivas, ao menos na sua parte normativa, deve orientar-se pelos mesmos critérios que presidem à interpretação da lei. Assume, desde logo, grande importância a letra da convenção, a qual é o ponto de partida da tarefa hermenêutica e baliza os resultados admissíveis.

O Acórdão recorrido recorda que a propósito precisamente desta Cláusula esta Secção Social do Supremo Tribunal já teve ocasião de afirmar que:

“[D]a letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito. A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios, o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições.”

Resulta, efetivamente, do n.º 1 da Cláusula que a Ré enquanto “instituição subscritora” desta convenção coletiva apenas se obriga a pagar a diferença entre o valor dos benefícios da mesma natureza atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares e o dos benefícios previstos na secção em que a Cláusula se insere.

Atende-se, por conseguinte, ao valor dos benefícios, sendo que a Cláusula refere expressamente que o benefício pode assumir a natureza de pensão (cfr. o n.º 4 da Cláusula). Assim, a pensão seja ela, no caso concreto, estatutária ou bonificada, assume a natureza de um benefício para efeitos de aplicação desta Cláusula. Com efeito, o montante da pensão de velhice estatutária (cfr. artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10 de maio), por exemplo, pode ser bonificado através da aplicação de um fator de bonificação e redundar numa designada “pensão bonificada” que tem, todavia, a mesma natureza. Acresce que é, ela própria, um benefício a ter em conta para o cálculo da diferença atrás mencionada (e, para assim, determinar a obrigação que o empregador assumiu), independentemente das razões legais que presidiram em termos de política de direito à previsão de uma bonificação.

Registe-se, ainda, que as partes outorgantes tiveram a preocupação de criar um regime específico para a hipótese de o benefício consistir numa pensão com penalização, mas não para a eventualidade, que não ignoravam, de a pensão ser antes bonificada. A não previsão de uma norma especial para esta eventualidade denota a intenção de subsumir a hipótese da existência de uma bonificação à regra geral. Como se pode ler no douto parecer do Ministério Público junto aos autos neste Supremo Tribunal, “para as pensões agravadas encontra-se prevista a forma de desconto, mas já não para as bonificadas, pelo que o desconto em relação a estas últimas encontra-se submetido ao regime geral, ou seja, desconto da totalidade da pensão recebida da Segurança Social”.

Sublinhe-se, finalmente, que não existe qualquer enriquecimento injustificado do empregador, já que um eventual benefício para o mesmo resultante de o trabalhador ter direito segundo as regras da segurança social a uma pensão bonificada e ser esse o montante considerado para o cálculo da diferença a que se refere a Cláusula 98.ª resulta da articulação das normas legais (que impõem a contabilização de todo o tempo de serviço do trabalhador para o cálculo da pensão e a integração dos trabalhadores bancários no regime geral da segurança social) e da própria cláusula que fixa o montante pelo qual as entidades empregadoras outorgantes do acordo coletivo são responsáveis.

Decisão: Negada a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 26 de novembro de 2025

Júlio Gomes (Relator)

Domingos José de Morais

Mário Belo Morgado

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1. Havia um lapso na numeração das alíneas na petição inicial, saltando da alínea a) par a alínea c)