OFENSA DO CASO JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
DOCUMENTO
JUNÇÃO
REVELIA
PLURALIDADE
RÉU
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
CONTRATO DE SOCIEDADE
ESCRITURA PÚBLICA
NULIDADE
SIMULAÇÃO
INTERMEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
INDEFERIMENTO
Sumário


I. Na situação de pluralidade de réus, sem prejuízo do efeito excepcional previsto - artigos 567º e 568.º al. a) do CPC- o efeito da revelia é o estabelecido no artigo 574.º, nº 2, do CPC.
II. A co-Ré revel não fica por tal inibida do exercício do contraditório ao longo da instância, mormente sobre a decisão que em apreciação do requerimento probatório do autor, junto com a petição inicial, determinou a sua notificação para juntar ao processo documentos.

Texto Integral


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

1. Notificado da decisão singular que julgou improcedente a revista interposta do acórdão da Relação em referência, veio o recorrente AA exercer a faculdade contemplada no artigo 652º, nº3, do CPC, em ordem à reapreciação do Colectivo no sentido favorável à sua pretensão recursiva.

Não foi apresentada resposta.


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2. Está em causa, saber se o acórdão impugnado incorreu em violação do caso julgado formal, alcançado por decisão anterior no processo sobre o requerimento probatório do Autor.

No seu requerimento, sem argumentação inovatória ou enfoque sobre a decisão em reclamação, o recorrente retomou os fundamentos constantes das suas alegações e conclusões de recurso1.

De modo sintetizado, o recorrente autor defende que a co-Ré S..., S.A., porque não contestou a acção, está impedida de em momento ulterior, pronunciar-se sobre o requerimento probatório do autor (apesar das vicissitudes da instância enunciadas no relatório) e dessa feita, a apreciação da matéria no acórdão recorrido, corresponde à violação de caso julgado formal.

3. A ponderação do tema decisório à luz da matéria de facto, leva à conclusão extraída na decisão do relator, ou seja, o Tribunal da Relação ao pronunciar-se sobre o requerimento probatório em questão não desrespeitou decisão anterior sobre a matéria, acompanhando-se as razões expostas.

Em adjuvante, realça-se o seguinte:

• O princípio da concentração da defesa na contestação impõe ao réu o ónus de, nesse articulado, alegar os factos que sirvam de base a qualquer exceção dilatória ou perentória, salvo os casos excecionais legalmente previstos – exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente –, com sujeição a efeito preclusivo.

• Na situação de pluralidade de réus, sem prejuízo do efeito excepcional previsto - artigos 567º e 568.º al. a) do CPC - a revelia tem como consequência o estabelecido no artigo 574.º, nº 2 do CPC;

• A co-Ré revel não fica, por conseguinte, inibida do exercício do contraditório ao longo da instância, mormente sobre a decisão do Juiz que, pela primeira vez, apreciou o requerimento probatório do autor, e subsequente impugnação por via de recurso.

• Não há que falar em violação do preceituado no artigo 620º do CPC, quando o juiz profere uma primeira decisão sobre a questão concreta do requerimento probatório do autor.

Posto isto, estando claramente enunciada na decisão singular transcrita, a fundamentação da improcedência do recurso, procede-se à sua transcrição por economia de actos2:

« I.Relatório

1.AA intentou acção declarativa, com processo comum, contra: “S..., S.A.”, BB, CC, divorciado, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, alegando , em resumo e para o que ora releva, que sendo credor do Réu CC, viu-se impedido de cobrar a dívida por virtude da actuação dolosa dos Réus que daquela forma ocultaram o seu património, e pediu:

a)a condenação dos (cinco) Réus accionistas e fundadores da 1ªRé a reconhecerem a declaração de nulidade da escritura pública constitutiva daquela ré, com a sociedade P..., S.A., actualmente S..., S.A.”, invocando simulação com o intuito de enganar terceiro e defraudar a lei; b) cancelamento dos registos inerentes; c)a condenação dos Réus a pagarem ao Autor pela sua conduta de má- fé e dolosa o valor de Euros 211.385,96, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos; d)Declararem-se nulas e de nenhum efeito, as deliberações sociais tomadas porque simuladas realizadas, por sócios/acionistas, meramente, FORMAIS e testas de ferro do a Réu CC; f)Condenarem-se, os Réus a verem declarado, que o Réu , CC, é o único, dono e legítimo possuidor, dos dois prédios rústicos; g) E, o cancelamento dos registos de aquisição em nome da dita sociedade; h)Condenarem-se os Réus a pagarem ao Autor indemnização pelos danos morais sofridos e futuros em montante a liquidar em execução de sentença.

E, subsidiariamente, em desconsideração da personalidade jurídica colectiva da Ré , pediu a sua condenação solidariamente com os demais Réus a pagar ao Autor a quantia indicada no ponto c).


*

Na petição inicial o Autor requereu a notificação da Ré S..., S.A. para que procedesse à junção dos documentos que identificou de 1) a 33 e cujo descritivo se dá aqui por reproduzido3.

*

O Réu CC contestou a acção, invocando as excepções de litispendência e do caso julgado.

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Seguiu-se sentença que absolveu os Réus da instância, julgando-se verificada a excepção de litispendência.

2. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação , vindo o Tribunal da Relação a prolatar acórdão que revogou parcialmente a sentença, determinando a prossecução dos autos para a apreciação dos pedidos formulados sob as alíneas E) a H)4.

Prosseguindo a instância, foi proferido despacho saneador delimitando o objecto do pleito em conformidade com o acórdão.

O Autor apresentou em reformulação do requerimento probatório instrumento, cujo teor se dá por reproduzido.

Sobre a prova requerida, o tribunal proferiu em 1.02,2024 o seguinte despacho :” Notifique a sociedade ré, nos termos e para os efeitos requeridos pelo autor no requerimento probatório da petição inicial, pontos 1, 3 a 31, com as alterações introduzidas no requerimento com a referência ......17. E diligencie como requer o autor no requerimento probatório da resposta de 1/04/2022, referência .......0. Diligencie como aí se requer, no ponto 32, 33, 39 e 41. Indeferem-se as diligências de prova requerida pelo autor nos pontos 35, 38 e 40 do seu requerimento probatório, dado que as mesmas não se mostram essenciais para o apuramento dos factos em discussão.”

3.Inconformada com tal decisão, a Ré “S..., S.A.apelou, insurgindo-se, entre o demais, quanto à ausência de fundamento do requerimento probatório do Autor e, a extrapolação dos pedidos que doravante, correspondem ao objecto da lide ( E a H).

O Tribunal da Relação lavrou acórdão, que tem o dispositivo final seguinte:

« Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso da Ré, e improcedente o recurso do Autor bem como o seu pedido de declaração de abuso de direito e de litigância de má-fé processual.»

4.Inconformado, o Autor pediu revista, invocando em fundamento a violação do caso julgado formal com o respaldo do artigo 629º, nº2, al) a do CPC.

A sua alegação culmina com as conclusões que se transcrevem:

« A) A contestação apresentada em 28 de fevereiro de 2022, pelo CO/RÉU, Senhor, CC, máxime, quanto à IMPUGNAÇÂO DO REQUERIMENTO PROBATÓRIO do AUTOR, apresentado na petição INICIAL, é INOPERANTE e NÂO produz qualquer efeito, JURÍDICAMENTE, RELEVANTE, em relação à CO/RÉ, REVEL, “S..., S.A.”.

B)Uma vez que a contestação do CO/RÉU, Senhor, CC, é INOPERANTE e NÂO APROVEITA, JURIDICAMENTE, à CO/RÉ. “S..., S.A..”, dado NÂO terem INTERESSES COMUNS a defender, o requerimento probatório do AUTOR foi ADMITIDO POR ACORDO, com toda a AMPLITUDE PERMITIDA E EXIGIDA POR LEI, ou seja, IN TOTUM, tendo-se formado CASO JULGADO FORMAL, o qual IMPEDE que se torne a discutir ou pôr em causa este facto.

C) A CO/RÉ, “S..., S.A.”, é uma sociedade ANÓNIMA, com personalidade jurídica própria atribuída por lei e INTERESSES PRÓPRIOS a defender, estando representada em JUÍZO, PASSIVAMENTE, pelo seu ADMINISTRADOR, o qual foi devidamente CITADO e NADA disse em seu favor, pelo que se CONFORMOU com o resultado.

D) A melhor INTERPRETAÇÃO do normativo constante do artigo 568 alínea A) do C.P. CIVIL, atenta a JURISPRUDÊNCIA e DOUTRINA apontada, é a sufragada pelo douto acórdão deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça, suprarreferido, datado de 24 de janeiro de 2019, a qual EXIGE que haja INTERESSES COMUNS para poder beneficiar, in casu, a CO/RÉ/REVEL, o que Não se verifica.

E)O Douto e Venerando Tribunal Recorrido, DEVIA ter tomado conhecimento de modo EXPRESSO, do CASO JULGADO FORMAL FORMADO ANTERIORMENTE, nos ARTICULADOS, o qual a proceder impunha decisão diversa da que veio a obter acolhimento e consenso, o qual afastou como se vê da “DELIMITAÇÂO DO OBJETO DO RECURSO”.

F)Não obstante, fê-lo, de MODO IMPLÍCITO, já que sufragou o ENTENDIMENTO defendido pela CO/RÉ, APELANTE, “S..., S.A.”, ao julgá-la PARTE LEGÍTIMA, AB INITIO, que NÂO APENAS PARA EFEITOS RECURSIVOS, julgando a final, PROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO, pelo que VIOLOU do mesmo modo, o CASO JULGADO FORMAL ANTERIOR, sendo certo que este era ou DEVIA ser do seu perfeito conhecimento.

G) O requerimento PROBATÓRIO do AUTOR e ora recorrente, constante da petição inicial, foi DIRIGIDO EXCLUSIVAMENTE para a CO/RÉ, “SOCOLOTE-IMOBILIÁRIA”, dado ser esta e SÓ esta, que estava em condições de poder cumprir o que viesse a ser doutamente ordenado, pelo que SÓ esta, tinha LEGITIMIDADE E INTERESSE EM AGIR, MÁXIME, IMPUGNAR tal factualidade que não o CO/RÉ, contestante.

H) Uma vez que o caso julgado formal anterior formado pela ADMISSÂO POR ACORDO, do REQUERIMENTO PROBATÓRIO DO AUTOR, face à IMPUGNAÇÂO NÂO OPERANTE do CO/RÉU, CONTESTANTE, em relação à CO/RÉ, “S..., S.A.”, IMPEDIA, FORMALMENTE, o VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇAO DO PORTO, ora RECORRIDO, de julgar esta, PARTE LEGÍTIMA, AB INITIO, tal teve como sua consequência legal, ao conhecer do OBJETO do RECURSO, a VIOLAÇÂO EXPRESSA DO DITO CASO JULGADO.

I)A interpretação LITERAL, sufragada pela CO/RÉ, ora, APELANTE e acolhida pelo douto ACÓRDÂO RECORRIDO, de que a CONTESTAÇÂO DE UM OU ALGUM DOS CO/RÉUS, APROVEITA AOS RESTANTES quanto aos factos impugnados, NÂO é a acolhida pela melhor JURISPRUDÊNCIA e DOUTRINA, como supra indicado, pois é ainda necessário que os mesmos factos IMPUGNADOS, sejam do INTERESSE COMUM, sendo certo, que, in casu, por o REQUERIMENTO PROBATÓRIO do AUTOR, SÓ respeitar à RÉ/ REVEL, o CO/RÉU, impugnante, NÂO tem interesse em contradizer.

J) DEVE, pois, REVOGAR-SE o douto Acórdão recorrido, por violação do caso julgado formal ANTERIOR, que se IMPUNHA CONHECER ao TRIBUNAL e uma vez CONHECIDO, impedia o conhecimento do objeto deste recurso, mantendo-se, assim, o douto despacho recorrido da primeira instância, dado este NÂO afrontar o dito caso julgado.

K) Violou o douto ACÓRDÂO recorrido, por erro de subsunção jurídica, o disposto nos artigos, 568 alínea A) e 620, ambos do C.P. CIVIL. Nestes termos e nos melhores de DIREITO, que V. Exªs, doutamente, suprirão, DEVE o presente recurso, ser ADMITIDO e a final, julgado procedente, por provado e em consequência REVOGAR-SE o douto ACÓRDÂO RECORRIDO, mantendo-se o douto despacho recorrido da primeira instância, por VIOLAÇÂO, IMPLÍCITA, DE CASO JULGADO FORMAL ANTERIOR, todo com as legais consequências, assim, se fazendo, a costumada Justiça.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Admissibilidade e objecto do recurso

O acórdão da Relação, posto em crise pelo Autor, tem por objecto o despacho interlocutório datado de 1.02.2024, em apreciação do seu requerimento probatório (reformulação) e que suscitou apelação da Ré, como retrata o itinerário processual enunciado no relatório.

A decisão interlocutória que recai unicamente sobre a relação processual, ou versa exclusivamente sobre matéria adjectiva, ( regra da inadmissibilidade da revista- artigo 672º, nº1, do CPC) é passível de revista nas situações previstas no artigo 671º, nº2, do CPC.

Nas alegações o recorrente invoca a violação (“implícita”) de caso julgado formal, pelo que, visto o disposto no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, admite-se a revista.

Importa, porém, clarificar que neste fundamento em especial, é pacífico que o objecto de apreciação do tribunal ad quem se limitará à questão da suscitada ofensa do caso julgado ( salvo as questões de conhecimento oficioso5).

Posto isto, analisadas as conclusões do recorrente, em interface com o acórdão recorrido, cabe decidir se, o acórdão recorrido incorreu em violação do caso julgado formal, alcançado por decisão anterior no processo sobre o requerimento probatório do Autor.


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Considerando a simplicidade casuística do quadro processual sob apreciação, e o vasto tratamento e sedimentação jurisprudencial do tema decisório, profere-se decisão singular -artigo 656º ex vi 679º do CPC.

III. Fundamentação

A. Os factos

Para a decisão importam as incidências fácticas e processuais que constam do relatório, sem prejuízo da compulsa das respectivas peças documentais.

B.O Direito

1. O caso julgado formal restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo 6.

Essas decisões que assumem, em regra, valor de caso julgado formal, são vinculativas no processo; enquanto efeito negativo, resulta da decisão transitada a insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que a proferiu, se voltar a pronunciar sobre ela; como efeito positivo, resulta da decisão transitada a vinculação do tribunal que a proferiu.

A ultrapassagem desse limite, porque inadmissível– artigo 625.º, nº 2, do CPC- torna ineficaz a decisão posterior sobre a mesma questão, não sendo respeitados os efeitos processuais resultantes de decisão transitada em julgado.

Determinar quando tal ocorre em sede de caso julgado formal, implica saber qual a questão processual concretamente apreciada e decidida pelo acórdão da Relação.

2.Como se disse, após as vicissitudes da instância relatadas, em cumprimento de anterior acórdão da Relação, o tribunal de primeira instância prosseguiu a tramitação dos autos, para a apreciação e julgamento ora restringido aos pedidos E) a H) formulados pelo Autor na petição inicial.

Em momento contemporâneo, o tribunal apreciou (pela primeira vez) o requerimento probatório do Autor, junto com a petição inicial ( e então reformulada).

A decisão admitiu , em parte, o requerimento probatório no referente à requerida junção pela Ré de um conjunto alargado de documentos ( cfr. transcrição no relatório), considerando “ não se mostrarem essenciais para o apuramento dos factos em discussão.”

Interposta apelação pela Ré, a Relação atendeu parcialmente a sua pretensão pelas razões sumariadas neste passo elucidativo do acórdão que se transcreve7 :

« [..] Os únicos segmentos do requerimento probatório que estão relacionados com a matéria em discussão são os pontos 29 e 39 e, esses sim, poderão ter relevância probatória. Porém, a notificação da Ré para proceder à junção desses documentos aos autos redundaria na realização de acto inútil (art. 130.º CPC) porquanto já revelou que são documentos antigos, com 21 e 18 anos, e não os possui. Perante a escusa da Ré, poderá ser seguido o disposto no artigo 431.º, n.º 1 do CPC, ou seja, o Autor é admitido a provar, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade. Nesta conformidade, o recurso sobre a junção da documentação mencionada nos indicados pontos 29 e 39, apesar de não merecer provimento, por ser de manter a notificação da Ré nessa parte, atenta a pertinência acima aludida, já obteve resposta negativa da notificada, pelo que terá de seguir os mencionados trâmites processuais, caso assim seja requerido».

3.O Recorrente não interpôs recurso do despacho interlocutório objecto do acórdão ( além do incidente de abuso de direito e de má-fé da Ré em sede de contra-alegações que foi julgado improcedente).

Sustenta agora em abono da tese da violação do caso julgado formal e no essencial:

« O requerimento PROBATÓRIO do AUTOR e ora recorrente, constante da petição inicial, foi DIRIGIDO EXCLUSIVAMENTE para a CO/RÉ, “SOCOLOTE-IMOBILIÁRIA”, dado ser esta e SÓ esta, que estava em condições de poder cumprir o que viesse a ser doutamente ordenado, pelo que SÓ esta, tinha LEGITIMIDADE E INTERESSE EM AGIR, MÁXIME, IMPUGNAR tal factualidade que não o CO/RÉ, contestante.

H) Uma vez que o caso julgado formal anterior formado pela ADMISSÂO POR ACORDO, do REQUERIMENTO PROBATÓRIO DO AUTOR, face à IMPUGNAÇÂO NÂO OPERANTE do CO/RÉU, CONTESTANTE, em relação à CO/RÉ, “S..., S.A..”, IMPEDIA, FORMALMENTE, o VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇAO DO PORTO, ora RECORRIDO, de julgar esta, PARTE LEGÍTIMA, AB INITIO, tal teve como sua consequência legal, ao conhecer do OBJETO do RECURSO, a VIOLAÇÂO EXPRESSA DO DITO CASO JULGADO.»

Salvo o merecido respeito, não assiste razão ao Autor recorrente.

Clarificando.

A sua discordância está a montante do objecto da apelação e do despacho de primeiro grau.

Traduz, noutro plano, a sua discordância quanto à circunstância de ter sido admitido pelo tribunal que o Réu CC impugnasse o requerimento probatório do Autor, quando dirigiu à Ré S..., S.A. em exclusivo, o pedido de junção dos documentos em causa.

Neste seu raciocínio, defende o recorrente que o acórdão recorrido ao aceitar a “legitimidade” de tal impugnação pelo Réu CC, incorreu na violação do caso julgado formal, formado pela ausência de contestação da Ré que assim admitiu por confissão o requerimento probatório do Autor tal como formulado .

Um pouco desfocado, afigura-se-nos, do caso julgado formal.

Senão veja-se.

De resto, esta questão trazida à revista, sob as vestes de violação de caso julgado formal é decalcada daquela outra, que o recorrente suscitou por via incidental da má-fé e abuso de direito na apelação e mereceu apreciação pela Relação.

Assim consta do acórdão : « [..] O tribunal determinou que a Ré juntasse a documentação requerida pelo Autor. Pese embora não ter contestado, assistia à parte legitimidade, ao abrigo do art. 631.º do CPC, reagir (reclamando/recorrendo) contra essa decisão que lhe é dirigida e que considerou desfavorável aos seus interesses .(..) Ou seja, a revelia do réu não o impede de intervir na acção na medida dos direitos que a lei lhe confere.(..) Nestes termos, improcede o incidente deduzido pelo Autor por ser manifesto que não se mostrarem preenchidos os pressupostos do instituto do abuso do direito (334.º CC) ou/e da má fé processual (542.ºCPC ).».

Neste segmento, o tribunal limitou-se a apreciar e a decidir a argumentação do ali recorrido por via incidental, reiterando afinal, o princípio processual extraído do artigo 631ºdo CPC, segundo a qual a parte (ainda que não conteste), tem legitimidade para se opor , reclamar, e recorrer das decisões que considere desfavoráveis.

Parece assim nítido que não se configura qualquer objecto decisório processual com igual conteúdo que anteriormente tivesse sido julgado e não observado!

Na revista o recorrente convoca um diferente argumento, a admissão por acordo ou revelia operante pela Ré não permitiria a sua ulterior insurgência sobre o requerimento probatório do Autor.

A fortiori ratione, não ocorre caso julgado.

A primeira decisão incidente sobre o aludido requerimento de prova é, justamente aquela que constitui o objecto do acórdão recorrido, e o caso julgado ( formal) pressupõe duas decisões em matéria processual que sucederam no tempo sobre a mesma questão; a invocada divergência do recorrente na interpretação da lei não consubstancia violação do caso julgado.


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Soçobra a alegação do recorrente, a revista não tem fundamento.

IV. Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

As custas do recurso são a cargo do Autor recorrente. »


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4. Pelas razões enunciadas, julga-se improcedente a reclamação, confirmando-se a decisão proferida.

As custas da reclamação são a cargo do reclamante.

Lisboa, 27.11.2025

Isabel Salgado (relatora)

Orlando dos Santos Nascimento

Maria da Graça Trigo

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1. Conforme encima a respectiva peça “ A) A DOUTA DECISÂO SUMÁRIA, ora RECLAMADA, DEVE SER REVOGADA e SUBSTITUIDA POR DOUTO ACÓRDÂO, em CONFERÊNCIA, que CONHEÇA, COMO ALEGADO, em sede recursiva, para este COLENDO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, da EXCEÇÂO DE CASO JULGADO FORMAL FORMADO NOS AUTOS, consubstanciado na CONFISSÂO FICTA, máxime, ADMISSÂO POR ACORDO, por parte da CO/RÉ/REVEL, “S..., S.A..”, por falta de IMPUGNAÇAO ESPECIFICADA, por parte desta, da factualidade alegada pelo AUTOR na petição inicial, máxime, no REQUERIMENTO PROBATÓRIO, atentos os princípios da PRECLUSÂO, DA CONCENTRAÇÂO DA DEFESA, DA AUTORRESPONSABILIDADE DAS PARTES, DA AQUISIÇÂO PROCESSUAL E DA PREJUDICIALIDADE. (…)”

2. Procedimento que se vem adoptando no julgamento de situações paralelas, sendo ociosa argumentação adicional à que suporta a decisão reclamada, caso as alegações de reclamação para a conferência repitam as alegações iniciais , não contendo argumentos novos, ou até sem qualquer motivação; cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 14-10-2021, no proc. 54843/19.6YIPRT.G1-A. S1, de 4.07.2024, no proc 2254/20.7T8STS.P1-A-A.S1, de 18.09.2025 proc. nº 644/22.0T80RM.E1.S1., www.dgsi.pt.

3. A petição foi liminarmente indeferida por ter sido considerado que se verificava a excepção de litispendência, decisão anulada pelo Tribunal da Relação.

4. Especificando o acórdão que quanto aos demais pedidos ( com excepção dos integrados em outro item) o Autor não manifestara discordância do julgado de primeira instância.

5. “[n]estas situações, a admissibilidade excepcional do recurso não abarca todas as questões que incidam sobre a exceção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a 'ofensa' de caso julgado já constituída.” . Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 56.

6. Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 745.

7. Com o seguinte objecto “consiste em saber se os documentos cuja junção foi admitida pelo tribunal são pertinentes”