No caso dos autos não se verificam os pressupostos mínimos que justifiquem o levantamento da personalidade jurídica da sociedade em causa, uma vez que autora e réu não detinham a totalidade do capital social da dita sociedade e que a autora não é já sócia da mesma sociedade.
1. AA propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, alegando, em síntese, que: na sequência da celebração de um contrato-promessa de compra e venda, entregou ao promitente-vendedor diversas quantias monetárias para pagamento do sinal e do remanescente do preço, que lhe pertenciam; o réu, após tê-la convencido de que seria melhor figurar apenas ele nas escrituras de compra e venda como único comprador, porque tal facilitava a futura anexação dos prédios que pretendiam adquirir e a própria realização das escrituras, procedeu à aquisição dos bens prometidos comprar também com aquele dinheiro, assim fazendo com que só o réu seja o proprietário dos prédios.
Esta conduta consubstancia um enriquecimento ilegítimo por parte do réu, pelo que deve ser condenado a restituir-lhe o valor total de € 63.250,00, que corresponde ao montante de € 15.000,00 que exclusivamente lhe pertencia, acrescido de € 9.500,00 respeitante à metade do valor do reforço do sinal e de € 39.000,00 titulada pelo cheque sacado sobre a conta do BPI, acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
Subsidiariamente, pede a condenação do réu no pagamento da quantia de € 40.000,00, correspondente a metade do total do preço pago aos vendedores.
2. O réu contestou, impugnando os factos alegados e sustentando que o preço da aquisição dos prédios objecto do contrato-promessa foi pago com dinheiro que exclusivamente lhe pertencia.
3. Foi proferida sentença com a seguinte decisão: “… julgo esta acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno o réu restituir à autora a quantia de 43.750,00 (quarenta e três mil setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação do réu e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal.”.
4. Inconformado, o réu interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, por acórdão de 10.07.2025, veio a ser julgado parcialmente procedente, sendo o réu condenado “a restituir à autora a quantia de 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação do réu e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal”.
5. Vem a autora interpor recurso desta decisão, formulando as seguintes conclusões:
“A. Encontrando-se demonstrado nas instâncias que (i) a A/Recorrente e o R/Recorrido eram, à data, casados entre si no regime da separação de bens, tendo o casamento sido dissolvido, por divórcio, por sentença transitada em 16.02.2022 (Cfr. 1 e 2 da matéria de facto provada); (ii) a A/Recorrente e o R/Recorrido prometeram, conjuntamente, adquirir para si alguns terrenos, onde pretendiam construir uma casa de habitação comum (Cfr. 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 24 da matéria de facto provada); (iii) posteriormente à celebração do contrato-promessa e respectivos aditamentos, mostrando-se já paga a totalidade do preço, o R/Recorrido convenceu a A/Recorrente que melhor seria ser ele o único a figurar nas escrituras de compra e venda, alegando que isso facilitaria a sua celebração e a futura anexação dos terrenos para atingir o propósito de construção da dita habitação (Cfr. 10, 11 e 16 da matéria de facto provada); (iv) por via disso, o R/Recorrido outorgou as escrituras públicas de compra e venda dos imóveis como seu único adquirente tendo esta realidade sido registada nas respectivas conservatórias do registo predial (Cfr. 17 a 23 da matéria de facto provada); (v) enquanto sócios e gerentes da sociedade C..., Lda e seus beneficiários únicos, a A/Recorrente e o R/Recorrido utilizavam a referida Sociedade como um veículo para fazer face às respectivas despesas familiares (Cfr. 12 e 13 da matéria de facto provada); (vi) o valor de € 39.000,00, pago pela A/Recorrente e pelo R/Recorrido aos promitentes vendedores através de um cheque sacado sobre a conta DO n.º ........ .....01 do BPI, titulada pela sociedade Clínica C..., Lda, pertencia às partes, que naquela mesma conta bancária depositavam parte do dinheiro que recebiam pelo trabalho prestado naquela clínica na qualidade de dentistas (Cfr. 12 e 13 da matéria de facto provada); (vii) o reforço de sinal efectuado através da entrega de um veículo automóvel de marca Ford, com a matrícula V1, que à data era propriedade da Clínica C..., Lda, ao qual a A/Recorrente e o R/Recorrido e os promitentes vendedores atribuíram conjuntamente o valor de € 18.500,00, foi efectuado sem que nada tivesse sido pago à referida Sociedade pelos promitentes vendedores (Cfr. 9 e 27 da matéria de facto provada); necessário é concluir que todos os valores entregues pela A/Recorrente e pelo R/Recorrido, de uma parte, na sua qualidade de promitentes compradores, aos promitentes vendedores, de outra parte, para pagamento da aquisição dos terrenos referidos nos autos, pertenciam em exclusivo às partes e não à referida sociedade C..., Lda., cuja intervenção não foi mais que a de um instrumento, um veículo dependente da vontade individual das partes nestes autos;
B. Exactamente por isso, a Sociedade C..., Lda nada reclamou de quem quer que fosse, nem em 31 05 2006 (vd. 8 e 9), nem em 23 10 2006 (vd. 12), nem nada reclamará no futuro, porquanto nunca actuou autonomamente, expressando a sua vontade no âmbito e no domínio do seu objecto social, mas apenas como um veículo da vontade e dos interesses particulares das partes;
C. Por via disso, nenhum crédito a referida Sociedade C..., Lda. detém sobre a A/Recorrente ou sobre o R/Recorrido, nem lhe interessa ou alguma vez interessou a quem pertence ou com quem afinal ficou a titularidade dos terrenos, surgindo apenas por exclusiva conveniência da A/Recorrente e do R/Recorrido;
D. Por via da actuação do R/Recorrrido a A/Recorrente viu-se empobrecida, na exacta medida do valor com que contribuiu para a aquisição dos terrenos;
E. Por contraponto, foi o R/Recorrido quem beneficiou e enriqueceu (e enriquecerá se o Acórdão assim se mantiver), na exacta medida do empobrecimento da R/Recorrido, bem como sem qualquer causa justificativa legítima, pois foi o R/Recorrido quem adquiriu para si, em exclusivo, o direito de propriedade sobre terrenos cujo preço de aquisição não pagou integralmente;
F. Em face da matéria de facto dada como provada verifica-se que a A/Recorrente apenas poderia lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa para se ver ressarcida, uma vez que o R/ Recorrente se locupletou-se com activos que pertenciam a ambos e que, inicialmente, tinham como fundamento um projecto comum;
G. O enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: “1) obtenção de um enriquecimento ou vantagem de carácter patrimonial, que tanto pode constituir um aumento do activo patrimonial como uma diminuição do passivo, podendo fundar-se num negócio jurídico, num acto jurídico não negocial ou num simples acto material; 2) inexistência de causa justificativa, que tanto pode ser por a mesma nunca ter ocorrido, como por ter deixado de existir; 3) o enriquecimento foi alcançado à custa de quem requer a restituição, devendo existir uma correlação entre o enriquecimento e o empobrecimento, visto que o benefício obtido pelo enriquecido deve decorrer de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido.”, os quais se verificam integralmente no caso dos autos;
H. Aliás, a ratio do enriquecimento sem causa é a de impedir uma vantagem patrimonial injusta, uma transferência de património sem causa justificativa para tal à luz do nosso ordenamento jurídico, sendo que essa vantagem patrimonial pode ter origem num simples acto material e deve ser analisada em concreto, em face dos factos apurados;
I. A transferência patrimonial ocorrida entre as partes teve uma causa comum, o casamento que os unia, pelo que após a dissolução dessa causa, não existe justificação para que as transferências patrimoniais efectuadas sob o referido pressuposto (agora inexistente) não sejam repostas, sendo, aliás, um imperativo de justiça que assim aconteça;
J. O desaparecimento posterior da causa corresponde à tradicional condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir), tipificada na enumeração exemplificativa do consignado n.º 2 do art.º 473.º do Código Civil, e que se caracteriza por alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que, entretanto, deixou de existir;
K. Assim, não só o R/Recorrido tirou proveito de dinheiros próprios da A/Recorrente, como é também inquestionável que enriqueceu à custa desta (e por contraposição a A/Recorrente empobreceu), verificando-se, desta forma, o preenchimento de todos os pressupostos do enriquecimento sem causa, incluindo o da subsidiariedade;
L. Sem prejuízo de se considerar que a solução propugnada pela Relação de Évora no douto acórdão recorrido carece em absoluto de sentido perante a prova produzida, falha também os requisitos adjectivos mínimos, desde logo do ponto de vista da legitimidade processual, porquanto a A/Recorrente não é sócia da Sociedade C..., Lda;
M. Demonstrando-se, como se demonstrou, que se verificou uma transferência patrimonial entre as partes por via de uma causa comum (o casamento que os unia e a pretensão de edificarem nos terrenos a sua habitação familiar), após a dissolução dessa causa não se pode concluir de outro modo que não seja determinar a reposição integral dessas transferências patrimoniais, de forma a que o R/Recorrido não mantenha uma vantagem patrimonial sem qualquer justificação, não podendo permitir-se que a A/Recorrente fique empobrecida tão-somente por via da relação de confiança que à data dos factos depositava em quem era o seu cônjuge;
N. O instituto do enriquecimento sem causa conforma exactamente o espírito da justiça material, quando não existe nenhuma outra forma adjectiva de fazer valer a pretensão da parte, o que é precisamente o caso dos autos;
O. Em face do exposto, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora carece de revogação na parte em que julgou procedente a apelação interposta pelo R/Recorrido, por violação do disposto no artigo 473.º do Código Civil”.
6. O recorrido contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:
“A. Da análise das alegações de Recurso, resulta manifesto que a Recorrente, sob o pretexto de invocar um suposto erro de aplicação da Lei como fundamento do Recurso, pretende, na verdade, obter uma reapreciação da matéria de facto, que se encontra devidamente fixada, pretendendo discutir a sua qualidade de sócia da sociedade Clínica C..., Lda, a perda da mesma e os respetivos efeitos jurídicos e patrimoniais.
B. Ora, de acordo com o Princípio do Pedido, o Tribunal deve cingir-se ao julgamento do pedido concretamente deduzido, considerando a relação material controvertida configurada pela Autora na sua Petição Inicial, segundo a qual a mesma se arrogava credora, a título pessoal, da quantia de € 63.250,00, nunca referindo ou sequer aludindo a que parte desses valores pertencessem, na verdade, àquela sociedade.
C. Veio a demonstrar-se, no entanto (vejam-se os pontos 9, 12 e 27 da matéria de facto provada), que as quantias de € 18.500,00 e de € 39.000,00 que a Recorrente afirmava pertencerem-lhe em exclusivo, eram, na verdade, valores pertencentes à sociedade Clínica C..., Lda, factos que a mesma acabou por confessar em sede de Audiência de Julgamento, face à contra-prova aduzida pelo Réu, aqui Recorrido.
D. Pretende, agora, a Recorrente que seja aceite uma nova tese, uma nova configuração da relação material controvertida, junto do Supremo Tribunal de Justiça, tese essa que nunca, até agora, foi trazida aos Autos pela mesma, a qual não deduziu qualquer pedido assente na sua sub-rogação na posição de credora da sociedade Clínica C..., Lda
E. Vir apenas agora deduzir esse mesmo pedido configuraria um novo julgamento da matéria de facto, a coberto de um invocado erro de aplicação da lei substantiva pelo douto Tribunal da Relação de Évora, na elaboração do Acórdão recorrido, o que não se pode aceitar, por constituir violação expressa do Princípio do Pedido e por se encontrar expressamente excluído da competência do Supremo Tribunal de Justiça.
F. Caso assim não se entenda, o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que o direito a ser indemnizado nos termos do enriquecimento sem causa cabe, desde logo, àquele que, concretamente, se pode considerar empobrecido, nos termos do disposto no artigo 473.º do Código Civil, pelo que, tendo-se demonstrado que os valores de € 18.500,00 e de € 39.000,00 pertenciam à sociedade Clínica C..., Lda, resulta claro que apenas a referida sociedade pode considerar-se, em tese, empobrecida, sendo, por isso, a única titular de um eventual direito a ser indemnizada.
G. Por outro lado, à data da propositura da presente ação, a Recorrente era sócia da Clínica C..., Lda, tendo ao seu dispor outros meios de reação legal a que podia recorrer para se ver ressarcida (v.g. a ação a que alude o artigo 77.º do Código das Sociedades Comerciais), não havendo, por isso, lugar à aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do disposto no artigo 474.º do Código Civil.
H. Ora, a Recorrente não propôs a referida ação subrrogatória, não por ter perdido qualquer qualidade de sócia, a qual detinha à data da propositura da presente ação, mas antes por se arrogar credora, a título pessoal, do Recorrido, afirmando expressamente que os valores empregues na aquisição dos terrenos pelo Réu lhe pertenciam em exclusivo, o que apenas foi afastado através de produção de prova em contrário pelo mesmo.
I. Com efeito, ficou demonstrado, logo em sede de Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, que o eventual enriquecimento sem causa não foi alcançado à custa de quem requer a restituição (a Autora), mas antes à custa de terceiro (a sociedade Clínica C..., Lda).
J. Nesse sentido, bem andou o Tribunal a quo ao rejeitar o direito da Recorrente de ser indemnizada a título pessoal nos termos do enriquecimento sem causa, afirmando, no entanto, que a mesma poderia, na qualidade de sócia, intentar a ação de responsabilidade civil subrogatória a que aludem os artigos 72.º e 77.º do CSC, não merecendo qualquer censura ou reparo a decisão do Tribunal da Relação de Évora, porquanto o mesmo se limita a aplicar corretamente o Direito aos factos, aludindo, até, à solução alternativa que a Recorrente tinha ao seu dispor, mas escolheu não perseguir.”.
II – Objecto do recurso
Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso.
Deste modo, o presente recurso tem por objecto unicamente a seguinte questão:
• Verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa do autor em relação a dois dos três montantes peticionados pela autora (€ 18.500,00 e € 39.000,00) não reconhecidos pelo acórdão recorrido.
III – Fundamentação de facto
Foram dados como provados os factos seguintes:
1. A autora e o réu contraíram entre si casamento católico no dia D/M/2002, com convenção antenupcial, tendo sido estabelecido o regime da separação de bens.
2. O casamento entre autora e réu foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de D/M/2022 e transitada em julgado no dia D/M/2022.
3. Em 14/10/2005, autora e réu celebraram, na qualidade de promitentes-compradores, um contrato-promessa de compra e venda de vários terrenos urbanos e rústicos, com CC e DD, nos termos que melhor constam do documento n.º 8 junto com a petição inicial.
4. Nas cláusulas primeira, segunda e terceira do contrato-promessa fizeram constar o seguinte:
- Que os primeiros outorgantes são donos dos seguintes prédios:
- Urbano, composto de rés-do-chão que se destina a arrecadação com 32 m2, sito em Ribeiro ..., freguesia de ..., concelho do Sardoal, inscrito na matriz sob o art. .61.º e descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...47.
- Urbano, composto de casa de rés-do-chão que se destina a arrecadação com 39 m2, sito em Ribeiro ..., freguesia de ..., concelho do Sardoal, inscrito na matriz sob o art. .62.º e descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...46.
- Rústico, com a área de 1800 m2, sito em Ribeiro ..., freguesia de ..., concelho do Sardoal, inscrito na matriz sob o art. ..76.º da secção I, descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...24.
- Rústico, com a área de 6480 m2, sito em Forno ..., freguesia de ..., concelho de Abrantes, inscrito na matriz sob o art. ..12.º da secção I, descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...19;
- Rústico, com a área de 3880 m2, sito em Ribeiro ..., freguesia de ..., concelho do Sardoal, inscrito na matriz sob o art. ..69.º da secção I, descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...45;
- Rústico, com a área de 4920 m2, sito em Ribeiro ..., freguesia de ..., concelho do Sardoal, inscrito na matriz sob o art.º ...21.º da secção I, descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...65.
- “2.ª Na qualidade referida os primeiros outorgantes prometem vender e os segundos comprar o referido prédio”;
“3.ª O preço do negócio é de € 80.000,00 (oitenta mil euros).”
5. Para pagamento do sinal, no montante de € 15.000,00, a autora, no dia 18/10/2005, preencheu, assinou e entregou aos promitentes-vendedores os cheques n.ºs ........52, ........40 e ........55, cada um no valor de € 5.000,00, sacados sobre a sua conta de DO n.º .........56 do BNC.
6. A quantia de € 15.000,00 titulada por tais cheques pertencia em exclusivo à autora.
7. Ficou estabelecido na cláusula quinta do contrato-promessa que “A restante parte do negócio será paga no acto da outorga da escritura, pelo segundo outorgante.”
8. Em 31/5/2006, foi outorgado, por escrito, um aditamento ao contrato-promessa, nos termos que melhor constam do documento n.º 12 junto com a petição inicial.
9. Nessa data, a autora e o réu procederam ao reforço do sinal, tendo CC e DD prestado quitação desse reforço, nos seguintes termos: “1 – Nesta data os Promitentes Compradores amortizam o valor do negócio mediante o pagamento de 18.500,00€ (dezoito mil e quinhentos euros), restando pagar 39.000,00€ (trinta e nove mil euros), no acto de outorga da escritura. 2 – Altera-se parcialmente a cláusula n.º 6, passando a constar que a escritura será celebrada até ao fim de Setembro de 2006.”
10. Posteriormente à celebração do contrato-promessa e do aditamento, o réu disse à autora que seria melhor ser ele o único a figurar nas escrituras de compra e venda porque isso facilitaria a sua celebração e a futura anexação dos terrenos.
11. A autora confiou no réu e acedeu à pretensão deste.
12. No dia 23/10/2006, a autora e o réu assinaram o cheque n.º ........29, no valor de € 39.000,00, sacado sobre a conta DO n.º ..............01 do BPI, pertença da sociedade Clínica C..., Lda
13. Era nesta conta que a autora e o réu depositavam parte do dinheiro que recebiam pelo trabalho que prestavam naquela clínica na qualidade de dentistas, sendo usada por um ou por outro também para satisfazer necessidades familiares.
14. Também depositavam dinheiro proveniente do exercício da mesma actividade em contas bancárias pessoais, ele, no então BES e, ela, no BPI.
15. Apesar de figurarem como co-titulares destas contas, as quantias depositadas no ex-BES pertenciam em exclusivo ao réu e as quantias depositadas no BPI pertenciam apenas à autora, sendo tais contas movimentadas única e respectivamente por cada um deles.
16. Na data de 24 de Outubro de 2006, e uma vez que as escrituras dos terrenos não poderiam ser realizadas naquele momento, mas o preço de aquisição dos mesmos se mostrava integralmente pago, o CC e a DD outorgaram uma procuração nos termos da qual declararam constituir o réu como seu bastante procurador, conferindo-lhe “…plenos poderes, para vender, pelo preço, cláusulas e condições que entender os prédios a seguir identificados: …outorgar e assinar a respectiva escritura, para requerer, assinar e praticar tudo o mais que necessário se torne ao desempenho do presente mandato.”
17. Desde aquela data e até à presente data o réu tem vindo a outorgar as escrituras públicas de compra e venda dos imóveis como único adquirente.
18. Através da Ap. .35 de 25/11/2011, o prédio urbano, composto de rés-do-chão que se destina a arrecadação com 32 m2, sito em Ribeiro ..., freguesia de ..., concelho do Sardoal, inscrito na matriz sob o art. .61.º e descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...47, foi registado a favor do réu como único adquirente.
19. Através da Ap. .34 de 25/11/2011, o prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão que se destina a arrecadação com 39 m2, sito em Ribeiro ..., freguesia de ..., concelho do Sardoal, inscrito na matriz sob o art. .62.º e descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...46, foi registado a favor do réu como único adquirente.
20. Através da Ap. 3 de 20/7/2007, o prédio rústico, com a área de 1800 m2, sito em Ribeiro ..., freguesia de ..., concelho do Sardoal, inscrito na matriz sob o art. ..76.º, da secção I, descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...24, foi registado a favor do réu como seu único adquirente.
21. Através da Ap. ..58 de 11/7/2011, o prédio rústico, com a área de 6480 m2, sito em Forno ..., freguesia de ..., concelho de Abrantes, inscrito na matriz sob o art. ..12.º da secção I, descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...19, foi registado a favor do réu como seu único adquirente.
22. Através da Ap. 4 de 20/7/2007, o prédio rústico, com a área de 3880 m2, sito em Ribeiro ..., freguesia de ..., concelho do Sardoal, inscrito na matriz sob o art. ..69.º da secção I, descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...45, foi registado a favor do réu como seu único adquirente.
23. Através da Ap. 2 de 20/7/2007, o prédio rústico, com a área de 12200 m2, sito em Ribeiro ..., freguesia de ..., concelho do Sardoal, inscrito na matriz sob o art. ..77.º da secção I, descrito na Conservatória do Registo do Sardoal sob o n.º ...69, foi registado a favor do réu como seu único adquirente.
24. Era intenção da autora e do réu construir uma casa de habitação nos terrenos prometidos comprar.
25. Para esse efeito a autora providenciou pela obtenção de um projecto de arquitectura e assinou o documento n.º 11 junto com a petição inicial, destinado a pedir uma licença camarária para construção de um prédio de rés-do-chão e primeiro andar.
26. À data da celebração do contrato-promessa e do aditamento, a autora e o réu detinham na sociedade Clínica C..., Lda, uma quota de 45% cada.
27. O reforço do sinal referido em 9 foi feito através da entrega de um veículo automóvel de marca Ford, com a matrícula V1, que à data era propriedade da Clínica C..., Lda, ao qual foi atribuído o valor de € 18.500,00.
IV – Fundamentação de direito
Recorde-se que a única questão a apreciar no presente recurso consiste em saber se se encontram reunidos os pressupostos do enriquecimento sem causa por parte do réu em relação a dois dos três montantes peticionados pela autora (€ 18.500,00 e € 39.000,00) não reconhecidos pelo acórdão recorrido.
Consideremos a fundamentação do acórdão recorrido, na parte que ora releva:
“E perante a inalterabilidade da matéria de facto considerada provada, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em relação à condenação do réu a restituir à autora a quantia de 15.000,00 (quinze mil euros), montante este pertença da autora e com o qual o réu se locupletou.
Porém vem o apelante defender ainda que o Tribunal a quo deu como provado que “12. No dia 23/10/2006, a autora e o réu assinaram o cheque n.º ........29, no valor de € 39.000,00, sacado sobre a conta DO n.º ..............01 do BPI, pertença da sociedade Clínica C..., Lda” e ainda que “27. O reforço do sinal referido em 9 foi feito através da entrega de um veículo automóvel de marca Ford, com a matrícula V1, que à data era propriedade da Clínica C..., Lda, ao qual foi atribuído o valor de € 18.500,00.” (sublinhados nossos)
Ora resultando provado que tais valores - € 18.500,00 e de € 39.000,00 - pertenciam à sociedade Clínica C..., Lda, sustenta o apelante que o Tribunal não podia decidir, que metade daqueles valores devem ser entregues pelo Réu à Autora, a título de enriquecimento sem causa, por a mesma ter sido sócia da referida sociedade.
Efectivamente cremos que nesta parte assiste razão ao apelante.
É pressuposto de aplicação do instituto do enriquecimento sem causa que o enriquecimento tenha sido alcançado à custa de quem requer a restituição, devendo existir uma correlação entre o enriquecimento e o empobrecimento, visto que o benefício obtido pelo enriquecido deve decorrer de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido.
(…)
Ora está provado que os valores de € 18.500,00 (factos provados sob os nºs 9 e 27) e de € 39.000,00 (facto provado sob o nº12) pertenciam à sociedade Clínica C..., Lda
Sendo crédito pertença da Clínica C..., Lda, da qual a autora é sócia (quota de 45%), esta com a legitimidade que emerge do facto de ser titular de uma participação superior a 5% do respectivo capital social (art. 77º, nº 1, do CSC) pode, para além do mais, intentar uma acção de responsabilidade civil sub-rogatória nos termos previstos nos arts. 72º e 77º do CSC contra o réu, a fim de obter a condenação deste no pagamento, a favor da Sociedade, da quantia de que este alegadamente se apropriou de forma indevida e, consequentemente, não assiste à autora o direito de exigir ao réu, outro sócio da sociedade, que lhe entregue metade do valor retirado do património da sociedade que corresponde a 28.750,00 € (9.250,00 € + 19.500,00 € ( ½ de 18.500,000 e ½ de € 39.000,00).”. [bold nosso]
Insurge-se a recorrente contra este entendimento alegando essencialmente o seguinte:
- A sociedade Clínica C..., Lda nada reclamou de quem quer que fosse nem nada reclamará no futuro porquanto nunca actuou autonomamente, expressando a sua vontade no âmbito e no domínio do seu objecto social, mas apenas como um veículo da vontade e dos interesses particulares das partes;
- Por via disso, nenhum crédito a referida sociedade detém sobre a autora ou sobre o réu, nem lhe interessa ou alguma vez interessou a quem pertence ou com quem afinal ficou a titularidade dos terrenos, surgindo apenas por exclusiva conveniência das partes;
- Por via da actuação do réu a autora viu-se empobrecida, na exacta medida do valor com que contribuiu para a aquisição dos terrenos;
- A solução alternativa propugnada no acórdão recorrido (acção de responsabilidade civil sub-rogatória nos termos previstos nos arts. 72º e 77º do CSC contra o réu) carece de sentido perante a prova produzida e falha também os requisitos adjectivos mínimos, desde logo do ponto de vista da legitimidade processual, porquanto a autora (já) não é sócia da Sociedade C..., Lda.
Não oferece dúvida que, perante a factualidade dada como provada (factos 12 e 27) as quantias ora em causa (€ 18.500,00 e € 39.000,00) correspondem a créditos da sociedade Clínica C..., Lda e não da autora.
Esclareça-se também que, diversamente do invocado pelo recorrido, no presente recurso, a autora não reconfigurou a acção como sendo - no que se refere às duas quantias em causa - uma acção de sub-rogação nos direitos de crédito da sociedade credora. Aquilo que a autora, ora recorrente, pretende é que seja desconsiderada a personalidade jurídica colectiva da sociedade Clínica C..., Lda atendendo a que esta sociedade e o seu património se confundem (ou confundiam) com as pessoas e o património do ex-casal composto pela autora e pelo réu.
Ora, o problema da desconsideração da personalidade jurídica é uma das manifestações do instituto do abuso do direito (cfr. art. 334.º do Código Civil), sendo, por isso, de conhecimento oficioso. Contudo, independentemente de tudo o mais, é manifesto não se verificarem os pressupostos mínimos que justifiquem o levantamento da personalidade jurídica da sociedade Clínica C..., Lda, uma vez que, por um lado, ficou provado (facto 26) que autora e réu não detinham a totalidade do capital social da dita sociedade e, por outro lado, conforme confessado pela própria em sede de alegações, a autora não é já sócia da mesma sociedade.
Deste modo, afastada que está a tese da desconsideração da personalidade jurídica, não pode senão subscrever-se o entendimento do acórdão recorrido de acordo com o qual, não sendo a autora a titular dos créditos ora em causa (€ 18.500,00 e € 39.000,00) não se encontram preenchidos os requisitos do enriquecimento sem causa (cfr. art 473.º do Código Civil), na medida em que o enriquecimento pelo réu não foi obtido à custa da autora mas sim à custa da dita sociedade.
Conclui-se assim pela improcedência da pretensão da recorrente.
V – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 27 de Novembro de 2025
Maria da Graça Trigo (relatora)
Teles Pereira
Fernando Baptista