LIBERDADE CONDICIONAL
JUÍZO DE PROGNOSE
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
Sumário

II - Nenhuma razão válida existe que impeça o TEP, na decisão sobre a liberdade condicional, de valorar a circunstância de o recluso não ter beneficiado ainda de nenhuma medida de flexibilização da pena, mormente de saída de licença jurisdicional, não pelo facto em si mesmo, mas porque tal circunstância, associada à personalidade do recluso, poderá inviabilizar a aferição da sua capacidade objetiva, já adquirida, de readaptação à vida em meio livre sem voltar a delinquir, indispensável à realização do juízo de prognose favorável exigido pela alínea a) do nº 2 do artigo 61º do CP.
III - Afirmar, no momento da audição para efeitos de concessão da liberdade condicional, que assume na íntegra os crimes pelos quais foi condenado e que está arrependido do que fez, embora não pretenda especificar o que fez em concreto – sem se disponibilizar a enfrentar quer os factos que concretamente praticou, quer seu desvalor, essencialmente na perspetiva dos malefícios causados às vítimas – não se nos afigura suficiente para demonstrar um efetivo juízo de reprovação interior, ou seja, a sua consciencialização e o seu reconhecimento do mal dos crimes e o juízo de censura que deles emana.
III - A evolução positiva durante a execução da pena deve ser percetível através de factos concretos, que traduzam um padrão comportamental consolidado, que persista no tempo e que indicie, com segurança, a adequação do processo de preparação para a liberdade.

Texto Integral

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório

Por decisão proferida autos de processo de liberdade condicional com o n.º 415/20.8TXEVR-B, que correm termos no Juízo de Execução de Penas – J… do Tribunal de Execução de Penas de …, não foi concedida a liberdade condicional ao arguido AA, identificado nos autos, atualmente preso no Estabelecimento Prisional de ….

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

Conclusões do recorrente

“Das conclusões

46.O despacho recorrido negou a liberdade condicional com base em (i) alegada ausência de juízo autocrítico e (ii) inexistência de “experimentação” prévia por medidas de flexibilização da pena.

47.Ora, 2/3 da pena (art. 61.º, n.º 3, CP) o único requisito material é a prognose favorável de prevenção especial; o juízo de defesa da ordem e paz social é dispensado nesse patamar, pelo que a decisão a quo, na prática, através do exercício judicativo, exigiu mais do que a lei prevê.

48.Depois, como se demonstrou, a prévia submissão a medidas de flexibilização não constitui pressuposto legal da liberdade condicional; a sua exigência viola o princípio da legalidade de execução da pena.

49.Para além disso, o Tribunal a quo desconsiderou prova relevante e consistente sobre a evolução do recorrente – mesmo que, entrelinhas, as tenha mencionados como existente, não as relevou.

50.Bom será de constatar que consta dos autos parecer favorável do Conselho Técnico, com votos positivos do tratamento penitenciário, da vigilância e segurança e da equipa de Reinserção Social de …, revelando evolução positiva e condições de reintegração. Mas mais do que isso: o Auto de Audição do Recluso demonstra, de forma insofismável, a assunção integral dos crimes; arrependimento; reflexão crítica; frequência do programa “Moral e Ético”; apoio psicológico em curso e intenção de o manter; projeto de vida e disponibilidade para reintegração.

51.Tais elementos impõem decisão diversa.

52.Ao invés disso, a decisão do Tribunal a quo desvalorizou essa prova com base numa mera “sensação” de discurso ensaiado, sem ancoragem factual ou probatória, violando o dever de fundamentação e incorrendo em erro notório na apreciação da prova.

53.O recluso mantém comportamento prisional adequado, sem desvios assinaláveis, apoio familiar e perspetivas ocupacionais, indicadores de adaptação a meio livre.

54.O percurso de autocrítica é dinâmico e processual, resultando do trabalho psicológico e de reinserção realizado ao longo de cerca de cinco anos de reclusão; valorar apenas momentos pretéritos e ignorar a evolução num escorrer cronológico alargado conduz a um juízo e prognose enviesados.

55.A prova existente suporta a expectativa séria de que, em liberdade, o recorrente conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes (art. 61.º, n.º 2, al. a), CP).

56.Na ponderação dos fins das penas aos 2/3, subsiste a finalidade de ressocialização e prevenção da reincidência; e é a liberdade condicional que constitui o instrumento determinante para consolidar no exterior o trabalho feito intramuros.

57. A não concessão da LC, no caso concreto, contraria a finalidade constitucional de reintegração e frustra o trabalho técnico desenvolvido, aumentando, paradoxalmente, o risco de reincidência.

58.Verifica-se, a final, uma desconsideração e valoração ilógica da prova disponível.

Nesta conformidade,

59.O Tribunal de Execução de Penas interpretou a norma do artigo 61.º do Código Penal no sentido de incluir, como pressuposto para a concessão da Liberdade Condicional, exigências de “experimentação” prévia por medidas de flexibilização da pena, violando, dessa forma, o princípio da legalidade – cf. art.º 29.º/3 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 3.º do CEPMPL.

Isto, bom será de ver, na medida em que as exigências do princípio da legalidade criminal alastram a certas dimensões da execução da pena, pelo que alterações in pejus ao regime de execução carecem de base legal prévia, escrita, certa e estrita.

60.No que concerne à factualidade, para além do que já se disse, o recorrente impugna a decisão quanto aos seguintes factos (artº. 412.º, n.º 3, CPP) relevantes para a prognose, que devem ser dados por provados:

a) O recluso assumiu integralmente os factos e expressou arrependimento genuíno;

b) Frequentou o programa “Moral e Ético” e participou ativamente;

c) O recluso mantém comportamento prisional adequado;

d) Teve e pretende manter acompanhamento psicológico;

e) Revela projeto de vida e prontidão para reintegração;

f) Beneficia de apoio familiar e de perspetivas ocupacionais;

61.No tocante às provas que impõem decisão diversa (art.º 412.º, n.º 3, al. b), CPP), sublinha-se:

a) Parecer do Conselho Técnico do EP (ANEXO I).

b) Auto de Audição do Recluso (ANEXO II).

c) Demais elementos constantes dos autos mencionados no recurso (incl. referências a comportamento prisional, apoio familiar e perspetivas ocupacionais).

62.No que diz respeito às provas a renovar (art.º 412.º, n.º 3, al. c), CPP):

a) Não se mostra necessária renovação da prova, por bastarem os elementos documentais identificados;

b) Todavia, e subsidiariamente, requer-se a audição do psicólogo do EP e de todos os elementos (já identificados) da equipa multidisciplinar que integra o Conselho Técnico, para confirmação dos pontos 15 a 22, a título de renovação.”

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que lhe conceda a liberdade condicional.

*

O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

Conclusões da resposta do Ministério Público

“1.º- O recluso AA interpôs recurso da Douta Sentença referência …, proferida em 27/06/2025, que não lhe concedeu a liberdade condicional, pedindo a revogação do mesmo e a sua substituição por decisão que lhe conceda a liberdade condicional.

2.º- A decisão recorrida foi proferida após o conselho técnico, por maioria, ter emitido parecer favorável e o Ministério Público se ter pronunciado desfavoravelmente à libertação.

3.º- Aquela decisão foi proferida com referência aos dois terços da pena única e decorridos pelo menos 6 meses da última apreciação, pelo que teve de apreciar se estava preenchido o pressuposto do artigo 61.º, n.º 2, alínea a), Código Penal.

4.º- Concordando com o sustentado na douta sentença recorrida, consideramos que não se mostram preenchidos os pressupostos do artigo 61.º, n.º 2, alínea a) Código Penal, o que impede a concessão da liberdade condicional (o que também foi defendido pela Direção do Estabelecimento Prisional).

5.º- O recluso AA cumpre à ordem do processo comum coletivo nº 615/10.3…, do Juízo Central Criminal de … (Juiz …) do Tribunal Judicial da Comarca de …, a pena única de 7 (sete) anos de prisão, pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de criança, 2 (dois) crimes de importunação sexual, 1 (um) crime de violação na forma tentada, 1 (um) crime de violência doméstica e 2 (dois) crimes de ameaça agravada (pena que englobou as aplicadas no processo referido e nos processos nºs 655/18.0… e 534/18.0…). A execução da pena foi liquidada nos seguintes termos: meio em 14.04.2024, dois terços em 14 .06.2025, cinco sextos em 14.08.2026 e termo em 14.10.2027.

6.º- A Douta Sentença recorrida contém uma explicação concreta para não atribuir a liberdade condicional ao recorrente, fazendo uma análise do percurso do recluso, considerando o teor da douta sentença condenatória e todos os elementos que instruem os presentes autos, não se limitando a fazer uma exposição acrítica dos elementos e informações trazidas aos autos.

7.º- Consideramos que não existe nos autos demonstração de uma evolução da situação do recluso e na aquisição de estratégias preventivas da reincidência que permita afastar os pressupostos e os fundamentos que sustentaram as não concessões de liberdade condicional decididas nos autos anteriormente.

8.º- O recluso conta ainda com condenações “pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica e 2 (dois) crimes de ofensa à integridade física qualificada, respeitando a sua primeira infracção criminal a factos praticados em 10 de Maio de 2013;”

(ponto 2.19. da douta sentença recorrida).

9.º- Não existem evidências sólidas de que o recluso tenha consciência crítica plena sobre as suas condutas, das consequências para as vítimas, não revelando capacidade de compreender a danosidade associada às condutas.

10.º- Contrariamente ao pugnado pelo recorrente, foi dado como provado que “3.8. Frequentou o “Programa Fénix – Dos Princípios Éticos à Acção Moral”, que concluiu no dia 4 de Dezembro de 2024, cumprindo com o estabelecido;”.

11.º- Doutra parte, embora o percurso prisional do recluso mais recente apresente uma evolução positiva não se pode esquecer que “teve uma primeira metade de execução da pena com comportamento irregular, designadamente com a prática de infracções disciplinares demonstradoras de manutenção das características de personalidade acima apontadas, de natureza violenta. Contudo, nos últimos dois anos tem demonstrado maior moderação.” (fundamentação constante da douta sentença recorrida).

12.º- Tratando-se de crime de violência doméstica e crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual importa aferir de comportamentos relevantes que demonstrem uma mudança positiva capaz de oferecer segurança que o agente não voltará a praticar factos. O recluso não teve qualquer comportamento capaz de reparar as consequências dos crimes.

13.º- Embora a submissão a medidas de flexibilização não seja um pressuposto expresso para concessão da liberdade condicional, atenta a natureza dos crimes e a dimensão da pena em execução, torna-se essencial avaliar uma aproximação à sociedade e as medidas de flexibilização permitem “testar” o comportamento do recluso em meio livre.

14.º- No que respeita ao cumprimento de regras e bom comportamento, sublinhar que são deveres de qualquer recluso e uma exigência para poder aspirar a regimes mais flexíveis na execução da pena.

15.º- Contrariamente ao pugnado pelo recorrente, o recluso não assumiu de forma relevante factos. Citando a Douta Sentença recorrida, “a intenção do recluso foi a de “adaptar” as suas novas declarações aos reparos feitos na decisão que não lhe concedeu a liberdade condicional por referência à metade da pena, i.e., num discurso claramente ensaiado, declarou aquilo que entendeu que o tribunal queria ouvir, mas na realidade sem nada assumir. Com efeito, o recluso limitou-se a referir que assumia na íntegra os crimes pelos quais foi condenado, mas instado a especificar quais eram os concretos factos que tinha praticado, limitou-se a referir que não o pretendia fazer, por, nas suas palavras, se sentir “sujo” em relação aos mesmos.”

16.º- Analisado o percurso prisional e as competências demonstradas e adquiridas, consideramos que o recluso continua a apresentar necessidade de desenvolver estratégias preventivas da reincidência, bem como a necessidade de ganhar competências a nível pessoal que lhe permitam adotar um comportamento e um percurso de vida conforme ao direito.

17.º- Desta forma, continua a não se vislumbrar uma alteração de comportamento e atitude do recluso que permita formular um juízo de que irá conduzir a sua vida de forma diferente em contextos da mesma natureza.

18.º- Ao decidir naqueles termos, a douta sentença efetuou uma correta aplicação do disposto no artigo 61.º n.º 2, al. a), do Código Penal.

19.º- Acresce que o recorrente não pugna pela alteração dos factos dados como provados na sentença que negou a concessão da liberdade condicional.

20.º - A Douta Sentença recorrida não violou qualquer das normas legais invocadas no recurso.

21.º- Pelo exposto, o recurso interposto pelo arguido não merece provimento, devendo manter-se a Douta Sentença recorrida.”

*

A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da reiteração dos argumentos expostos na resposta apresentada pelo Ministério Público junto da primeira instância.

Não tendo sido aduzidos novos argumentos no parecer do Ministério Público junto desta Relação, não houve lugar ao cumprimento do disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP.

*

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir, a saber:

- Determinar se se encontram reunidos os pressupostos legais, formais e materiais, para ser concedida ao recorrente a liberdade condicional, enfermando a sentença recorrida de erro de julgamento em matéria de facto e de direito, ou se, ao invés, os critérios legais, aplicados à situação do arguido, justificam a sua manutenção.

*

II.II - A decisão recorrida

Na sua fundamentação, considerou a sentença recorrida provados e não provados os seguintes factos com relevo para a apreciação da causa:

“(…)II – A) Dos Factos

O tribunal considera provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

1. Quanto às circunstâncias do caso:

1.1. O recluso AA cumpre à ordem do processo comum colectivo nº 615/10.3…, do Juízo Central Criminal de … (Juiz …) do Tribunal Judicial da Comarca de …, a pena única de 7 (sete) anos de prisão, pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de criança, 2 (dois) crimes de importunação sexual, 1 (um) crime de violação na forma tentada, 1 (um) crime de violência doméstica e 2 (dois) crimes de ameaça agravada (pena que englobou as aplicadas no processo referido e nos processos nºs 655/18.0… e 534/18.0…);

1.2. O referido crime de abuso sexual de criança relaciona-se, em síntese, com a seguinte factualidade: no dia 7 de Junho de 2019, a ofendida BB, então com 12 anos de idade, efectuava o percurso entre a escola que frequentava e a sua casa, atravessando o parque urbano …, nos …, …, por um caminho de terra batida e no interior de árvores e vegetação; a dado passou começou a ser seguida pelo recluso, que se aproximou dela, segurou-lhe a mão, dessa forma a imobilizando, dizendo-lhe para não gritar e que se corresse morria; ainda a segurar a mãe da ofendida, o recluso retirou o pénis de dentro das calças que envergava e, após, colocou a mão da ofendida a envolver o seu pénis; acto contínuo, o recluso colocou a sua mão por cima da mão da ofendida e obrigou-a masturbá-lo até ejacular;

1.3. Os referidos crimes de importunação sexual relacionam-se, em síntese, com a seguinte factualidade: - No dia 15 de Maio de 2019, a ofendida CC, então com 17 anos de idade, efectuava o percurso entre a escola que frequentava e a sua casa, atravessando o referido parque urbano; deparou-se então com o recluso, que se encontrava encostado a uma árvore, com o pénis fora das calças, masturbando-se ao mesmo tempo que seguia a ofendida com o olhar; - No dia 5 de Fevereiro de 2020, a ofendida DD, então com 16 anos de idade, efectuava o percurso entre a escola que frequentava e o Centro Comercial …, atravessando o referido parque urbano; deparou-se então com o recluso, que se encontrava no topo de umas escadas, com o pénis fora das calças, exibindo-o a quem por ali passasse, incluindo a ofendida; o recluso ainda se aproximou da ofendida, convidando-a para almoçar;

1.4. O referido crime de violação na forma tentada relaciona-se, em síntese, com a seguinte factualidade: no dia 6 de Setembro de 2019, cerca das 00h00m, a ofendida EE encontrava-se a passear com o seu namorado na Avenida de …, junto ao referido parque urbano; nessas circunstâncias, aproveitando o facto de o namorado da ofendida se ter afastado para conversar com uma transeunte, o recluso e um outro indivíduo cuja identidade não se apurou, seguraram a ofendida pelo braço, puxando-o, dessa forma fazendo com que aquela entrasse para o meio da vegetação; ali, ambos tentaram baixar-lhe as calças, ao mesmo tempo que o recluso lhe acariciava os seios com as mãos; a dado passo, a ofendida conseguiu libertar-se, fugindo para junto do seu namorado;

1.5. O referido crime de violência doméstica relaciona-se, em síntese, com a seguinte factualidade: o recluso e a ofendida FF mantiveram uma relação de namoro, sem coabitação, desde 2013 até Maio de 2018; durante tal relacionamento, o recluso sempre foi controlador para com a ofendida, demonstrando ciúmes e pretendendo controlar com quem ela falava ou se encontrava; durante esse período, ofendeu-a verbalmente em diversas ocasiões, ameaçou-a e perseguiu-a;

1.6. Os referidos crimes de ameaça agravada relacionam-se, em síntese, com ameaças de morte que o recluso dirigiu a um dos seus filhos e à sua mulher, de quem se encontrava separado (factos praticados no dia 4 de Junho de 2018);

1.7. A pena referida no ponto 1.1. dos factos provados foi liquidada nos seguintes termos: - Início – 14 de Outubro de 2020; - Metade (1/2) – 14 de Abril de 2024; - Dois terços (2/3) – 14 de Junho de 2025; - Cinco sextos (5/6) – 14 de Agosto de 2026; - Termo – 14 de Outubro de 2027;

2. Quanto à vida anterior do recluso:

2.1. O recluso, nascido a … de … de 1960 (actualmente conta com 64 anos de idade), é natural de …, sendo o terceiro de dez irmãos, nascidos num núcleo familiar de condição socioeconómica modesta, sustentado pelos rendimentos provenientes da actividade profissional do pai, trabalhador numa fábrica de cerâmica e, posteriormente, no sector da construção civil, em França, para onde emigrou quando o recluso cerca de 6 anos de idade; 2.2. O sistema familiar era organizado e bem enquadrado a nível social, num meio de características rurais, sendo a dinâmica relacional sentida pelo recluso como gratificante ao nível dos afectos, securizante e estável a nível emocional, pelo menos até aos seus 16/ 17 anos, altura em que o pai regressou do país de emigração e se evidenciaram algumas disfuncionalidades entre os progenitores;

2.3. Relativamente à sua relação com os pais, surge uma maior proximidade afectiva no pai, embora mais rígida, enquanto a mãe é descrita como mais disciplinadora e distante em termos afectivos;

2.4. Neste enquadramento sociofamiliar, o recluso completou o 12º ano de escolaridade já como trabalhador estudante, desenvolvendo actividade como operário fabril, que iniciou por volta dos 14/16 anos de idade;

2.5. Posteriormente, concluiu o curso superior de educação física e desporto, fez mestrado em treino desportivo e uma pós-graduação em técnicas de exercício de futebol com vista a dedicar-se à actividade de treinador, que chegou a exercer em alguns clubes;

2.6. Após o cumprimento do serviço militar obrigatório, integrou os quadros da … em 1984; 2.7. No âmbito da actividade profissional, foi sujeito a penas disciplinares por agressão (uma em 1985, tendo sido punido com 8 dias de suspensão, e outra em 2003, com punição de 113 dias de ausência de serviço sem vencimento). Em 2000 veio a ser diagnosticado com um problema oncológico, que implicou uma baixa médica durante três anos, sendo que após esse período foi reintegrado no serviço em funções administrativas;

2.8. No domínio das relações afectivas, apresenta um primeiro matrimónio em 1984, do qual tem dois filhos;

2.9. A família manteve-se a viver em …, enquanto aquele estava colocado em …, facto que contribuiu para o afastamento afectivo que determinou o divórcio em 1996;

2.10. Todavia, também é um facto que o condenado mantinha uma relação extramatrimonial desde 1988, com a ofendida referida no ponto 1.6. dos factos provados, que concretizou em matrimónio em 1998 e da qual tem nove filhos;

2.11. Esta união foi sempre muito conflituosa e disfuncional, com episódios de agressividade;

2.12. A ruptura conjugal acorreu em 2013, com a condenação do recluso por crimes de violência doméstica e de ofensa à integridade física qualificada;

2.13. Em 2013 iniciou a relação de namoro referida no ponto 1.5. dos factos provados, sendo que conhecera a ofendida em 2011, através da “internet”;

2.14. Tal namorada vivia em …, onde o recluso manteve uma casa arrendada;

2.15. Após a separação, manteve uma outra relação durante cerca de dois anos, bem como ainda outra relação de namoro, seguida de uma outra com GG, com quem manteve coabitação desde Fevereiro de 2020 até à sua entrada no Estabelecimento Prisional de …, em Outubro de 2020;

2.16. Aquando da sua prisão vivia com a sua companheira e com o seu HH, nos …, em …;

2.17. O recluso foi reformado compulsivamente após o processo a que se faz alusão no ponto 2.12. dos factos provados;

2.18. Assim, o seu sustento era assegurado pela pensão de reforma, no montante de € 458,00 (quatrocentos e cinquenta e oito euros), após lhe serem descontados cerca de € 260,00 (duzentos e sessenta euros) para prestação de alimentos aos filhos menores;

2.19. Para além das condenações referidas no ponto 1.1. dos factos provados, o recluso regista ainda condenações pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica e 2 (dois) crimes de ofensa à integridade física qualificada, respeitando a sua primeira infracção criminal a factos praticados em 10 de Maio de 2013;

2.20. Encontra-se preso pela primeira vez, datando a sua reclusão de quando tinha 60 anos de idade;

3. Quanto à personalidade do recluso e evolução daquela durante a execução da pena:

3.1. Aquando do julgamento realizado no processo nº 615/19.3…, o recluso negou a prática dos factos respeitantes aos crimes de abuso sexual de criança, de importunação sexual e de violação na forma tentada que aí lhe foram imputados (e pelos quais veio a ser condenado), mencionando que tudo não passaria de uma “cabala” orquestrada pela sua ex-mulher, bem como pelas duas filhas, que nunca aceitaram o fim do casamento, nem os seus novos relacionamentos;

3.2. Ouvido nos presentes autos no dia 18 de Abril de 2024, o recluso referiu o seguinte: «cumpre pena de 7 anos de prisão, pela prática de 2 crimes de importunação sexual, 1 crime de abuso sexual de menores, 1 crime de violação na forma tentada e 1 crime de agressão. Cometeu o crime de agressão, mas os outros não, não se revendo nesse tipo de crimes. Quanto aos crimes que não praticou, tudo não passa de um embuste da sua ex-mulher e das suas duas filhas. Quanto ao crime de agressão, foi uma situação com dois dos seus filhos (…) O seu filho HH pediu-lhe ajuda, porque um dos seus irmãos (o II) queria ficar na casa onde o HH vivia (o II tinha saído de casa aos 18 anos), sendo que os dois não se davam bem. Acabou por ter uma discussão com o II, insurgindo-se contra ele, mas acabou por não o agredir fisicamente. Entretanto, um seu outro filho (o JJ) começou a atirar-lhe pedras a si e ao HH, respondendo o próprio nos mesmos termos»;

3.3. Aquando da audição mencionada no ponto 3.2. dos factos provados, nada referiu quanto ao crime de violência doméstica;

3.4. Ouvido novamente nos presentes autos no dia 17 de Junho de 2025, referiu o seguinte: «assume na íntegra os crimes pelos quais foi condenado, embora não pretenda especificar o que fez em concreto, uma vez que se sente sujo em relação aos factos cometidos. Está arrependido do que fez, hoje em dia não faria o mesmo, sendo que o tempo que esteve preso foi uma lição de vida, permitindo-lhe reflectir quanto ao que fez, não se sentindo bem quanto à sua consciência. Quanto ao crime de violação tentada, esclarece que o praticou sozinho, não tendo sido acompanhado por outra pessoa»;

3.5. No Estabelecimento Prisional regista 2 (duas) infracções punidas disciplinarmente, praticadas nas seguintes datas: - 6 de Março de 2023 (agressão a outro recluso); - 15 de Maio de 2023 (ameaça a outro recluso);

3.6. Manifestou interesse em realizar formações, mas até ao momento não surgiu oferta disponível formação compatível com os seus interesses;

3.7. Não exerce funções laborais (inicialmente manifestou interesse em desempenhar funções na biblioteca, mas posteriormente informou que seria preferível dar prioridade a outros reclusos, já que dispõe dos rendimentos da sua pensão de reforma);

3.8. Frequentou o “Programa Fénix – Dos Princípios Éticos à Acção Moral”, que concluiu no dia 4 de Dezembro de 2024, cumprindo com o estabelecido;

3.9. É acompanhado em consultas de medicina geral, psicologia e psiquiatria nos serviços clínicos do EP (é detentor de problemática do foro psiquiátrico, com quadro de depressão major, sendo propenso a crises de ansiedade, que lhe provocam ataques de pânico);

3.10. No dia 23 de Abril de 2025 foi proferida decisão a conceder-lhe a primeira licença de saída jurisdicional (LSJ), a qual ainda não foi gozada, uma vez que o Ministério Público apresentou recurso de tal decisão, com efeito suspensivo (neste momento corre ainda prazo para que o recluso responda ao recurso);

3.11. Permanece colocado em regime comum desde o início da reclusão;

4. Situação económico-social e familiar:

4.1. Uma vez em liberdade, o recluso pretende ir viver com a companheira referida no ponto 2.15. e com o seu filho HH, que nos presentes autos é seu mandatário;

4.2. O referido agregado reside em …;

4.3. A sua companheira é psicóloga;

4.4. O seu filho tem vida autónoma, sendo advogado e professor universitário na Universidade …;

5. Perspectivas laborais/educativas:

5.1. Uma vez em liberdade, para além de contar com a sua pensão de reforma, o recluso pondera retomar a actividade de treinador de futebol.

Com interesse para a decisão, inexistem factos não provados. (…)”.

***

II.III - Apreciação do mérito do recurso

Considera o recorrente que a sentença recorrida assenta num juízo errado relativamente à verificação dos requisitos e à prognose favorável exigida por lei para a concessão da liberdade condicional.

Num breve apontamento sobre a evolução deste instituto, que se revela importante para compreendermos a sua natureza e finalidade, lembramos que, em Portugal, o mesmo só viria a ter consagração legal em finais do século XIX, enquadrado numa perspetiva ético-retributiva das penas, ou seja, concebido como uma recompensa aos condenados por boa conduta na reclusão. O regime foi sofrendo alterações ao longo do tempo, tendo-se assumido em 1972 que a liberdade condicional constituía uma modificação da pena de prisão na fase final da execução e tendo passado a ser competente para o seu decretamento o Tribunal de Execução de Penas.

A reforma relevante do instituto da liberdade condicional, surgiu em 1982, com a aprovação do novo Código Penal, que manteve as duas modalidades já existentes, a obrigatória e a facultativa. No ponto 9 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o Código Penal, consignou-se, a propósito da liberdade condicional, estar «definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão». Foi, por fim, a reforma do Código Penal realizada em1995 que, no essencial, veio a dar ao instituto da liberdade condicional a sua configuração atual.

Este instituto tem, pois, uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização”1. Já quanto à natureza jurídica da liberdade condicional, é quase unânime a sua qualificação como uma realidade inerente à execução da pena.

Atualmente, a liberdade condicional facultativa (ope judicis) e a liberdade condicional necessária (ope legis) constituem incidentes na execução da pena de prisão, e obedecem aos seguintes requisitos de ordem geral:

- Só podem ser decretadas com o consentimento do recluso, nos termos estabelecidos pelos artigos 61.º, nº 1.º do CP e 176.º, nº1.º do CEPMPL;

- A sua duração não pode ultrapassar o tempo que ainda falta cumprir, nem ser superior a cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena – o que consubstancia uma verdadeira modificação redutora da pena 2 – de acordo com o disposto no artigo 61.º, nº 5.º do CP e em adequação com a finalidade de prevenção especial de reintegração do condenado na sociedade estabelecida no artigo 40.º do CP.

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Na sentença recorrida considerou-se estarem verificados os pressupostos formais exigidos para a concessão da liberdade condicional, mas não o pressuposto material consubstanciado no juízo de prognose favorável sobre o comportamento do recluso em liberdade.

O recorrente discorda de tal juízo decisório, fazendo assentar a sua discordância em duas ordens de razões, a saber:

A) O Tribunal “a quo” valorou indevidamente o facto de o mesmo não ter beneficiado de nenhuma medida de flexibilização da pena, mormente, de saída de licença jurisdicional, uma vez que, na perspetiva do recorrente, tal facto não constitui um fundamento válido para a não concessão da liberdade condicional, justamente por não ser pressuposto da mesma;

B) Não merece colhimento o argumento relativo à falta de juízo autocrítico, pois que, na perspetiva do recorrente, o tribunal recorrido ignorou os factos fundamentais demonstrativos do processo evolutivo do recluso no que concerne à capacidade de autocrítica e à reflexão tendente à interiorização do desvalor da sua conduta.

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Entendemos, porém, que não lhe assiste razão relativamente a nenhum dos argumentos invocados.

Vejamos.

Constituindo a liberdade condicional um período de transição entre a prisão e a vida em liberdade, que visa essencialmente permitir que o recluso se reintegre na comunidade após um período de afastamento motivado pelo cumprimento de pena de prisão, é a lei, no Código Penal, que fixa os seus pressupostos formais e materiais.

A tal respeito, dispõe artigo 61.º do CP, da seguinte forma:

“Artigo 61.º

Pressupostos e duração

1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.”

De acordo com a norma transcrita, pressupostos formais da concessão da liberdade condicional facultativa em causa anos presente autos são:

a) O cumprimento de dois terços da pena de prisão, em período não inferior a seis meses (nº 3);

b) O consentimento do recluso (nº1).

E pressuposto material ou substancial é: O juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recluso quando em liberdade, de que saberá conduzir a sua vida em meio livre, sem cometer crimes (al. a) do nº 2, ex vi nº 3).

No caso presente não se encontra posta em causa a verificação dos pressupostos formais de concessão da liberdade condicional ao recorrente. Uma vez que o mesmo já cumpriu 2/3 da pena e consentiu na liberdade condicional, o único requisito a verificar é o previsto na al. a) do nº 2, por remissão do nº 3 do artigo 61º do CP, ou seja, o juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recluso quando em liberdade, de que saberá conduzir a sua vida em meio livre, sem cometer crimes.

Sublinhando-se que a efetiva reinserção social é o objetivo programático assumido do instituto da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efetivamente alcançado há-se revelar-se através das várias dimensões pessoais que se vêm sedimentando no discurso normativo, a saber: as circunstâncias do caso (valoração do crime cometido e das realidades que serviram para a determinação concreta da pena); a vida anterior do agente (atendendo-se à existência, ou não, de antecedentes criminais); a sua personalidade (que deve reconduzir-se à análise e compreensão do percurso criminoso do agente); a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão (que deve ser percetível através de padrões comportamentais reiterados, ativos ou omissivos, que persistam no tempo e que indiciem um adequado processo de preparação do agente para a vida em liberdade).

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Do acervo factológico relevante e tido por assente na decisão recorrida, extrai-se que:

- O recorrente encontra-se a cumprir a pena única de 7 (sete) anos de prisão, pela prática de um crime de abuso sexual de criança, dois crimes de importunação sexual, um crime de violação na forma tentada, um crime de violência doméstica e dois crimes de ameaça agravada;

- O referido crime de abuso sexual de criança relaciona-se, em síntese, com a seguinte factualidade: no dia 7 de junho de 2019, a ofendida BB, então com 12 anos de idade, efetuava o percurso entre a escola que frequentava e a sua casa, atravessando o parque urbano …, nos …, …, por um caminho de terra batida e no interior de árvores e vegetação; a dado passou começou a ser seguida pelo recluso, que se aproximou dela, segurou-lhe a mão, dessa forma a imobilizando, dizendo-lhe para não gritar e que se corresse morria; ainda a segurar a mãe da ofendida, o recluso retirou o pénis de dentro das calças que envergava e, após, colocou a mão da ofendida a envolver o seu pénis; ato contínuo, o recluso colocou a sua mão por cima da mão da ofendida e obrigou-a masturbá-lo até ejacular;

- Os referidos crimes de importunação sexual relacionam-se, em síntese, com a seguinte factualidade: no dia 15 de maio de 2019, a ofendida CC, então com 17 anos de idade, efetuava o percurso entre a escola que frequentava e a sua casa, atravessando o referido parque urbano; deparou-se então com o recluso, que se encontrava encostado a uma árvore, com o pénis fora das calças, masturbando-se ao mesmo tempo que seguia a ofendida com o olhar; no dia 5 de fevereiro de 2020, a ofendida DD, então com 16 anos de idade, efetuava o percurso entre a escola que frequentava e o Centro Comercial …, atravessando o referido parque urbano; deparou-se então com o recluso, que se encontrava no topo de umas escadas, com o pénis fora das calças, exibindo-o a quem por ali passasse, incluindo a ofendida; o recluso ainda se aproximou da ofendida, convidando-a para almoçar;

- O referido crime de violação na forma tentada relaciona-se, em síntese, com a seguinte factualidade: no dia 6 de Setembro de 2019, cerca das 00h00m, a ofendida EE encontrava-se a passear com o seu namorado na Avenida de …, junto ao referido parque urbano; nessas circunstâncias, aproveitando o facto de o namorado da ofendida se ter afastado para conversar com uma transeunte, o recluso e um outro indivíduo cuja identidade não se apurou, seguraram a ofendida pelo braço, puxando-o, dessa forma fazendo com que aquela entrasse para o meio da vegetação; ali, ambos tentaram baixar-lhe as calças, ao mesmo tempo que o recluso lhe acariciava os seios com as mãos; a dado passo, a ofendida conseguiu libertar-se, fugindo para junto do seu namorado;

- O referido crime de violência doméstica relaciona-se, em síntese, com a seguinte factualidade: o recluso e a ofendida FF mantiveram uma relação de namoro, sem coabitação, desde 2013 até Maio de 2018; durante tal relacionamento, o recluso sempre foi controlador para com a ofendida, demonstrando ciúmes e pretendendo controlar com quem ela falava ou se encontrava; durante esse período, ofendeu-a verbalmente em diversas ocasiões, ameaçou-a e perseguiu-a;

- Os referidos crimes de ameaça agravada relacionam-se, em síntese, com ameaças de morte que o recluso dirigiu a um dos seus filhos e à sua mulher, de quem se encontrava separado (factos praticados no dia 4 de junho de 2018);

- A pena que o arguido se encontra a cumprir foi liquidada nos seguintes termos:

- Início – 14 de outubro de 2020;

- Metade (1/2) – 14 de abril de 2024;

- Dois terços (2/3) – 14 de junho de 2025;

- Cinco sextos (5/6) – 14 de agosto de 2026;

- Termo – 14 de outubro de 2027;

- O recorrente nasceu a … de … de 1960, em …, integrado num núcleo familiar de condição socioeconómica modesta, organizado e bem enquadrado socialmente, sendo a dinâmica relacional sentida pelo recluso como gratificante e securizante, pelo menos até aos seus 16/ 17 anos;

- Concluiu o curso superior de educação física e desporto, fez mestrado em treino desportivo e uma pós-graduação em técnicas de exercício de futebol com vista a dedicar-se à atividade de treinador, que chegou a exercer em alguns clubes;

- Após o cumprimento do serviço militar obrigatório, integrou os quadros da … em 1984, tendo-lhe sido aplicadas duas penas disciplinares por agressão. Após uma baixa médica de três anos, foi reintegrado no serviço em funções administrativas;

- Tem dois filhos do seu primeiro casamento e nove do segundo, união que foi sempre muito conflituosa e disfuncional, com episódios de agressividade, tendo terminado em 2013, com a condenação do recluso por crimes de violência doméstica e de ofensa à integridade física qualificada;

- A partir de 2013, o recluso manteve várias relações de namoro, sendo que, aquando foi preso, em outubro de 2020, vivia com a sua companheira e com o seu filho HH, nos …, em …;

- Foi reformado compulsivamente, pelo que o seu sustento era assegurado pela pensão de reforma, no montante de € 458,00 (quatrocentos e cinquenta e oito euros), após lhe serem descontados cerca de € 260,00 (duzentos e sessenta euros) para prestação de alimentos aos filhos menores;

- Para além das condenações acima referidas, integradas no cúmulo jurídico que gerou a aplicação da pena única que se encontra a cumprir, o recluso regista ainda condenações pela prática de um crime de violência doméstica e de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, respeitando a sua primeira infração criminal a factos praticados em 10 de Maio de 2013;

- Encontra-se preso pela primeira vez, tendo sido recluído quando tinha 60 anos de idade;

- Quanto à personalidade do recluso e à sua evolução durante a execução da pena:

a) Aquando do julgamento realizado no processo nº 615/19.3…, negou a prática dos factos respeitantes aos crimes de abuso sexual de criança, de importunação sexual e de violação na forma tentada que aí lhe foram imputados (e pelos quais veio a ser condenado), mencionando que tudo não passaria de uma “cabala” orquestrada pela sua ex-mulher, bem como pelas duas filhas, que nunca aceitaram o fim do casamento, nem os seus novos relacionamentos;

b) Ouvido nos presentes autos, no dia 18 de abril de 2024, o referiu o seguinte: “cumpre pena de 7 anos de prisão, pela prática de 2 crimes de importunação sexual, 1 crime de abuso sexual de menores, 1 crime de violação na forma tentada e 1 crime de agressão. Cometeu o crime de agressão, mas os outros não, não se revendo nesse tipo de crimes. Quanto aos crimes que não praticou, tudo não passa de um embuste da sua ex-mulher e das suas duas filhas. Quanto ao crime de agressão, foi uma situação com dois dos seus filhos (…) O seu filho HH pediu-lhe ajuda, porque um dos seus irmãos (o II) queria ficar na casa onde o HH vivia (o II tinha saído de casa aos 18 anos), sendo que os dois não se davam bem. Acabou por ter uma discussão com o II, insurgindo-se contra ele, mas acabou por não o agredir fisicamente. Entretanto, um seu outro filho (o JJ) começou a atirar-lhe pedras a si e ao HH, respondendo o próprio nos mesmos termos”; Nessa audição nada referiu quanto ao crime de violência doméstica;

c) Ouvido novamente nos presentes autos no dia 17 de junho de 2025, referiu o seguinte: “assume na íntegra os crimes pelos quais foi condenado, embora não pretenda especificar o que fez em concreto, uma vez que se sente sujo em relação aos factos cometidos. Está arrependido do que fez, hoje em dia não faria o mesmo, sendo que o tempo que esteve preso foi uma lição de vida, permitindo-lhe refletir quanto ao que fez, não se sentindo bem quanto à sua consciência. Quanto ao crime de violação tentada, esclarece que o praticou sozinho, não tendo sido acompanhado por outra pessoa”;

- No Estabelecimento Prisional regista duas infrações punidas disciplinarmente, consubstanciadas, cada uma delas, na agressão a outro recluso, e praticadas, respetivamente, em 6 de março e em 15 de maio de 2023;

- Manifestou interesse em realizar formações, mas, até ao momento, não surgiu oferta disponível na formação compatível com os seus interesses;

- Não exerce funções laborais;

- Frequentou o “Programa Fénix – Dos Princípios Éticos à Acção Moral”, que concluiu no dia 4 de dezembro de 2024, cumprindo com o estabelecido;

- É acompanhado em consultas de medicina geral, psicologia e psiquiatria nos serviços clínicos do EP, sendo detentor de problemática do foro psiquiátrico, com quadro de depressão major, sendo propenso a crises de ansiedade, que lhe provocam ataques de pânico;

- No dia 23 de abril de 2025 foi proferida decisão a conceder-lhe a primeira licença de saída jurisdicional (LSJ), a qual ainda não foi gozada em virtude de a decisão não se encontrar ainda transitada em julgado, tendo sido interposto recurso pelo Ministério Público com efeito suspensivo;

- Permanece colocado em regime comum desde o início da reclusão;

- Uma vez em liberdade, o recluso pretende ir viver com a companheira, que é psicóloga e com o seu filho HH, que é advogado e professor universitário e que é seu mandatário nos presentes autos e pondera retomar a atividade de treinador de futebol;

- Consentiu na concessão da liberdade condicional.

- O Conselho Técnico, por maioria, pronunciou-se favoravelmente à concessão da liberdade condicional, tendo o Ministério Público emitido parecer desfavorável.

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A) Da alegada valorização indevida do facto de o recluso não ter beneficiado de nenhuma medida de flexibilização da pena

No que diz respeito à primeira das duas ordens de argumentos apresentados pelo recorrente como fundamento do recurso – concretamente a alegação de que Tribunal “a quo” valorou indevidamente o facto de o mesmo não ter beneficiado de nenhuma medida de flexibilização da pena – ao contrário do que vem afirmado em tal peça processual, pensamos que nenhuma razão válida existe que impeça o tribunal de valorar a circunstância de o recluso não ter beneficiado ainda de nenhuma de tais medidas, mormente de saída de licença jurisdicional, não pelo facto em si mesmo, mas porque tal circunstância poderá inviabilizar a aferição objetiva da capacidade de readaptação nos contactos com o exterior. E a consideração de tal facto na decisão sindicada não legitima, de todo, a alegação do recorrente no sentido de que a prévia submissão a medidas de flexibilização foi tida pelo tribunal recorrido como um pressuposto legal da liberdade condicional, violando o princípio da legalidade. A decisão não o refere nem explícita nem implicitamente, limitando-se a esse propósito a referir que “(…) Cumpre também referir que o recluso ainda não iniciou o gozo de medidas de flexibilização da pena, designadamente LSJ (pelos motivos mencionados no ponto 3.10. dos factos provados), sendo que em indivíduo com as suas características de personalidade se mostra indispensável experimentação relativamente prolongada no tempo através do gozo de tais medidas, de modo a testar com segurança o seu comportamento na reaproximação ao meio livre e o seu grau de resistência às tentações que podem ser encontradas em tal meio.(…)”.

Dito de outro modo, o que o tribunal considerou relevante foi a inexistência de contactos com o exterior que lhe permitissem aquilatar da capacidade objetiva, já adquirida pelo recluso, de readaptação à vida em meio livre sem voltar a delinquir. E explicou que tal experimentação relativamente prolongada no tempo assume especial relevância atendendo às características da personalidade do recorrente espelhadas, quer no seu passado criminoso, quer no percurso que desenvolveu durante a execução da pena.

Ora, sempre ressalvado o devido respeito por diferente opinião, o predito juízo revela-se absolutamente ajustado à situação dos autos e encontra suporte legal na norma penal acima transcrita, concretamente na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do CP, pois que aí expressamente se refere que o juízo de prognose positivo, indispensável à concessão da liberdade condicional, deverá ser fundado atendendo a todas as circunstâncias do caso, da personalidade do agente e da execução da pena. Corroborando o entendimento do tribunal “a quo”, no sentido acima referido, refere Figueiredo Dias que, relevante para a formulação do mencionado juízo de prognose, é a “capacidade objetiva de readaptação” por forma a que as expectativas sejam superiores ao risco de reincidência, revelando-se decisivo que o condenado tenha revelado “vontade séria” de se readaptar à vida social, ou seja, mais que da “vontade subjetiva”, tudo deve depender da capacidade de se readaptar analisada em termos objetivos.3

Por outro lado, conforme resulta evidente da leitura da fundamentação da decisão recorrida, todas as circunstâncias que acima enunciámos foram, indubitavelmente, tidas em conta. Foram vários os fatores que pesaram contra a concessão da liberdade condicional ao recluso e não apenas o facto de não ter gozado de qualquer LSJ. E tal constatação abre caminho à análise do segundo dos dois argumentos, que acima enunciámos, apresentados pelo recluso para fundamentar o seu recurso, qual seja o de que não merece colhimento o argumento relativo à falta de juízo autocrítico.

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B) Da alegada verificação de juízo autocrítico

Em primeiro lugar, ao contrário do que a alegacão do recorrente parece pressupor, foram tidos em conta todas as provas produzidas nos autos e todos os factos relevantes para a formulação do juízo de prognose, incluindo os que o recorrente alega não terem sido valorados4. Não encontramos fundamento bastante, nem o recorrente o apresenta, para sustentar a afirmação constante do recurso no sentido de que “o tribunal recorrido ignorou os factos fundamentais demonstrativos do processo evolutivo do recluso no que concerne à capacidade de autocrítica e à reflexão tendente à interiorização do desvalor da sua conduta.” Na verdade, o tribunal não ignorou os factos elencados no recurso. O que fez foi apreciar as provas globalmente, tendo concluído de forma diferente do recorrente. Com efeito, todos os factos enumerados foram tidos em conta na decisão, o que difere são as conclusões que dos mesmos se retiraram.5 Analisemos cada um deles: - “a) O recluso assumiu integralmente os factos e expressou arrependimento genuíno”: O tribunal considerou as declarações do recluso na audição realizada no dia 17.06.2025, conforme se encontra consignado no ponto 3.4 dos factos provados. Não considerou, porém, que de tais declarações tivesse resultado uma verdadeira assunção integral dos factos, nem um arrependimento genuíno e explicou porquê; - “b) Frequentou o programa “Moral e Ético” e participou ativamente: Tal facto foi tido expressamente por provado no ponto 3.8 dos factos provados, tendo o tribunal registado que “Frequentou o “Programa Fénix – Dos Princípios Éticos à Ação Moral”, que concluiu no dia 4 de dezembro de 2024, cumprindo com o estabelecido”; - “c) O recluso mantém comportamento prisional adequado”: Como está bom de ver, esta alegação do recorrente não se traduz num facto, mas antes numa valoração dos factos relativos ao comportamento do recluso em meio prisional, esses sim tidos em conta na decisão nos pontos 3.5 (no qual se menciona a punição por duas infrações disciplinares), 3.6 (no qual se refere o seu interesse em frequentar ações de formação, o que ainda não veio a concretizar-se) e 3.7 (no qual se faz alusão à ausência de prestação laboral) dos factos provados, e devidamente valorados pelo tribunal; - “d) Teve e pretende manter acompanhamento psicológico”: Tal facto foi tido expressamente por provado no ponto 3.9 dos factos provados, no qual se consignou que o recluso é acompanhado em consultas de medicina geral, psicologia e psiquiatria nos serviços clínicos do EP, uma vez que é detentor de problemática do foro psiquiátrico, com quadro de depressão major, sendo propenso a crises de ansiedade, que lhe provocam ataques de pânico; - e) Revela projeto de vida e prontidão para reintegração: Também esta alegação do recorrente não se traduz num facto, mas antes numa valoração da globalidade dos factos, que se apresenta de tal modo conclusiva que, caso coincidisse com a do tribunal recorrido, seria suficiente para considerar verificado o requisito material relativo ao juízo de prognose necessário à concessão da liberdade condicional. Sucede, porém, que, como sabemos, tais valorações não são coincidentes; - f) Beneficia de apoio familiar e de perspetivas ocupacionais”: O apoio familiar do recluso e as suas perspetivas ocupacionais foram expressamente incluídas nos pontos 4.1 a 5.1 dos factos provados.

Quanto aos factos, concluímos, pois, pela total improcedência da alegação do recorrente. No que diz respeito à apreciação que dos mesmos foi feita, entendemos que concluiu também acertadamente o tribunal “a quo”, arrimado nas provas e no juízo crítico que deixou plasmado na sentença, que integralmente subscrevemos. Atentemos nos seus termos: “(…) No que diz respeito aos requisitos de natureza material, estando em causa nos autos a apreciação da liberdade condicional por referência aos dois terços da pena, apenas se mostra necessário o preenchimento da primeira das exigências a que supra fizemos referência em A), ou seja, a relacionada com as razões de prevenção especial de socialização. No que tange ao primeiro daqueles requisitos materiais, a lei impõe que para que seja concedida a liberdade condicional o juiz do Tribunal de Execução das Penas faça um juízo de prognose favorável de que uma vez em liberdade o condenado venha a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, sendo que entendemos que em caso de dúvida sobre tal capacidade, a liberdade condicional não deve ser concedida [com efeito, conforme refere JOAQUIM BOAVIDA a propósito do princípio “in dubio pro reo”, «na fase da execução da pena de prisão e da consequente apreciação da liberdade condicional esse princípio não tem aplicação (…) Portanto, em caso de dúvida séria, que não possa ser ultrapassada, sobre o carácter favorável da prognose, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada (ob. cit., p. 137); no mesmo sentido, veja-se FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 540, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Outubro de 2017, in www.dgsi.pt, Proc. 744/13.7PXPRT-K.C1]. Tal juízo de prognose terá de se revelar através da análise dos seguintes aspectos, conforme previsto na alínea a) do nº 2 do art. 61º do Cód. Penal: - As circunstâncias do caso. Relaciona-se este segmento com a valoração do(s) crime(s) cometido(s), seja quanto à sua natureza e gravidade, seja ainda quanto às circunstâncias várias que estiveram na base da determinação da medida da pena, nos termos do art. 71º do Cód. Penal, sem que tal constitua qualquer violação do princípio “ne bis in idem” (neste sentido, veja-se o já referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2010, in www.dgsi.pt, Proc. 2006/10.2TXPRT-C.P1). Na situação concreta, todos os crimes praticados pelo recluso são valorados de forma muito negativa, uma vez que se consubstanciarem na prática de factos com um elevado nível de violência, com relevantes danos para as ofendidas; - A vida anterior do agente. Este item relaciona-se com uma multiplicidade de factores, desde logo de natureza familiar, social e económica, mas também atinentes a eventuais problemáticas aditivas do recluso, bem como à existência ou não de antecedentes criminais, sendo também especialmente importante aferir se o recluso já anteriormente cumpriu penas de prisão ou se o faz pela primeira vez.

Conforme refere JOAQUIM BOAVIDA de modo assaz pertinente, em matéria de liberdade condicional o elemento respeitante à vida anterior do condenado «é sobretudo relevante para operar a contraposição entre o homem que o recluso era antes da prática do crime e o homem que revela agora ser depois de executada parte substancial da pena» (ob. cit., p. 139-140).

No caso dos autos, verifica-se que o recluso não regista antecedentes penitenciários, sendo que os seus antecedentes criminais dizem igualmente respeito a crimes de natureza violenta. Relevam também as suas supramencionadas condições de crescimento e de desenvolvimento ao longo da infância e da juventude e o seu enquadramento sociofamiliar à época da prática dos factos, tudo relatado supra.

- A personalidade do agente e a evolução daquela durante a execução da pena. Quanto a este aspecto, «é relevante apurar a personalidade manifestada pelo recluso na prática do crime, quais os seus traços, sintomas e exteriorizações», sendo que «não é indiferente se o crime é uma decorrência da personalidade impulsiva e agressiva do recluso ou se resultou apenas da conjugação de circunstâncias irrepetíveis ou da mera imaturidade do agente» (JOAQUIM BOAVIDA, ob. cit., p. 139-140). No caso dos autos, julgamos que os crimes por cuja prática o recluso se encontra condenado se encontram especialmente relacionados com sua vontade em satisfazer os seus desejos libidinosos (quanto aos crimes de natureza sexual), não olhando aos limites que lhe eram impostos, associada ainda à sua personalidade violenta (veja-se as condenações que constam do seu CRC e ainda o seu percurso profissional na …).

Estabelecida no essencial a personalidade do recluso, vejamos então se se verificou uma evolução positiva desta durante a execução da pena, o que deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre. Desde logo, cumpre referir que «não é, em rigor e nos termos legais, requisito de concessão da liberdade condicional (…) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta (…) A ausência de arrependimento pode ser sinal do perigo de cometimento de novos crimes, mas não necessariamente. Se as circunstâncias em que ocorreu o crime são especialíssimas e de improvável repetição, não poderá dizer-se que a ausência de arrependimento significa perigo de cometimento de novos crimes. E também não pode dizer-se que um recluso que não revele arrependimento, ou não assuma mesmo a prática dos factos que levaram à sua condenação (em julgamento ou durante a execução da pena) não poderá nunca beneficiar de liberdade condicional antes de atingir cinco sextos da pena» (assim, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Dezembro de 2012, podendo encontrar-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2016, ambos in www.dgsi.pt, respectivamente Proc. 1796/10.7TXCBR-H.P1 e Proc. 824/13.9TXLSB-J-L1-3). De qualquer modo, quanto a este aspecto, conforme resulta dos pontos 3.1. a 3.4. dos factos provados, verifica-se evidente falta de sentido autocrítico por parte do recluso. Aliás, em especial no que respeita às declarações consignadas no ponto 3.4. dos factos provados, resulta evidente que quando ouvido no dia 17 de Junho de 2025, a intenção do recluso foi a de “adaptar” as suas novas declarações aos reparos feitos na decisão que não lhe concedeu a liberdade condicional por referência à metade da pena, i.e., num discurso claramente ensaiado, declarou aquilo que entendeu que o tribunal queria ouvir, mas na realidade sem nada assumir. Com efeito, o recluso limitou-se a referir que assumia na íntegra os crimes pelos quais foi condenado, mas instado a especificar quais eram os concretos factos que tinha praticado, limitou-se a referir que não o pretendia fazer, por, nas suas palavras, se sentir “sujo” em relação aos mesmos. Ora, não fazendo menção aos factos, a declaração de assunção dos crimes não passa de declaração vazia, sem qualquer significado, desde logo porque não permite ao tribunal verificar afinal o que é que o recluso assume. Assim, ao invés de inculcarem no tribunal a ideia de que o recluso revela juízo autocrítico em relação aos factos praticados, tais declarações conduzem a que a conclusão seja precisamente a contrária. A este propósito, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30 de Julho de 2021, «não se trata aqui de qualquer arrependimento bíblico, mas apenas da certeza, tanto quanto for possível de adquirir, que no recluso existe um profundo sentido de autocrítica e um efectivo juízo de reprovação interior, para que se possa concluir que (…) se arrepende dos factos que cometeu, no sentido de ter compreendido o respectivo desvalor social e o juízo de censura que deles emana (…)» – Acórdão não publicado, proferido no processo nº 6143/10.5TXLSB-AQ]. Ora, a circunstância de o recluso não demonstrar juízo autocrítico quanto aos factos praticados, constitui, no caso concreto, sério factor de risco de recidiva criminal, para mais quando está em causa a prática de crimes graves (com efeito, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Dezembro de 2014, «o crime de abuso sexual de criança – tendo em conta as especificidades da personalidade dos agressores sexuais, geradoras de uma elevada taxa de reincidência – exige especiais preocupações de prevenção especial» – in www.dgsi.pt, Proc. 6645/10.3TXLSB-Q – 3; quanto à elevada taxa de reincidência nos crimes sexuais, veja-se também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Março de 2018, in www.dgsi.pt, Proc. 746/16.1TXLSB-F.L1-3).

O comportamento prisional do recluso, constituindo também factor de avaliação da eventual evolução positiva da personalidade, não é no entanto decisivo, «sob pena de se estar a atribuir à liberdade condicional uma natureza – a de uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta – que ela não tem» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Outubro de 2013, podendo ver-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de Janeiro de 2013, ambos in www.dgsi.pt, respectivamente Proc. 939/11.8TXPRT-H.P1 e Proc. 1541/11.0TXLSB-E.E1).

Regressando ao caso concreto, verifica-se que o recluso teve uma primeira metade de execução da pena com comportamento irregular, designadamente com a prática de infracções disciplinares demonstradoras de manutenção das características de personalidade acima apontadas, de natureza violenta. Contudo, nos últimos dois anos tem demonstrado maior moderação. A circunstância de não ter frequentado actividade formativa ou laboral mostra-se, no caso concreto, pouco relevante. Milita a seu favor a frequência do programa psicoeducativo referido no ponto 3.8. dos factos provados.(…) Deste modo, apesar das boas perspectivas de inserção familiar e habitacional quando em liberdade, a análise conjunta de todos os factores referidos, com especial destaque para a ausência de juízo autocrítico e para a inexistência de experimentação através de medidas de flexibilização da pena, leva-nos a concluir não ser possível fazer juízo positivo quanto à evolução da personalidade do recluso e quanto à sua futura capacidade para manter comportamento social responsável e isento da prática de crimes (maxime da mesma natureza). Assim, não se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 61º do Cód. Penal. (…)” De facto, a sentença sindicada afirma claramente que na fase atual de cumprimento da pena do recorrente as exigências de prevenção especial são elevadas, não permitindo realizar um juízo de prognose favorável, pois que “(…) conforme resulta dos pontos 3.1. a 3.4. dos factos provados, verifica-se evidente falta de sentido autocrítico por parte do recluso.

Aliás, em especial no que respeita às declarações consignadas no ponto 3.4. dos factos provados, resulta evidente que quando ouvido no dia 17 de Junho de 2025, a intenção do recluso foi a de “adaptar” as suas novas declarações aos reparos feitos na decisão que não lhe concedeu a liberdade condicional por referência à metade da pena, i.e., num discurso claramente ensaiado, declarou aquilo que entendeu que o tribunal queria ouvir, mas na realidade sem nada assumir.

Com efeito, o recluso limitou-se a referir que assumia na íntegra os crimes pelos quais foi condenado, mas instado a especificar quais eram os concretos factos que tinha praticado, limitou-se a referir que não o pretendia fazer, por, nas suas palavras, se sentir “sujo” em relação aos mesmos. Ora, não fazendo menção aos factos, a declaração de assunção dos crimes não passa de declaração vazia, sem qualquer significado, desde logo porque não permite ao tribunal verificar afinal o que é que o recluso assume.

Assim, ao invés de inculcarem no tribunal a ideia de que o recluso revela juízo autocrítico em relação aos factos praticados, tais declarações conduzem a que a conclusão seja precisamente a contrária.(…)”

Mais acrescenta que “(…) a circunstância de o recluso não demonstrar juízo autocrítico quanto aos factos praticados, constitui, no caso concreto, sério fator de risco de recidiva criminal, para mais quando está em causa a prática de crimes graves6 (…) O comportamento prisional do recluso, constituindo também fator de avaliação da eventual evolução positiva da personalidade, não é no entanto decisivo, «sob pena de se estar a atribuir à liberdade condicional uma natureza – a de uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta – que ela não tem» (…).

Regressando ao caso concreto, verifica-se que o recluso teve uma primeira metade de execução da pena com comportamento irregular, designadamente com a prática de infrações disciplinares demonstradoras de manutenção das características de personalidade acima apontadas, de natureza violenta. Contudo, nos últimos dois anos tem demonstrado maior moderação.

A circunstância de não ter frequentado atividade formativa ou laboral mostra-se, no caso concreto, pouco relevante.

Milita a seu favor a frequência do programa psicoeducativo referido no ponto 3.8. dos factos provados. (…)

Deste modo, apesar das boas perspetivas de inserção familiar e habitacional quando em liberdade, a análise conjunta de todos os fatores referidos, com especial destaque para a ausência de juízo autocrítico e para a inexistência de experimentação através de medidas de flexibilização da pena, leva-nos a concluir não ser possível fazer juízo positivo quanto à evolução da personalidade do recluso e quanto à sua futura capacidade para manter comportamento social responsável e isento da prática de crimes (maxime da mesma natureza).(…)”

Do excerto transcrito resulta claramente que toda a evolução comportamental invocada na alegação recursiva foi devidamente ponderada, mas foi considerada insuficiente para a formulação do juízo de prognose favorável imprescindível à concessão da liberdade condicional facultativa. Aliás, sem desvalorizar tal vertente do cumprimento da pena, é importante que a mesma não seja sobrevalorizada, do mesmo modo que se não deverá valorizar exageradamente o comportamento inadequado, em relação à expetativa da comissão de novos crimes em meio livre.

Ao nível da consciência crítica, consideramos que a sentença fez adequada ponderação de todas as circunstâncias relevantes, tendo concluído com acerto que o condenado não a evidencia de forma sedimentada. Com efeito, afirmar, no momento da audição para efeitos de concessão da liberdade condicional que “assume na íntegra os crimes pelos quais foi condenado, embora não pretenda especificar o que fez em concreto, uma vez que se sente sujo em relação aos factos cometidos” ou que “está arrependido do que fez”, sendo que “hoje em dia não faria o mesmo” – sem se disponibilizar a enfrentar quer os factos que concretamente praticou, quer seu desvalor, essencialmente na perspetiva dos malefícios causados às vítimas –7 não se nos afigura suficiente para demonstrar um efetivo juízo de reprovação interior, ou seja, a sua consciencialização e o seu reconhecimento do mal dos crimes e o juízo de censura que deles emana.

E nem se diga, como alega o recorrente, que “(…) 52. Ao invés disso, a decisão do Tribunal a quo desvalorizou essa prova com base numa mera “sensação” de discurso ensaiado, sem ancoragem factual ou probatória, violando o dever de fundamentação e incorrendo em erro notório na apreciação da prova.

53.O recluso mantém comportamento prisional adequado, sem desvios assinaláveis, apoio familiar e perspetivas ocupacionais, indicadores de adaptação a meio livre.

54.O percurso de autocrítica é dinâmico e processual, resultando do trabalho psicológico e de reinserção realizado ao longo de cerca de cinco anos de reclusão; valorar apenas momentos pretéritos e ignorar a evolução num escorrer cronológico alargado conduz a um juízo e prognose enviesados.

Não tem, a nosso ver, razão. A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e não enferma de qualquer vício, designadamente de erro notório na apreciação da prova. Como é sabido, a evolução positiva durante a execução da pena deve ser percetível através de factos concretos, que traduzam um padrão comportamental consolidado, que persista no tempo e que indicie, com segurança, a adequação do processo de preparação para a liberdade. E, no caso dos autos, tais factos, ou não existem de todo, ou são efémeros e, logo, insuficientes, não podendo olvidar-se que, a acrescer à sua personalidade violenta – espelhada não só nos factos integradores dos crimes pelos quais cumpre pena, mas também nos seus antecedentes criminais, pela prática de um crime de violência doméstica e de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada (respeitando a sua primeira condenação a factos de 2013), e disciplinares, que determinaram a imposição de duas penas disciplinares por agressões a colegas – o recorrente regista duas infrações disciplinares durante a reclusão e que apenas na última audição assumiu genericamente a prática dos crimes, em termos não reveladores de verdadeira consciencialização e arrependimento, conforme acima deixámos explanado8.

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Nesta conformidade, acompanhamos a posição subjacente à sentença sindicada no sentido de que as circunstâncias relativas à natureza dos crimes cometidos pelo recluso, à sua personalidade violenta, à ausência de juízo autocrítico e à inexistência de contactos com o exterior que nos permitam aquilatar da capacidade objetiva, já adquirida, de readaptação à vida em meio livre sem voltar a delinquir, devem ser sopesadas e conexionadas, de forma muito prudente, com a evolução da personalidade do recluso durante o cumprimento da pena e com as boas perspetivas de inserção familiar e habitacional quando em liberdade.

Termos em que, de acordo com as razões expostas, a análise global de todos os mencionados fatores, nos leva a concluir que não estão preenchidos os requisitos para a concessão da liberdade condicional ao recorrente, revelando-se bem fundado o juízo realizado pelo tribunal a quo relativamente à sua recusa, pelo que o recurso deverá improceder.

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III- Dispositivo

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 11 de novembro de 2025

Maria Clara Figueiredo

Beatriz Marques Borges

Edgar Valente

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1 Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 528.

2 Segundo Artur Vargues, “Alterações ao Regime da Liberdade Condicional”, Revista do CEJ, 1.º semestre 2008, página 58.

3 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 539.

4 E que são concretamente os seguintes: “a) O recluso assumiu integralmente os factos e expressou arrependimento genuíno; b) Frequentou o programa “Moral e Ético” e participou ativamente; c) O recluso mantém comportamento prisional adequado; d) Teve e pretende manter acompanhamento psicológico; e) Revela projeto de vida e prontidão para reintegração; f) Beneficia de apoio familiar e de perspetivas ocupacionais.” (conclusão nº 60 do recurso).

5 Sendo certo que na alegação recursiva e na conclusão nº 60, o recorrente acaba por enumerar indistintamente factos e conclusões.

6 Reportando-se ainda a sentença às especificidades da personalidade dos agressores sexuais que exigem especiais preocupações de prevenção especial, nos seguintes termos: “(…) com efeito, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Dezembro de 2014, «o crime de abuso sexual de criança – tendo em conta as especificidades da personalidade dos agressores sexuais, geradoras de uma elevada taxa de reincidência – exige especiais preocupações de prevenção especial» – in www.dgsi.pt, Proc. 6645/10.3TXLSB-Q – 3; quanto à elevada taxa de reincidência nos crimes sexuais, veja-se também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Março de 2018, in www.dgsi.pt, Proc. 746/16.1TXLSB-F.L1-3).(…)”

7 Consta concretamente do auto de audição de 17.06.2025 que o recluso “assume na íntegra os crimes pelos quais foi condenado, embora não pretenda especificar o que fez em concreto, uma vez que se sente sujo em relação aos factos cometidos. Está arrependido do que fez, hoje em dia não faria o mesmo, sendo que o tempo que esteve preso foi uma lição de vida, permitindo-lhe reflectir quanto ao que fez, não se sentindo bem quanto à sua consciência.”

8 Sendo que na audição ocorrida cerca de um ano antes, em 18 de abril de 2024, não assumira os factos tendo referido o seguinte: «cumpre pena de 7 anos de prisão, pela prática de 2 crimes de importunação sexual, 1 crime de abuso sexual de menores, 1 crime de violação na forma tentada e 1 crime de agressão. Cometeu o crime de agressão, mas os outros não, não se revendo nesse tipo de crimes. Quanto aos crimes que não praticou, tudo não passa de um embuste da sua ex-mulher e das suas duas filhas. Quanto ao crime de agressão, foi uma situação com dois dos seus filhos (…) O seu filho HH pediu-lhe ajuda, porque um dos seus irmãos (o II) queria ficar na casa onde o HH vivia (o II tinha saído de casa aos 18 anos), sendo que os dois não se davam bem. Acabou por ter uma discussão com o II, insurgindo-se contra ele, mas acabou por não o agredir fisicamente. Entretanto, um seu outro filho (o JJ) começou a atirar-lhe pedras a si e ao HH, respondendo o próprio nos mesmos termos» (negritos acrescentados).

.............................................................................................................. Sumário

II - Nenhuma razão válida existe que impeça o TEP, na decisão sobre a liberdade condicional, de valorar a circunstância de o recluso não ter beneficiado ainda de nenhuma medida de flexibilização da pena, mormente de saída de licença jurisdicional, não pelo facto em si mesmo, mas porque tal circunstância, associada à personalidade do recluso, poderá inviabilizar a aferição da sua capacidade objetiva, já adquirida, de readaptação à vida em meio livre sem voltar a delinquir, indispensável à realização do juízo de prognose favorável exigido pela alínea a) do nº 2 do artigo 61º do CP.

III - Afirmar, no momento da audição para efeitos de concessão da liberdade condicional, que assume na íntegra os crimes pelos quais foi condenado e que está arrependido do que fez, embora não pretenda especificar o que fez em concreto – sem se disponibilizar a enfrentar quer os factos que concretamente praticou, quer seu desvalor, essencialmente na perspetiva dos malefícios causados às vítimas – não se nos afigura suficiente para demonstrar um efetivo juízo de reprovação interior, ou seja, a sua consciencialização e o seu reconhecimento do mal dos crimes e o juízo de censura que deles emana.

III - A evolução positiva durante a execução da pena deve ser percetível através de factos concretos, que traduzam um padrão comportamental consolidado, que persista no tempo e que indicie, com segurança, a adequação do processo de preparação para a liberdade.