I.São elementos objetivos do tipo legal (omissivo) de abuso de confiança contra a segurança social: a não entrega à Segurança Social das contribuições devidas pelos trabalhadores e membros dos órgãos sociais; tendo as mesmas sido deduzidas às remunerações dos trabalhadores ou gerentes pelas entidades empregadoras.
II. O tipo subjetivo é exclusivamente doloso, pelo que é necessário que o agente sabia estar obrigado a entregar à Segurança Social as prestações retidas aos trabalhadores e tenha previsto e querido não as entregar.
III. Correspondendo o momento da prática do facto ilícito ao termo do prazo estabelecido no RGIT para a entrega das quotizações.
IV. Se o empregador de modo recorrente, no decurso de vários anos, descontar mensalmente aos seus empregados as quantias que são devidas à Segurança Social e não as entregar à entidade que é delas credora, antes as afetando ao giro empresarial (nomeadamente para pagar salários) pratica apenas um crime continuado.
V. A pluralidade de ações (renovadas cada mês) omissivas de entrega das quotizações, num mesmo contexto exterior, vulnerando sempre o mesmo bem jurídico, e de modo essencialmente homogéneo, constitui um só crime continuado.
a. No ….º Juízo1 Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, procedeu-se a julgamento em processo comum e tribunal singular, de AA, Lda., BB e CC, todos com os sinais dos autos, aos quais se imputava a prática em coautoria de um crime de abuso de confiança qualificado contra a Segurança Social, previsto nos artigos 107.º, § 1.º e 2.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), previsto na Lei n.º 15/2001, de 5 de junho (com as alterações subsequentes), por referência aos artigos 105.º, § 1.º, 2.º, 4, 5 e 7 do mesmo RGIT.
A final o Tribunal proferiu sentença, pela qual absolveu a arguida CC da prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social de que estava acusada; e condenou as AA, Lda., e BB pela prática em coautoria de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto nos artigos 107.º, § 1.º e 2.º, 105.º, § 1.º e § 4.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aplicando à primeira uma pena 220 dias de multa à razão diária de 5€; e à uma pena de 210 dias de multa à razão diária de 10€.
b. Inconformadas, vieram as arguidas AA, Lda., e BB, interpor recurso da referida sentença, observando em síntese2 que:
«(…)
- O artigo 105.º do Regime Geral das Infrações Tributárias deve ser adaptado às circunstâncias específicas das prestações devidas à Segurança Social, já que a não entrega dessas prestações é mensal e devidamente compartimentada a cada mês e não, por uma razão de simplificação, como fez a Segurança Social e enraizou a Sentença, num agregado de uma única circunstância.
- Nos termos do n.º 4 do mesmo preceito: “Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorridos mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.”
- Decorridos os 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação, deveriam as arguidas ser notificadas para efetuar o pagamento no prazo de 30 dias.
- Este prazo de 30 dias corresponde a um pressuposto adicional, com vista a evitar a punição criminal.
- Não se fez prova da existência dessa notificação.
- Nem a mesma cumpriu todos os requisitos legais.
- Deveriam as arguidas ter sido notificadas relativamente a cada mês, individualmente considerado.
- Não estamos perante um crime continuado.
- Nos termos do artigo 73.º n.º 1, al. c) do Código Penal, o limite máximo da pena de multa, sendo reduzido a um terço, corresponde a 240 dias, mantendo-se o limite mínimo em de 10 e 20 dias, consoante se trate de pessoal singular ou pessoa coletiva (artigo 12.º n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias).
- O Tribunal a quo, dentro desta moldura penal atenuada, condenou as aqui arguidas quase na pena de multa máxima.
- A conduta ilícita não é acentuadamente censurável.
- Não obtiveram qualquer benefício.
- Assim que reuniram o montante necessário para liquidar a dívida efetuaram o pagamento.
- A verdade fiscal foi reposta e o dano foi reparado.
- Nem o Estado saiu prejudicado, já que foram pagas todas as quantias e todas as despesas, juros e coimas.
- Não tendo os valores em referência sido anteriormente pagos por manifesta insuficiência económica da sociedade.
- A pena de multa aplicada às arguidas é excessiva, por violação do princípio da proporcionalidade e da necessidade da pena, atendendo às condicionantes que impediram o seu cumprimento atempado, bem como a medida de culpa da arguida BB.
- À situação em apreço também se deveria operar a uma atenuação muito especial que resulta de todo o regime jurídico especial para atenuar os efeitos da Covid-19.
c. Recebido o recurso o Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª instância respondeu-lhe, sintetizando a sua posição nos seguintes termos3:
«(…)
- É inaplicável o limite penal de 7 500€ previsto no art. 105.º ao ilícito do art. 107.º (cf. AUJ n.º 8/2010 do Supremo Tribunal de Justiça, que fixou o seguinte: «a exigência do montante mínimo de 7 500 euros, de que o n.º 1 do art.º 105.º do Regime Geral das Infrações Tributárias – RGIT. faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no art. 107º nº 1 do mesmo diploma.»
- No caso sub iudice provou-se que decorreram os 90 dias sobre o termo legal de entrega das prestações sem que as quantias fossem entregues à Segurança Social. Houve lugar à notificação das arguidas BB e AA Lda. para, no prazo de 30 dias, serem regularizados os pagamentos em dívida, acrescidos de juros respetivos. Todavia, não foi feito tal pagamento.
- A figura jurídica do crime continuado pressupõe a existência de um dolo de continuação, o qual se constatará quando “qualquer decisão posterior se manifesta como continuação da precedente, formando todas como que uma linha de continuidade psíquica”
– (Faria Costa, Formas do Crime, pág. 117).
- As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
- Num caso concreto, a finalidade de tutela e proteção de bens jurídicos há de constituir, por isso, o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas, e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afetados.
- Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
- In casu, temos de atentar nos factos dados como provados, particularmente nas razões de prevenção geral e especial, no que se relaciona com a arguida BB, face ao seus antecedentes criminais que parece querer olvidar.
Na operação de graduação das penas o Tribunal valorou todos os fatores que depõem contra e a favor das arguidas, especificando quer as razões de prevenção geral, quer as de prevenção especial, ponderando o devido peso de cada uma delas na situação concreta.»
d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância teve vista nos autos. Nada solicitando ou acrescentando, pelo que se não enxertou o mecanismo de contraditório previsto no § 2.º do artigo 417.º CPP.
e. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objeto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP).
As arguidas não questionaram a factologia assente na sentença, não tendo designadamente alegado a existência de qualquer dos vícios previstos no § 2.º do artigo 410.º CPP (que de resto também inexiste), nem indicaram qualquer ponto da matéria de facto como tendo sido erradamente julgada, nos termos previstos no § 3.º do artigo 412.º CPP.
Suscitando-se apenas as seguintes questões:
i. Inverificação dos elementos constitutivos do ilícito;
ii. Crime continuado e medida das penas.
2. Da sentença recorrida
2.1 A matéria de facto julgada provada pelo Tribunal recorrido é a seguinte:
1. A arguida AA, Lda. é uma sociedade por quotas.
2. A sociedade AA desenvolveu a actividade de produção e comercialização de produtos de padaria e pastelaria desde que foi criada, e nomeadamente nos anos de 2017 a 2021.
3. Desde a data da sua constituição e pelo menos até Maio de 2021, a arguida BB foi a gerente da sociedade, actuando como sua representante legal, agindo em nome e no interesse desta.
4. Entre Agosto de 2017 e Maio de 2021, inclusive, a sociedade AA teve a trabalhar para si vários trabalhadores.
5. A sociedade AA, procedeu ao pagamento dos salários desses trabalhadores, com retenção das contribuições descontadas aos mesmos, algumas das quais não entregou à Segurança Social, nos períodos e montantes seguintes:
Mês / Ano Salários pagos Quotizações de trabalhadores Quotizações de trabalhadores não entregues
ago/17 14 867,64€ 1 635,44€ 1 581,04€
set/17 17 900,91€ 1 969,10€ 1 969,10€
out/17 13 283,73€ 1 461,21€ 1 461,21€
nov/17 13 181,36€ 1 449,95€ 1 449,95€
dez/17 13 396,55€ 1 473,62€ 1 473,62€
jan/18 12 211,36€ 1 343,25€ 1 343,25€
fev/18 11 878,55€ 1 306,64€ 1 306,64€
mar/18 13 590,64€ 1 494,97€ 1 494,97€
abr/18 14 767,55€ 1 624,43€ 1 624,43€
mai/18 13 405,64€ 1 474,62€ 1 474,62€
jun/18 12 697,55€ 1 396,73€ 1.396,73€
jul/18 14 760,64€ 1 623,67€ 1623,67€
ago/18 13 648,36€ 1 501,32€ 1 501,32€
set/18 1 282,18€ 1 411,10€ 1 411,10€
out/18 12 066,55€ 1 327,32€ 1 327,32€
nov/18 14 555,18€ 1 601,07€ 1 601,07€
dez/18 19 109,36€ 2 102,03€ 2 102,03€
jan/19 15 172,55€ 1 668,98€ 1 668,98€
fev/19 15 411,27€ 1 695,24€ 1 695,24€
mar/19 17 571,73€ 1 932,89€ 1 932,89€
abr/19 18 610,55€ 2 047,16€ 2 047,16€
mai/19 16 286,73€ 1 791,54€ 1 791,54€
jun/19 13 469€ 1 481,59€ 1 481,59€
jul/19 11 705,82€ 1 287,64€ 1 287,64€
ago/19 12 777,45€ 1 405,52€ 1 405,52€
set/19 11 824,45€ 1 300,69€ 1 300,69€
out/19 12 100,45€ 1 331,05€ 1 331,05€
nov/19 12 274,64€ 1 350,21€ 1 350,21€
dez/19 12 736,73€ 1 401,04€ 1 401,04€
jan/20 12 241,18€ 1 346,53€ 1 346,53€
fev/20 11 339,36€ 1 247,33€ 1 247,33€
mar/20 11 004,45€ 1 210,49€ 27,94€
abr/20 10 005,27€ 1 100,58€ 1 100,58€
mai/20 8 122,64€ 893,49€ 893,49€
jun/20 7 562,73€ 831,90€ 831,90€
jul/20 10 015,91€ 1 101,75€ 1 101,75€
ago/20 11 233,45€ 1 235,68€ 1 235,68€
set/20 10 694,73€ 1 176,42€ 1 176,42€
out/20 10 487,82€ 1 153,66€ 1 153,66€
nov/20 10 110€ 1 112,10€ 1 112,10€
dez/20 8 617€ 947,87€ 947,87€
jan/21 8 633,36€ 949,67€ 949,67€
fev/21 1 922,18€ 211,44€ 211,44€
mar/21 900€ 99€ 99€
abr/21 900€ 99€ 99€
mai/21 900€ 99€ 99€
Total Geral
531 235,20 € 59 606,93 € 58 468,98 €
6. A sociedade AA, através da actuação da arguida BB, não entregou nos cofres da Segurança Social os valores deduzidos e retidos sobre as remunerações pagas aos trabalhadores, nos montantes supra mencionados, até ao 20º dia do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem nos 90 dias subsequentes ao termo deste.
7. Notificadas para procederem à entrega do aludido montante total, no prazo de 30 dias, as arguidas AA e BB nada entregaram ou pagaram nesse prazo.
8. A arguida BB actuou, em nome e no interesse da arguida sociedade AA, da qual era gerente, com conhecimento de que tinha a obrigação legal de entregar as quantias retidas dos salários dos trabalhadores à Segurança Social.
9. A arguida BB agiu de modo voluntário, livre e consciente.
10. A arguida BB sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
11. A arguida BB usou as forças patrimoniais não entregues à Segurança Social para pagar obrigações inerentes à actividade da arguida sociedade, designadamente salários de trabalhadores, por a empresa não dispor de fundos suficientes para continuar a laborar cumprindo tais obrigações e, simultaneamente, pagar as obrigações de entrega à Segurança Social.
12. As importâncias retidas e não entregues à Segurança Social, e acréscimos legais, foram, posteriormente aos prazos indicados no facto 6, integralmente pagos, tendo o pagamento integral ocorrido a 14/02/2024.
*
13. A arguida BB é empresária. A arguida aufere montantes variáveis, mas sensivelmente uma média de € 1.300 mensais.
14. A arguida BB vive em casa propriedade da sua família.
15. A arguida BB tem um filho, já adulto e financeiramente independente.
16. A arguida BB regista os seguintes antecedentes criminais:
a) Por decisão transitada em julgado em 05/09/2017, proferida no processo n.º 486/16…. do Tribunal Judicial de …, a arguida foi condenada pela prática, em 2010, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social qualificado na pena de 200 dias de multa;
b) Por decisão transitada em julgado em 02/02/2022, proferida no processo n.º 237/19…. do Tribunal Judicial de …, a arguida foi condenada pela prática, em 2013, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na pena de 250 dias de multa;
c) Por decisão transitada em julgado em 01/07/2024, proferida no processo n.º 86/23…. do Tribunal Judicial de …, a arguida foi condenada pela prática, em 2022, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na pena de 120 dias de multa.
17. A arguida BB confessou a prática do crime.
*
18. A arguida CC é escriturária, auferindo sensivelmente € 1.100 por mês.
A arguida CC é casada e tem um filho de … anos de idade. A arguida vive, em casa própria, com o filho e os sogros.
19. A arguida CC não regista antecedentes criminais.
*
20. A arguida AA, Lda. não tem presentemente qualquer actividade económica.
21. A arguida AA não regista antecedentes criminais.»
3. Conhecendo dos fundamentos do recurso
3.1 Da verificação dos elementos constitutivos do ilícito
Consideram os recorrentes que apesar de não terem entregado à Segurança Social, no prazo fixado na lei, as quantias retidas aos trabalhadores da sociedade AA, Lda., o facto não é punível, porquanto não foram notificados para entregarem tais quantias no prazo de 30 dias - contados da data dessa notificação -, conforme previsto na al. b) do § 4.º do artigo 105.º do RGIT (Regime Jurídico das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho).
Contrariando esta afirmação refere o Ministério Público, que se mostra provado que decorreram os 90 dias sobre o termo legal de entrega das prestações sem que as quantias fossem entregues à Segurança Social; e que houve lugar à notificação das arguidas para, no prazo de 30 dias, serem regularizados os pagamentos em dívida, acrescidos de juros respetivos. Mas que apesar disso nenhuma entrega ocorreu no assinalado prazo.
Vejamos o conteúdo das normas pertinentes à decisão da questão.
Preceitua o artigo 105.º do RGIT, em vigor à data em que as contribuições retidas aos trabalhadores deveriam ter sido entregues pelas arguidas à Segurança Social:
«1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7 500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
(…)
4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
5 - Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efetuada for superior a (euro) 50 000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1 200 dias para as pessoas colectivas.
(…)
7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.»
Mais preceitua o artigo 107.º do mesmo RGIT, que:
«1 - As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.os 1 e 5 do artigo 105.º.
2 - É aplicável o disposto nos n.os 4 e 7 do artigo 105.º.»
Dos citados preceitos resulta estarmos perante um crime de omissão pura, isto é, perante um tipo de ilícito que se reporta a uma conduta necessariamente omissiva.
Traduzindo a incriminação em referência o meio de tutela do respetivo bem jurídico, correspondente ao património da Segurança Social (mais precisamente à obtenção das receitas necessárias ao regular funcionamento do sistema de Segurança Social)4. Destinando-se estas à prossecução dos seus fins específicos.
A titularidade deste bem jurídico pertence à comunidade dos indivíduos, que através do Estado, que se compromete a realizar a sua gestão adequada e a prosseguir os objetivos económicos e sociais reconhecidos como fundamentais pela sociedade.5
São agentes do crime «as entidades empregadoras», valendo as regras gerais para a comparticipação criminosa, designadamente quanto aos órgãos de gestão das pessoas coletivas.
Sendo elementos objetivos do tipo legal (omissivo) em causa: a não entrega à Segurança Social das contribuições devidas pelos trabalhadores e membros dos órgãos sociais; tendo as mesmas sido deduzidas às remunerações dos trabalhadores ou gerentes pelas entidades empregadoras.
E no concernente ao tipo subjetivo ele é exclusivamente doloso, pelo que é necessário que o agente sabia estar obrigado a entregar à Segurança Social as prestações retidas aos trabalhadores e tenha previsto e querido não as entregar.
O momento da prática do facto ilícito corresponde ao termo do prazo estabelecido pelo RGIT para a entrega das quotizações.6
Alegam os recorrentes que ao invés de entregarem as quantias retidas à Segurança Social, preferiram utilizá-las para efetuar os pagamentos dos salários dos seus trabalhadores. Ora, isso não constitui causa excludente da ilicitude nem da culpa da conduta escolhida.7
Sucede que a apropriação, enquanto elemento constitutivo do tipo de ilícito de abuso de confiança para com a Segurança Social, não tem respeitar a um qualquer proveito próprio ou alheio, podendo consistir justamente na disposição pelo devedor de quantias alheias, como se delas fora proprietário.8
Mostra-se provado que desde a constituição da sociedade AA, Lda. e, pelo menos, até maio de 2021, a arguida BB foi a gerente dessa sociedade, atuando como sua representante legal, agindo em nome e no interesse desta.
E que essa sociedade comercial, através da atuação da referida arguida, nas datas referidas na tabela constante dos factos provados, reteve e não entregou nos cofres da Segurança Social, os valores ali mencionados, apesar de os ter deduzido das remunerações pagas aos trabalhadores, até ao 20.º dia do mês seguinte àquele a que respeitavam. Nem tal efetuou nos 90 dias subsequentes ao termo daquele prazo.
E mesmo após a notificação para a referida sociedade proceder à entrega do aludido montante total, no prazo de 30 dias, as arguidas AA Lda. e BB nada entregaram nesse prazo.
A arguida BB atuou sempre em nome e no interesse da sociedade AA, com perfeito conhecimento de que tinha a obrigação legal de entregar as quantias retidas dos salários dos trabalhadores à Segurança Social, agindo de modo voluntário, livre, e consciente, sabendo que tais condutas eram proibidas por lei.
E como assim, contrariamente ao que sustentam os recorrentes, o quadro factológico provado é plenamente integrador não apenas dos elementos objetivos e subjetivo do tipo de ilícito ao qual nos vimos referindo, como também das condições objetivas de punibilidade previstas nas alíneas a) e b) do § 4.º do artigo 105.º do RGIT (ex vi artigo 107.º, § 2.º RGIT). Isto é, de terem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega das prestações; e as prestações comunicadas à administração tributária através da correspondente declaração não terem sido pagas, acrescidas dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
Não tinha a Segurança Social, obviamente, de fazer tantas comunicações aos arguidos quantas as retenções mensais e/ou individuais em incumprimento, se numa ou algumas delas abranger as que estão em falta (valendo a notificação apenas relativamente a estas)! Seja porque a lei tanto não exige (não prevê); como isso a partir de certa altura (após muitos meses de atraso na entrega das quantias retidas) constituir um absurdo do ponto de vista lógico, a mais de escolho burocrático inútil.
Mais aduzem os recorrentes que «não estamos perante um crime continuado», sem que, no entanto, tenham adiantado uma qualquer razão para contrariar a justeza dessa dimensão do julgamento realizado pelo Tribunal recorrido!
O Ministério Público, por seu turno, considerou que as circunstâncias do caso evidenciam estarmos perante um único crime continuado de abuso de confiança perante a Segurança Social.
Atentemos, pois.
Da sentença resultou provado que os recorrentes retiveram e não entregaram à Segurança Social o valor global de 58 468,98€, o qual havia sido descontado às remunerações dos trabalhadores e dos membros dos órgãos sociais, ao longo dos meses indicados no quadro supra, para esse preciso efeito, no período de tempo compreendido entre o mês de junho de 2017 e maio de 2021.
Considerou a sentença recorrida que as circunstâncias do caso evidenciavam terem os arguidos/recorrentes praticado um único crime continuado, nos termos previstos no artigo 30.º, § 2.º do Código Penal (CP).
Ora, neste normativo dispõe-se que: «constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.»
Conforme bem se refere na sentença:
«constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
O crime continuado é, assim, uma unidade jurídica construída sobre uma pluralidade efetiva de crimes, tendo estado na sua génese a ideia de evitar os rigores do princípio do cúmulo jurídico, numa base de humanização do sistema penal. “Tem-se entendido este pressuposto como a base da unificação criminosa, pois que só se justifica o regime jurídico favorável decorrente da continuação se se puder inferir da prova que houve alguma coisa de fora, não criada nem comandada pelo agente, que lhe propiciou o cometimento do ilícito, aligeirando assim a sua culpa” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/02/2002, publicado em www.dgsi.pt).
A figura jurídica em questão exige a existência de um dolo de continuação, o qual se constatará quando “qualquer decisão posterior se manifesta como continuação da precedente, formando todas como que uma linha de continuidade psíquica” – (Faria Costa, Formas do Crime, pág. 117).
Ora, no caso sub iudice para além de se estar perante o mesmo tipo de crime é evidente a homogeneidade da execução criminosa plúrima e a existência de um quadro exterior consideravelmente diminuidor da culpa. Por um lado, a apropriação dos valores não entregues ocorreu sempre da mesma forma omissiva. Por outro, tais comportamentos tiveram a mesma espoleta9: dificuldades financeiras enfrentadas pela sociedade e a impossibilidade de acudir a obrigações pecuniárias do seu giro comercial que se iam vencendo em tais períodos.
Do que se conclui que preenchendo-se o ilícito-típico por mais do que uma vez, foi cometido um só crime continuado.»
Em reforço destas considerações diremos apenas que dada a periodicidade mensal das entregas (rectior - da omissão delas) respeitantes às quotizações, da pluralidade de ações (renovadas cada mês), num mesmo contexto exterior, sempre vulnerado o mesmo bem jurídico e de modo essencialmente homogéneo, a ação ilícita constitui um só crime continuado.
Com efeito, à luz do § 2.º do artigo 30.º CP, para que se verifique crime continuado pressupõe-se uma reiteração de propósitos, na realização plúrima do mesmo crime ou de crimes que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico, mas devida tal reiteração a um estado de coisas, exterior ao agente, de força criminógena, o qual, nessa medida lhe diminua a culpa. Essencial é que o agente haja sido influenciado por circunstâncias exteriores que facilitem a repetição dos atos criminosos.
A doutrina jurídica indica serem seus pressupostos:
- a realização plural do mesmo tipo de crime, ou de vários tipos que tutelem fundamentalmente o mesmo bem jurídico;
- a homogeneidade na forma de execução, tradutora de unidade no injusto objetivo da ação desenvolvida;
- a lesão do mesmo bem jurídico ou ofensa de um mesmo valor;
- a unidade de dolo, inculcadora de unidade no injusto pessoal da ação, ou seja, significando que as diversas resoluções se devem manter adentro de uma linha psicológica continuada;
- a persistência de uma dada situação exógena que propicie uma mais fácil execução;
- a existência de uma certa conexão temporal, donde se presuma uma menor ou menos elaborada reflexão sobre a ação delituosa anterior, favorecedora de um repetido sucumbir.
Para que haja uma atenuação da culpa do agente e consequente enfraquecimento do juízo de censura, o agente deve ser vencido por vetores externos. Isto é, se o agente atuou sucessivamente superando obstáculos e resistências ao longo do iter criminis, isto é, aperfeiçoando a realidade exterior aos seus desígnios e propósitos, sendo ele a dominá-la, e não esta a dominá-lo, não se verifica a considerável diminuição da sua culpa.10
Este instituto jurídico de génese jurisprudencial, veio colmatar uma lacuna que a teoria geral do crime anteriormente não previa expressamente.
Hans-Heinrich Jeschek e Thomas Weigend11 assinalam que o comportamento humano consiste numa série continuada de ações e omissões. Daqui emergindo a questão dos critérios que deverão definir a forma como tais ações se deverão dividir. Certo sendo que uma divisão meticulosa em fragmentos mínimos, de acordo com o número de ações musculares (unidade de ação fisiológica), careceria de sentido, porquanto segundo a teoria do concurso, numa única ação têm de se apreciar várias ações e tal só pode ser feito se se tiver em conta um determinado critério jurídico.
Atualmente a jurisprudência e a doutrina arrancam da conceção natural da vida para determinar o conceito de ação na teoria do concurso. Uma pluralidade de componentes de uma determinada ação física, externamente separáveis, devem formar uma ação unitária quando os diversos atos parciais corresponderem a uma única resolução volitiva e se encontrarem tão vinculados no tempo e no espaço que um observador não interveniente os sinta como uma unidade.
Mas a junção de uma pluralidade de atos individuais numa única unidade de ação, através da interpretação do tipo, só existe dentro de limites relativamente estreitos.
Em primeiro lugar exige-se objetivamente a homogeneidade das formas de ação traduzidas na violação repetida da mesma norma ou de normas similares, pressupondo a homogeneidade da forma de ação também uma certa conexão temporal e espacial.
Em segundo lugar exige-se a violação do mesmo bem jurídico e em terceiro lugar exige-se a homogeneidade do dolo, que deve abarcar o resultado total do facto nos seus traços essenciais conforme o lugar, o tempo, a pessoa do lesado e a forma de comissão do facto, no sentido de que os atos individuais só representam a realização sucessiva de um todo, querido unitariamente.
Afigura-se-nos óbvio, atentas as circunstâncias do caso em apreço, que a conduta dos arguidos tem de ser unificada numa única resolução criminosa (por cada um deles), integrada pelas diversas ocasiões em que preencheram os elementos constitutivos do ilícito em referência, porque atuaram sempre de modo homogéneo e no quadro da mesma solicitação externa, por isso tendo essa repetição de ser unificada num único crime.
Tudo razões pelas quais não podemos senão considerar, na sequência da sentença recorrida, que os arguidos/recorrentes cometeram, na forma continuada, um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto nos artigos 107.º, § 1.º e 2.º, por referência ao artigo 105.º, § 1.º e 4.º do RGIT.
3.1 Da medida da pena
Aduzem os recorrentes que apesar da atenuação especial da pena, determinada em razão do disposto § 2.º do artigo 22.º do RGIT, onde se preceitua que: «A pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado» os recorrentes foram condenados na pena máxima.
O Ministério Público considera que os factos provados revelam a necessidades elevadas de prevenção geral, mas também de prevenção especial no que especialmente concerne à arguida BB (em razão dos seus antecedentes criminais).
Atente-se que o crime cometido pelas arguidas é punível com pena de prisão entre um mês e três anos ou multa entre 10 e 360 dias quanto a pessoas singulares (arguida BB); e com pena de multa entre 20 e 720 dias relativamente à arguida AA (…) Lda.
A sentença considerou – e bem - haver razões para a atenuação especial das penas; e optar pela pena de multa relativamente à arguida BB.
O que de acordo com o disposto no artigo 73.º CP (que é o normativo aplicável; e não o 12.º do RGIT, aduzido pelos recorrentes), reduziu as molduras respetivas para multa de 10 a 240 dias quanto à arguida BB; e multa de 20 a 480 dias relativamente à arguida AA (…) Lda.
As penas concretas aplicadas foram de:
- 220 dias de multa, à razão diária de 5€, relativamente à arguida AA (…) Lda., isto é, numa pena concreta situada ao meio da moldura abstrata;
- e de 210 dias de multa, à razão diária de 10€, relativamente à arguida BB.
No caso desta arguida (BB), realmente, a pena concreta aproximou-se do máximo da moldura abstrata, mas porque são os critérios da lei que assim impõem que seja.
Senão vejamos.
As exigências de prevenção geral não suportariam menos que isso, em razão dos seguintes parâmetros: do montante concreto das quantias desviadas; do tempo durante o qual a arguida manteve a conduta ilícita; o facto de ser ela (efetivamente) a determinar a ação da arguida pessoa coletiva. E das particulares necessidades de prevenção especial, por registar antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de crime (já fora anteriormente condenada por três vezes).
De tal forma que a repetir as práticas do passado, numa futura condenação não haverá margem para outra que não a pena de prisão efetiva. E isto porque o ponto fulcral para uma eventual suspensão da execução da prisão é o prognóstico favorável de que o condenado encetará um modo de vida afastado da prática de crimes, assentando este (o tal prognóstico) num juízo de probabilidade fundada; em cujo contraponto surge o prognóstico desfavorável, o qual emergirá quando num juízo quase seguro puder predizer-se a reincidência.12
Em suma: tem razão o Ministério Público e não a têm os recorrentes.
Como nenhum erro de julgamento se deteta, nada há para alterar ao que foi (muito bem) decidido pelo Tribunal recorrido.
Termos em que o recurso não se mostra merecedor de provimento.
III – DISPOSITIVO
Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter integralmente a sentença recorrida.
b) Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.
Évora, 25 de novembro de 2025
Francisco Moreira das Neves (relator)
Beatriz Marques Borges
Mafalda Sequinho Santos
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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).
2 Os recorrentes não apresentam verdadeiras conclusões. Como basta e proficientemente se assinala na doutrina e na jurisprudência, as «conclusões» são: «um resumo das questões discutidas na motivação» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, pp. 1136, nota 14). «Devem ser concisas, precisas e claras (…)» (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Do Procedimento - Marcha do Processo, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 335). Não podem constituir uma «reprodução mais ou menos fiel do corpo motivador, mas sim constituírem uma síntese essencial dos fundamentos do recurso» (Sérgio Gonçalves Poças, Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, revista Julgar n.º 10, 2010, pp. 23. Neste mesmo sentido cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 1set2021, proc. 430/20.1GBSSB.E1, rel. Gomes de Sousa; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11jul2019, proc. 314/17.0GAPTL.G1, rel. Mário Silva; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5abr2019, proc. 349/17.3JDLSB.L1-9, rel. Filipa Costa Lourenço; e do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 9/3/2023, proc. 135/18.3SMLSB.L2-9, rel. João Abrunhosa!
Exatamente o contrário do que faz a recorrente! Tudo ao contrário do que fizeram os recorrentes (ainda que em medida diversa um do outro), daí que tal como refere o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 17/2/2005, em que foi rel. Pereira Madeira, processo n.º 05P1441, www.dgsi.pt o recurso não deve ser serventuário do que sob tal «título» os recorrentes entendam colocar. Razão pela qual se procedeu ao devido «aparo» para que as conclusões (e só estas) cumpram a função gizada na lei.
3 Também neste caso, evidentemente, apenas as «conclusões» em sentido técnico.
4 José Luís Saldanha, Sanches, Fiscalidade, Revista de Direito e Gestão Fiscal, p. 98. E no mesmo sentido Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infrações Tributárias, 2021, 3.ª ed., Almedina.
5 Neste sentido cf. Susana Aires de Sousa, Sobre o bem jurídico-penal protegido nos crimes fiscais, 2009, Coimbra Editora, pp. 288 ss., mormente p. 299. 6 Jorge Lopes Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado, 2010, p. 588 e ss
7 Neste sentido, por todos, cf. TRÉvora, de 12out2021, proc. 1192/16.2T9STR.E2, rel. Fátima Bernardes.
8 «A apropriação típica do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, ocorre quando a entidade empregadora deduz uma quantia da remuneração de um seu trabalhador, ou órgão social, com a finalidade de a entregar à Segurança Social e não a entrega, invertendo título da posse dessa quantia, passando a dispor da mesma como se fosse sua, afetando-a a outra finalidade; A motivação ou finalidade do agente e a consequente afetação que fez das quantias de que se apropriou são irrelevantes, pode até prosseguir o mais elevado dos fins, o que não releva para a questão de saber se houve ou não abuso de confiança». Nestes termos cf. TRLisboa, 20mar2012, proc. 5209/04.5TDLSB.L1-5, rel. Filomena Clemente Lima.
9 Sobre caso com alguns contornos semelhantes, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/05/2010 (publicado em www.dgsi.pt) proferido no processo nº287/05.2TABJA.E1.
10 Neste exato sentido cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15jun2000, proc. 176/2000, rel. Oliveira Guimarães.
11 Tratado de Derecho Penal, Parte General, 5.ª Ed., Editorial Comares, Granada, 2002, pp. 769 ss.
12 Neste exato sentido Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 343-344; e Hans-Heirich Jescheck y Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, 2002, 5.ª edición (corregida y ampliada), Comares editorial, Granada, pp. 902.