Tendo o arguido derrubado e ensacado pinhas mansas (coisas móveis), existentes numa pinheira mansa sita numa Herdade que se encontrava integralmente vedada (espaço fechado), pertencentes a um Município, contra a vontade deste, preencheu, com tal conduta, vários elementos do tipo de furto qualificado previsto nos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, entendendo-se, porém, que o crime não se chegou a consumar, uma vez que o arguido foi intercetado e abandonou, ainda no local, as pinhas que previamente ensacou), pelo que estamos perante uma mera tentativa. (art.º 22.º, n.º 1 do C. Penal)
De referir que, quanto ao preenchimento da qualificativa da alínea f) do n.º 1 do art.º 204.º do C. Penal, dir-se-á ainda: Dada a “tutela complexa (património e propriedade)” do tipo, defende-se “o entendimento, que subscrevemos, de que “a alusão a espaços fechados engloba também os que se encontram vedados ou cercados” [Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos in Código Penal Anotado, 3ª edição, 2º Volume, Rei dos Livros, 2000, página 6513], sendo que a jurisprudência em sentido contrário (que afirma que o conceito ''espaço fechado'' tem de ser entendido com o restrito sentido de lugar fechado dependente de uma casa) “parece olvidar que os estabelecimentos comerciais e industriais, também referidos no tipo, podem funcionar em espaços abertos, que algumas vezes até nem se encontram vedados.”
No Juízo de Competência Genérica de … do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo sumário n.º 56/25.3GBCCH, aí tendo sido, após julgamento, proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decide-se absolver o Arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), todos do Código Penal.”
Inconformado, o MP interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O presente recurso – da sentença que absolveu o arguido da prática de um crime de furto qualificado previsto nos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, ainda que na forma tentada (artigo 203.º, n.º 2 do mesmo diploma) –é limitado às questões da qualificação do furto e da punibilidade da tentativa neste crime.
2. Ponderando a matéria de facto provada, os bens jurídicos violados e a prova testemunhal arrolada, de acordo com as passagens descritas com os minutos do sistema Habilus, deve ser dado como provado que – AS PINHAS MENCIONADAS EM 5. TINHAM O VALOR DE € 1,00 /KG, O QUE PERFAZ UM TOTAL DE € 120,00. – sendo, assim, o valor atribuído às pinhas superior a uma unidade de conta, e, consequentemente, o arguido ser condenado pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada previsto pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), todos do Código Penal.
3. E, caso assim não seja decidido, o que por mera hipótese se equaciona, e estabelecendo o n.º 4 do artigo 204.º do C. Penal que não há lugar à qualificação se a coisa ou o animal furtados forem de diminuto valor, a indeterminação do valor dos bens que poderiam ser objeto dos crimes tentados de furto determina, por imposição do princípio in dubio pro reo, que os mesmos sejam considerados objetos de diminuto valor, com a consequente degradação do crime de furto qualificado tentado em crimes de furto simples.
4. Assim, pese embora resulte do artigo 23.º do Código Penal que a tentativa só é punível se ao crime consumado respetivo corresponder pena superior a três anos de prisão, esta norma encontra exceções, desde logo no crime de furto simples, dispondo o artigo 203.º, n.º2 do Código Penal que a tentativa é punível, tendo o tribunal a quo incorrido em erro na determinação da norma aplicável porquanto o violou o artigo 203.º, n.º2 do Código Penal, absolvendo o arguido.
5. Com efeito, sopesando todas as circunstâncias atinentes à culpa, às necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir e ainda à perigosidade revelada pela conduta do arguido, somos de parecer que, no caso vertente, deveria o arguido ter sido condenado em pena de prisão, ainda que possa ser suspensa na sua execução.
6. O Ministério Público não se conforma, assim, com a concreta fundamentação da matéria de facto que considerou como não provado o facto atinente ao valor das pinhas em causa, devendo o mesmo ser dado como provado e, caso assim não se entenda, o Ministério Público também não se pode nunca conformar com a decisão do tribunal a quo ao absolver o arguido por entender que, não operando a qualificativa, o furto simples na forma tentada não é punível, por entender que foram violadas as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, 203.º, n.º 1 e n.º 2 , todos do Código Penal.”
Pugnando, a final:
“Assim, requer-se a V. Ex.as que, dando provimento ao presente recurso, revoguem totalmente a sentença recorrida, substituindo o segmento decisório em apreço por outro que condene o arguido – como autor material de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 22.º, 23.º, 73.º, 203.º, n.º 1, n.º 2 e 204.º, n.º 1, al. f), todos do Código Penal e, caso não se entenda que opere a qualificativa, que seja condenado como autor material de um crime de furto simples na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 22.º, 23.º e 203.º, n.º1, n.º 2, todos do mesmo diploma – numa pena de prisão, ainda que possa ser suspensa na sua execução.”
Não foi apresentada resposta.
O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação concluiu “que o recurso deverá merecer provimento.”
Procedeu-se a exame preliminar.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal1, sem resposta.
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:
“II. Fundamentação de facto
A. Factos Provados
[Factos da Acusação Pública]
1. No dia 30 de janeiro de 2025, pelas 13h00 o Arguido AA, deslocou-se, no veículo de marca e modelo …, de matrícula … à Herdade …, sita no …, …, concelho …, que é propriedade do Município de …, com o propósito de se apoderar de pinhas que estavam em pinheiras mansas plantadas naquele local.
2. A Herdade … encontra-se integralmente vedada, sendo o seu acesso unicamente possível por portões que se encontram ao longo da propriedade e que estão fechados.
3. Ali chegado, o Arguido estacionou o veículo já melhor identificado em 1. junto a um dos portões da referida Herdade, trepou o portão ali existente e, assim, logrou aceder ao interior daquela.
4. Já no interior da propriedade começou a retirar as pinhas das pinheiras mansas para depois as ensacar.
5. Quando o Arguido estava a derrubar pinhas de uma pinheira mansa o que logrou conseguir, colocando os 5 (cinco) sacos das pinhas já apanhadas e que detinha consigo junto de uma pinheira para levar, foi intercetado por BB, funcionário do Município de …, tendo encetado fuga no interior da propriedade mas tendo sido, de seguida, intercetado a sair da mesma por uma patrulha de militares da GNR que se deslocou àquele local e que procedeu à sua detenção.
6. Nesse momento, o Arguido já tinha apanhado e detinha consigo 120kg de pinhas mansas, de valor não concretamente apurado, as quais estavam ensacadas em cinco sacos.
7. O Arguido agiu, não se abstendo de trepar um portão e saltar por cima deste, para aceder ao interior da propriedade que se encontrava vedada totalmente, com o propósito de se apropriar e fazer suas as pinhas acima referidas, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização do respetivo dono.
8. O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.
[Factos das condições pessoais, sociais e económicas do Arguido]
9. O Arguido regista como data de última remuneração, cifrada em € 194,44, o mês de junho de 2024.
[Factos dos antecedentes criminais do Arguido …]
10. O Arguido foi condenado:
10.1. Por sentença proferida em 23/03/2017 e transitada em julgado em 02/07/2017, no processo n.º 96/17…., no Juízo de Competência Genérica de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, pela prática, em 22/03/2017, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º n.º 1, alínea b), do Código Penal, , na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 5,00 o que perfaz um montante de € 300,00 extinta por cumprimento em 19/04/2019.
10.2. Por sentença proferida em 05/12/2019 e transitada em julgado em 20/01/2020 no processo n.º 96/17…., no Juízo de Competência Genérica de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, pela prática, em 17/03/2017, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, do Código Penal e de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigo 204.º, do Código Penal, na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na execução por igual período com sujeição a regime de prova, extinta por cumprimento em 20/01/2022.
10.3. Por sentença proferida em 09/03/2021 e transitada em julgado em 09/03/2021, no processo especial sumaríssimo n.º 286/20…., no Juízo Local Criminal de …– J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, pela prática, em 2020, de um crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, previsto e punido pelo artigo 360.º, do Código Penal, , na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 5,00 o que perfaz um montante de € 1.500,00 extinta por cumprimento em 24/05/2023.
*
B. Factos não provados
a) As pinhas mencionadas em 5. tinham o valor de € 1,00 /kg, o que perfaz um total de € 120,00.
(…)
III. Do Direito
A. Enquadramento jurídico-penal
Ao Arguido vem imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previstos e punido, conjugadamente, pelos artigos 203.º, nº 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal.
(…)
*
Da análise da matéria de facto provada decorre que no dia 30 de janeiro de 2025, pelas 13h00, o Arguido AA se deslocou no veículo de marca e modelo …, de matrícula … à Herdade …, sita no …, …, concelho … e que se encontra integralmente vedada, sendo o seu acesso unicamente possível por portões que se encontram ao longo da propriedade e que estão fechados., que é propriedade do Município de …, com o propósito de se apoderar de pinhas que estavam em pinheiras mansas plantadas naquele local (factos provados n.ºs 1 e 2).
Mais se demonstrou que, chegado, o Arguido estacionou o veículo junto a um dos portões da referida Herdade, trepou o portão ali existente e, assim, logrou aceder ao interior daquela, tendo começado a retirar as pinhas das pinheiras mansas para depois as ensacar e que, no momento em que estava a derrubar pinhas de uma pinheira mansa, o que logrou conseguir, colocando os 5 (cinco) sacos das pinhas já apanhadas e que detinha consigo junto de uma pinheira para levar, num total de 120 kg de pinhas mansas, foi intercetado por BB, funcionário do Município de …, tendo encetado fuga no interior da propriedade mas tendo sido, de seguida, intercetado a sair da mesma por uma patrulha de militares da GNR que se deslocou àquele local e que procedeu à sua detenção (factos provados n.ºs 4 a 6).
Mais se demonstrou que o Arguido agiu, não se abstendo de trepar um portão e saltar por cima deste, para aceder ao interior da propriedade que se encontrava vedada totalmente, com o propósito de se apropriar e fazer suas as pinhas acima referidas, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização do respetivo dono, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal (factos provados n.ºs 7 e 8).
Do exposto resulta, pois, o preenchimento dos vários elementos do tipo de furto qualificado previsto nos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, uma vez que o Arguido derrubou e ensacou pinhas mansas (coisas móveis), existentes numa pinheira mansa sita na Herdade …, que se encontrava integralmente vedada (espaço fechado), pertencentes ao Município de … (coisa alheia).
Todavia, o certo é que não se demonstrou qual o valor das pinhas em apreço, tendo quedado indemonstrado que as mesmas tinham o valor de, pelo menos, € 1,00 /kg, o que perfaz um total de € 120,00 (facto não provado a).
Ora, conforme vem sendo sufragado pela doutrina e pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, em tal caso impõe-se considerar, por defeito, o conceito de diminuto valor, que impõe a aplicação do disposto no n.º 4, do citado artigo 204.º, do Código Penal e, nessa medida, a não verificação do tipo qualificador.
Efetivamente a citada norma consubstancia, nas palavras de José Faria Costa um contratipo, um pressuposto negativo da aplicação da norma incriminadora, pelo que se o valor da coisa furtada não exceder o da unidade de conta “não chega sequer a preencher-se o tipo qualificador, remetendo-se o comportamento proibido para o tipo matricial”.
Donde resulta manifesto que não se encontra preenchido o tipo legal de crime previsto e punido pelo artigo 204.º n.º 1, alínea f), do Código Penal, mas tão-só o do tipo base, previsto e punido pelo artigo 203.º n.º 1, do Código Penal.
Todavia, uma vez que o Arguido não conseguiu adquirir a posse das sobreditas pinhas com certa estabilidade, na medida em que foi intercetado por um funcionário do Município de …, assim, não logrou retirar tais objetos da esfera de domínio e de fiscalização do seu proprietário, dir-se-á que a subtração não se verificou, donde resulta que o crime de furto não se consumou.
Tal situação fáctica convoca a figura jurídica da tentativa, consagrada normativamente nos artigos 22.º e 23.º, do Código Penal.
Como ensina Paulo Pinto de Albuquerque, “[o] o sistema penal consagra a teoria da impressão do perigo como fundamento de punição da tentativa, isto é, a punição da tentativa funda-se, não apenas no perigo real de consumação do crime, nem sobretudo na vontade criminosa, mas no abalo da confiança da comunidade na força vinculativa da norma jurídica.”
Prevê o citado artigo 22.º n.º 1, do Código Penal, “[h]á tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.”
Assim, são três os elementos da tentativa: (i) decisão de cometer um facto típico; (ii) prática de atos de execução; e (iii) não consumação. O artigo 22.º, n.º 2, do Código Penal define como atos de execução “os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores” (n.º 2).
Os atos de execução correspondem, pois, a atos que contém, já eles próprios, um momento de ilicitude, porquanto ainda que não produzam a lesão do bem jurídico protegido pela incriminação, já são suscetíveis de o colocar em perigo.
Distinguem-se, nessa medida, dos atos preparatórios, previstos no artigo 21.º, do Código Penal, que apenas consubstanciam atos que preparam ou facilitam os atos de execução – numa palavra: que facilitam a perpetração do crime –.
Desta feita, são atos de execução os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime, os que forem idóneos a produzir o resultado típico ou os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores (cfr. artigo 22.º n.º 2, do Código Penal).
No caso em análise, dúvidas não há que estão verificados os prossupostos da tentativa, pois o Arguido decidiu cometer um crime de furto qualificado e iniciou efetivamente a sua execução, na medida em que retirou do local em que primitivamente se encontravam as coisas que pretendia fazer suas – retirou pinhas das árvores e procedeu ao seu ensacamento – , não se tendo o facto ilícito consumado por intervenção de terceiros, como já exposto supra.
Como determina o artigo 23.º, n.º 1, do Código Penal “salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respetivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão”.
Ora, estando em causa a prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, do Código Penal com uma pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, constata-se que tal pressuposto de punibilidade não se encontra preenchido.
Em face do exposto, nada mais resta senão absolver o Arguido.”
Fundamentação.
A. Delimitação do objecto do recurso.
A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.
As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1.ª questão – Impugnação da matéria de facto;
2.ª questão – O preenchimento do tipo e as suas consequências.
*
B. Decidindo.
1.ª questão - Impugnação da matéria de facto.
Constitui princípio geral que os tribunais da relação conhecem de facto e de direito, nos termos do art.º 428.º.
É indiscutível que o recorrente pretende impugnar a matéria de facto dada como não provada na sentença (especificamente o facto não provado), o que nos remete para o disposto no art.º 412.º, que, recorde-se, tem o seguinte teor:
“(…) 3 – Quando impune a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Como consta do Comentário do Código de Processo Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque2, em anotação à referida norma, “[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado (…)” ; “[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, [ao que] “(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.”
Assim sendo, sempre que seja impugnada a matéria de facto por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente tem de expressamente indicar esse aspeto, a prova em que apoia o seu entendimento e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida.
No caso dos autos, o recorrente coloca em causa o juízo de (não) prova quanto a determinado facto, que entende que deveria ter sido dado como provado.
A este propósito, importa valorar o iter seguido pelo tribunal a quo para fundamentar a matéria de facto em causa (ou seja, o facto não provado):
“C. Motivação da matéria de facto
(…)
*
O facto não provado a) resultou da ausência de prova cabal suscetível de permitir a sua demonstração.
Vejamos.
Todas as testemunhas arroladas referiram, em termos gerais, que o valor das pinhas, à data dos factos, corresponderia a cerca de € 1,00/kg. Como razão de ciência de tal asserção, adiantou BB que é barbeiro e que costuma perguntar aos clientes o preço das pinhas, ao passo que CC referiu que, enquanto gestor da Herdade …, integra o âmbito das suas funções estar a par do valor de mercado, que vai variando ao longo do ano, para a eventualidade de a Câmara querer vender, motivo pelo qual carece de fazer prospeção de mercado. Já DD, por sua vez, referiu que tem conhecimento de tal valor por decorrência das suas funções, na medida em que está em causa um furto muito frequente. Por fim, EE aduziu, talqualmente, ter conhecimento do valor em apreço por causa das suas funções e porquanto o seu pai faz negócios com pinhas e, nessa medida, está informado nesse particular.
A congruência e uniformidade a que ora se alude pareceria apontar, a priori, através do recurso a um raciocínio dedutivo, para a conclusão de que as pinhas mansas que o Arguido já tinha apanhado e ensacado quando foi intercetado corresponderiam, assim, ao valor de € 1,00/ kg e que, porquanto foi apurado que o mesmo detinha 125 kg, as mesmas corresponderiam ao valor total de € 125,00.
Contudo, assim não se crê.
Desde logo, note-se que a asserção das testemunhas em apreço foi genérica, considerando o reputado preço médio das pinhas e, já não, o valor das pinhas que concretamente foram apanhadas e ensacadas pelo Arguido.
E tal precisão não corresponde a um mero preciosismo, porquanto, conforme explanado pela testemunha CC – que, enquanto engenheiro florestal e em face das funções por si desempenhadas na Câmara Municipal, terá um conhecimento mais preciso a preciso a propósito de tal temática –, o valor das pinhas depende, talqualmente, das próprias características das mesmas. Neste conspecto aduziu, na parte final do seu depoimento e de forma impressiva, que o valor das pinhas dependerá da qualidade apresentada, adiantando como exemplo que se as pinhas não tiverem fruto serão provavelmente vendidas pelo valor de 0,40 cêntimos por kg.
Pois bem. Nos presentes autos nenhuma prova foi feita a propósito das concretas características e qualidade das pinhas em questão.
Com efeito, no que respeita à prova pré-constituída, note-se que, do auto de notícia e do aditamento apenas resulta, quanto à natureza dos objetos, tratarem-se de pinhas, num total de 120 kg; do auto de apreensão consta que foram apreendidas 120 kg de pinhas provenientes de pinheira mansa; no anexo fotográfico (mormente o fotograma 2), não é possível aferir das qualidades das pinhas, pois que as mesmas se encontram ensacadas; e do auto de pesagem, por fim, tão-só é referido o peso líquidos das pinhas, nada adiantando quanto às suas características.
No que respeita, por sua vez, à prova constituenda, mormente os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento, facilmente se constatou, conforme antecipado supra, que o valor de € 1,00 / kg foi asseverado pelas testemunhas em abstrato, sem qualquer atinência quanto ao valor – ainda que aproximado – das concretas pinhas apreendidas nestes autos.
Na verdade, nada foi adiantado pelas testemunhas no tocante à qualidade das concretas pinhas em causa nestes autos, suscetível de justificar – ou não – o valor abstrato que adiantaram.
Ao exposto acresce o facto de, pese embora as testemunhas em questão tenham dito que viram as pinhas, o certo é que considerando a quantidade em questão (120 kg) e o facto de as mesmas se encontrarem ensacadas, conforme se extrai do anexo fotográfico supra referido, não é crível que tenham visualizado todas as pinhas em apreço, de molde a poder afiançar, em concreto, qual o seu estado.
No mais, o certo é que as pinhas em questão foram, inclusivamente, entregues á Câmara Municipal de … (cfr. termo de entrega de fls. 27 e 28), o que sempre impediria de aferir de tal factualidade, em concreto, porquanto a cadeia de custódia da prova sempre teria sido quebrada.
Ante tudo o exposto, porquanto os elementos probatórios existentes nos autos não permitem concluir que as pinhas tinham o valor de € 1,00 / kg, num total de € 120,00, nada mais restou senão dar tal facto como não provado.”
Tal fundamentação assenta, assim, nuclearmente, na omissão de pronúncia pelas testemunhas do “valor das pinhas concretamente […] apanhadas e ensacadas pelo arguido”, já que a asserção das mesmas quanto a tal valor foi “genérica”, sublinhando que “nenhuma prova foi feita a propósito das concretas características e qualidade das pinhas em questão”.
Salvo o devido respeito por tal entendimento, não o subscrevemos.
Com efeito, estamos a falar de pinhas e não de coisas / equipamentos complexos e de valor equívoco, que demandariam uma avaliação especializada para a determinação do respetivo valor.
Com efeito, a testemunha BB pronunciou-se sobre o valor daquelas pinhas, “ao vê-las e pesá-las”. Não há aqui qualquer apreciação genérica sobre o valor das pinhas.
Por outro lado, a testemunha CC (engenheiro florestal) afirmou que “neste momento não ouvi ninguém a falar em valores inferiores a noventa cêntimos”, o que, também aqui reflete uma apreciação até temporalmente concreta e não genérica.
As testemunhas DD e EE (militares da GNR) também se pronunciaram sobre o valor das pinhas, que como foi referido, “foram, pesadas num estaleiro de … numa balança industrial”. Ou seja, também aqui há uma concretização das pinhas em causa.
Em síntese, há, no conjunto dos depoimentos produzidos, um grau de concretização quanto ao valor daquelas pinhas que afasta qualquer hipótese de se tratarem de pinhas sem fruto, como referido na douta sentença recorrida.
Flui do exposto que a impugnação procede, considerando-se provado as pinhas mencionadas no facto provado 5) tinham, pelo menos, o valor de € 0,90, o que perfaz um total de € 108,00.
2.ª questão – O preenchimento do tipo e as suas consequências.
Pode ler-se na decisão recorrida o seguinte, quanto a esta questão:
“Da análise da matéria de facto provada decorre que no dia 30 de janeiro de 2025, pelas 13h00, o Arguido AA se deslocou no veículo de marca e modelo …, de matrícula … à Herdade …, sita no Caminho …, …, concelho … e que se encontra integralmente vedada, sendo o seu acesso unicamente possível por portões que se encontram ao longo da propriedade e que estão fechados., que é propriedade do Município de …, com o propósito de se apoderar de pinhas que estavam em pinheiras mansas plantadas naquele local (factos provados n.ºs 1 e 2).
Mais se demonstrou que, chegado, o Arguido estacionou o veículo junto a um dos portões da referida Herdade, trepou o portão ali existente e, assim, logrou aceder ao interior daquela, tendo começado a retirar as pinhas das pinheiras mansas para depois as ensacar e que, no momento em que estava a derrubar pinhas de uma pinheira mansa, o que logrou conseguir, colocando os 5 (cinco) sacos das pinhas já apanhadas e que detinha consigo junto de uma pinheira para levar, num total de 120 kg de pinhas mansas, foi intercetado por BB, funcionário do Município de …, tendo encetado fuga no interior da propriedade mas tendo sido, de seguida, intercetado a sair da mesma por uma patrulha de militares da GNR que se deslocou àquele local e que procedeu à sua detenção (factos provados n.ºs 4 a 6).
Mais se demonstrou que o Arguido agiu, não se abstendo de trepar um portão e saltar por cima deste, para aceder ao interior da propriedade que se encontrava vedada totalmente, com o propósito de se apropriar e fazer suas as pinhas acima referidas, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização do respetivo dono, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal (factos provados n.ºs 7 e 8).
Do exposto resulta, pois, o preenchimento dos vários elementos do tipo de furto qualificado previsto nos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, uma vez que o Arguido derrubou e ensacou pinhas mansas (coisas móveis), existentes numa pinheira mansa sita na Herdade …, que se encontrava integralmente vedada (espaço fechado), pertencentes ao Município de … (coisa alheia).”
De referir que, quanto ao preenchimento da qualificativa da alínea f) do n.º 1 do art.º 204.º do C. Penal, dir-se-á complementarmente ao referido na sentença recorrida o seguinte:
Dada a “tutela complexa (património e propriedade)” do tipo, defende-se “o entendimento, que subscrevemos, de que “a alusão a espaços fechados engloba também os que se encontram vedados ou cercados” [Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos in Código Penal Anotado, 3ª edição, 2º Volume, Rei dos Livros, 2000, página 6513], sendo que a jurisprudência em sentido contrário (que afirma que o conceito ''espaço fechado'' tem de ser entendido com o restrito sentido de lugar fechado dependente de uma casa) “parece olvidar que os estabelecimentos comerciais e industriais, também referidos no tipo, podem funcionar em espaços abertos, que algumas vezes até nem se encontram vedados.”4
Entende-se, por seu turno, que o crime não se chegou a consumar, como o próprio recorrente defende (e se nos afigura líquido, dado o teor do facto provado 5 – o arguido foi intercetado e abandonou, ainda no local, as pinhas que previamente ensacou), pelo que estamos perante uma mera tentativa. (art.º 22.º, n.º 1 do C. Penal)
Dado o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo, importa escolher e determinar a pena a aplicar.
Nos termos do art.º 70.º do C. Penal, se ao crime forem aplicáveis (como é o caso), em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As finalidades da punição são, de acordo com o art.º 40.° do citado normativo, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. (são estes os ''outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos'' que justificam a restrição dos ''direitos liberdades e garantias'' dos agentes de crimes, nos exatos termos definidos pelo art.º 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa)
É relativamente pacífico afirmar hoje que as acima mencionadas finalidades da punição são tradução de uma dimensão exclusivamente preventiva, mais concretamente, de prevenção geral e especial (esta última, entendida, quer positivamente, ou seja, na perspetiva da socialização do agente, quer negativamente, ou seja, de advertência individual ou de segurança ou de inocuização ).
Entre tais escopos preventivos, deve dar-se prevalência às chamadas considerações de ordem especial de socialização, especialmente, no que tange ao caso dos autos, na vertente de a execução da pena de prisão se revelar necessária ou mais conveniente do que as penas de substituição (aqui se incluindo as penas alternativas); por outro lado, desde que quaisquer penas de substituição sejam impostas ou aconselhadas à luz da acima referidas exigências de socialização, as mesmas só poderão deixar de ser aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Entendemos que, para avaliar da necessidade da escolha da pena de prisão, tendo em vista a acima referida prevenção especial, importa nuclearmente atender à personalidade do agente e à sua conduta anterior, bem como às circunstâncias do crime, realidades fundamentais para julgar fundadamente da probabilidade de a citada socialização só poder ter êxito através do cumprimento efetivo de uma pena reclusiva.
Será que, em face do exposto, é de optar pela pena sugerida pelo recorrente (prisão, ainda que suspensa)?
Importa sublinhar que o arguido já tem averbadas três condenações criminais, duas em multa e uma em pena de prisão suspensa, esta por crime homótropo.
Muito embora as circunstâncias do crime, com uma gravidade (dentro do espectro que o tipo limita) muito atenuada, o que é certo é que a força das agravantes da prevenção especial (uma delas já em pena de prisão e por crime homótropo), afasta a escolha pela pena de multa, já que esta não assegurará uma probabilidade de êxito da acima mencionada socialização, mostrando-se insuficiente e adequada a satisfazer as necessidades da punição, ou seja, como vimos, a proteção de bens jurídicos (evitando-se a prática de futuros crimes) e a reintegração do agente na sociedade.
Opta-se, assim, por uma pena detentiva.
Quanto à determinação da medida da(s) pena(s).
De acordo com o art.º 71.º, n.º 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
''A redacção dada ao n.º 1 harmonizou esta norma com a do novo art.º 40.º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.''
Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo.
Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respetivo Preâmbulo que ''toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta''. A eleição legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena , sendo desta última que agora nos ocuparemos.
De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção?
A jurisprudência alemã desenvolveu a chamada ''teoria do espaço livre'': segundo esta, não é possível determinar-se de modo exato uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevenção especial, fixando a sanção entre o limite inferior e superior do ''espaço livre'' da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito.
Segundo Jorge de Figueiredo Dias , a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar. Porém, tal como na anteriormente aludida ''teoria do espaço livre'' esta medida óptima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exacto de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevençãodentro de cujos limites podem e devem actuar considerações de prevenção especial de socialização.
Quer consideremos a ''teoria do espaço livre'', quer a teoria da ''moldura de prevenção'' ( o texto do n.º 1 do art.º 71.º, quanto a este aspecto, é de uma desdogmatização normativa exemplar, sem que se possa apontar uma preferência legal por qualquer das teorias), existe algum consenso no sentido de que, dentro dos limites mínimo e máximo de tais sub-molduras punitivas, são considerações relativas à chamada prevenção especial que operam no último estádio hermenêutico que leva à concretização exacta de uma dada pena.
''Dentro da “moldura de prevenção” (…) actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou de inocuização.''
Quanto às exigências de prevenção ''pode-se distinguir entre prevenção especial negativa e positiva. A primeira traduz-se na intimidação do agente em concreto. A prevenção especial positiva é representada pela ressocialização.''
Em concreto, que circunstâncias devemos valorar para definir exatamente a pena?
As circunstâncias que, nuclearmente, devem ser levadas em conta são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado: ''os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o “efeito externo”, determinam então para o juiz, no momento da fixação da pena, o significado do facto para a ordem jurídica violada.''
Tais efeitos externos dos factos ilícitos encontram correspondência legal nos fatores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do n.º 2 do art.º 72.º do C. Penal.
Assim, atenderemos aos seguintes fatores:
I – Grau de ilicitude do facto – ao invés do defendido pelo recorrente (que defende que o grau é “bastante alto”), estamos perante um grau mínimo, a roçar a desqualificação do crime5.
II – A intensidade do dolo – agiu com dolo direto.
III - A modalidade da ação – Pouco elaborada.
IV – Fortes exigências comunitárias de prevenção geral;
V – Antecedentes criminais, ou seja, necessidades de prevenção especial de alguma dimensão.
Do exposto flui que, efetuando um balanço entre atenuantes e agravantes, afigura-se-nos que a pena concreta aplicada deverá situar-se marginalmente abaixo do limite superior do 1.º ¼ da moldura punitiva abstrata (cfr. art.º 73.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, n.º 2 do C. Penal), pelo que se fixa em 7 (sete) meses de prisão, que não se substitui por multa (cfr. art.º 45.º, n.º 1 do C. Penal), dada a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, mas que se entende substituir por prestação de trabalho a favor da comunidade, já que esta pena de substituição em sentido próprio6 permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. (cfr. art.º 58.º, números 1 a 4 do C. Penal)
O recurso é aqui, pois, parcialmente procedente.
3 - Dispositivo.
Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a absolvição do arguido, que, assim, vai condenado, pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado p. e p. p. artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea f), 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, substituídos por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Sem custas.
(Processado em computador e revisto pelo relator)
Évora, 25/11/2025,
Edgar Valente (relator)
Maria Clara Figueiredo (1.ª adjunta)
Manuel Soares (2.º adjunto)
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1 Diploma a que pertencerão as referências normativas ulteriores sem indicação diversa.
2 UCP Editora, Volume II, 5.ª edição, 2023, páginas 677/8.
3 Na 5.ª edição desta obra – Parte Especial, volume II, Rei dos Livros, 2023, página 824, os AA defendem que “[a] alusão a espaços fechados, engloba também os que se encontram vedados ou cercados.”
4 Acórdão deste TRE de 10/12/2009 proferido no processo n.º 43/07.3GEELV.E1 (com o mesmo relator do presente acórdão). No mesmo sentido, vide os Acórdãos deste TRE de 14/04/2020 proferido no processo n.º 1258/16.9T9LSB.E1 e de 25/01/2022 proferido no processo n.º 89/19.9GCPTG.E1.
5 Cfr. artigos 204.º, n.º 4 e 202.º, alínea c) do C. Penal e art.º 5.º do Regulamento das Custas Processuais, bem como o art.º 232.º da Lei 75-B/2020, de 31/12.
6 Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2.ª edição, 2022, página 38.