A arguida, ao invés do que foi alegado no recurso, foi devida e regularmente notificada quer do despacho de abertura da instrução, quer daqueles que alteraram a data inicial e designaram data para realização de debate instrutório, debate no qual, aliás, esteve presente.
É certo que a Recorrente não foi pessoalmente notificada do teor do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido. Nem tinha que o ser.
Em conformidade com o disposto na primeira parte do nº 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal, a arguida foi notificada do teor do requerimento de abertura de instrução na pessoa da sua mandatária. Tal notificação não se encontra prevista na lei entre as que necessariamente são feitas pessoalmente ao arguido, vigorando quanto a ela a regra geral.
Não ocorreu, assim, qualquer desvio ao procedimento legalmente previsto, estando observados todos os procedimentos que a lei impõe para a notificação da arguida, sem que se vislumbre qualquer fundamento válido para se considerar violado o princípio do contraditório.
I – RELATÓRIO
1. No Juízo de Instrução Criminal de …, decorreu a fase de instrução do Processo nº 617/22.2GAOLH.
No respetivo inquérito investigaram-se factos alegadamente ocorridos em 08/12/2022, na então residência comum de AA e BB, em …, que se traduziram em aquele ter puxado os cabelos da ofendida BB, tendo dessa forma arrastado a mesma para o exterior da habitação, ali lhe desferindo vários pontapés.
Foi ainda incorporado no inquérito o NUIPC 2544/22.4PBFAR, do qual consta denúncia apresentada por AA contra BB, na qual se referia que no mencionado dia aquele foi insultado por esta e que, de seguida, a terá expulsado de casa.
Finda a investigação, o Ministério Público encerrou o inquérito com despacho de arquivamento (fls. 371 a 377), quanto à alegada atuação da arguida BB contra o assistente AA, e deduziu acusação contra este (fls. 377 a 380) imputando-lhe a prática, como autor material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a), n.º 4 e n.º 5, do Código Penal.
*
2. Inconformado com tal arquivamento e com a mencionada acusação, AA requereu a abertura da instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, requerendo, na qualidade de assistente, a pronúncia da arguida BB pela prática do crime de violência doméstica e, na qualidade de arguido a sua não pronúncia.
3. Declarada aberta a instrução assim requerida, foram realizadas diligências de instrução e debate instrutório, na sequência do qual foi proferida decisão instrutória em 20 de maio de 2025, na qual se pronunciou ambos os arguidos pela prática:
- a arguida BB, em autoria material e na forma consumada, de um (1) crime de violência doméstica agravada (contra o ofendido AA), p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 al. a) e nºs 4 e 5 do Código Penal;
- o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, de um (1) crime de violência doméstica agravada (contra a ofendida BB), p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 al. a) e nºs 4 e 5 do Código Penal.
4. Inconformada com tal decisão no segmento em que a pronunciou pelo crime de violência doméstica agravada, dela interpôs recurso a arguida BB, pedindo que seja determinada a “anulação da decisão instrutória por nulidade processual, com repetição dos atos em que a Recorrente não interveio” e “Caso assim não se entenda, a revogação da decisão de pronúncia da arguida BB, por inexistência de indícios suficientes da prática do crime que lhe é imputado.
Extraiu a recorrente da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso tem como objeto a decisão instrutória que pronunciou a Arguida BB pela alegada prática de um crime de violência doméstica agravado, decisão essa que enferma de vícios formais e substanciais que impõem a sua revogação.
B. A ora Recorrente não foi notificada do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Arguido, em clara violação do disposto no artigo 287.º, n.º 5 do CPP e do princípio do contraditório consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
C. Tal omissão constitui nulidade processual, nos termos do artigo 119º alínea d), do CPP, com consequências invalidantes sobre os atos subsequentes.
D. A Recorrente também não foi notificada para os termos do debate instrutório, nem para nele intervir, contrariando os artigos 297.º, n.º 3 e 302.º do CPP, o que configura nova violação do contraditório e do direito de defesa.
E. A ausência de tais notificações prejudicou gravemente a posição processual da Arguida e impediu o pleno exercício das garantias de defesa e de participação no processo.
F. O Tribunal a quo não promoveu nem deferiu quaisquer diligências instrutórias além da audição do Arguido, limitando-se a repetir o inquérito sem confrontar os meios de prova nem ouvir as testemunhas arroladas.
G. Tal omissão de diligências essenciais compromete o cumprimento do princípio do inquisitório e o dever de descoberta da verdade material.
H. Os elementos de prova disponíveis não constituem indícios suficientemente consistentes da prática do crime de violência doméstica, sendo os depoimentos prestados vagos, imprecisos e desprovidos de credibilidade, como o próprio Ministério Público reconheceu em sede de inquérito.
I. A decisão instrutória não apresenta fundamentação crítica ou análise concreta dos indícios, limitando-se a acolher o requerimento do Arguido sem a produção de prova adicional, contrariando o disposto no artigo 308.º do CPP.
J. Só se justifica a pronúncia quando existam indícios suficientemente fortes da verificação dos pressupostos do tipo legal de crime, o que manifestamente não se verifica no caso dos autos.
K. A decisão instrutória recorrida padece de nulidades insanáveis e de vícios materiais que a tornam juridicamente insustentável, nomeadamente a violação do direito ao contraditório, a omissão de diligências instrutórias essenciais e a ausência de fundamentação concreta, crítica e autónoma.
L. A Arguida não foi notificada para os termos da instrução, nem para o debate instrutório, tendo-lhe sido vedado o direito de intervir num momento essencial para o exercício da sua defesa.
M. A decisão instrutória limitou-se a reproduzir as declarações do ofendido AA, sem avaliação crítica ou comparativa com os demais meios de prova, designadamente as testemunhas ouvidas no inquérito, que desmentem ou enfraquecem a narrativa acusatória.
N. Não existem nos autos quaisquer indícios suficientes ou autónomos que sustentem, com razoabilidade, a possibilidade de condenação da Arguida.
O. Ao invés, a acusação contra a Arguida baseia-se exclusivamente: em depoimentos contraditórios, vagos e imprecisos do ofendido; Em testemunhos indiretos e sem valor probatório suficiente; E na absoluta ausência de qualquer prova pericial, documental ou testemunhal que comprove atos de violência física ou psicológica por parte de BB.
P. A própria decisão instrutória reconhece expressamente a inexistência de atos de agressão física e de medo por parte do ofendido, afastando a configuração dos elementos objetivos do crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal.
Q. A pronúncia da arguida, em tais circunstâncias, viola os princípios da presunção de inocência, da intervenção mínima do Direito Penal e do in dubio pro reo, aplicável também em sede de instrução.
R. Acresce que a decisão instrutória ignora totalmente os testemunhos de defesa, como o de CC, que esteve presente no dia dos factos e que confirmou agressões praticadas por AA contra a arguida, corroboradas por assistência médica hospitalar, ignorando igualmente os relatos de violência de género contra BB.
S. Não se pode aceitar que AA, arguido por agressões à ora Recorrente, seja simultaneamente assistente e causa única da pronúncia de BB, em posição de clara vantagem processual construída sobre presunções não provadas.
T. Assim, a decisão instrutória deve ser revogada, com a consequente não pronúncia da arguida BB, por manifesta insuficiência de indícios e nulidades processuais insanáveis.”.
4. O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.
5. Cumprido o contraditório, apenas pelo Ministério Público foi apresentada resposta ao recurso, na qual se pugna pela improcedência do recurso. O Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
“1 – Vem o recurso interposto do despacho proferido pelo Mm.º Juiz a quo, do despacho proferido pelo Mm.º JIC, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que, além do mais, decidiu pronunciar a arguida BB, pela prática em autoria material e na forma consumada, de um (1) crime de violência doméstica agravada (contra o ofendido AA), p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 al. a) e nºs 4 e 5 do Código Penal;
2 –Vistos os autos, verifica-se que ao invés do alegado pela recorrente, não se verifica qualquer nulidade processual, designadamente a prevista no art.º 119.º al. d) do C.P.P., por falta de notificação à mesma do teor do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido/assistente AA.
3 – Tal notificação foi realizada na pessoa da defensora da recorrente, verificando-se igualmente que esta última foi notificada da data designada para o debate instrutório, no qual esteve presente, inexistindo assim qualquer violação do disposto no artigo 287.º, n.º 5 do CPP e do princípio do contraditório consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
4 – Analisado o teor da factualidade dada como indiciada e não indiciada no despacho ora em crise e respectiva fundamentação/ motivação, o Ministério Público considera que a decisão proferida nos autos não merece qualquer censura porquanto, tal factualidade foi valorada por forma consentânea com a prova coligida no decurso do inquérito e aquela que foi produzida em sede de instrução, que se cingiu à tomada de declarações do assistente AA.
5 – A motivação da decisão de pronúncia proferida nos autos, traduz uma valoração da prova apreciada por forma crítica e global, fundada nas regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do julgador, sustentando-se em critérios objectivos e facilmente controláveis, de acordo com o disposto no art.º 127.º do Código de Processo Penal.
6 - O Tribunal a quo pronunciou-se acerca de toda a prova produzida quer no decurso do inquérito quer em sede de instrução, de forma crítica e global, apelando às regras da vida e experiência comum, extraiu as devidas ilações e conclusões - que reconduziram à pronúncia da arguida/recorrente - considerando ainda, em particular, as questões então suscitadas pelo assistente, ponderando as mesmas e decidindo em conformidade.
7 - O Tribunal a quo realizou uma correcta e adequada subsunção jurídica da factualidade tida como indiciada e não indiciada, ao concluir que a mesma preenche os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica, indiciariamente imputado à arguida /recorrente pelo assistente AA.
8 - Inexistiu pois, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência, da intervenção mínima do Direito Penal e do in dubio pro reo, referenciados pela recorrente, pelo que pugnamos igualmente pela improcedência do recurso nesta parte e pela manutenção do despacho de pronúncia proferido, por ausência de fundamentos de facto ou de direito que inquinem a decisão recorrida.
7. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
II – QUESTÕES A DECIDIR.
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a decisão de pronúncia da arguida proferida nos autos –, as questões a examinar e decidir prendem-se com:
- alegada nulidade (nos termos do artigo 119º, al. d, do CPP) por falta de notificação do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente AA e suposta violação do disposto no artigo 287.º, n.º 5 do CPP e do princípio do contraditório consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa;
- alegada violação do contraditório e do direito de defesa por falta de notificação para “os termos do debate instrutório, nem para nele intervir, contrariando os artigos 297.º, n.º 3 e 302.º do CPP”;
- alegada deficiência de fundamentação da decisão instrutória;
- alegada insuficiência dos indícios para pronunciar a arguida pelos factos e ilícito que lhe foi imputado (questão com a qual a recorrente relaciona a deficiente fundamentação crítica / análise concreta dos indícios, a violação dos princípios da presunção de inocência, da intervenção mínima do Direito Penal e do in dubio pro reo).
*
III – TRANSCRIÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA.
Da decisão recorrida consta, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Cumpre agora apreciar se, em face da prova recolhida até ao momento, se indicia suficientemente a prática, pela arguida, dos factos elencados no requerimento de abertura de instrução do assistente, bem como se indicia de forma suficiente a prática, pelo arguido, dos factos que lhe são imputados na acusação pública contra a assistente.
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III. A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
III. A) i. Matéria de facto indiciada
Resultam suficientemente indiciados os seguintes factos:
1. No mês de setembro de 2015, AA (doravante AA) e BB iniciaram um relacionamento amoroso, passando a viver em comunhão de mesa, leito e habitação desde então e até ao dia 8 de setembro de 2022.
2. Nos últimos dois anos do relacionamento referido em 1, AA e BB coabitaram, sozinhos, em residência sita no Sítio …, …, ….
*
Da atuação de BB
3. A partir do início do ano de 2021, o relacionamento amoroso existente entre ambos começou a deteriorar-se, uma vez que o assistente e a arguida começaram a ter discussões de forma mais frequente, também relacionadas com o facto de esta tentar impor as suas vontades ao primeiro e de querer controlar o que aquele fazia.
4. Com efeito, bastava que o assistente pretendesse ir ao café ou jantar fora com amigos, para que a arguida de imediato iniciasse discussões com o mesmo, chamando-o de "bêbado" e dizendo-lhe "não vales nada", "não prestas para nada", "nunca vais ser independente do teu pai", "o dinheiro que tens é do teu pai" e "és um pau mandado do teu pai e nunca tomas decisões sem ele".
5. Durante a ocorrência das suprarreferidas discussões, a arguida apelidava ainda o assistente de "cagão", "mijão" e "cabrão", tendo-lhe inclusivamente dito que nem sequer conseguia ter filhos.
6. As discussões e expressões utilizadas referidas de 3 a 5 eram mantidas, aproximadamente, duas vezes por mês, e decorreram até à data da separação do então casal.
7. Atentas as discussões que mantinham, o assistente pediu à arguida, por várias vezes, para que esta saísse de casa, ao que esta lhe respondia que só sairia se o seu pai mandasse, pois a casa era dele.
8. O assistente, sempre que se via envolvido em discussões com a arguida e esta lhe dirigia as expressões supra descritas, sentia-se humilhado, triste, infeliz e inseguro.
9. Em virtude da regularidade das discussões mantidas entre arguida e assistente, este sentia-se frustrado, diminuído e rebaixado e só o facto de pensar em regressar a casa lhe provocava profundo desgosto e ansiedade.
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Da atuação de AA
10. No mês de abril de 2021, eram frequentes discussões verbais entre ambos, também relacionadas com o facto daquele consumir bebidas alcoólicas em excesso.
11. Desde então, em datas não concretamente apuradas, mas por diversas vezes, no interior da residência onde coabitavam, na sequência de discussões verbais entre ambos, AA ordenou a BB que saísse de casa.
12. Então, nessas ocasiões, AA aproximou-se de BB, colocou ambas as mãos sobre os braços da mesma e, exercendo fora muscular, apertou-os.
13. Em data não concretamente apurada, mas após o mês de abril de 2021, no interior da residência onde coabitavam, e na sequência de uma discussão verbal entre ambos, AA aproximou-se de BB e desferiu-lhe uma cabeçada, não logrando atingi-la porque a mesma se desviou.
14. Também em data não concretamente apurada, mas após o mês de abril de 2021, no interior da residência onde coabitavam, na sequência de uma discussão verbal entre ambos, AA aproximou-se de BB, encostou-a à parede, colocou ambas as mãos à volta do pescoço daquela e, exercendo força muscular, apertou-o, ao mesmo tempo que levantava o corpo de BB.
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Do episódio ocorrido em 08/12/2022
15. No dia 08/12/2022, no interior da sua residência e após terem regressado de um jantar, encontrando-se acompanhados por CC, o assistente e a arguida envolveram-se em nova discussão, tendo esta novamente apelidado o mesmo de "mijão", "cagão" e "cabrão", mais lhe dizendo "não vales nada" e "não prestas para nada",
16. No dia referido em 15, pelas 02h00, no interior da residência onde ambos coabitavam, na sala, e na sequência da discussão mencionada, AA aproximou-se de BB, agarrou-a por um braço e, exercendo força muscular, empurrou-a em direção ao chão, tendo a mesmo vindo a cair.
17. De seguida, AA seguiu BB, que se tinha refugiado na garagem, e, quando ali chegou, agarrou novamente o braço daquela e empurrou-a em direção ao chão, tendo a mesma vindo a cair, mais uma vez.
18. Ato contínuo, AA agarrou o cabelo de BB e, exercendo força muscular, puxou-o.
19. De seguida, e mantendo o cabelo de BB agarrado, AA arrastou a mesma para o exterior da garagem.
20. Após, largou o cabelo de BB e, exercendo força muscular, desferiu vários pontapés pelo corpo da mesma.
21. Em consequência direta, imediata e necessária daquelas agressões, BB sofreu avulsão de cabelo na região parietal direita, com 3 por 5 cm em escoriação, equimoses na região nadegueira esquerda e escoriações centrais na região lombar, com 3 cm.
22. Em virtude de tais lesões, BB necessitou de receber tratamento hospitalar, no Centro Hospitalar Universitário do …, tendo sido admitido no serviço de urgência, no dia 8 de dezembro de 2022, pelas 03h22, e recebido alta hospitalar pelas 04h39.
23. Tais lesões determinaram um período de cura de 12 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral por 2 dias e da capacidade de trabalho profissional por 3 dias.
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24. Com as condutas descritas de 3 a 9 e 15, bem sabia a arguida BB que molestava e atormentava a saúde psicológica e emocional do assistente AA, ao mesmo tempo que lhe causava profundos sentimentos de insegurança e instabilidade na sua dignidade e bem-estar pessoal, provocando-lhe ainda um grande sofrimento psíquico.
25. BB agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas, porque ilícitas.
26. Com as condutas descritas de 10 a 14 e 16 a 23, AA sabia que molestava a saúde física de BB, que atormentava o seu equilíbrio psico-emocional, que fazia com que ela receasse pela sua integridade física, que abalava a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade, ou seja, sabia que lhe provocava grande sofrimento físico e psíquico, o que pretendeu e fez de forma reiterada.
27. AA agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas, porque ilícitas.
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III. A) ii. Matéria de facto não indiciada
Resultam não indiciados os seguintes factos:
a) Em data que o Assistente já não consegue precisar, mas que remonta ao início do relacionamento amoroso, no interior da sua viatura e durante a ocorrência de uma discussão entre o então casal, a arguida BB agarrou o pescoço de AA, apertando-o e provocando-lhe dores.
b) As discussões referidas em 3 a 5 eram mantidas praticamente todas as semanas.
c) Que a Assistente temesse pela sua vida em face do comportamento do arguido descrito nos autos.
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III. A) iii. Motivação
Analisemos agora os elementos probatórios dos autos que temos por relevantes, de forma a apurar, designadamente, a alegada existência de indícios suficientes para o crime de que o assistente requereu a pronúncia da arguida, bem como a inexistência de indícios suficientes o crime de que o arguido vem acusado.
Quanto aos factos suficientemente indiciados, constantes dos pontos 1 a 2, tomou-se em consideração as declarações da ofendida (de fls. 138 e de fls. 170 a 172), assim como as declarações do ofendido (de fls. 219 a 221, bem como as suas declarações tomadas em sede de instrução).
Relativamente aos factos indicados nos pontos 3 a 9 e 15, e apesar da arguida BB, quando interrogada nessa qualidade (a fls. 249 a 250), ter negado os factos mencionados, consideraram-se as referidas declarações do assistente (sejam as prestadas em sede de inquérito, de fls. 219 a 221, sejam as declarações tomadas em sede de instrução).
Efetivamente, de uma forma que nos pareceu geralmente credível (com a exceção referida na alínea a)), o assistente descreveu a atuação da arguida para consigo e melhor descrita nos factos indiciados.
Corroboram tal versão do assistente, ainda que parcialmente, o auto de inquirição da testemunha DD (de fls. 224 a 225), irmã do ofendido, a qual afirmou que a arguida sempre foi “muito mandona”, que impunha as suas vontades, humilhando-os, que quando as coisas não eram feitas à sua vontade tal originava discussões, nas quais a arguida acabava por rebaixar o seu irmão, seja chamando-lhe nomes como “parvo”, ou mesmo afirmando que não valia nada e que ele não podia ter filhos.
Em igual sentido prestou depoimento a testemunha EE (de fls. 226 a 227), companheiro da irmã do ofendido, com um depoimento semelhante ao da sua companheira, já que também referiu que a arguida era controladora, emocionalmente instável, gostava que as coisas fossem feitas à sua maneira e que quando tal não acontecia, dirigia impropérios ao ofendido, como “parvalhão”, “maricas”, “não prestas para nada”, ficando este rebaixado e angustiado perante a sua família.
A testemunha FF (auto de inquirição de fls. 267 a 236), amigo do ofendido, referiu ouvir, por várias vezes, a arguida a maltratar verbalmente o mesmo, com expressões como “cagão”, “bêbado”, “pau mandado do pai”; assim como que esta rebaixava constantemente o ofendido à frente dos amigos, o que o deixava envergonhado e constrangido, sem vontade de regressar para casa.
GG (com auto de inquirição de fls. 269 a 270), amigo do ofendido, referiu ter presenciado um episódio em que a arguida foi ao restaurante deste discutir com o ofendido, tendo originado uma discussão, na sequência do que a testemunha convidou os dois a sairem do seu estabelecimento.
Em jeito de conclusão quanto à indiciada factualidade praticada pela arguida, poderemos afirmar que, apesar de não termos tomado o depoimento das referidas testemunhas (faltando assim a tão desejada imediação), assim como existindo alguma falta de pormenorização de alguns detalhes, nomeadamente de datas e locais da prática dos factos, como referiu a Digna Magistrada do Ministério Público (podendo tal ter ocorrido por causa que não necessariamente imputável às testemunhas ou ao seu conhecimento dos factos), dos elementos resultantes dos autos parecem resultar indícios suficientes da atuação descrita no requerimento de abertura de instrução do assistente. E, neste momento, existindo indícios suficientes, haverá que dar tais factos como indiciados, daí extraindo as necessárias consequências, i.e., pronunciando-se a arguida.
Para a factualidade vertida nos pontos 10 a 14 e 16 a 23, e apesar do arguido Rui Martins (a fls. 262 a 263), ter negado os factos referidos, teve este Tribunal em consideração os autos de inquirição da ofendida BB (de fls. 138 e, principalmente, de fls. 170 a 172), relativos ao mencionado episódio, bem como aos restantes referidos nos autos.
Atestam tais factos, principalmente os referentes ao episódio de 08/12/2022, mas que assim acabam por reforçar e corroborar os ocorridos em momento anterior, o auto de notícia (de fls. 131 a 136), o relatório da perícia de avaliação do dano corporal (a fls. 56 a 57), o relatório do episódio de urgência (de fls. 84 a 85) e o relatório final da perícia de avaliação do dano corporal (a fls. 104 a 105),
No que se refere aos fotogramas juntos pela arguida (de fls. 175 a 182), sempre se dirá que não se sabe quando foram os mesmos captados, bem como não é possível afirmar que, na maior parte deles (se não mesmo na sua totalidade), seja a ofendida que consta nos mesmos, pelo que não se atribuiu qualquer valor aos mesmos, nem na verdade é essencial, em função do referido nos mencionados relatórios periciais.
Foi ainda essencial o auto de inquirição de testemunha CC (de fls. 196 a 198), a qual confirmou ter convivido com o casal e ter presenciado os factos ocorridos em 7 para 8 de dezembro de 2022, já que tinha saído com o casal, jantado com o mesmo e regressado a casa, tendo-se iniciado uma discussão (a qual não compreendeu por não perceber a língua Portuguesa), seguida de agressões do arguido para com a ofendida, apenas tendo cessado as mesmas quando a testemunha se colocou entre ambos, tendo ainda sido atingida pelo arguido, por um pontapé, nas costelas.
Considerou-se ainda o depoimento da testemunha HH (de fls. 234 a 236), mãe da ofendida, a qual referiu ter notado alterações e problemas nos últimos dois anos de relação do casal, bem como foi ter com a filha na madrugada de 08/12/2022, tendo visto o estado desta.
Para os aspetos atinentes ao elemento subjetivo do tipo, designadamente os referidos nos pontos 24 a 27, extraem-se da conduta objetiva dos arguidos, sendo que um homem médio ou mulher média como é o caso dos arguidos tem consciência de que as condutas acima descritas são proibidas e consubstanciam a prática de um crime.
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Relativamente à factualidade não indiciada, e no que respeita à alínea a), assim se entendeu em face da inexistência de qualquer outro meio de prova que corrobore a versão do ofendido, ao que acresce alguma dificuldade em crer na capacidade da arguida conseguir ter supremacia física face ao arguido, conseguindo apertar-lhe o pescoço e causar-lhe dores.
No que diz respeito às alíneas b) e c), assim se entendeu em face das declarações dos próprios assistentes, já que o assistente afirmou que tais episódios ocorriam cerca de duas vezes por semana, e a assistente declarou não ter temido pela sua vida quando era agredida pelo arguido, mas apenas pela sua integridade física.
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III. B) DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
O Assistente requereu a pronúncia da Arguida pelo crime de violência doméstica, assim como o mesmo, enquanto arguido, requereu a sua não pronúncia pela prática do crime de violência doméstica. Vejamos.
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III. B) i. Do crime de violência doméstica
Dispõe o artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: (…) b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”.
Estabelece depois o n.º 2, alínea a), do mesmo artigo que: “(…) No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; (…) é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.” .
Ademais, decorre do disposto no n.º 4 do mesmo artigo que “(…) podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.”, sendo que “[a] pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância” (n.º 5 do citado artigo).
Preliminarmente, importa considerar que a criminalização dos maus tratos a menores, incapazes, subordinados e de cônjuges ou ex-cônjuges, conforme ensina Taipa de Carvalhos, “foi o resultado da progressiva consciencialização da gravidade destes comportamentos e de que a família (…) não mais podia(m) constituir feudo(s) sagrado(s), onde o direito penal se tinha de abster de intervir”1.
Quanto ao bem jurídico, e tal como refere o mesmo autor2, o presente tipo de ilícito visa a proteção da pessoa individual e a sua dignidade humana, reconduzindo-se o bem jurídico protegido à saúde do visado – bem jurídico complexo que abrange tanto a saúde física, como a psíquica e mental. O que se protege é o "eu" pessoal, ou a dignidade entendida como identidade da pessoa, sendo a família o marco conjuntural ou delimitador, propiciador do desenvolvimento de uma agressão permanente e tão intrínseca enquanto espaço de convivência onde se estabelecem umas especiais e estreitas relações. Por conseguinte, nem se respeita a pessoa enquanto tal, nem o desenvolvimento do grupo familiar, tanto global como individualmente entendidos3.
Trata-se de um crime específico uma vez que supõe que o agente se encontra numa determinada relação com a vítima, sendo que a vítima terá de ser necessariamente uma pessoa que se encontre ou tenha encontrado numa determinada relação com o agente.
Com a alteração de 2007, a coabitação deixou de integrar o tipo base passando a constituir, caso os maus-tratos sejam praticados no domicílio comum ou no domicílio da vítima, fundamento de agravação da pena (cf. n.º 2 do artigo 152.º Código Penal). De facto, o que releva para a qualificação do crime é a existência de “estabilidade relacional de afetos e sentimentos e o projeto de vida em comum”4.
A descrição típica do tipo objetivo tem agora uma amplitude muito maior, prevendo-se que para o preenchimento do tipo legal a inflição de maus tratos possa concretizar-se de modo reiterado ou não.
Nesse sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque5, que concretiza: “os “maus tratos físicos” correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples e os “maus tratos psíquicos” aos crimes de ameaça simples ou agravada, coação simples, difamação e injúrias, simples ou qualificadas”, ocorrendo uma relação de especialidade entre o crime de violência doméstica e “os crimes de ofensas corporais simples ou qualificadas, os crimes de ameaças simples ou agravadas, o crime de coacção simples, o crime de sequestro simples, o crime de coacção sexual previsto no artigo 163.º, n.º 2, o crime de violação previsto nos termos do artigo 164.º, n.º 2, o crime de importunação sexual, o crime de abuso sexual de menores dependentes previsto no artigo 172.º, n.º 2 ou 3, e os crimes contra a honra”. Isto é, o preceito legal em questão abrange as mais variadas espécies de condutas, que até poderiam sobreviver como crimes autónomos se não estivessem unificadas na unidade de sentido que lhes é conferida pela figura jurídica prevista na norma referida. No entanto, continua o citado autor, “se o crime de violência doméstica é punido mais gravemente que os ilícitos de ofensas à integridade física, ameaças, coacção, sequestro, etc., e se é distinto o bem jurídico tutelado pela respectiva norma incriminadora, então, para a densificação do conceito de maus tratos não pode servir toda e qualquer ofensa”. E esta é, cremos, a pedra de toque.
É a exigência de especial gravidade da conduta maltratante que se acentua no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.12.20106: “I - O tipo de crime de «violência doméstica» do art. 152º do C. Penal antes da reforma operada pela Lei nº 59/2007 designado como crime de «maus tratos» visa punir criminalmente os casos mais chocantes de maus tratos em cônjuges ou em pessoa em situação análoga. Pune-se um tratamento cruel, excessivo, sem respeito pela dignidade do companheiro, tudo com aproveitamento de uma autoridade do agente que lhe advém do uso e abuso da sua força física. II – Com ele se visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher, como ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças. Está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente, que torna num inferno a vida daquele concreto ser humano.”.
Isto é, nem toda a ofensa representará maus tratos, pois estes pressupõem que o agente ofenda a integridade física ou psíquica da vítima de um modo especialmente desvalioso e, por isso, particularmente censurável. O que conta é saber se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é suscetível de ser classificada como “maus tratos”.
A questão que se coloca é, assim, a de saber se tais comportamentos revelam o “especial desvalor da acção” ou a “particular danosidade social do facto” 7 que fundamentam a especificidade deste crime. Se isso não acontecer, como é bom de ver, apenas haverá que aplicar as normas gerais. Neste sentido, vide o Acórdão to Tribunal da Relação de Guimarães, de 17.05.20108.
No que toca ao elemento subjetivo do tipo legal de crime, importa salientar que se trata de um delito doloso, uma vez que se exige que o agente tenha atuado com dolo, enquanto elemento subjetivo geral da ilicitude (conhecimento da factualidade típica e da vontade de realização do tipo legal de crime), em qualquer das suas formas, em conformidade com o disposto no artigo 14º do Código Penal.
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Revertendo à factualidade indiciária apurada nos presentes autos, e no que diz respeito aos factos referentes à atuação da arguida, não parecem restar dúvidas que arguida e ofendido viviam em condições análogas às dos cônjuges e que esta, regularmente e perante outros, seja a família deste, seja perante os amigos deste, proferia expressões injuriosas contra o ofendido, e que as mesmas ofendiam a dignidade do seu companheiro, numa atuação que necessariamente teremos que considerar desvaliosa, causando-lhe humilhação e sentimentos de inferioridade perante terceiros, nomeadamente perante a sua família e perante os seus amigos. Também resultam indícios suficientes de que tal conduta foi praticada dolosamente.
No que diz respeito à atuação do arguido, e de uma forma muito sumária, sempre se dirá que se encontram claramente reunidos indícios da prática deste tipo legal contra a ofendida, seja do ponto de vista objetivo, designadamente quanto às agressões físicas perpetradas contra a ofendida, com especial incidência no episódio de 08/12/2022, seja do ponto de vista subjetivo, do qual resulta clara um comportamento doloso do arguido.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 308.º, n.º 1, 283.º, n.º 2 e 3, ex vi artigo 308.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, decide-se pronunciar:
AA, filho de …, nascido a …1982, natural de …, titular do CC n.º …, solteiro, residente no Sítio …, em …,
e
BB, filha de …, nascida a 1990…, natural da …, portadora do Cartão de Cidadão n.º …, solteira, …, residente na Rua …, …,
para serem submetidos a julgamento em processo comum, sob intervenção do Tribunal Singular, porquanto,
1. No mês de setembro de 2015, AA (doravante AA) e BB iniciaram um relacionamento amoroso, passando a viver em comunhão de mesa, leito e habitação desde então e até ao dia 8 de setembro de 2022.
2. Nos últimos dois anos do relacionamento referido em 1, AA e BB coabitaram, sozinhos, em residência sita no Sítio …, ….
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Da atuação de BB
3. A partir do início do ano de 2021, o relacionamento amoroso existente entre ambos começou a deteriorar-se, uma vez que o assistente e a arguida começaram a ter discussões de forma mais frequente, também relacionadas com o facto de esta tentar impor as suas vontades ao primeiro e de querer controlar o que aquele fazia.
4. Com efeito, bastava que o assistente pretendesse ir ao café ou jantar fora com amigos, para que a arguida de imediato iniciasse discussões com o mesmo, chamando-o de "bêbado" e dizendo-lhe "não vales nada", "não prestas para nada", "nunca vais ser independente do teu pai", "o dinheiro que tens é do teu pai" e "és um pau mandado do teu pai e nunca tomas decisões sem ele".
5. Durante a ocorrência das suprarreferidas discussões, a arguida apelidava ainda o assistente de "cagão", "mijão" e "cabrão", tendo-lhe inclusivamente dito que nem sequer conseguia ter filhos.
6. As discussões e expressões utilizadas referidas de 3 a 5 eram mantidas, aproximadamente, duas vezes por mês, e decorreram até à data da separação do então casal.
7. Atentas as discussões que mantinham, o assistente pediu à arguida, por várias vezes, para que esta saísse de casa, ao que esta lhe respondia que só sairia se o seu pai mandasse, pois a casa era dele.
8. O assistente, sempre que se via envolvido em discussões com a arguida e esta lhe dirigia as expressões supra descritas, sentia-se humilhado, triste, infeliz e inseguro.
9. Em virtude da regularidade das discussões mantidas entre arguida e assistente, este sentia-se frustrado, diminuído e rebaixado e só o facto de pensar em regressar a casa lhe provocava profundo desgosto e ansiedade.
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Da atuação de AA
10. No mês de abril de 2021, eram frequentes discussões verbais entre ambos, também relacionadas com o facto daquele consumir bebidas alcoólicas em excesso.
11. Desde então, em datas não concretamente apuradas, mas por diversas vezes, no interior da residência onde coabitavam, na sequência de discussões verbais entre ambos, AA ordenou a BB que saísse de casa.
12. Então, nessas ocasiões, AA aproximou-se de BB, colocou ambas as mãos sobre os braços da mesma e, exercendo fora muscular, apertou-os.
13. Em data não concretamente apurada, mas após o mês de abril de 2021, no interior da residência onde coabitavam, e na sequência de uma discussão verbal entre ambos, AA aproximou-se de BB e desferiu-lhe uma cabeçada, não logrando atingi-la porque a mesma se desviou.
14. Também em data não concretamente apurada, mas após o mês de abril de 2021, no interior da residência onde coabitavam, na sequência de uma discussão verbal entre ambos, AA aproximou-se de BB, encostou-a à parede, colocou ambas as mãos à volta do pescoço daquela e, exercendo força muscular, apertou-o, ao mesmo tempo que levantava o corpo de BB.
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Do episódio ocorrido em 08/12/2022
15. No dia 08/12/2022, no interior da sua residência e após terem regressado de um jantar, encontrando-se acompanhados por CC, o assistente e a arguida envolveram-se em nova discussão, tendo esta novamente apelidado o mesmo de "mijão", "cagão" e "cabrão", mais lhe dizendo "não vales nada" e "não prestas para nada",
16. No dia referido em 15, pelas 02h00, no interior da residência onde ambos coabitavam, na sala, e na sequência da discussão mencionada, AA aproximou-se de BB, agarrou-a por um braço e, exercendo força muscular, empurrou-a em direção ao chão, tendo a mesmo vindo a cair.
17. De seguida, AA seguiu BB, que se tinha refugiado na garagem, e, quando ali chegou, agarrou novamente o braço daquela e empurrou-a em direção ao chão, tendo a mesma vindo a cair, mais uma vez.
18. Ato contínuo, AA agarrou o cabelo de BB e, exercendo força muscular, puxou-o.
19. De seguida, e mantendo o cabelo de BB agarrado, AA arrastou a mesma para o exterior da garagem.
20. Após, largou o cabelo de BB e, exercendo força muscular, desferiu vários pontapés pelo corpo da mesma.
21. Em consequência direta, imediata e necessária daquelas agressões, BB sofreu avulsão de cabelo na região parietal direita, com 3 por 5 cm em escoriação, equimoses na região nadegueira esquerda e escoriações centrais na região lombar, com 3 cm.
22. Em virtude de tais lesões, BB necessitou de receber tratamento hospitalar, no Centro Hospitalar Universitário …, tendo sido admitido no serviço de urgência, no dia 8 de dezembro de 2022, pelas 03h22, e recebido alta hospitalar pelas 04h39.
23. Tais lesões determinaram um período de cura de 12 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral por 2 dias e da capacidade de trabalho profissional por 3 dias.
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24. Com as condutas descritas de 3 a 9 e 15, bem sabia a arguida BB que molestava e atormentava a saúde psicológica e emocional do assistente AA, ao mesmo tempo que lhe causava profundos sentimentos de insegurança e instabilidade na sua dignidade e bem-estar pessoal, provocando-lhe ainda um grande sofrimento psíquico.
25. BB agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas, porque ilícitas.
26. Com as condutas descritas de 10 a 14 e 16 a 23, AA sabia que molestava a saúde física de BB, que atormentava o seu equilíbrio psico-emocional, que fazia com que ela receasse pela sua integridade física, que abalava a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade, ou seja, sabia que lhe provocava grande sofrimento físico e psíquico, o que pretendeu e fez de forma reiterada.
27. AA agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas, porque ilícitas.
*
Pela prática:
- a arguida BB, em autoria material e na forma consumada, de um (1) crime de violência doméstica agravada (contra o ofendido AA), p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 al. a) e nºs 4 e 5 do Código Penal;
- o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, de um (1) crime de violência doméstica agravada (contra a ofendida BB), p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 al. a) e nºs 4 e 5 do Código Penal.
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Prova, a existente nos autos, a que acresce as declarações do assistente realizadas em sede de instrução:
I – Declarações de Assistentes
- AA;
- BB;
II - Testemunhal:
- DD (a fls. 224);
- EE (a fls. 226);
- FF (a fls. 267);
- GG (a fls. 269);
- II (a fls. 271);
- HH (a fls. 234);
- CC (a fls. 196);
III - Documental:
- auto de notícia (de fls. 131 a 136);
- aditamento (fls. 152 a 158);
- relatório do episódio de urgência (de fls. 84 a 85);
- CRC dos Arguidos;
IV - Pericial:
- Relatório da perícia de avaliação do dano corporal (a fls. 56 a 57);
- Relatório final da perícia de avaliação do dano corporal (a fls. 104 a 105),
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Estatuto processual dos arguidos e medidas de coação:
Deverão os arguidos aguardar os ulteriores trâmites processuais sujeitos à medida de coação de Termo de Identidade e Residência, já prestados.
*
Sem custas o requerimento de abertura de instrução como assistente.
Quanto ao requerimento de abertura de instrução apresentado como arguido, custas a final e em caso de condenação a cargo do arguido, que se fixa em 2 UC – cf. artigo 513.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal.
Registe e notifique, incluindo o assistente nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Remeta os autos à distribuição, para julgamento em processo comum, sob intervenção do Tribunal Singular – J.C.G. Olhão.
(…)”.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO.
IV.1. – DAS NULIDADES POR FALTA DE NOTIFICAÇÃO E VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO.
A recorrente invoca nulidades que cumpre apreciar.
Nos termos do seu recurso, não foi notificada do requerimento de abertura de instrução e tão-pouco o foi para o debate instrutório.
O artigo 287º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe Requerimento para abertura da instrução estabelece o seguinte:
“1 - A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 283.º, não podendo ser indicadas mais de 20 testemunhas.
3 - O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
4 - No despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado.
5 - O despacho de abertura de instrução é notificado ao Ministério Público, ao assistente, ao arguido e ao seu defensor.
6 - É aplicável o disposto no n.º 14 do artigo 113.º” (destacado nosso).
Por sua vez, estabelece o nº 10 do artigo 113º do mesmo código:
“10 - As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.”.
Tendo presente este regime legal, impõe-se constatar que não ocorreu qualquer desconformidade no que se reporta à notificação da ora recorrente BB.
Em 6 de janeiro de 2025, foi proferido despacho de abertura da instrução com o seguinte teor:
“Do requerimento de abertura de instrução do Assistente e Arguido (fls. 418 e ss)
Por ser legal, ter sido requerida por quem tem legitimidade para o efeito e estar em tempo declaro aberta a instrução requerida pelo Assistente e também Arguido AA (cf. artigo 287.º, n.º 1, alíneas b) e a), do CPP).
Registe e autue como instrução.
Cumpra o disposto no artigo 287.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.
*
Consigno que BB foi constituída arguida previamente (fls. 98), bem como se encontra representada por Ilustre Defensora (fls. 121).
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Das diligências probatórias
No que diz respeito às diligências requeridas, admite-se a tomada de declarações do assistente – cfr. artigo 292.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
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Para a tomada de declarações do Assistente, seguido de debate instrutório designa-se o dia 12/02/2025, pelas 10h00, neste Tribunal.
Notifique, pela via mais expedita – cfr. artigo 297.º, n.ºs 3 e 5 do Código de Processo Penal (informando os Ilustres Defensores que a data ora indicada se tornará definitiva caso nada em contrário seja transmitido aos autos, no prazo de cinco dias – artigo 151.º do Código de Processo Civil).
*
Junte aos autos CRC atualizado e print das pesquisas efetuadas nas bases de dados de SPP relativamente a ambos os Arguidos.”.
Tal despacho foi seguido de outros em que se alterou sucessivamente a data designada, por impedimentos vários, tendo finalmente sido designada para as diligências a data de 8 de maio de 2025.
A secretaria judicial procedeu à notificação do despacho de abertura da instrução aos sujeitos processuais tendo, designadamente:
i. Procedido à notificação da arguida BB por via postal simples, remetida para a morada do respetivo termo de identidade e residência (prestado pela arguida a fls. 244) [com a notificação foi remetida também cópia dos despachos judiciais];
ii. Procedido à notificação da Ilustre Mandatária da arguida, Exma. Sra. Dra…. [com a notificação foi remetida também cópia dos despachos judiciais e, bem assim, do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente AA].
O último despacho que procedeu ao reagendamento das diligências instrutórias – despacho com a referência Citius … – foi, também ele, notificado à arguida BB por via postal simples, remetida para a morada do respetivo termo de identidade e residência, mostrando-se junto aos autos (com a referência Citius …) o respetivo comprovativo de depósito:
As diligências de instrução e, designadamente, o debate instrutório, tiveram efetivamente lugar no designado dia 8 de maio de 2025 e, em conformidade com a respetiva ata, estiveram presentes quer a arguida BB quer a sua Ilustre Mandatária. Até ao encerramento do debate instrutório não foi arguida qualquer nulidade e/ou irregularidade.
Deste singelo conjunto de circunstâncias decorre, de forma evidente, que foi dado integral cumprimento ao disposto nos artigos 287º e 113º, nº 10, ambos do Código de Processo Penal, tendo sido regularmente efetuadas as notificações da arguida BB e da sua Ilustre Mandatária.
A arguida BB, ao invés do que foi alegado no recurso, foi devida e regularmente notificada quer do despacho de abertura da instrução, quer daqueles que alteraram a data inicial e designaram data para realização de debate instrutório, debate no qual, aliás, esteve presente.
É certo que a Recorrente BB não foi pessoalmente notificada do teor do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido AA. Nem tinha que o ser.
Em conformidade com o disposto na primeira parte do nº 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal, a arguida foi notificada do teor do requerimento de abertura de instrução na pessoa da sua mandatária. Tal notificação não se encontra prevista na lei entre as que necessariamente são feitas pessoalmente ao arguido, vigorando quanto a ela a regra geral.
Não ocorreu, assim, qualquer desvio ao procedimento legalmente previsto, estando observados todos os procedimentos que a lei impõe para a notificação da arguida, sem que se vislumbre qualquer fundamento válido para se considerar violado o princípio do contraditório.
Bem vistas as coisas, porque a notificação feita na pessoa da Ilustre Mandatária da arguida foi validamente efetuada e foi acompanhada por cópia do requerimento de abertura de instrução, não pode deixar de considerar-se infundada a alegação de falta de conhecimento do teor do referido requerimento de abertura de instrução – dispondo a Ilustre Mandatária de uma cópia do mesmo, que lhe foi entregue com a notificação efetuada, como pode a defesa afirmar que nunca foi notificada do mesmo? Obviamente foi e inexiste qualquer nulidade, qualquer violação dos direitos de defesa protegidos pelo artigo 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, qualquer atropelo das garantias de defesa em sede de processo criminal.
Estando a arguida patrocinada por Ilustre Advogada que, com assinalável antecedência, foi recetora de notificação com cópia do RAI apresentado, como pode afirmar-se que ficou “assim, severamente cerceado o Direito da aqui Recorrente à sua defesa em sede de processo criminal, de modo a também poder, em sede de instrução, ter garantido o direito à sua defesa em toda a sua plenitude”. O que pretenderá a defesa significar com a alegação de que foram mantidos “ocultos parte dos putativos indícios criminais que lhe são imputados”?
Terá olvidado a subscritora do recurso o recebimento da cópia do requerimento de abertura de instrução? Não há interpretação possível da norma ínsita no artigo 287º, nº 5 do CPP, por muito que seja “compaginada com o vertido no artigo 32º, nº 1 da CRP”, que salve o erro da defesa.
A notificação do teor do requerimento de abertura de instrução foi regularmente efetuada e a arguida, em face dela gozou de todas as possibilidades de se defender, designadamente “mediante alegação de questões de facto e direito que motivariam a sua discordância do teor de tal requerimento”. Até ao encerramento do debate instrutório não apresentou a defesa tais alegações, registamos. É, no mínimo absurdo que venha agora em recurso afirmar que a “impossibilidade de acesso ao conteúdo do requerimento apresentado por AA traduziu-se num efetivo prejuízo, não apenas potencial, para o exercício da ampla defesa por parte da ora Recorrente”.
Não menos infundada (para não qualificar de outro modo) é a invocação de que a arguida não foi notificada para o debate instrutório, “nem para nele intervir ou ser ouvida, ficou assim privada de apresentar alegações, contrariar os fundamentos do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente/arguido AAs, bem como de requerer diligências complementares, nos termos do artigo 289.º, n.º 1 do CPP”.
Basta tomar em consideração as circunstâncias que supra assinalámos e das quais se extrai a regular notificação para o debate.
Mas mais.
Da ata de debate instrutório resulta o contrário do que a recorrente afirma: esteve presente, com a sua defesa assegurada pela sua Mandatária, foi-lhe concedida a possibilidade de requerer provas suplementares (que não usou) e pode produzir alegações para formular “em síntese as suas conclusões sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios recolhidos e sobre questões de direito de que dependa o sentido da decisão instrutória”.
Mais uma vez, terá a defesa olvidado as alegações que a Ilustre Mandatária da arguida produziu no dia 8 de maio de 2025, argumentando, então, com a falta de condições para que a sua constituinte fosse pronunciada. Torna-se um pouco difícil compreender tal esquecimento quando as alegações de recurso foram apresentadas nos autos um mês e meio após a data em que foram produzidas alegações orais em sede de debate instrutório.
Em face de tudo o que se deixa consignado, importa concluir pela manifesta improcedência do recurso no que se reporta às nulidades arguidas e às questões com elas conexionadas.
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IV.2. – DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO E DO DEVER DE DESCOBERTA DA VERDADE MATERIAL.
A recorrente insurge-se contra a circunstância de a única diligência probatória realizada no decurso da fase de instrução ter sido a audição do requerente da instrução, AA que, como sabemos, acumula nos autos as posições de assistente e arguido.
Essa diligência de prova foi a única que o requerente da instrução solicitou ao Tribunal no seu RAI, sendo certo que até ao encerramento do debate instrutório não foram requeridas, por qualquer um dos sujeitos processuais, outras diligências probatórias.
A argumentação da recorrente, conforme súmula que verteu nas conclusões é a seguinte:
“F. O Tribunal a quo não promoveu nem deferiu quaisquer diligências instrutórias além da audição do Arguido, limitando-se a repetir o inquérito sem confrontar os meios de prova nem ouvir as testemunhas arroladas.
G. Tal omissão de diligências essenciais compromete o cumprimento do princípio do inquisitório e o dever de descoberta da verdade material.”.
Semelhante argumentação mostra um evidente equívoco quanto à natureza, conteúdo e contornos da fase de instrução. A instrução, de acordo com o preceituado no nº 1 do art. 286º do Código de Processo Penal, “visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” e a sua direcção compete a um juiz de instrução (nº 1 do art. 288º do mesmo código), sendo que o mesmo deverá praticar todos os atos necessários à realização dessa finalidade de comprovação (nº 1 do art. 290º do CPP).
Sobre o conteúdo da instrução, dispõe-se no artigo 289º, nº 1, do CPP: “A instrução é formada pelo conjunto dos atos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis”.
Deverá, ainda, no âmbito da regulamentação da produção probatória em sede de instrução, ter-se presente o disposto no nº 2 do artigo 292º do CPP: “O juiz interroga o arguido quando o julgar necessário e sempre que este o solicitar”.
Com esta regulamentação em mente, recordamos o que se estabelece no artigo 120º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Penal:
“2. Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
(…)
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”.
Como imediatamente se apreende da leitura de tal alínea d), a lei processual penal tipifica como nulidade a falta de realização de diligências probatórias em três momentos processuais distintos: a fase de inquérito, a fase de instrução, e as fases posteriores àquelas (designadamente a fase de julgamento).
Sucede que é apenas por reporte às fases subsequentes à de instrução que a nulidade em causa se consubstancia por via da omissão de diligências que se possam reputar essenciais à descoberta da verdade.
Assim não sucede no que tange às fases de inquérito e de instrução, relativamente às quais a lei processual penal só tipifica como causa de nulidade a falta da prática de «actos legalmente obrigatórios» - só essa falha constitui nulidade por falta ou insuficiência de inquérito ou de instrução.
Por esta via, apenas a falta por omissão de acto que a lei prescreve como obrigatório – como seja o debate instrutório ou o interrogatório de arguido na fase de instrução (quando e se requerido pelo próprio) pode consubstanciar a nulidade de insuficiência de instrução prevista na al. d) do nº 2 do artigo 120º do Código de Processo Penal.
Significa isto que a omissão de diligências, nomeadamente de produção de prova indiciária, cuja obrigatoriedade não resulta da lei, não origina a aludida nulidade.
Ora, no presente caso, como cristalinamente resulta da própria alegação recursiva da arguida BB, não estamos confrontados com a omissão de diligências ou actos que devessem obrigatoriamente ter sido realizados em sede de Instrução, e que não o hajam sido. O que a recorrente alega, depois de nada ter requerido em sede de instrução (designadamente quando lhe foi dada a possibilidade de requerer a produção de provas suplementares), é a omissão de diligencias de prova como a audição das testemunhas arroladas, supostamente em cumprimento do princípio do inquisitório.
Não se estando, pois, perante a omissão de qualquer acto cuja realização se imponha obrigatoriamente em sede de Instrução, não se mostra verificada insuficiência de Instrução que cumpra declarar.
Deverá notar-se que os sujeitos processuais não arguiram qualquer nulidade ou irregularidade até ao encerramento do debate instrutório.
A regra em sede de instrução é a da não repetição, como princípio, dos atos e diligências de prova praticados no inquérito (nº 3 do artigo 291º do CPP), o que confirma a natureza comprovativa (não investigativa) da instrução – nesse sentido cfr. a anotação de Maia Costa ao artigo 291º, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, Coimbra 2014, p. 1010.
Improcede, pois, esta segunda vertente do recurso interposto pelo Ministério Público.
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IV.3. DA ALEGADA DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO INSTRUTÓRIA.
A recorrente insurge-se contra a decisão instrutória, alegando que na mesma não se cumprem os deveres de fundamentação. Alega a arguida que:
“I. A decisão instrutória não apresenta fundamentação crítica ou análise concreta dos indícios, limitando-se a acolher o requerimento do Arguido sem a produção de prova adicional, contrariando o disposto no artigo 308.º do CPP.”.
Apreciando.
Como se constata da leitura da decisão recorrida, que supra transcrevemos, na mesma teve o Sr. Juiz de Instrução Criminal o cuidado de enumerar os factos indiciados e não indiciados, explicitando as razões que motivaram a decisão em termos de prova indiciária.
Revisitando essa parte da decisão, relembramos que ali se verteu:
“Relativamente aos factos indicados nos pontos 3 a 9 e 15, e apesar da arguida BB, quando interrogada nessa qualidade (a fls. 249 a 250), ter negado os factos mencionados, consideraram-se as referidas declarações do assistente (sejam as prestadas em sede de inquérito, de fls. 219 a 221, sejam as declarações tomadas em sede de instrução).
Efetivamente, de uma forma que nos pareceu geralmente credível (com a exceção referida na alínea a)), o assistente descreveu a atuação da arguida para consigo e melhor descrita nos factos indiciados.
Corroboram tal versão do assistente, ainda que parcialmente, o auto de inquirição da testemunha DD (de fls. 224 a 225), irmã do ofendido, a qual afirmou que a arguida sempre foi “muito mandona”, que impunha as suas vontades, humilhando-os, que quando as coisas não eram feitas à sua vontade tal originava discussões, nas quais a arguida acabava por rebaixar o seu irmão, seja chamando-lhe nomes como “parvo”, ou mesmo afirmando que não valia nada e que ele não podia ter filhos.
Em igual sentido prestou depoimento a testemunha EE (de fls. 226 a 227), companheiro da irmã do ofendido, com um depoimento semelhante ao da sua companheira, já que também referiu que a arguida era controladora, emocionalmente instável, gostava que as coisas fossem feitas à sua maneira e que quando tal não acontecia, dirigia impropérios ao ofendido, como “parvalhão”, “maricas”, “não prestas para nada”, ficando este rebaixado e angustiado perante a sua família.
A testemunha FF (auto de inquirição de fls. 267 a 236), amigo do ofendido, referiu ouvir, por várias vezes, a arguida a maltratar verbalmente o mesmo, com expressões como “cagão”, “bêbado”, “pau mandado do pai”; assim como que esta rebaixava constantemente o ofendido à frente dos amigos, o que o deixava envergonhado e constrangido, sem vontade de regressar para casa.
GG (com auto de inquirição de fls. 269 a 270), amigo do ofendido, referiu ter presenciado um episódio em que a arguida foi ao restaurante deste discutir com o ofendido, tendo originado uma discussão, na sequência do que a testemunha convidou os dois a sairem do seu estabelecimento.
Em jeito de conclusão quanto à indiciada factualidade praticada pela arguida, poderemos afirmar que, apesar de não termos tomado o depoimento das referidas testemunhas (faltando assim a tão desejada imediação), assim como existindo alguma falta de pormenorização de alguns detalhes, nomeadamente de datas e locais da prática dos factos, como referiu a Digna Magistrada do Ministério Público (podendo tal ter ocorrido por causa que não necessariamente imputável às testemunhas ou ao seu conhecimento dos factos), dos elementos resultantes dos autos parecem resultar indícios suficientes da atuação descrita no requerimento de abertura de instrução do assistente. E, neste momento, existindo indícios suficientes, haverá que dar tais factos como indiciados, daí extraindo as necessárias consequências, i.e., pronunciando-se a arguida.”.
Trata-se, como é bom de ver, de motivação suficiente e cabal da decisão em matéria de indiciação, permitindo aos destinatários da decisão e a este Tribunal ad quem, perceber qual foi o raciocínio do Sr. Juiz de Instrução Criminal.
Não foi omitida a fundamentação crítica e análise concreta dos indícios.
Mas mais.
A decisão instrutória foi lida (e dessa forma publicada) em diligência realizada no dia 20 de maio de 2025. Como consta da respetiva ata, nessa diligência esteve presente a arguida e bem assim a sua Ilustre Mandatária. A diligência foi encerrada sem que tivesse sido arguida qualquer irregularidade/nulidade.
A lei processual penal consagra, em matéria de invalidades, o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o ato ilegal é irregular – n.ºs 1 e 2 do artigo 118º do Código de Processo Penal.
A falta de fundamentação das decisões, com exceção da sentença [conforme alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal], não se mostra cominada com a sanção da nulidade, razão pela qual, a ocorrer, constitui mera irregularidade.
As irregularidades processuais só determinam a invalidade do ato a que se referem quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em tiverem sido notificados para qualquer termo no processo ou intervindo em algum ato nele praticado – é o que se estabelece no n.º 1 do artigo 123º do CPP.
Deste modo, mesmo se tivesse ocorrido falta ou insuficiência de fundamentação, encontrando-se a recorrente presente e patrocinada pela sua Ilustre Mandatária aquando da prolação da decisão instrutória, certo é que a eventual falta de fundamentação daquela decisão e a irregularidade daí resultante deveriam ter sido por si arguidas no próprio acto, sendo que não o tendo sido sempre se mostrariam sanadas.
Improcede, pois, o recurso, também nesta vertente.
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IV.4. DA ALEGADA INSUFICIÊNCIA DOS INDÍCIOS PARA SE PRONUNCIAR A ARGUIDA.
A recorrente insurge-se contra a decisão instrutória que a pronunciou, alegando que:
“N. Não existem nos autos quaisquer indícios suficientes ou autónomos que sustentem, com razoabilidade, a possibilidade de condenação da Arguida.
O. Ao invés, a acusação contra a Arguida baseia-se exclusivamente: em depoimentos contraditórios, vagos e imprecisos do ofendido; Em testemunhos indiretos e sem valor probatório suficiente; E na absoluta ausência de qualquer prova pericial, documental ou testemunhal que comprove atos de violência física ou psicológica por parte de BB.
P. A própria decisão instrutória reconhece expressamente a inexistência de atos de agressão física e de medo por parte do ofendido, afastando a configuração dos elementos objetivos do crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal.
Q. A pronúncia da arguida, em tais circunstâncias, viola os princípios da presunção de inocência, da intervenção mínima do Direito Penal e do in dubio pro reo, aplicável também em sede de instrução.”.
Cumpre apreciar.
Conforme estabelece a lei processual penal “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia” (art. 308º 1 do CPP).
Por outro lado, define o nº 2 do artigo 283º do mesmo código, que “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
A questão de saber quando é que os indícios são suficientes e, nomeadamente, o que deve ser entendido por “possibilidade razoável” de futura condenação, dividiu a doutrina e a jurisprudência. Todavia, a posição atualmente maioritária, e que tem mais apoio na letra da lei, é a denominada “teoria da probabilidade dominante”. De acordo com esta tese, os indícios são suficientes para acusar ou pronunciar alguém sempre que, num juízo de prognose, se conclua que é mais provável a sua futura condenação do que a sua absolvição. Neste sentido, diz Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, I, 1984, p. 133) que “os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando seja mais provável do que a absolvição” – cfr. ainda, e por todos, o Acórdão do STJ de 8.10.2008, no Proc. 07P031, onde se refere que “possibilidade razoável” é a que se baseia num juízo de probabilidade, “uma probabilidade mais positiva do que negativa, de que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha”; e o Acórdão do STJ de 16.06.2005, no Proc. 05P1938, que defende que “aquela ‘possibilidade razoável’ de condenação é uma possibilidade mais razoável, mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é (mais) provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”.
Pelo que os indícios serão suficientes sempre que, por via deles, o juiz de instrução chegue a um juízo de prognose em que a condenação do arguido é mais provável do que a absolvição, caso em que deve proferir despacho de pronúncia.
Analisemos o caso dos autos.
A decisão recorrida assentou na suficiência de indícios de que a arguida, a partir de início de 2021, com regularidade de pelo menos duas vezes por mês e, finalmente no dia 8 de dezembro de 2022, evidenciando que queria controlar o que o mesmo fazia, dirigiu ao assistente insultos ["bêbado", "cagão", "mijão" e "cabrão"] e expressões depreciativas ["não vales nada", "não prestas para nada", "nunca vais ser independente do teu pai", "o dinheiro que tens é do teu pai", "és um pau mandado do teu pai e nunca tomas decisões sem ele", tendo-lhe inclusivamente dito que nem sequer conseguia ter filhos], em virtude das quais o assistente se sentia frustrado, diminuído e rebaixado, sentindo profundo desgosto e ansiedade só de pensar em regressar a casa. Mais se considerou suficientemente indiciado que, com as condutas descritas de 3 a 9 e 15, “bem sabia a arguida BB que molestava e atormentava a saúde psicológica e emocional do assistente AA, ao mesmo tempo que lhe causava profundos sentimentos de insegurança e instabilidade na sua dignidade e bem-estar pessoal, provocando-lhe ainda um grande sofrimento psíquico”, e que “BB agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas, porque ilícitas”.
Que os factos considerados suficientemente indiciados têm relevância típica, sendo suscetíveis de integrar os elementos típicos do crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 al. a) e nºs 4 e 5 do Código Penal, resulta evidente, sem necessidade de esforço argumentativo. A circunstância de ao ofendido ser, por seu turno, imputada a prática de condutas descritas através das quais sabia que molestava a saúde física de BB, que atormentava o seu equilíbrio psico-emocional, que fazia com que ela receasse pela sua integridade física, que abalava a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade, ou seja, atos que sabia que lhe provocavam grande sofrimento físico e psíquico, não exclui a tipicidade do indiciado comportamento típico da arguida.
Perfilhamos o entendimento que se seguiu no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de março de 2022 (acessível em www.dgsi.pt), segundo o qual a reciprocidade das agressões como forma de desconsideração da tipicidade, só será de atender quando no curso dos episódios se desfaz a polaridade agressor-vítima, e assim a intenção de domínio e de humilhação de um deles sobre o outro.
É certo que não se accionará o tipo de violência doméstica quando se esteja perante actos agressivos recíprocos, na mesma ocasião e tendencialmente com idêntica gravidade, se das circunstâncias não for possível retirar que ocorre a afetação da dignidade humana de um perante o outro – esses serão os casos em que ambos revelam a mesma indignidade de comportamento, sem que se justifique acionar o tipo (o fundamento do ilícito penal - o bem jurídico - protegido com o crime de violência doméstica não estará, então, a ser afectado, sem prejuízo de o poderem estar a ser outros bens jurídicos, como a integridade física e/ou a honra).
Mas no complexo fáctico que se considerou indiciado nos autos, revela-se a intenção de molestar e atormentar a saúde psicológica e emocional do ofendido, de lhe causar sentimentos de insegurança e instabilidade na sua dignidade e bem-estar pessoal, de lhe provocar sofrimento psíquico, desenhando-se a polaridade agressor-vítima.
Sendo os factos enumerados como suficientemente indiciados, factos com relevância típica, que dizer do juízo de indiciação subjacente à decisão?
Nesse domínio, considerados todos os elementos indiciários que resultam dos autos, somos levados a concluir pelo acerto da decisão recorrida. Como bem reconheceu o Ministério Público na resposta ao recurso “analisado o teor da factualidade dada como indiciada e não indiciada no despacho ora em crise e respectiva fundamentação/ motivação, (…) a decisão proferida nos autos não merece qualquer censura porquanto, tal factualidade foi valorada por forma consentânea com a prova coligida no decurso do inquérito e aquela que foi produzida em sede de instrução, que se cingiu à tomada de declarações do assistente/arguido AA”.
A ora Recorrente, insurge-se perante a circunstância de o Sr. Juiz de Instrução Criminal ter atribuído credibilidade às declarações prestadas pelo assistente AA, quer em sede de inquérito quer na instrução, quando o Ministério Público, no encerramento do inquérito, não o fez, proferindo despacho de arquivamento em relação à factualidade imputada à ora recorrente por AA.
Essa decisão de arquivamento, porém, e pelos válidos motivos que foram consignados na motivação da decisão instrutória, não mereceu confirmação. E bem andou o Sr. Juiz de Instrução Criminal, sendo que em face da prova indiciária produzida nos autos, a valoração efetuada mostra-se conforme com as regras da experiência comum e encontra sustentação em meios válidos que, permitem prognosticar a grande probabilidade de condenação da arguida pelos factos e crime imputado.
Ocorrendo indícios suficientes do crime imputado à arguida, não ocorre a violação dos preceitos legais referenciados pela recorrente.
O recurso improcede, devendo manter-se o despacho de pronúncia.
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V. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida BB e, em consequência, em confirmar a douta decisão recorrida nos seus precisos termos.
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Tributação.
Condena-se a arguida no pagamento da taxa de justiça fixada em 4 (quatro) UC.
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D.N.
O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).
Évora, 25 de novembro de 2025
Jorge Antunes (Relator)
Carla Francisco (1ª Adjunta)
Mafalda Sequinho dos Santos (2ª Adjunta)
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1 vide Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 330.
2 obra citada, pág. 332.
3 vide Maria Del Castillo Falcòn Caro, Malos tratos habituales a la mujer, J.M. Bosch Editor, pág. 151.
4 cfr. Plácido Conde Fernandes, em “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, Violência Doméstica, Novo Quadro Penal e Processual Penal, Revista do CEJ, n.º 8, pág. 311.
5 in Comentário do Código Penal, 2.ª edição, UCE, págs. 465 e 466.
6 Relator Paulo Barreto, processo n.º 224/05.4GCTVD, disponível em www.dgsi.pt.
7 cfr. Maria Manuela Valadão e Silveira, “Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais”, in Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, Do Crime de Maus Tratos, Lisboa, 2001, pág. 21.
8 Relator Cruz Bucho, processo n.º 1379/07.9PBGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt.