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INJUNÇÃO
REGIME DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS DESTINADOS A EXIGIR O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
CLÁUSULA PENAL
Sumário
- o procedimento de injunção geral apenas pode ser impulsionado quando se destinar a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00; - obrigações pecuniárias emergentes de contratos são aquelas que, tendo por objeto dinheiro e visando proporcionar ao credor o valor que as respetivas espécies monetárias possuam, emergem de contratos, resultam, surgem ou advêm de contratos; - a cláusula penal acordada entre as partes para fazer face a despesas de contencioso decorrentes da cobrança, em caso de incumprimento, consubstancia obrigação pecuniária que emerge do contrato; - está, portanto, abrangida pelo âmbito de aplicação material da injunção geral. (Sumário da Relatora)
A presente ação consiste em procedimento especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, decorrente de requerimento de injunção.
A A. pretende obter a condenação do R. a pagar-lhe a quantia € 10.958,38 (dez mil e novecentos e cinquenta e oito euros e trinta e oito cêntimos), sendo € 10.004,67 (dez mil e quatro euros e sessenta e sete cêntimos) a título de capital, € 603,71 (seiscentos e três euros e setenta e um cêntimos) a título de juros de mora e € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) a título de «outras quantias». No requerimento de injunção, foi indicado que a obrigação é emergente de transação comercial (DL n.º 62/2013, de 10 de maio) e que o contrato não foi celebrado com consumidor.
Para tanto, a A. invocou que, no âmbito da sua atividade comercial, vendeu e instalou uma cozinha com os respetivos equipamentos a solicitação do R., tendo os materiais e equipamentos sido entregues e instalados, sem que este os tivesse recusado ou reclamado. Que está em falta o pagamento de € 10.004,67, a que acrescem juros de mora, bem como a quantia de € 350,00, que corresponde à cláusula penal acordada para acorrer a despesas de contencioso decorrentes do atraso no pagamento e das despesas de cobrança.
Tendo-se frustrado a citação do R., os autos foram remetidos à distribuição como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contratos (AECOP).
O R., citado que foi, não se apresentou a contestar.
II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença absolvendo o R. da instância por se verificar a exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção.
Da sentença consta, designadamente, o seguinte:
«A indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, tal como o próprio nome indica, é uma indemnização pelo incumprimento do contrato, e no caso, não se tratando de transações comerciais (entre empresas ou entre empresas e pessoas singulares que exerçam atividade como tal), não pode, aqui, ser peticionado.
(…)
(…) a possibilidade que a lei concede para peticionar a indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, cinge-se apenas e tão só às transações comerciais, entendendo-se estas como as transações estabelecidas entre empresas ou empresas e comerciantes e não entre uma empresa e um consumidor final, como é o caso de que ora nos ocupamos.
Acresce que a indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida também não decorre diretamente do contrato celebrado entre as partes, não é uma obrigação que nasce de forma imediata pela simples celebração do contrato.
(…) peticionar além do mais, estes valores a título de outras quantias, «inquina» todo o processo.
(…)
Com efeito, os referidos pedidos extravasam o objeto legal da presente ação, configurando o uso indevido da providência de injunção, exceção dilatória insuprível de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição do réu da instância, ao abrigo do disposto nos artigos 278.º, alínea e), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil.»
Inconformada, a A. apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine o prosseguimento dos autos. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«A) A Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo viola, entre outros, o disposto nos artigos 6.º, 547.º, ambos do CPC, o artigo 406.º e 811.º ambos do CC, ainda o artigo 20.º da CRP.
B) A decisão recorrida teve por base uma interpretação restritiva e infundada quanto à admissibilidade do procedimento de injunção.
C) Nos termos previstos no artigo 7.º do regime legal anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, a injunção é uma providência que tem por finalidade conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular.
D) Por sua vez, este artigo 1.º do diploma preambular estabelece a aprovação do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00.
E) A ação especial de condenação destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 visa o reconhecimento do direito a uma prestação pecuniária e a imposição ao réu devedor do cumprimento dessa prestação (artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, 4.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do CPC).
F) Sendo a primeira principal característica deste processo especial é que essa prestação só pode ter um objeto: a entrega de dinheiro – Impõe-se que se tratar de uma obrigação pecuniária.
G) E a segunda principal característica deste processo especial é que essa obrigação pecuniária tem de ser emergente de um contrato.
H) A obrigação pecuniária em causa nos autos é diretamente emergente de contrato, está devidamente determinada, é certa e é exigível, pelo que não restam dúvidas quanto ao seu conteúdo.
I) Posto isto, temos de concluir que o processo de injunção adotado foi o acertado, dado que foi utilizado para o fim a que a lei o destina: o reconhecimento do direito a uma prestação pecuniária, de valor inferior a € 15.000,00, emergente de um contrato de prestação de serviços.
J) A cláusula penal, no valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) acordada entre as partes, tem natureza meramente compulsória pelo atraso do pagamento e, por isso, deve ser admitida, em conjunto com o remanescente do capital em dívida.
K) Ao recusar totalmente o pedido e absolver o Réu da instância, a decisão recorrida viola os princípios da celeridade, economia processual, e da boa administração da justiça, colocando em causa o fim prático do procedimento de injunção, previsto pelo Decreto-Lei n.º 269/98.
L) Ainda que não seja totalmente pacífico, admitir-se-ia a possibilidade de aproveitamento e utilização do título na parte remanescente, correspondente aos pedidos e valores não impugnados considerando-se tratar, nessa possibilidade, de uma situação cujo vício é meramente parcial.
M) Perante exposto, a decisão que julga procedente a exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção e, em consequência absolve o Réu da instância, revela-se manifestamente infundada e ilícita, pelo que se impõe a sua reapreciação.»
Cumpre apreciar a falta de fundamento para a absolvição, total ou parcial, do R da instância.
III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os que resultam do que se deixa exposto.
B – A Questão do Recurso
O procedimento de injunção decorre do regime inserto no DL n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cujo artigo 7.º estatui o seguinte: Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro.[1]
Consiste num mecanismo processual conferido ao credor de obrigação pecuniária emergente de contrato, de montante não superior a € 15.000,00 (salvo quando esteja em causa transação comercial nos termos e para os efeitos do DL n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, inexistindo, nesse caso, qualquer limite quanto ao montante do crédito), a fim de lhe permitir de modo mais célere a obtenção de um título executivo que faculte o acesso direto à ação executiva.
O artigo 1.º do diploma preambular (DL n.º 269/98) reporta-se ao regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000,00.
As obrigações emergentes de transações comerciais, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do DL n.º 62/2013[2], reportam-se aos pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais», excluindo o n.º 2 desse âmbito normativo: a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros.
Nos termos da alínea b) do artigo 3.º do DL 62/2013, transação comercial consiste em uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração.
E, nos termos do artigo 10.º do mesmo citado DL: 1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.
Nestes termos, o procedimento de injunção apenas pode ser impulsionado quando se destinar a exigir o cumprimento:
- de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 (artigo 1.º do diploma preambular citado) – o denominado procedimento de injunção geral;
- de pagamentos que correspondam remuneração de transações comerciais (artigo 2.º/1, do DL n.º 62/2013) que não integrem as exceções previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 2.º do DL n.º 62/2013, de 10/05, e de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida[3] (artigo 7.º do DL n.º 62/2013), independentemente do valor (artigo 10.º do DL 62/2013, de 10/05) – o denominado procedimento de injunção especial, previsto no DL n.º 62/2013.
Ora, deduzida que seja oposição ou frustrando-se a notificação do requerido, o procedimento de injunção transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma comum ou especial, em função do valor da dívida:
- os termos do processo comum, para valores superiores a metade da alçada da Relação (€ 15.000,00);
- a forma de processo especial prevista no DL n.º 269/98, quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação (€ 15.000,00).
É, portanto, em função do valor do pedido (e não do valor da ação) que se define o regime processual aplicável à ação declarativa, sempre que o procedimento iniciado com o requerimento de injunção não tenha culminado na aposição da fórmula executória – cfr. artigo 10.º, n.º 4, do DL n.º 62/2013.
No presente processo, o valor do pedido ascende a € 10.958,38.
A obrigação alegada pela A. no requerimento de injunção não emerge de transação comercial, mais evidenciando o requerimento de injunção que o contrato foi celebrado com consumidor[4] – cfr. artigo 3.º, alínea b), do DL n.º 62/2013.
Donde, o regime aplicável ao procedimento de injunção é o que resulta do disposto nos artigos 7.º e ss. do Anexo ao DL n.º 269/98, conjugados com os artigos 1.º e ss. do mesmo Anexo.
Trata-se do procedimento de injunção geral.
O procedimento de injunção terá sido regular e devidamente impulsionado desde que as quantias cujo cumprimento vem reclamado correspondam a obrigações pecuniárias emergentes de contratos. Obrigações pecuniárias são aquelas que têm dinheiro por objeto, visando proporcionar ao credor o valor que as respetivas espécies monetárias possuam.[5] “Diz-se pecuniária (de pecunia) a obrigação que, tendo por objeto uma prestação em dinheiro, visa proporcionar ao credor o valor que as respetivas espécies possuam como tais.”[6]
Obrigações pecuniárias emergentes de contratos são aquelas que resultam de contratos, que surgem, emergem ou advêm de contratos.
Não é admissível, portanto, a cobrança de obrigações pecuniárias emergentes de outras fontes obrigacionais[7], que sejam de todo desgarradas do respetivo contrato.
No caso em apreço, a A. reclamou o pagamento de € 10.004,67 a título de capital inicial, de € 603,71 de juros e de € 350,00 de outras quantias. Consta do requerimento de injunção que está em causa a falta de pagamento do remanescente do preço correspondente ao fornecimento e instalação de uma cozinha, juros de mora devidos, reportando-se a verba de € 350,00 a cláusula penal acordada para acorrer a despesas de contencioso relacionadas com a cobrança da dívida.
O pedido formulado e a causa de pedir que o suporta evidenciam a pertinência do recurso ao procedimento de injunção, visando obter a aposição da fórmula executória (o que traduziria a procedência do pedido de injunção), tal como seria pertinente o recurso à AECOP, a ação declarativa especial.
A questão que se coloca é a de saber se tem cabimento no procedimento de injunção geral, tal como teria na AECOP, a reclamação daquela verba de € 350,00. E, não tendo, qual o impacto da indevida reclamação de determinada verba quer no procedimento de injunção geral quer na AECOP.
Vejamos.
A cláusula penal encontra-se caraterizada no artigo 810.º do CC, cujo n.º 1 estatui que as partes podem (…) fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.
Trata-se, pois, da “estipulação pela qual as partes fixam o objeto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento.
A cláusula penal é normalmente chamada a exercer uma dupla função, no sistema da relação obrigacional.
Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (um agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor do cumprimento.
(…)
Por outro lado, a cláusula penal visa amiudadas vezes facilitar ao mesmo tempo o cálculo da indemnização exigível.”[8]
Ora, tendo sido alegado, como foi, que a verba de €350 corresponde a cláusula penal acordada entre as partes para fazer face a despesas de contencioso decorrentes da cobrança, em caso de incumprimento, afigura-se que, tratando-se de prestação em dinheiro prevista no contrato, tal obrigação tem natureza pecuniária e emerge do contrato.[9]
O que não resulta afastado por não se tratar da obrigação correspondente ao preço do fornecimento ou do serviço prestado, inexistindo fundamento para excluir do âmbito de aplicação de tais instrumentos as obrigações pecuniárias (e não já obrigações de valor), que, emergindo de contratos, decorram do incumprimento contratual.
Alinhamos os seguintes vetores argumentativos:
- o processo de injunção especial, decorrente de transação comercial e consagrado no DL n.º 62/2013, aplica-se a todos pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais, prevendo ainda a reclamação de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, incluindo indemnização pelos custos sofridos devido ao atraso de pagamento do devedor, nos termos do artigo 6.º da Diretiva cujo regime foi ali transposto;
- o processo de injunção geral, em consonância com o regime da AECOP, reporta-se a obrigações pecuniárias emergentes de contratos;
- o processo de injunção geral, em consonância com o regime da AECOP, não restringe as obrigações pecuniárias objeto do mesmo a remunerações previstas nos contratos como correspetivo das obrigações prestadas pelo credor;
- o processo de injunção geral, em consonância com o regime da AECOP, ao definir as obrigações pecuniárias que podem ser objeto do mesmo, não contempla o advérbio de modo diretamente[10] acoplado ao adjetivo emergente;
- porque assim é, o processo de injunção geral, em consonância com o regime da AECOP, não prevê expressamente, nem tinha que prever, o direito a reclamar obrigações pecuniárias fixadas no contrato a título de indemnização pelos custos de cobrança e pelos custos sofridos com o atraso de cumprimento, pois consubstanciam obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
Estão, portanto, abrangidas pelo âmbito de aplicação material da injunção geral.
Certo é que “não se encontra justificação para recusar que o procedimento de injunção e a AECOP possam ser utilizados para exigir o cumprimento de uma cláusula penal.”[11]
Consideramos, assim, que esta concreta verba de € 350,00, reclamada a título de outras quantias devidas[12], tem cabimento no procedimento de injunção, tal como tem cabimento na AECOP.[13]
Ainda que assim não fosse, caso se considerasse que aquela quantia reclamada a título de cláusula penal acordada não emerge do contrato que esteve na base do fornecimento e instalação de uma cozinha pela A. ao R.,
- seria a mesma excluída e desconsiderada do título executivo que, por falta de oposição do Requerido devidamente notificado, se tivesse conformado, implicando na rejeição parcial da execução[14], não redundando em exceção dilatória que inquina todo o processo;
ou,
- no âmbito de AECOP (original ou por transmutação do procedimento de injunção) implicaria na absolvição, parcial e na medida da referida verba, do R. da instância declarativa, e não na absolvição total, implicando na extinção da instância.
Acolhe-se, portanto, a pretensão recursiva da Recorrente.
Sem custas, que não são devidas.
Sumário: (…)
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, determinando-se o ulterior processamento dos autos, se nenhum outro fundamento a isso obstar.
Sem custas.
Évora, 27 de novembro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (aqui reconsiderando o teor da argumentação expendida no Ac. TRE de 15/09/2022, subscrito na qualidade de Adjunta)
Ana Margarida Pinheiro Leite
Maria Domingas Simões (Declaração de voto de vencida, em parte)
Vencida em parte
Pese embora a consistência da argumentação expendida em defesa da tese que fez vencimento, considero, aderindo ao entendimento jurisprudencial que creio maioritário e pelos fundamentos claramente explanados no acórdão do TRC de 14/3/2023 (processo n.º 14529/22.6YIPRT.C1, acessível em www.dgsi.pt), que“(…)pelo procedimento de injunção apenas é exigível o cumprimento de obrigações pecuniárias em sentido estrito e, portanto, não é o instrumento processual adequado para exigir o cumprimento de obrigações emergentes de cláusulas penais indemnizatórias ou a que deva assinalar- se ainda ou também uma função indemnizatória, apesar de cumulativamente, mas de forma subalterna ou subordinada desempenhar também uma função de índole compulsória, i.e., aquelas em que a convenção das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso – nem obrigações que tenham sido constituídas com a finalidade de reparar os danos sofridos pelo credor com despesas, v.g., com honorários de advogado, realizadas para assegurar a satisfação do seu crédito, dada também a sua nítida feição ressarcitória (artigos 810.º a 812.º do Código Civil)”.
Acrescentaria ainda o seguinte: o DL n.º 62/2013 que, conforme se menciona no acórdão, procedeu à transposição da Diretiva n.º 2011/7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro (que introduziu medidas adicionais para dissuadir os atrasos de pagamentos nas transações comerciais), e não é aplicável às transações com consumidores, tendo expressado que “Os credores devem ser ressarcidos de forma justa dos custos suportados com a cobrança de pagamentos em atraso, incluindo os custos administrativos e internos associados com essa cobrança”, estabeleceu, em conformidade com a Diretiva, “um valor fixo de € 40,00 a título de indemnização pelos custos administrativo e internos associados à cobrança dos pagamentos em atraso, que acresce aos juros de mora devidos. Isto sem prejuízo, conforme também previu expressamente, de o credor “poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente” (cfr. o teor do artigo 7.º). Ou seja, sendo o diploma aplicável "a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais" (cfr. artigo 2.º/1) o legislador parece ter sentido a necessidade de prever específica e autonomamente o direito do credor a receber indemnização pelos custos suportados com a cobrança, fixando um valor de € 40,00, que dispensa qualquer alegação e prova, mas exigindo a prova de dispêndios superiores – o que pressupõe, obviamente, a sua prévia alegação de forma discriminada. E se consagrou tal direito autonomamente, terá sido porque não o considerava incluindo no conceito de “remuneração da transação comercial” (cfr. artigo 2.º).
Ora, sendo o DL n.º 269/98 também aplicável a consumidores,reconhecidamente a contraparte mais frágil na relação contratual e, por isso, objeto de especial proteção – cfr. por ex. a alínea n) do artigo 10.º –, afigura-se que a supra referida interpretação restritiva do que seja obrigação pecuniária é a que cumpre o critério interpretativo da unidade do sistema (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do CC), não se vendo razão para que o legislador viesse autorizar em procedimento injuntivo dito geral a cobrança dos valores fixados numa cláusula penal com o conteúdo daquela que aqui se aprecia, muito longe dos € 40,00 referidos naquele artigo 7.º, cujos destinatários são empresas (a que se equiparam os profissionais liberais) e entidades públicas .
Consideraria, pois, quanto ao valor fixado na cláusula penal aqui também peticionado, que se verifica exceção dilatória do uso indevido do procedimento injuntivo, levando à absolvição parcial do Réu da instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), do CPCiv..
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[1] Diploma este entretanto revogado pelo DL n.º 62/2013, de 10 de maio.
[2] Diploma que revogou o DL n.º 32/2003, de 17/02.
[3] Note-se que o artigo 6.º da Diretiva n.º 2011/7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro (introduziu medidas adicionais para dissuadir os atrasos de pagamentos nas transações comerciais e foi transposta para a ordem jurídica nacional pelo DL n.º 62/2013, de 10 de maio), sob a epígrafe Indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, estatui o seguinte:
Os Estados-Membros asseguram que, caso se vençam juros de mora em transações comerciais nos termos dos artigos 3.º ou 4.º, o credor tenha direito a receber do devedor, no mínimo, um montante fixo de 40 EUR.
Os Estados-Membros asseguram que o montante fixo referido no n.º 1 é devido sem necessidade de interpelação, enquanto indemnização pelos custos de cobrança da dívida do credor.
O credor, para além do montante fixo previsto no n.º 1, tem o direito de exigir uma indemnização razoável do devedor pelos custos suportados com a cobrança da dívida que excedam esse montante fixo e sofridos devido ao atraso de pagamento do devedor. A indemnização pode incluir despesas, nomeadamente, com o recurso aos serviços de um advogado ou com a contratação de uma agência de cobrança de dívidas.
[4] Não relevando a indicação em contrário aposta pela A. nos respetivos campos do formulário do requerimento de injunção.
[5] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 13.ª edição, pág. 135.
[6] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vil. I, 5.ª edição, pág. 804.
[7] Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. II, 2022, pág. 254.
[8] Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 5.ª edição, pág. 137.
[9] Cfr. TRC de 26/06/2012 (Henrique Antunes):
«(…)
II - A dívida de indemnização é uma dívida de valor, dado que o dinheiro é apenas o substituto ou sucedâneo do objeto inicial da prestação, porquanto é o valor que determina a quantidade.
III - Operada a conversão do débito de valor em dívida em dinheiro – quer dizer, uma vez fixado por acordo ou por decisão judicial o montante em dinheiro do débito de valor – o credor passa, a partir desse momento, a correr o risco das oscilações do valor da moeda, tal como no comum das obrigações pecuniárias.
IV - Na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato é admissível ao credor exigir do devedor a indemnização convencionada em qualquer estipulatio poena, desde que a prestação prometida pelo devedor consista numa soma pecuniária.»
[10] Repetida e insistentemente propagado na vasta jurisprudência disponível em dgsi.pt.
[11] Miguel Teixeira de Sousa, blog ippc, comentário in Jurisprudência 2021 (239) a Ac. TRP de 15/12/2021.
[12] Cfr. artigo 10.º, alínea e), do Anexo ao DL n.º 269/98, de 01 de setembro, na versão atualizada.
[13] Neste sentido, Ac. TRL de 18/03/2010 (Bruto da Costa), TRC de 26/06/2012 (Henrique Antunes).
[14] Cfr., entre muitos outros, Acs. TRE de 15/09/2022 (Tomé de Carvalho), TRL de 10/10/2024 (Arlindo Crua), 24/10/2024 (Susana Gonçalves), 10/04/2025 (Maria do Céu Silva), 26/05/2025 (Ana Mónica Pavão), 05/06/2025 (Teresa Pardal).