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JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENDA
PAGAMENTO
Sumário
I. O artigo 15.º-I da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro impõe, no seu n.º 6, que as provas sejam oferecidas na audiência, “podendo cada parte apresentar até três testemunhas”. II. Na interpretação da citada disposição legal, e por imperativo do princípio da boa fé e da lealdade processual, de que o princípio da cooperação é decorrência, vem sendo entendido que a apresentação da prova deve decorrer na abertura da audiência e antes de ser dado início à respetiva produção, quer estejam em causa as testemunhas a inquirir, quer os documentos a incorporar no processo. III. Daqui não resulta, porém, a interdição absoluta de junção de prova documental em momento posterior, tendo-se por aplicável quanto dispõe, a este respeito, o n.º 3 do artigo 423.º do CPCiv.. IV. Instaurado PED na sequência de resolução extrajudicial do contrato de arrendamento tendo por fundamento a falta de pagamento das rendas por período superior a 3 meses, tendo os RR arrendatários deduzido oposição, alegando terem procedido ao pagamento, sobre estes recai o ónus da respetiva prova, nos termos do artigo 342.º do CC. V. Tendo os AA. alegado terem imputado as quantias recebidas dos RR. no período em causa ao pagamento de rendas relativas a anos anteriores, há muito vencidas, em conformidade com a regra supletiva estabelecida no artigo 784.º, n.º 1, do CC, mas não provaram a existência de tal dívida antiga, impõe-se reconhecer a ineficácia da declaração resolutiva, mantendo-se em vigor o contrato de arrendamento. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 123/25.3YLPRT.E1[1] Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo Local Cível de Ourém
I. RELATÓRIO
(…) e mulher, (…), instauraram em 28 de Maio de 2025 contra (…) e mulher, (…), procedimento especial de despejo, visando a entrega do locado que identificam e a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 2.700,00, proveniente de rendas em dívida, com fundamento na resolução extra judicial do contrato, que levaram a cabo mediante notificação judicial avulsa, encontrando-se então em dívida as rendas relativas aos meses de Maio de 2023 (vencida em 1 de Abril) até Abril de 2024 (vencida em 1 de Março deste mesmo ano), reclamando ainda os juros vencidos, que liquidaram em € 53,70, e os vincendos até integral pagamento.
Notificados os RR., deduziram oposição, peça na qual alegaram que, tendo celebrado com os requerentes em 26 de Março de 1994 contrato de arrendamento tendo por objeto o imóvel identificado, nele mantêm desde então a sua casa de morada da família. Reconhecendo que recaíram em mora quanto a algumas rendas, tal situação foi, dizem, regularizada, tendo vindo a proceder ao pagamento das rendas de forma regular e pontual desde o início do ano de 2023, ainda que os autores, apesar de diversas vezes interpelados para o efeito, não tenham feito entrega dos pertinentes recibos. Assim tendo impugnado o fundamento resolutivo, negando ainda que se encontrem em dívida as rendas indicadas pelos AA., concluíram pela improcedência da ação.
Designada data para a realização da audiência de julgamento, foi no seu início requerida por AA. e RR. a junção aos autos de vários documentos, os quais foram admitidos (cfr. os despachos exarados na ata da sessão que teve lugar no dia 3 de Julho de 2025).
Tendo sido designado o dia 17 de Setembro para continuação da audiência, vieram os AA., visando contrariar os documentos pelos RR. oferecidos no início da audiência, apresentar requerimento, de que notificaram os demandados, oferecendo extratos bancários relativos à conta do (…) Banco na qual eram por estes depositadas as quantias destinadas ao pagamento das rendas, o que foi indeferido com fundamento em extemporaneidade.
Finda a audiência, foi proferida sentença que decretou a improcedência da ação, com a consequente absolvição dos RR. dos pedidos formulados.
Inconformados, apresentaram os AA. o presente recurso, cuja alegação condensaram nas seguintes conclusões:
“1.ª O presente recurso será dividido em quatro partes: 1) recurso do despacho judicial proferido em 17/09/2025 que decidiu a não admissão de meios de prova; 2) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, considerando: 2.1) A prova efetivamente produzida, admitida e valorada pelo Tribunal a quo nos autos. 2.2) A prova constante dos documentos não admitidos pelo despacho judicial de 17/09/2025; 3) Breve alusão às normas aplicáveis Recurso do despacho de não admissão de meios de prova proferido em 17/09/2025
2.ª Os AA. não se conformam com o despacho judicial proferido na sessão de audiência de julgamento realizada em 17-09-2025 que indeferiu o seu pedido de junção de documentos formulado em 14-07-2025 (Ref.ª Citius 11836827) , por extemporaneidade com fundamento no disposto no artigo 15.º-I da Lei 6/2006, de 27 de janeiro. Porquanto:
3.ª No seu requerimento de despejo, os AA. alegam, que aquando da notificação judicial avulsa requerida em 03/04/2024, a última renda mensal que o arrendatário havia pago era a renda mensal de abril do ano de 2023, paga em 25/03/2024.
4.ª E que no momento em que é iniciado o procedimento de despejo se encontram vencidas e não pagas as rendas mensais referentes aos meses de abril de 2024 (vencida em março de 2024) a janeiro de 2025 (vencida em dezembro de 2024).
5.ª Na sua oposição, os RR. invocaram que em determinado período se verificou um atraso no pagamento das rendas, o qual já estaria regularizado e, desde essa regularização, têm efetuado o pagamento de forma regular, tendo junto diversos comprovativos de depósitos efetuados na conta bancária dos AA. durante os anos de 2023 e 2024.
6.ª Quando responderam às exceções (Ref.ª citius 11750288 e 11750289) os AA. juntaram aos autos os extratos da sua conta bancária de janeiro de 2023 a dezembro de 2024 e todos os recibos de renda referentes a todos os montantes depositados nessa conta bancária naquele período, por forma a demonstrar que os recebimentos de 2023 e 2024 não coincidiam com os montantes indicados pelos RR. na oposição e se destinavam a pagar rendas vencidas de novembro de 2021 a julho de 2023.
7.ª No início da audiência de julgamento, os RR. juntaram os autos diversos comprovativos de depósitos efetuados na conta bancária dos AA., desta vez nos anos de 2021 e 2022, os quais foram admitidos.
8.ª Na sequência da junção destes documentos por parte dos RR., em 14/07/2025 (Ref.ª Citius 11836827) os AA. requereram a junção aos autos de seis documentos – extratos bancários dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 e dois recibos de renda – ao abrigo do disposto no artigo 423.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com vista a comprovar a totalidade das quantias monetárias entregues aos AA., pelos RR., nos últimos anos (e consequentemente, o seu atraso no pagamento de rendas), o qual foi indeferido por extemporaneidade.
9.ª De facto, o n.º 6 do artigo 15.º-I da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (doravante designada abreviadamente de NRAU) refere-se que “as provas são apresentadas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas”.
10.ª No entanto, sendo o despejo de uma ação especial, os recorrentes consideram que, salvo melhor opinião, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC) por força do preceituado no artigo 549.º do mesmo diploma legal.
11.ª A regra geral é a de que os documentos são apresentados com os articulados onde se alegam os factos (cfr. artigo 423.º, n.º 1, do CPC), podendo ser entregues até 20 dias antes do julgamento, com a cominação de multa (cfr. artigo 423.º, n.º 2, do CPC).
12.ª Excecionalmente, podem ainda ser juntos documentos aos autos, até ao encerramento da discussão/julgamento, cuja apresentação não tenha sido possível até 20 dias antes e aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (cfr. artigo 423.º, n.º 3, conjugado com o disposto no artigo 425.º, ambos do CPC).
13.ª Ora, a disposição especial prevista no n.º 6 do artigo 15.º-I do NRAU afasta a regra geral prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 423.º do CPC.
14.ª No entanto, crê-se não afasta a possibilidade de junção aos autos de documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância (prevista no artigo 423.º, n.º 3, cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior, que tenha lugar no decurso da audiência de julgamento e até ao encerramento do julgamento na Primeira Instância.
15.ª Foi o que sucedeu no caso sub judice: com a apresentação de comprovativos de depósito realizados em 2021 e 2022 referentes a pagamentos de rendas que não haviam sido invocados na oposição ao procedimento de despejo, tornou-se necessária a apresentação dos extratos bancários relativos aos anos anteriores (2017 a 2021) e recibos de renda, para demonstrar o atraso dos RR no pagamento de rendas.
16.ª No início da audiência, os RR. trouxeram aos autos factos instrumentais (que não estavam alegados na oposição) e novos documentos, sendo esta a ocorrência posterior que tornou necessária a apresentação de novos documentos pelos AA., o que fizeram no prazo geral de 10 dias, para contraprova da documentação junta pelos RR..
17.ª Pelo que, com o devido respeito, deverá ser revogado o despacho judicial proferido em 17/09/2025 que indeferiu a pretensão dos AA., considerando-se tais documentos oportunamente apresentados, com validade e eficácia nos autos. Impugnação da matéria de facto constante da sentença – Considerando os meios de prova admitidos
18.ª Os recorrentes consideram que, em face da prova produzida nos autos, deveria ter sido julgada como provado que “B- Os RR. não pagaram as rendas mensais referentes ao contrato mencionado em 1), a partir do mês de abril de 2024, ficando em dívida as rendas até ao mês de janeiro de 2025 (vencida em dezembro de 2024), bem como toda a factualidade constante das alíneas C) e D) dos factos julgados como não provados. Porquanto:
19.ª AA. e RR. estão de acordo quanto ao facto de o pagamento das rendas ser efetuado por depósito na conta bancária dos AA. aberta no (…) Banco e identificada nos autos.
20.ª Os recorrentes juntaram aos autos os extratos da sua conta bancária relativos aos anos de 2023 e 2024, onde constam os montantes de rendas por si recebidos e ainda os recibos de renda emitidos relativos a essas quantias monetárias.
21.ª Os recibos de renda emitidos pelos autores não foram objeto de qualquer impugnação e/ou contestação por parte dos réus que, em momento algum, alegaram a falsidade dos mesmos ou contestaram a sua autoria (letra e assinatura), nos termos dos artigos 444.º e 446.º do Código de Processo Civil, pelo que os mesmos têm, nos autos, a força probatória conferida pelo disposto no artigo 376.º do Código Civil, com o alcance conferido pelo artigo 360.º do mesmo diploma legal.
22.ª Ou seja, consideram-se provados os factos constantes dos documentos que sejam contrários aos interesses dos AA., mas a confissão/declaração é indivisível.
23.ª Vejamos então o alcance desta indivisibilidade da confissão corporizada nos documentos:
1)- Quando instauraram o procedimento especial de despejo, os AA. indicaram que depois da notificação judicial avulsa os recorridos efetuaram pagamentos de rendas cujos valores de datas de entrega discriminaram e alegaram que apesar destas entregas se encontravam vencidas e não pagas as rendas de abril de 2024 em diante até janeiro de 2025 (mês da entrada do requerimento para início de processo).
2)- Os recorridos deduziram oposição alegando que em determinado período houve um atraso no pagamento das rendas e que desde essa regularização têm efetuado os pagamentos de forma regular conforme os comprovativos de depósito que juntaram e que no ano de 2023 perfazem o total de € 2.970,00 e no ano de 2024 perfazem o total de € 3.050,00.
3)- Os valores que os RR. referem ter entregue aos AA. ficam aquém do valor anual de rendas que é devido e que se quantifica em € 3.240,00 (12 meses x € 270,00).
4)- Em resposta, os AA. juntaram os extratos bancários e recibos de renda emitidos em 2023 e 2024, que não foram impugnados pelos RR., e dos quais resulta que receberam quantias superiores às indicadas pelos RR. (€ 4.140,00 em 2023 e € 3.500,00 em 2024), que também são valores superiores ao valor anual de renda devido (€ 3.240,00) – assim confessando um facto que lhes é desfavorável – mas que tais recebimentos se reportam a rendas anteriores a abril de 2024, cujos meses identificam nos recibos de renda – assim confessando um facto que lhes é favorável.
24.ª Desta feita, por força do princípio da indivisibilidade, todos os factos constantes dos recibos de renda emitidos pelos Recorrentes deveriam ter sido julgados como provados: as datas dos recebimentos das rendas, os montantes recebidos e as rendas mensais a que se reportam os pagamentos.
25.ª Isto porque, os AA. confessam, através da prova documental por si junta que receberam valores superiores aos indicados pelos RR. e superiores à renda anual devida: facto desfavorável aos AA..
26.ª Assim, com o devido respeito, não poderá colher provimento, a argumentação aduzida na sentença no sentido de que como os recibos de renda apresentados pelos AA. nos autos são da sua exclusiva autoria não havendo intervenção de terceiros quanto à sua redação, e por isso, não são suscetíveis de demonstrar que as quantias recebidas se destinariam a liquidar rendas de outros meses anteriores aos meses em que foram efetuados os pagamentos.
27.ª Desde logo por força do princípio da indivisibilidade da confissão corporizada em documento particular não impugnado nos autos, como também por força da prova produzida nos autos, apreciada no seu conjunto e à luz das regras da experiência. Senão vejamos:
28.ª Do teor dos articulados, das declarações de parte dos AA., depoimento de parte do Réu (…) e documentos juntos aos autos, com a oposição dos RR. e com a resposta às exceções (Ref.ª Citius 11750288 e 11750289), apreciadas à luz das regras da experiência, os factos indicados nas supra referidas alíneas B), C) e D) deveriam ter sido julgados como provados.
29.ª Na versão apresentada pelos RR. na oposição, estes reconhecem em determinado momento que houve atrasos no pagamento das rendas e depois afirmam que os regularizaram e que passaram a pagar as rendas pontualmente e de forma regular, nos anos de 2023 e 2024.
30.ª Juntaram aos autos comprovativos de depósitos de € 2.970,00 realizados em 2023 e € 3.050,00 realizados em 2024, o que perfaz um total de € 6.020,00.
31.ª Dois anos de renda correspondem a € 6.480,00, e havendo uma diferença de € 460,00, mesmo considerando a versão factual apresentada pelos RR. nunca se poderia afirmar que a totalidade das rendas mensais se encontravam regularizadas e que as mesmas haviam sido pagas pontualmente.
32.ª Acresce que os RR. pretendem dar a entender que mensalmente pagavam as rendas devidas no valor de € 270,00, juntando vários pagamentos efetuados aos AA. nos anos de 2023 e 2024.
33.ª Todavia resultou provado que em 11/09/2023, os recorridos entregaram aos recorrentes o montante de € 900,00 (cfr. alínea 4 dos factos provados) no qual fizeram consignar aquando do depósito na conta bancária que se destinava ao pagamento de “prestações em atraso”(cfr. documento n.º 17 anexo à resposta às exceções).
34.ª Por sua vez, os AA. confessaram na sua resposta às exceções que receberam valores superiores aos indicados pelos RR. (€ 4.140,00 no ano de 2023 e € 3.500,00 no ano de 2024), e que tais valores recebidos anualmente são superiores aos montantes da renda anual devida, esclarecendo que se destinavam ao pagamento de rendas vencidas em meses anteriores que indicaram no seu articulado de resposta, juntando os respetivos recibos de renda.
35.ª A confissão pelas partes realizada nos seus articulados através de mandatário é irretratável nos termos do artigo 465.º do Código de Processo Civil, tem força probatória plena contra o confitente conforme o disposto no n.º 1 do artigo 358.º do Código Civil e é indivisível nos termos do artigo 360.º do Código Civil.
36.ª Portanto, os factos alegados pelo AA. nos artigos 27º, 28º, 30º, 31º, 33º, 34º, 37º, 38º, 39º, 41º, 43º, 44º, 45º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 58º, 59º, 60º, 61º, 63º, 64º, 66º, 67º, 68º e 69º deveriam ter sido todos julgados como provados.
37.ª Acresce que, quando prestaram declarações de parte os AA. explicaram que imputavam os recebimentos às rendas que se venceram primeiro e que os atrasos nos pagamentos ainda não foram inteiramente regularizados, permanecendo em dívida 10 meses de renda no valor de € 2.700,00, o que é corroborado pelos nos documentos por si juntos aos autos e como tal tais declarações devem ser devidamente valoradas.
38ª Para além disso, as declarações prestadas pelos AA. também foram corroboradas de parte do Réu (…).
39.ª No seu depoimento, num primeiro momento, o Réu (…) refere que houve atrasos no pagamento das rendas até 2019, mas que terá ficado tudo resolvido nessa altura e que daí em diante tem pago mensalmente as rendas devidas, tendo pago € 270,00 mensalmente nos últimos dois anos (2023 e 2024).
40.ª Subsequentemente, o mesmo Réu reconhece que em 2023 liquidou a quantia de € 900,00 para pagar o atrasado, assim reconhecendo a existência de rendas em atraso, no ano de 2023.
41.ª O que, salvo melhor opinião, é suficiente para corroborar as declarações prestadas pelo Autor marido.
42.ª Com efeito, pelo depoimento de parte prestado pelo Réu Filipe, apura-se que, contrariamente ao que foi alegado na oposição os RR. não têm todos os pagamentos de rendas regularizados, tendo pago, regular e pontualmente, todas as rendas mensais em 2023 e 2024.
43.ª Na verdade, o próprio Réu admitiu que no ano de 2023 entregou € 900,00 para pagar as rendas atrasadas, o que está em consonância com o doc. nº 17 junto à resposta às exceções dos AA..
44.ª Mais, anote-se que os RR. também juntaram à oposição um comprovativo de depósito na conta bancária dos AA. de € 100,00 realizado em 31/07/2023 que por razões que se desconhecem, não deu entrada na conta dos AA. (cfr. doc. n.º 41 junto com a resposta às exceções).
45.ª A questão que se coloca é a seguinte: se efetivamente tinham efetuado o pagamento das rendas mensais atempadamente depois de 2019, porque razão entregaram € 900,00 e tentaram entregar mais € 100,00 aos AA. no ano de 2023?
46.ª Partindo do pressuposto que “ninguém dá nada a ninguém”, é evidente que estas entregas se destinam a pagar rendas atrasadas e que contrariamente ao alegado pelo RR. a rendas não se encontram regularizadas.
47.ª Mais, os próprios RR. juntaram um pagamento efetuado em 14/10/2022 no valor de € 1.000,00, se realmente estivesse tudo regularizado desde 2019, tal pagamento nunca teria sido feito.
48.ª Na verdade, se mobilizarmos as regras da experiência comum aquando da análise dos documentos e declarações dos sujeitos processuais, temos forçosamente de concluir que se encontram vencidas e não pagas as rendas dos meses de abril de 2024 em diante.
49.ª Nenhum inquilino paga valores superiores aos que são devidos a título de rendas, pois não é expectável que alguém pague mais do que é devido numa relação locatícia.
50.ª Também nenhum senhorio tem interesse em declarar que recebeu montante superior ao que era devido a título de rendas, se efetivamente o não tiver recebido, desde logo, porque tem de suportar os inerentes encargos fiscais.
51.ª Assim, pelas regras da experiência, resulta claro que os AA. receberam os valores por si indicados na resposta às exceções, superiores aos montantes de renda anuais e que tais valores se destinavam a pagar as rendas referidas nos recibos por si emitidos na qualidade de senhorios.
52.ª Recibos estes, que nunca foram sendo contestados pelos RR. (incluindo nos presentes autos), e que se encontram acessíveis no portal das finanças (ao senhorio e ao inquilino) e que, na perspetiva dos RR., aproveitaram aos mesmos como benefício fiscal em sede de IRS (encargos com habitação permanente)
53.ª É evidente que os AA. não podem recorrer a terceiros para comprovar a que mês de renda se reportam os pagamentos realizados pelos RR. nos anos de 2023 e 2024, na medida em que os pagamentos são efetuados por transferência bancária e quem emite os recibos são os senhorios, porque a isso estão obrigados, inexistindo qualquer intermediário na relação locatícia.
54.ª Por conseguinte, não pode colher provimento a argumentação do Tribunal a quo no sentido de que os AA. são interessados e como tal o que afirmam e os recibos que juntam não têm valor probatório, sem considerar a prova no seu conjunto e a força probatória dos documentos e confissões e sem ter em devida consideração que, de acordo com as regras da experiência comum, ninguém paga valores de rendas superiores aos que são devidos. Impugnação da matéria de facto – considerando os meios de prova não admitidos
55.ª Como já se mencionou, tanto os autores como os réus referiram que os pagamentos das rendas são efetuados na conta bancária do autor (cuja 2ª titular é a autora) – nos articulados e nas declarações que prestaram em julgamento.
56.ª A documentação junta aos autos pelos Autores em 14/07/2025 e nessa mesma data notificada às Ilustres Mandatárias dos RR. (Ref.ª Citius 11836827), não foi impugnada nem contestada pelos RR. no prazo de 10 (dez) dias.
57.ª Nessa documentação consta um recibo de renda emitido em 07/12/2016 relativo a um recebimento de € 260,00 em 05/12/2016 referente à renda de janeiro de 2016 e extratos bancários da conta dos recorrentes dos anos de 2017 a 2020.
58.ª Por sua vez, os RR. juntaram os comprovativos de depósitos por si realizados nos anos de 2021 e 2022.
59.ª Se adicionarmos os valores monetários constantes dos documentos juntos pelos AA. e pelos RR., aos montantes constantes das alíneas 4 e 5 dos factos provados obtemos as seguintes quantias pagas pelos RR. e recebidos pelos AA. nos anos de 2017 a 2024:
Ano
Renda anual devida
Renda anual paga pelos RR.
2017
3.120,00
2.600,00
2018
3.120,00
2.080,00
2019
3.120,00
1.560,00
2020
3.120,00
3.130,00
2021
3.240,00
2.970,00
2022
3.240,00
3.700,00
2023
3.240,00
4.140,00
2024
3.240,00
3.500,00
Totais
25.440,00
23.680,00
60.ª Donde resulta que o valor total entregue pelos RR. que fica aquém do valor de renda devido aos AA. nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022, 2023 e 2024, assim se demonstrando o incumprimento contratual dos RR. por falta de pagamento de rendas que fundamenta a resolução do contrato e o pedido de despejo formulado pelos AA..
61.ª Com efeito, nos anos de 2017 a 2024, os RR. pagaram aos AA. menos € 1.760,00 do que era devido pela totalidade das rendas mensais vencidas naqueles anos.
62.ª Desta feita, atendendo à totalidade dos montantes entregues e ao valor do que era devido, mesmo que não houvesse atrasos anteriores a 2017, sempre os RR estão em incumprimento relativamente a pelo menos 6 (seis) meses de renda.
63.ª Por isso, caso a impugnação da matéria de facto constante do ponto 2.1) das presentes alegações não obtenha provimento, o que manifestamente não se crê e apenas se admite por mera cautela de patrocínio, deve ser julgado como provado que: Os RR. não pagaram aos AA., pelo menos seis rendas mensais que se encontram presentemente em dívida. Do direito aplicável
64.ª Ficou demonstrado nos autos que os AA. têm recebido mensalmente quantias monetárias dos RR. que imputam às rendas vencidas anteriormente, sendo tal atuação é perfeitamente legítima em face do disposto no artigo 784.º do Código Civil (não se compreendendo a alusão que é feita na decisão recorrida ao artigo 781.º do Código Civil).
65.ª Uma vez que, quando efetuam os depósitos na conta bancária dos AA., os recorridos não indicam os meses de renda que pretendem pagar (cfr. extratos bancários juntos ao requerimento apresentado pelos AA. em 14/07/2025 como documentos n.ºs 1, 2,3, e 4 e ainda os extratos bancários juntos à resposta às exceções como documentos n.ºs 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 14, 17, 20, 22, 24, 27, 29, 31, 33, 37, 39, 41, 42, 45, 47, 49 e 51), limitando-se a depositar o dinheiro.
66.ª Ficou igualmente demonstrado que os RR. se encontram em mora superior a três meses no pagamento da renda, pelo que é legítima a resolução do contrato de arrendamento ao abrigo do disposto no artigo 1083.º, n.º 3, do Código Civil.
67.ª Havendo incumprimento aquando do procedimento especial de despejo que subsiste, deverá a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância ser revogada, considerando-se o contrato de arrendamento resolvido por falta de pagamento de rendas e consequentemente, determinar-se o despejo dos RR. com a inerente a entrega do locado aos senhorios, livre de pessoas e bens.
68.ª Por todo o exposto e com o devido respeito, o despacho judicial proferido em 17/09/2025 violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 15.º-I da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro e sentença proferida, violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 376.º e 360.º do Código Civil, conjugados com o preceituado nos artigos 444.º a 446.º do Código de Processo Civil; os artigos 358.º, n.º 1 e 360.º do Código Civil conjugados com o artigo 465.º do Código de Processo Civil; o preceituado nos artigos 452.º, 456.º e 655.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil..
Contra alegaram os RR. apelados, defendendo a manutenção das decisões recorridas.
*
Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objeto dos recursos, cabe decidir se:
i. na procedência do recurso do despacho que não admitiu os documentos oferecidos pelos AA após ter sido iniciada a audiência, devem os mesmos ser admitidos;
ii. ocorreu erro de julgamento dos factos, devendo ser julgados assentes os especificados nas alíneas B), C) e D) dos factos não provados;
iii. ocorreu erro de aplicação do direito aos factos provados, devendo ser reconhecida a resolução do contrato e, consequentemente, decretado o despejo dos RR..
* i. Recurso do despacho que não admitiu os documentos oferecidos pelos apelantes com o requerimento apresentado em 14 de Julho.
Releva para a decisão a seguinte factualidade, a qual resulta dos autos:
- Os AA. procederam à resolução extrajudicial do contrato de arrendamento celebrado com o R. marido no ano de 1994, com fundamento no facto de se encontrarem em dívida as rendas relativas aos meses de Março de 2023 até Abril de 2024, num total de 12 meses;
- Tendo operado a resolução do contrato por força da notificação extrajudicial sem que, segundo alegaram, os RR. tenham expurgado a mora, mas tendo-se mantido no locado, instauraram os AA. o presente PED, encontrando-se à data em dívida as rendas referentes aos meses de Abril de 2024 até Janeiro de 2025, ascendendo a € 2.700,00 (10 x € 270,00);
- Os RR. deduziram oposição, procedendo à junção de documentos comprovativos de terem efetuado diversos depósitos na conta bancária titulada pelos AA. no (…) Banco nos anos de 2023 e 2024, destinados ao pagamento das rendas referentes aos indicados meses de Março de 2023 até Abril de 2024, fundamento da resolução do contrato;
- Os AA. responderam à matéria da exceção, alegando que os depósitos efetuados e outros não mencionados pelos RR., quantias que, no entanto, reconheceram terem sido recebidas, foram por si afetadas ao pagamento de valores que se encontravam em dívida relativos a rendas dos anos de 2021 e 2022.
- Designada data para realização da audiência de julgamento, no seu início, requereram os RR. a junção aos autos de diversos documentos comprovativos de depósitos efetuados nos anos de 2021 e 2022, visando refutar o alegado pelos AA. na resposta à exceção, documentos que, à semelhança de outros por estes últimos apresentados, foram admitidos, tendo sido concedida à contra parte o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre o respetivo teor.
- Suspensa a audiência e designado o dia 17 de Setembro para a sua continuação com audição do R. marido, cujo depoimento havia sido requerido e admitido, vieram os AA., em requerimento apresentado em juízo em 14/7, de que notificaram as Ilustres patronas nomeadas aos RR., requerer a junção dos extratos bancários dos anos de 2017 a 2020 relativos à aludida conta bancária, e ainda dos recibos de rendas atinentes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2016, visando a demonstração de que as quantias pelos RR. depositadas em 2021 e 2022 foram afetadas a rendas há muito vencidas, uma vez que em 2017 se encontrava em atraso cerca de 1 ano de rendas.
- O requerimento apresentado mereceu do Sr. Juiz, uma vez reaberta a audiência, o seguinte despacho, ora recorrido (transcrição): “Da análise da anterior sessão de julgamento constata-se que foi concedido aos autores a faculdade de se pronunciarem sobre os documentos que o Réu juntou durante a sessão da audiência de julgamento. Contudo, não foi dada aos Réus[2] a possibilidade para juntarem documentos, como vieram agora a fazer, através do requerimento junto em 14-07-2025. Verifica-se assim que a junção de documentos aos autos pelos Autores através do requerimento junto em 14-07-2025 é manifestamente ilegítimo, na medida em que não tem qualquer base legal. Na verdade, conforme o disposto no artigo 15.º-I da lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, as partes apenas podem apresentar documentos até ao início da audiência de julgamento. Consequentemente, é manifestamente extemporânea a apresentação desses documentos juntos com o requerimento, não podendo tal junção ser admitida. Pelo exposto, indefere-se o pedido para junção dos documentos anexos ao requerimento de 14-07-2025, apresentado pelos AA. Logo tais documentos não produzirão qualquer validade ou eficácia nos presentes autos”. (…)”.
Consignados os factos relevantes, cabe agora proferir decisão.
Como se vê da alegação de recurso, os AA., aqui apelantes, não discutindo quanto resulta do convocado artigo 15.º-I do NRAU, no sentido da prova a produzir dever ser apresentada no início da audiência, defendem todavia que os documentos em causa deviam ter sido admitidos ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do CPC, disposição legal cuja aplicação, dizem, não resulta arredada pela regra especial contida naquele outro preceito. E cremos, antecipa-se, que lhes assiste razão.
Dispondo para a audiência de julgamento no caso, como o vertente, em que tenha sido deduzida oposição ao PED, o artigo 15.º-I da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro impõe, no seu n.º 6, que as provas sejam oferecidas na audiência, “podendo cada parte apresentar até três testemunhas”.
Na interpretação da citada disposição legal, e por imperativo do princípio da boa fé e da lealdade processual, de que o princípio da cooperação é decorrência, vem sendo entendido que a apresentação da prova deve decorrer na abertura da audiência e antes de ser dado início à respetiva produção, quer estejam em causa as testemunhas a inquirir, quer os documentos a incorporar no processo (cfr. os acórdãos do TRP de 28/1/2014, processo 1410/13.9YLPRT-B.P1 e do TRL de 9/4/2024, processo 1573/21.0YLPRT-A.L1-7, ambos acessíveis em www.dgsi.pt). Daqui não resulta, porém, desde logo por exigência do princípio do contraditório e da igualdade das partes, a interdição absoluta de junção de prova documental em momento posterior, tendo-se por aplicável quanto dispõe, a este respeito, o n.º 3 do artigo 423.º, nos termos do qual, não sendo apresentados no limite temporal fixado no número precedente, são, ainda assim, admitidos “os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”, segmento final invocado pelos recorrentes em ordem a justificar o oferecimento tardio dos documentos cuja recusa ora se sindica.
A “ocorrência posterior” idónea a justificar a exceção legal, segundo entendimento que vem sendo doutrinária e jurisprudencialmente aceite e aqui também subscrevemos, não pode reportar-se aos factos constitutivos da ação ou das exceções invocadas pela defesa, ainda que supervenientes, cuja dedução em juízo deve ser acompanhada da prova respetiva (cfr. artigos 552.º, n.º 6, 572.º, alínea d) e 588.º, n.º 4, do CPCiv.), ficando assim circunscrita “aos factos instrumentais relevantes para a prova dos factos principais ou a factos com interesse à verificação dos pressupostos processuais” (acórdão deste TRE de 06/06/2024, processo n.º 436/21.3T8ODM-A.E1).
No caso em apreço, sendo fundamento resolutivo a falta do pagamento de rendas vencidas de Maio de 2023 a Abril de 2024, defenderam-se os RR. arrendatários com a invocação da exceção de pagamento, fazendo prova da entrega de diversas quantias durante os referidos anos de 2023 e 2024, alegadamente para pagamento das rendas que então se foram vencendo. Na resposta, os AA. alegaram que os valores recebidos tinham sido afetados ao pagamento de rendas em dívida relativas aos anos de 2021 e 2022, o que intentaram provar mediante a junção de extratos bancários e dos recibos emitidos, estes referenciando rendas há muito vencidas. E foi para contrariar esta prova documental que os RR., que haviam já reconhecido a existência de atrasos anteriores no pagamento das rendas, mas sustentando estar a situação regularizada, tendo pago de forma pontual as que se venceram nos anos de 2023 e 2024, fizeram juntar aos autos, no início da audiência, documentos comprovativos de depósitos efetuados em 2021 e 2022. Deste modo, pretendendo os AA., com os documentos recusados, contrariar o valor probatório daqueles que pelos RR. haviam sido oferecidos no início da audiência, e estando em causa, em nosso entender, factos de natureza instrumental, estamos perante ocorrência posterior que justifica a sua admissibilidade.
A propósito da distinção entre factos essenciais e instrumentais, esclareceu o STJ em aresto de 2 de Maio de 2024 (processo n.º 23807/21.0T8LSB.L1.S1) resultar do disposto no 5.º do CPC “que as partes estão oneradas com a alegação dos factos essenciais, que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as excepções”, podendo/devendo o tribunal considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa. Os factos instrumentais destinam-se, conforme ensinava o Sr. Conselheiro Lopes do Rego[3], “a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatóriae não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa”.
Nos presentes autos, os factos essenciais são, reitera-se, a pelos AA. alegada falta de pagamento das rendas relativas aos meses de Maio de 2023 a Abril de 2024, e o facto excetivo pagamento, este invocado pelos RR., a que os AA. opuseram uma sorte de contra exceção, alegando que os valores recebidos se destinaram ao pagamento de rendas anteriores que se encontravam em dívida. Entendemos assim que através da junção dos documentos apresentados na audiência os RR. trouxeram a juízo um facto novo – a entrega por meio de depósito de diversas quantias nos referidos anos de 2021 e 2022 – e instrumental, na medida em que visa refutar a prova oferecida pelos AA. em suporte da sua alegação, mediante a demonstração de factos que a contrariam. Estamos assim perante “ocorrência posterior”, a dar ensejo a que os AA. oferecessem documentos tendentes à comprovação de um outro facto novo, também instrumental, na circunstância a existência de rendas em atraso relativas a anos anteriores, especificamente entre 2017 e 2020. Daí que se considere encontrar-se justificado, ao abrigo do n.º 3 do artigo 423.º do CPCiv., o oferecimento dos documentos em momento posterior.
Atento o que fica exposto, e na procedência do recurso que visou o despacho proferido na sessão da audiência de julgamento que teve lugar em 17 de Setembro, vai o mesmo revogado, admitindo-se os documentos oferecidos pelos AA./apelantes.
As custas deste recurso recaem sobre os RR., que decaíram, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhes foi oportunamente concedido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCiv.).
* ii. da impugnação da matéria de facto
Os apelantes impugnam a decisão proferida sobre os factos, pretendendo a sua modificação, em ordem a ter-se como assente quanto consta das alíneas B), C) e D) dos factos não provados, sustentando terem ainda resultado provados os factos por si alegados nos artigos 27º, 28º, 30º, 31º, 33º, 34º, 37º, 38º, 39º, 41º, 43º, 44º, 45º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 58º, 59º, 60º, 61º, 63º, 64º, 66º, 67º, 68º e 69º da resposta.
Considerando que os factos alegados nos artigos indicados estão incluídos nas alíneas B), C) e D) dos factos não provados, está em causa a seguinte factualidade:
“B. Os RR. não pagaram as rendas mensais referentes ao contrato mencionado em 1), a partir do mês de Abril de 2024, ficando em dívida as rendas até ao mês de Dezembro de 2024;
C. Os pagamentos das rendas referidos em 4), respeitam às rendas dos seguintes meses que os RR. tinham em atraso:
da alínea a) ao mês de Novembro de 2021;
da alínea b) ao mês de Dezembro de 2021;
da alínea c) ao mês de Janeiro de 2022;
da alínea d) ao mês de Fevereiro de 2022;
da alínea e) ao mês de Março de 2022;
da alínea f) ao mês de Abril de 2022;
da alínea g) ao mês de Maio de 2022;
da alínea h) ao mês de Junho de 2022;
da alínea i) aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2022;
da alínea j) ao mês de Outubro de 2022;
da alínea l) ao mês de Novembro de 2022;
da alínea m) ao mês de Dezembro de 2022;
da alínea n) ao mês de Janeiro de 2023.
D. Os pagamentos das rendas referidos em 5), respeitam às rendas dos seguintes meses que os RR. tinham em atraso:
- da alínea a) ao mês de Fevereiro de 2023;
- da alínea b) ao mês de Março de 2023;
- da alínea c) ao mês de Abril de 2023;
- da alínea d) ao mês de Maio de 2023;
- da alínea e) ao mês de Julho de 2023;
- da alínea f) ao mês de Agosto de 2023;
- da alínea g) ao mês de Setembro de 2023;
- da alínea h) ao mês de Outubro de 2023;
- da alínea i) ao mês de Novembro de 2023;
- da alínea j) ao mês de Dezembro de 2023;
- da alínea l) ao mês de Janeiro de 2024;
- da alínea m) ao mês de Fevereiro de 2024;
- da alínea n) ao mês de Março de 2024.
Defendem os apelantes que a transcrita factualidade se encontra demonstrada nos autos porquanto, acordando AA. e RR. que o pagamento das rendas era por estes efetuado mediante depósitos na conta bancária pelos primeiros titulada no (…) Banco, tal resulta da conjugação dos extratos bancários com os recibos emitidos, os quais não foram objeto de impugnação por banda dos apelados, que não invocaram a falsidade dos mesmos, a impor que lhes seja atribuído o valor probatório fixado nos artigos 376.º e 360.º do CC. Deste modo, concluem, “por força do princípio da indivisibilidade da confissão corporizada em documento particular não impugnado” e demais prova produzida nos autos, designadamente, do “teor dos articulados, declarações de parte dos AA. e depoimento de parte prestado pelo R. marido”, apreciada no seu conjunto e à luz das regras da experiência”, deve a factualidade impugnada ser, toda ela, julgada provada.
Antes de mais, tenha-se presente que a resolução do contrato teve lugar extrajudicialmente com fundamento na falta de pagamento, à data da notificação extrajudicial, das rendas relativas aos meses de Maio de 2023 (vencida em 1 de Abril) a Abril de 2024 (vencida em Março desse ano), que os RR. alegaram ter pago, sendo essa, pois, a factualidade essencial à decisão, tanto mais que, sendo inquestionável que se manteve para estes, na qualidade de arrendatários, a obrigação de pagar as “rendas” vencidas na pendência da ação (cfr. o n.º 10.º do artigo 15.º da Lei n.º 6/2006), nada foi requerido pelos senhorios, ora apelantes, a este respeito.
Feita tal prévia precisão vejamos, pois, se é de atender aos fundamentos invocados pelos apelantes em ordem a obter a pretendida alteração da decisão proferida sobre os factos.
Os recorrentes insistem dever ser reconhecido valor probatório pleno aos recibos emitidos, tanto mais que, argumentam, deles resulta terem sido recebidas quantias superiores aos depósitos identificados pelos RR.. Estando deste modo em causa uma confissão, por aplicação do princípio da incindibilidade da declaração confessória, terá de se ter igualmente como assente que os montantes recebidos se destinaram a pagar as rendas nos recibos mencionadas e há muito vencidas. Outro tanto, dizem, resulta dos articulados e das declarações prestadas pelos apelantes, impondo-se ainda considerar que também o R., no depoimento prestado, admitiu a existências de atrasos no pagamento das rendas.
Não cremos, porém, que lhes assista razão. Vejamos porquê.
Antes de mais, conforme considerou o STJ em acórdão de 20-06-2023 (processo n.º 1631/13.4TBVCT-D.G1.S1, acessível, como os demais citados, em www.dgsi.pt) o pagamento das rendas pode ser provado por qualquer meio, designadamente, pela prova de depósitos em contas devidamente identificadas como sendo tituladas pelo senhorio. Sem embargo, estando os senhorios sujeitos à obrigação de emissão de recibos eletrónicos, nos termos regulados pela Portaria n.º 98-A/2015, de 31 de Março (alterada pela Portaria n.º 156/2018, de 29 de Maio), tal emissão faz prova do recebimento das quantias declaradas e do cumprimento das correspondentes obrigações fiscais.
Por outro lado, na medida em que está em causa um documento particular, sendo preenchido pelo senhorio, gozará, em princípio, de força probatória plena quanto à materialidade das declarações atribuída ao seu autor, se apresentadas em juízo contra este e na medida em que lhe sejam prejudiciais, nos termos do artigo 376.º, n.º 1, do CC, sendo no entanto a declaração indivisível “nos termos prescritos para a prova por confissão” (cfr. o segmento final do n.º 2 do preceito). Todavia, não foi exatamente assim que as coisas se passaram no âmbito dos presentes autos, desde logo porque, face à alegação dos RR de que, apesar de para tanto interpelados, os AA., seus senhorios, não tinham procedido à emissão e entrega dos recibos, foram estes que trouxeram tais documentos aos autos. E se ficou deste modo comprovada a emissão, já não que deles tenha sido feita entrega aos arrendatários – tal como, de resto, também não ficou provado o contrário (cfr. o facto especificado em E) dos factos não provados, que se reporta apenas à emissão). A este propósito, parece pertinente observar que, apesar do artigo 7.º da acima citada portaria prescrever que os recibos de renda emitidos ficam disponíveis para consulta no Portal das Finanças, mediante autenticação individual, pelos emitentes, titulares dos rendimentos, e também pelas entidades obrigadas ao pagamento, durante o período de 4 anos, sendo disponibilizada para consulta imediata quando respeitante aos últimos dois anos e sendo, nos restantes casos, disponibilizada a pedido do interessado, através do Portal das Finanças (cfr. n.ºs 1 e 2), nem por isso deixou de se prever no n.º 3 do artigo precedente, que o recibo é emitido em duplicado, “destinando-se o original a dar quitação das rendas recebidas da contraparte, ficando o duplicado para o emitente”. Daí que não subscrevamos o argumento do Sr. Juiz a quo no sentido de que a consulta do recibo no Portal das Finanças dispensa a entrega do recibo ao inquilino, entrega que entendemos dever ser feita, recaindo sobre o senhorio o ónus da prova respetiva.
No caso em apreço, não se encontrando demonstrado nos autos que os recibos emitidos pelos AA. tenham sido entregues aos RR. aquando da sua emissão, certo é, porém, que, ainda a terem sido, não se vê modo destes impugnarem junto da AT a veracidade das menções neles apostas quanto aos meses a que as quantias recebidas eram imputadas. Diferentemente, quando confrontados com os documentos na presente ação, e ainda que não tenham suscitado a falsidade dos mesmos, ou seja, aceitando que os AA. os tinham emitido, não deixaram os RR. de aqui impugnar o respetivo conteúdo no que respeita à referência que neles foi feita de os montantes recebidos terem sido afetados ao pagamento de rendas há muito vencidas, uma vez que alegaram ter pago de forma regular as referentes aos anos de 2023 e 2024. Por último, e decisivamente, não poderá ser dado como assente quanto consta dos aludidos recibos, na medida em que os próprios AA. reconheceram a existência de erros na contabilização das quantias recebidas, ora por terem considerado em benefício dos RR. valores que, dizem, vieram posteriormente a descobrir terem sido depositados por um seu familiar na conta bancária por estes últimos utilizada, ora negando ter recebido quantias que os demandados demonstraram ter efetivamente depositado (cfr. o teor da conclusão 44.ª), para lá de outras e decisivas discrepâncias a que infra nos referiremos.
Decorre do exposto que os recibos eletrónicos juntos aos autos, não tendo sido assinados pelos RR. e na ausência de prova de que lhes foram presentes, têm o valor que lhes é fixado pelo n.º 4 do artigo 358.º do CC, sendo livremente apreciados pelo tribunal.
Os apelantes defendem ainda que, tendo confessado nos articulados terem recebido quantias superiores às indicadas pelos RR., o que configura o reconhecimento de um facto que lhes é desfavorável, pelo mesmo princípio da indivisibilidade da declaração confessória terá de se ter por plenamente provado que as quantias recebidas serviram para pagar rendas em atraso, nos termos que indicaram e ficaram a constar dos recibos emitidos. Será assim?
Aceitando-se sem controvérsia que o reconhecimento do facto de terem recebido quantias não mencionadas pelos RR. tem natureza confessória nos termos dos artigos 352.º, 356.º e 358.º, n.º 1, do CC, importa atentar no teor do artigo 360.º, nos termos do qual “Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narrativa de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão”.
A solução legal compreende-se e justifica-se na medida em que “Se a declaração confessória é especialmente valorizada pelas grandes probabilidades que tem de ser verdadeira ou exacta uma afirmação contrária aos interesses da própria parte, não faria sentido, nem seria justo, que este crédito de sinceridade concedido ao declarante não acompanhasse a parte restante da sua declaração. Não seria justo, noutros termos, que a parte contrária pudesse sacar em seu proveito a presunção de seriedade do confitente que a lei estabelece, e a repudiasse ao mesmo tempo na parte em que a declaração contraria os seus interesses”[4].
Todavia, diversa é a situação se a parte contrária, pretendendo prevalecer-se da veracidade da declaração confessória, chama a si o encargo de demonstrar que ela não é exacta na parte favorável aos interesses do declarante”[5].
Com efeito, e conforme com detalhe se explica no acórdão do STJ de 9/10/2014[6], nos casos de confissão dita complexa – aquela que, contendo afirmação de factos desfavoráveis ao declarante, mas também de factos que lhe são favoráveis, só em parte é confessória, sendo na outra parte assertória – “entende-se que a contraparte que se queira aproveitar da parte da declaração que lhe é favorável deve igualmente aceitar a realidade dos factos que lhe são desfavoráveis”, ali se acrescentando que “Sendo certo que, ao contrário da confissão simples, tal declaração complexa só faz prova depois da parte se pronunciar, produzindo-se, assim, diferidamente o efeito da confissão, com a aceitação da parte contrária ou perante o seu silêncio. Três vias sendo permitidas à parte contrária (à do confitente): (i) prescindir da confissão, não tendo a mesma a eficácia da prova plena, mas apenas como meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (artigo 361.º); (ii) aceitar como tendo-se verificado os factos e as circunstâncias que lhe são desfavoráveis, ganhando, então, a confissão a eficácia de prova plena; (iii) declarar que se quer aproveitar da confissão, mas que se reserva o direito de provar a inexactidão dos factos que lhe são desfavoráveis, caso em que a confissão adquire também a eficácia da prova plena, mas a realidade de tais factos ou circunstâncias que a ela, parte contrária, são desfavoráveis, só ficará completamente estabelecida se não fizer a prova do contrário. Dando-se, assim, a inversão do ónus da prova que passa a caber à contraparte.
A indivisibilidade da confissão complexa tem, assim, bem vistas as coisas, como consequência, a inversão do ónus da prova quanto à parte favorável ao confitente”.
De volta ao caso dos autos, verifica-se que os RR., não só não declararam em parte alguma aceitar a alegada confissão dos AA., como fizeram juntar ao processo documentos comprovativos de terem efetuado diversos depósitos nos referidos anos de 2021 e 2022, em ordem a comprovar que, ao invés do que por aqueles havia sido invocado, não se encontravam tais rendas em dívida. O que, como vimos, motivou a apresentação pelos apelantes dos documentos agora admitidos, visando comprovar que em Janeiro de 2017 fora recebida a renda relativa ao mês de Fevereiro de 2016, atraso que nunca foi pelos RR. recuperado.
Pois bem, analisados os documentos em causa, e sendo incontornável que deles resulta um padrão de atraso no pagamento das rendas por banda dos RR., já não resultou demonstrado que tivessem feito entrega apenas dos valores que os AA. indicam nas tabelas que acompanharam os extratos bancários oferecidos. Com efeito, sendo os RR. os únicos, ao que resulta dos aludidos extratos, que efetuavam depósito em numerário – outros arrendatários efetuavam transferências que, a partir de Abril de 2019, surgem com a identificação dos ordenantes – verifica-se que os AA. indicam ter sido recebida em 7 de Julho de 2017 a quantia de € 520,00, proveniente do depósito de € 250,00 + € 270,00 em numerário. No entanto, identificando-se movimentos idênticos nos meses de Março, Abril, Maio, Agosto, Setembro e Outubro desse mesmo ano, nenhum deles foi creditado em favor dos RR., sendo igualmente ignorado um deposito em numerário no valor de € 220,00 efetuado em 8 de Novembro, sem que os apelantes tenham fornecido qualquer justificação para a dualidade de critérios adotados.
No que se reporta ao ano de 2018, não foram considerados depósitos no valor de € 520,00 efetuados em 8 e 12 de Janeiro (€ 270,00 + € 250,00); 8 de Fevereiro (€ 270,00 + € 250,00); 8 de Março (€ 270,00 + € 250,00), ainda que se tenha considerado um outro, no valor de € 520,00 efetuado na mesma data; 10 e 19 de Abril (€ 250,00 + € 270,00); 9 de Maio, considerando-se todavia um depósito no valor de € 520,00 efetuado nesta mesma data; e 9 de Julho (€ 270,00 + € 250,00). Foram, no entanto, considerados em 9 de Agosto dois depósitos no valor global de € 520,00 (€ 270,00 + € 250,00), mas desconsiderado um depósito em numerário no valor de € 250,00 com data de 10 de Setembro; considerou-se um depósito no valor de € 520,00 efetuado em 23 de Outubro, mas foram ignorados depósitos em numerário no mesmo valor global efetuados em 9 e 10 desse mês (€ 270,00 + € 250,00), tal como um outro, no valor de € 250,00 efetuado em 8 de Novembro, e ainda um último, no valor de € 190,00, efetuado em 7 de Dezembro.
No que respeita ao ano de 2019, analisados os extratos correspondentes, avulta a desconsideração de um depósito em numerário no valor de € 1.250,00 efetuado no dia 2 de Agosto, tal como não foram considerados os efetuados em 8 de Janeiro, no valor de € 250,00; 5 de Fevereiro, no montante de € 250,00; 29 de Abril, no valor de € 350,00, assinalando-se por fim que no ano de 2020 foram pagas exatamente 12 rendas (com um excesso de € 10,00 em relação ao valor devido).
Tendo em mente tais elementos, pretendendo os apelantes com eles fazer prova de que cada um dos recibos emitidos mencionava corretamente a renda a que respeitava – do que resultava a existência de atrasos nunca recuperados pelos RR. – a verdade é que os documentos oferecidos não permitem, de modo nenhum, tal conclusão; ao invés, convenceu-se este Tribunal que os AA. não levaram a crédito dos RR. todas as quantias deles recebidas, não tendo oferecido qualquer explicação para que depósitos de valores idênticos fossem considerados em alguns meses e desconsiderados noutros, desqualificando a contabilização das quantias recebidas que consta das tabelas elaboradas.
Cabe ainda referir que da audição das declarações de parte dos AA. e depoimento do R. nada resultou que permitisse confirmar a versão que aqueles trouxeram a juízo, não sendo bastante o reconhecimento feito por este último de se terem registado atrasos no pagamento das rendas, quando declarou igualmente que tudo foi regularizado.
Em suma, porque a prova produzida e a agora admitida não permitem que se conclua em sentido diverso, na total improcedência da impugnação deduzida, mantém-se a decisão proferida quanto à matéria de facto.
* II. Fundamentação De facto
É a seguinte a factualidade a atender, com relevância para a decisão:
1. O A. (…), na qualidade de senhorio, e o R. (…), na qualidade de arrendatário, celebraram e assinaram um acordo escrito, intitulado “Contrato de arrendamento para habitação em período limitado de 5 anos”, datado de 26 de Março de 1994, junto aos autos de fls. 187 e 188, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, através do qual o A. arrendou ao R. a fracção autónoma designada pela letra “D”, do prédio urbano sito na Rua (…), n.º 2, em (…), Fátima, Ourém, correspondente ao 1º andar esquerdo, destinado a habitação, com a área de 95 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º (…), da freguesia de (…).
2. Do contrato referido em 1) consta, designadamente, que o locado teria como destino a habitação, seria efetuado pelo prazo de 5 anos, a renda corresponderia à quantia mensal de Esc. 40.000$00, a pagar no 1º dia útil do mês anterior àquele a que a renda dissesse respeito.
3. Após sucessivas atualizações, a renda mensal atual referente ao contrato de arrendamento mencionado em 1) é de 270,00 euros.
4. No ano de 2023, foram efetuados os seguintes pagamentos pelos RR. aos AA. referentes às rendas do contrato de arrendamento referido em 1):
a) Em 30-01-2023 a quantia de 270 euros;
b) Em 27-02-2023 a quantia de 270 euros;
c) Em 31-03-2023 a quantia de 270 euros;
d) Em 28-04-2023 a quantia de 270 euros;
e) Em 30-05-2023 a quantia de 270 euros;
f) Em 30-06-2023 a quantia de 270 euros;
g) Em 02-08-2023 a quantia de 270 euros;
h) Em 28-08-2023 a quantia de 270 euros;
i) Em 11-09-2023 a quantia de 900 euros;
j) Em 29-09-2023 a quantia de 270 euros;
k) Em 31-10-2023 a quantia de 270 euros;
l) Em 27-11-2023 a quantia de 270 euros;
m) Em 29-12-2023 a quantia de 270 euros.
5. No ano de 2024 foram efetuados pelos RR. os seguintes pagamentos aos AA. referentes às rendas do contrato de arrendamento referido em 1):
a) Em 29-01-2024 a quantia de 270 euros;
b) Em 26-02-2024 a quantia de 260 euros;
c) Em 11-03-2024 a quantia de 270 euros;
d) Em 01-04-2024 a quantia de 270 euros;
e) Em 30-04-2024 a quantia de 270 euros;
f) Em 29-05-2024 a quantia de 270 euros;
g) Em 28-06-2024 a quantia de 260 euros;
h) Em 01-08-2024 a quantia de 280 euros;
i) Em 30-08-2024 a quantia de 280 euros;
j) Em 27-09-2024 a quantia de 270 euros;
k) Em 31-10-2024 a quantia de 270 euros;
l) Em 29-11-2024 a quantia de 270 euros;
m) Em 26-12-2024 a quantia de 270 euros.
6. Nos anos de 2023 e 2024, os AA. emitiram os recibos de rendas no portal das finanças, ficando registados nessa página da internet.
*
Não se provou que:
a) Os RR. realizaram igualmente os seguintes pagamentos aos AA. referentes a rendas respeitantes ao contrato de arrendamento mencionado em 1):
- Em 11-04-2023 a quantia de 270 euros;
- Em 31-07-2024 a quantia de 100 euros.
b) Os RR. não pagaram as rendas mensais referentes ao contrato mencionado em 1) a partir do mês de Abril de 2024, ficando em dívida as rendas até ao mês de Dezembro de 2024.
c) Os pagamentos das rendas referidos em 4) respeitam às rendas dos seguintes meses que os RR. tinham em atraso:
- Da alínea a) ao mês de Novembro de 2021;
- Da alínea b) ao mês de Dezembro de 2021;
- Da alínea c) ao mês de Janeiro de 2022;
- Da alínea d) ao mês de Fevereiro de 2022;
- Da alínea e) ao mês de Março de 2022;
- Da alínea f) ao mês de Abril de 2022;
- Da alínea g) ao mês de Maio de 2022;
- Da alínea h) ao mês de Junho de 2022;
- Da alínea i) aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2022;
- Da alínea j) ao mês de Outubro de 2022;
- Da alínea k) ao mês de Novembro de 2022;
- Da alínea l) ao mês de Dezembro de 2022;
- Da alínea m) ao mês de Janeiro de 2023.
d) Os pagamentos das rendas referidos em 5), respeitam às rendas dos seguintes meses que os RR. tinham em atraso:
- Da alínea a) ao mês de Fevereiro de 2023;
- Da alínea b) ao mês de Março de 2023;
- Da alínea c) ao mês de Abril de 2023;
- Da alínea d) ao mês de Maio de 2023;
- Da alínea e) ao mês de Julho de 2023;
- Da alínea f) ao mês de Agosto de 2023;
- Da alínea g) ao mês de Setembro de 2023;
- Da alínea h) ao mês de Outubro de 2023;
- Da alínea i) ao mês de Novembro de 2023;
- Da alínea j) ao mês de Dezembro de 2023;
- Da alínea k) ao mês de Janeiro de 2024;
- Da alínea l) ao mês de Fevereiro de 2024;
- Da alínea m) ao mês de Março de 2024.
e) Os RR. têm solicitado reiteradamente aos AA. a emissão dos recibos comprovativos dos pagamentos das rendas por si efetuados, tendo-se os AA. recusado sistematicamente a passar esses recibos.
* De Direito Do fundamento resolutivo
Os AA. e agora apelantes instauraram contra os RR. o presente procedimento especial de despejo, previsto no artigo 15.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, visando a obtenção de título que lhes permitisse a entrega coerciva do locado, uma vez que, tendo procedido à resolução extrajudicial do contrato de arrendamento, os arrendatários se mantiveram no imóvel. Tendo os RR. contestado a existência do invocado fundamento resolutivo, alegando terem procedido ao pagamento das rendas, cumpre indagar se lograram fazer a prova respetiva, uma vez que, competindo embora aos AA. senhorios a alegação da falta de pagamento das rendas, sobre os arrendatários recai o ónus da prova do facto excetivo pagamento (cfr., neste sentido e por todos, o acórdão do TRL de 26 de Maio de 2022, processo n.º 11093/20.4T8LSB.L1-2, no qual se afirma que “O facto do não pagamento de rendas, também invocado como fundamento de resolução do contrato de arrendamento (cfr. artigo 1083.º, n.º 3, do CC), não carece de ser provado pelo autor, senhorio, cabendo, ao invés, à ré arrendatária o ónus de alegar e provar o facto do pagamento ou outra matéria relevante para o caso, como seja a atinente à mora do credor (cfr. artigo 342.º do CC)”.
Resulta do disposto no artigo 1079.º do Código Civil (diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem) que o contrato de arrendamento urbano cessa, dentre as demais causas ali elencadas, pela resolução.
Constituindo o pontual pagamento das rendas a obrigação essencial a que, pela celebração do contrato e como contrapartida do gozo do locado, o arrendatário fica vinculado – cfr. artigo 1038.º, alínea a) – a sua violação constitui, sem surpresa, fundamento resolutivo, concedendo ao senhorio o direito potestativo a resolver o contrato quando “ocorra mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública” ou ainda quando o arrendatário “se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato” (artigo 1083.º, n.ºs 3 e 4). A resolução pode ser efetivada judicial ou, como ocorreu no caso vertente, extrajudicialmente, nos termos dos artigos 1080.º, 1084.º, n.ºs 1 e 2, e ainda artigos 14.º e 15º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. Em todo o caso, procedendo os senhorios à resolução extrajudicial do contrato, nem por isso deixa o invocado fundamento resolutivo de estar sujeito ao escrutínio judicial sempre que, instaurado o subsequente PED, os arrendatários deduzam oposição.
De volta ao caso dos autos, invocaram os senhorios como fundamento resolutivo a falta de pagamento das rendas por período superior a 3 meses, estando em dívida, segundo o então alegado, as rendas vencidas referentes aos meses de Maio de 2023 a Abril de 2024, num total de 12.
Resultou provado, com relevância para a decisão da questão que nos ocupa, terem as partes convencionado, no que respeita à obrigação de pagamento da renda, que a mesma se vencia no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitasse (a regra do artigo 1039.º tem, como dela resulta claramente, natureza supletiva), daí decorrendo que a falta de pagamento no modo e momento contratualmente fixados faz incorrer o arrendatário em mora.
Preceitua o artigo 1041.º, justamente epigrafado de “mora do locatário”, que: “1. Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. 2. Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo.”
Vista a matéria de facto apurada, evidenciada fica a existência de um padrão de atraso no pagamento das rendas por parte dos RR., sem que alguma vez tenham indemnizado os AA., senhorios, pela mora. Todavia, o fundamento resolutivo invocado não foi este atraso recorrente, desde há muito tolerado pelos apelantes – impondo a lei muito justamente o anúncio, por banda do senhorio, da sua intenção de resolver o contrato, verificado que seja o terceiro atraso (cfr. o n.º 6 do artigo 1083.º) –, mas antes a falta de pagamento das rendas por período (muito) superior a três meses. Ocorre, porém, que, conforme resulta igualmente dos factos assentes, ainda que não tenham procedido ao pagamento pontual das rendas, os RR liquidaram todas as que se venceram nos anos de 2023 e 2024, não tendo resultado provada a pelos AA invocada existência de dívida antiga, a justificar a imputação dos montantes recebidos ao pagamento das rendas relativas a anos anteriores, há muito vencidas, em conformidade com a regra supletiva estabelecida no artigo 784.º, n.º 1, que pretendiam aplicável, dada a ausência de designação pelos devedores (cfr. o artigo 783.º, n.º 1).
Deste modo, demonstrado pelos RR. o pagamento das rendas relativas aos meses de maio de 2023 a abril de 2024, o qual teve lugar em data anterior à notificação extrajudicial, não se verificava mora relevante que permitisse aos AA. resolver, com tal fundamento, o contrato celebrado, resolução que não pode assim ter-se como eficaz. Tal como foi decidido pela 1ª instância e aqui se confirma, mantendo-se em vigor o contrato de arrendamento celebrado entre as partes.
Identicamente, tendo-se por assente que as rendas alegadamente em dívida se encontram pagas, improcedente o pedido de condenação dos RR. no pagamento da quantia peticionada.
* III. Decisão Acordam as juízas da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em: a) julgar procedente o recurso interposto do despacho proferida na audiência, que não admitiu os documentos cuja junção foi requerida pelos AA. apelantes por requerimento de 14 de Julho, os quais vão admitidos; b) julgar improcedente o recurso interposto da sentença final, a qual vai confirmada.
Custas do recurso da decisão interlocutória a cargo dos RR., que decaíram, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhes foi oportunamente concedido, recaindo sobre os AA. apelantes as custas do recurso que incidiu sobre a sentença final (artigo 523.º, n.ºs 1 e 2, do CPCiv.).
* Sumário: (…)
Évora, 27 de Novembro de 2025
Maria Domingas Simões
Maria Isabel Calheiros
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
__________________________________________________
[1] Relatora: Maria Domingas Simões;
1.ª Adjunta: Sra. Juíza Desembargadora Maria Isabel Calheiros;
2.ª Adjunta: Sra. Juíza Desembargadora Isabel Imaginário.
[2] É evidente o lapso de escrita, reportando-se o Sr. Juiz aos Autores.
[3] “Comentários ao Código de processo Civil”, vol. I, 2.ª edição, págs. 252-253.
[4] Professores Pires de Lima e A. Varela, CC Anotado, vol. I, comentário ao artigo 360.º em referência.
[5] Ibidem.
[6] Processo n.º 311/11.0TCFUN.L1.S1, em www.dgsi.pt. Nesse preciso sentido, acórdão do mesmo STJ de 21/11/2019, processo n.º 6354/05.5 TVLSB.L1.S1, acessível no mesmo sítio.