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TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
DISPENSA
OPORTUNIDADE DA DECISÃO
Sumário
1. A ponderação exigida pelo legislador ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, em que pontuam como critérios de decisão a complexidade da causa e a conduta processual das partes, exige um juízo global que apenas poderá ser efetuado, com propriedade, com a decisão final da ação, e não, conjunturalmente, em cada um dos graus de jurisdição que a ação vai atravessando até atingir o seu termo. 2. Nessa medida, é prematura a decisão proferida em 1ª instância, que o foi já na perspetiva de um recurso a interpor da sentença, na qual se dispensou parcialmente o pagamento do referido remanescente da taxa de justiça. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 1288/21.9T8STR-E.E1 Forma processual - ação comum Tribunal Recorrido – Juízo de Comércio de Santarém, Juiz 1 Recorrente(s) – Endesa Generácion, S.A. Recorrido(a)(s) – Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Elétrica, S.A.
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Acordam os Juízes Desembargadores da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Relatório
I. Identificação das partes e decisão recorrida.
Na ação declarativa, sob a forma comum de processo, que Endesa Generácion, S.A. intentou contra Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, S.A.após a prolação de sentença em 4 de julho de 2024, a Autora apresentou, em 3 de setembro seguinte, requerimento no qual declarou que “sem prescindir do direito de interpor recurso daquela decisão”, requeria, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente devida na ação.
A esse requerimento respondeu a Ré afirmando ser prematuro pronunciar-se sobre a pretensão, reservando-se o direito de o fazer “quando a composição dos presentes autos se encontrar devidamente concluída, pois apenas nesse momento as Partes e o Tribunal terão visibilidade completa sobre os fatores legalmente relevados para efeitos de apreciação de um pedido de dispensa do remanescente.”
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Sobre o requerido recaiu, em 10 de abril de 2025, despacho em cujo trecho decisório se exarou:
“Em face do exposto, e considerando que a conduta processual não se traduziu em incidentes desproporcionados e/ou anómalos, entendemos que efetivamente, o princípio da proporcionalidade, justifica que se dispense parcialmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final. Entendemos ser proporcional reduzir o valor da taxa de justiça remanescente a 50 % do respetivo valor. Pelo exposto, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, dispenso a A. de proceder ao pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça. Notifique”.
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II. Objeto do recurso.
Não se conformando com essa decisão, a Requerente interpôs o presente recurso, culminando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem: “1. O presente processo inclui, além dos autos principais, três ações apensadas, sendo todas respeitantes à impugnação de deliberações sociais tomadas nos órgãos sociais da Ré. 2. A estas quatro ações foram fixados os seguintes valores da causa: i) EUR 18.800.000 no processo principal, e, ii) EUR 30.000,01, em cada um dos apensos A, B e C. 3. Por sentença de 4 de julho de 2024, o Tribunal a quo declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide relativamente a parte dos pedidos nos autos principais e no Apenso B e julgou improcedentes todos os demais pedidos proferidos nos autos principais e nos Apensos C e D, tendo ainda condenado a Recorrente no pagamento da totalidade das custas. 4. Sem prescindir do direito de recurso da sentença – que veio efetivamente a exercer – a Recorrente, em 3 de setembro de 2024, apresentou um requerimento ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requerendo com os fundamentos aí detalhados, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no processo principal. 5. Por despacho de 10 de abril de 2025, o Tribunal a quo dispensou a Recorrente do pagamento de apenas 50% do remanescente da taxa de justiça, sendo precisamente este o objeto do presente recurso. 6. Com efeito, só na ação principal e mesmo com a redução em 50% do valor do remanescente da taxa de justiça incumbirá à Recorrente, pagar os valores de i) EUR 226.746 a título de taxa de justiça remanescente, para além das taxas de justiça já pagas no valor de EUR 3.264 e ii) EUR 115.005, correspondente a 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, nos termos da alínea c) do citado artigo 26.º. 7. Ou seja, para além das custas das 3 ações apensas (superiores a EUR 10.000), a Recorrente seria chamada a pagar mais de EUR 341.000 a título de custas (taxas de justiça + custas de parte) do processo principal. 8. Afigura-se à Recorrente que decisão recorrida viola os n.ºs 1 e 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais e os princípios fundamentais da proporcionalidade, razoabilidade, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e da equivalência jurídica (n.º 2 do artigo 18.º, artigo 266.º e o n.º do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), além de não refletir devidamente a conduta processual da Recorrente, que foi expressamente reconhecida como colaborante pelo Tribunal a quo. 9. Desde logo, o processo não tem a complexidade que lhe foi apontada no despacho recorrido, pelo menos ao ponto de sujeitar a Recorrente ao pagamento de custas processuais de centenas de milhares de euros. 10. Em primeiro lugar, importa esclarecer que embora existam 3 ações apensas à ação principal, cada um dos apensos tem valores da causa próprios, o que significa que, para além de manterem a sua autonomia processual com uma tributação própria, os mesmos não podem ser considerados em conjunto na ponderação da dispensa do remanescente da taxa de justiça, até porque existem contas de custas e valores distintos, a pagar em cada um deles. 11. Em segundo lugar, e no que se refere à ação principal, o pedido que levou à fixação do valor da causa em EUR 18.800.000, refere-se à anulação de uma deliberação social respeitante à distribuição de reservas, cujo mérito não chegou a ser apreciado por inutilidade superveniente da lide, sendo por isso, extremamente excessivo exigir-se da Recorrente o pagamento de cerca EUR 341.000. 12. Em terceiro lugar, está em causa uma ação de anulação de deliberações sociais, sendo todos os seus pedidos de cariz puramente societário regulados no Código das Sociedades Comerciais. Ora, cabendo ao Tribunal a quo, enquanto juízo de comércio com competência especializada e limitada a um leque fechado de matérias comerciais e societárias, preparar e julgar estas ações, verifica-se que o mesmo está necessariamente muito familiarizado com os temas sub judice. 13. Em quarto lugar, se é certo que se realizaram 9 sessões de julgamento, as mesmas decorreram sempre e apenas em metade do dia, por constrangimentos logísticos do Tribunal, que se não existissem, teriam permitido concluir o julgamento em 4 dias ou até menos. 14. Em quinto lugar, a Recorrente, apresentou apenas 4 testemunhas, tendo prescindido das restantes no sentido de contribuir para o encurtamento das sessões de julgamento e para a eficiência processual. 15. Por último, com o intuito de abreviar a produção de prova, a Recorrente, apresentou também, em 22.02.2024 um requerimento com a Ref.ª Citius 10437034, no qual confessou um número significativo de factos articulados na Contestação, tudo com vista a uma tramitação mais célere e eficiente da causa, contribuindo, assim, para a simplificação e redução da duração da fase instrutória. 16. Acresce que, no caso vertente e conforme expressamente reconhecido no despacho recorrido, a Recorrente evidenciou, desde o início do processo e de forma consistente, uma atuação pautada pelos princípios da boa-fé e da cooperação processual, não tendo promovido incidentes dilatórios, nem praticado atos processualmente inúteis ou suscetíveis de obstruir ou atrasar a tramitação da causa. 17. mais, para além de, como referido, ter prescindido de testemunhas inicialmente arroladas e ter confessado um número significativo de factos articulados na Contestação, a Recorrente envidou esforços concretos para assegurar a presença física de testemunhas residentes no estrangeiro, tendo diligenciado no sentido da sua comparência em juízo e procedido, quando necessário, à disponibilização de intérprete, diligências estas que garantiram celeridade na produção da prova testemunhal, sem ónus acrescidos para o Tribunal. 18. Acresce ainda que a imposição à Recorrente do pagamento em 50% do remanescente da taxa de justiça, no valor de EUR 226.746 a que acrescerá a quantia de EUR 115.005 a título de custas de parte não se justifica, não só devido à conduta colaborativa das partes e às matérias em discussão, mas também porque este valor não corresponde à efetiva prestação dos serviços do Tribunal que o justifiquem, ainda para mais, numa ação em que o mérito do pedido principal, e com base no qual se fixou o valor da causa, não chegou a ser apreciado por inutilidade superveniente. 19. Aliás, tal condenação da Recorrente é, além do mais contrária aos princípios de proporcionalidade, da razoabilidade, da adequação subjacentes ao regime de dispensa de remanescente da taxa de justiça. 20. Note-se que a taxa de justiça tem por base uma relação sinalagmática entre o benefício recebido (in casu, o serviço prestado pelo Tribunal a quo) e a quantia a pagar, que apesar de não ter de implicar uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não pode levar a uma desproporção de tal modo elevado, sob pena de se transformar num imposto, devendo aplicar-se em conformidade com o princípio da equivalência jurídica, que decorre do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição. 21. Termos em que, deve o despacho de 10 de abril de 2025 ser revogado na parte em que apenas reduz em 50% o valor do remanescente da taxa de justiça, devendo, em consequência, ser a Recorrente dispensada do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, assim se fazendo JUSTIÇA!”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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III. Questão a solucionar
São duas as questões a solucionar neste acórdão, pela ordem que se enuncia:
a) Em primeiro lugar haverá que estabelecer qual é o momento processual para decidir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida;
b) Caso se conclua que já se verificou aquele momento processual, importará saber se a Recorrente deve ser dispensada, por inteiro, do pagamento do remanescente da taxa de justiça devido na ação.
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Fundamentação
I. Factos provados
Com interesse para a decisão do recurso, resultam demonstrados documentalmente (a partir do processado da ação) os seguintes factos:
a) A petição inicial da ação deu entrada no Tribunal em 14 de maio de 2021, sendo a sua parte narrativa constituída por 343 artigos e vindo instruída com 48 documentos.
b) Na parte conclusiva da mesma peça, a Autora peticionou o seguinte:
“1. Que seja judicialmente declarado que o objecto social da Ré é a exploração da central de produção de electricidade a partir do carvão, situada no Pego; 2. Que seja judicialmente declarado que os actos praticados pela administração da Ré com o objectivo de implementar a produção de energia eléctrica a partir de outra fonte que não o carvão são inválidos ou, pelo menos, ineficazes; 3. Que seja judicialmente declarado que com o fim do contrato de aquisição de energia e a extinção da licença de produção, em 30.11.2021, e na ausência de acordo dos sócios quanto a uma nova actividade da Ré, a mesma dissolver-se-á automaticamente, pela realização completa do objecto contratual, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais; 4. Declarar-se nula, ou, subsidiariamente, anular-se a deliberação aprovada no ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.4.2021 no sentido de ser distribuído o valor de € 20.000.000,00 a título de reservas distribuíveis, em vez do valor de € 38.800.000,00 proposto pela Autora, declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis e condenando-se a Ré a distribuir aos accionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis. Subsidiariamente, - declarar-se nulos os votos emitidos pelas sociedades TrustEnergy B.V., TrustEnergy, S.A. e (…) contra a proposta de distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis, do ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.4.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou, ainda subsidiariamente, declarar-se nula ou (subsidiariamente) anular-se a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 2 da Assembleia Geral da Ré declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis, - e condenar-se a Ré a distribuir aos accionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis. 5. Declarar-se nulos os votos emitidos pelas accionistas TrustEnergy B.V., Trustenergy, S.A. e (…) contra a proposta de dissolução da Ré, constante do ponto 3 da Assembleia Geral da Ré de 23.4.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou, subsidiariamente, declarar-se nula ou (subsidiariamente) anular-se a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 3 da Assembleia Geral da Ré, declarando-se deliberada a dissolução da Ré. 6. Complementarmente, deve ser determinada a alteração da matrícula da Ré no sentido de dela passar a constar que o seu objecto é, como referido, a exploração de uma central de produção de electricidade a partir do carvão, situada no Pego”.
c) A Ré apresentou a sua defesa em peça processual composta por 305 artigos de alegação, a que juntou 56 documentos.
d) Notificada da defesa a Autora apresentou espontaneamente articulado de resposta, no qual incluiu a alegação de factos supervenientes, num total de 85 artigos, juntando mais 19 documentos.
e) A esse articulado a Ré apresentou resposta em 75 artigos, requerendo que se considerasse não escrito parte daquele outro.
f) A Autora respondeu a esse requerimento.
g) Por requerimento de 25 de novembro de 2021 a Autora pediu a apensação de duas outras ações à presente, o que foi indeferido por despacho de 12 de janeiro de 2022, vindo esse despacho a ser revogado por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no apenso A.
h) Nessa sequência, foram apensadas aos autos as ações com os n.ºs 2264/21.7T8STR e 1557/21.8T8STR, que assumiram os apensos com as letras B e C.
i) Foi, bem assim, apensada a ação n.º 524/22.9T8STR que passou a constituir o apenso D.
j) Dispensada a realização de audiência prévia, foram proferidos, em 1 de outubro de 2022, os seguintes despachos:
- fixação dos valores das ações, sendo 18.800.000,00 para a presente e 30.000,01 para os apensos B, C e D.
- despacho saneador que julgou improcedente a exceção de incompetência material suscitada no apenso B e, no mais, válida e regular a instância.
- identificação do objeto do litígio.
- enunciação dos temas da prova.
l) Em 17 de outubro de 2022 a Ré apresentou articulado superveniente, que veio a ser admitido liminarmente.
m) Notificada dos despachos referidos na alínea j) a Autora requereu a realização de audiência prévia para apresentação de reclamação e para alterar o seu requerimento probatório.
n) Por despacho de 28 de setembro de 2023 foram decididas as reclamações contra a enunciação dos temas da prova apresentadas pela Autora, admitidos os requerimentos probatórios e sugeridas datas para a audiência final.
o) A Autora comprometeu-se a apresentar as testemunhas por si arroladas na audiência final, pelo que foram dadas sem efeito as videoconferências agendadas.
p) Em requerimento de 22 de fevereiro de 2024 a Autora veio confessar factos alegados pela Ré.
q) A audiência final realizou-se nos dias 24 de janeiro de 2024, 31 de janeiro de 2024, 7 de fevereiro de 2024, 14 de fevereiro de 2024, 28 de fevereiro de 2024, 7 de março de 2024, 13 de março de 2024, 3 de abril de 2024 e 17 de abril de 2024, com início pelas 13.30 horas e intervenção de intérpretes de línguas estrangeiras.
r) Em 4 de julho de 2025 foi proferida a sentença das ações, de cuja fundamentação de facto resulta a enunciação de 178 factos provados.
s) Do trecho dispositivo da mesma sentença fez-se constar:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
1) Declaro a inutilidade superveniente da lide, julgando extinta a presente instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, quanto aos pedidos deduzidos no processo principal de que: (a) - Seja declarada nula, ou, subsidiariamente, anular-se a deliberação aprovada no ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021 no sentido de ser distribuído o valor de € 20.000.000,00 a título de reservas distribuíveis, em vez do valor de € 38.800.000,00 proposto pela Autora, declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis e condenando-se a Ré a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis. Subsidiariamente; (b) - Declarar-se nulos os votos emitidos pelas sociedades TrustEnergy B.V., TrustEnergy, S.A. e (…) contra a proposta de distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis, do ponto 2 da Assembleia Geral da Ré de 23.04.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou, (c) - Ainda subsidiariamente declarar-se nula ou anular-se a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 2 da Assembleia Geral da Ré declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis, (d) - E condenar-se a Ré a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis.
2) Declaro a inutilidade superveniente da lide, julgando extinta a presente instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, quanto ao pedido deduzido no apenso B de: Declarar-se nula, ou, subsidiariamente, anular-se a deliberação aprovada na sessão de 5.8.2021 da assembleia geral anual da Ré, no ponto 5 da ordem de trabalhos, de redução do conselho de administração a seis membros e eleição dos seis administradores (…), (…), (…), (…), (…) e (…).
3) No mais, julgo totalmente improcedentes os restantes pedidos deduzidos no processo principal e nos apensos C e D, absolvendo-se a R. do peticionado.
4) Condeno a A. no pagamento das custas processuais respeitantes aos apensos C e D – artigo 527.º do CPC.
5) Condeno a A. no pagamento das custas processuais respeitantes ao apenso B – artigo 536.º, n.º 3, do CPC.
6) Condeno a A. no pagamento das custas processuais respeitantes ao processo principal – artigos 527.º e 536.º, n.º 3, do CPC”.
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São do conhecimento deste Tribunal, por força do exercício das respetivas funções, e nessa medida, consideram-se provados, ainda, os seguintes factos (igualmente conhecidos das partes, pelo que, por supérflua, se dispensa a junção do documento que os demonstra, previsto no n.º 2, 2ª parte, do artigo 412.º do Código de Processo Civil):
t) Da sentença final da ação, atrás mencionada, a Autora interpôs recurso para este Tribunal da Relação de Évora, que por acórdão de 30 de outubro de 2025, decidiu: “julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, condenar a R. no pagamento das custas resultantes da decisão que declarou a inutilidade superveniente da lide, julgando extinta a instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, quanto aos pedidos de que: (a) - Seja declarada nula, ou, subsidiariamente, anulada a deliberação aprovada no ponto 2 da Assembleia Geral da R. de 23.04.2021 no sentido de ser distribuído o valor de € 20.000.000,00 a título de reservas distribuíveis, em vez do valor de € 38.800.000,00 proposto pela Autora, declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis e condenando-se a R. a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis. Subsidiariamente, (b) – Sejam declarados nulos os votos emitidos pelas sociedades TrustEnergy B.V., TrustEnergy, S.A. e (…) contra a proposta Assembleia Geral da R. de 23.04.2021, declarando-se que foi aprovada a referida proposta ou, ainda subsidiariamente, (c) seja declarada nula ou anulada a deliberação negativa de recusa da proposta ponto 2 da Assembleia Geral da Ré, declarando-se deliberada a distribuição de € 38.800.000,00 a título de reservas distribuíveis. (d) – seja condenada a Ré a distribuir aos acionistas o referido valor de € 38.800.000,00, a título de reservas distribuíveis. julgar, no mais, improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
u) Esse acórdão foi notificado às partes por ofício certificado na plataforma informática no dia 30 de outubro de 2025.
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II. Aplicação do Direito.
a) Momento processual para a decisão.
No cerne deste recurso está a divergência de entendimentos entre o Tribunal recorrido e a Autora da ação, aqui nas vestes de Recorrente, sobre a dispensa (parcial ou total) do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela parte.
A decisão recorrida dispensou a Recorrente do pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça, exarando, na sua fundamentação, para tanto, o seguinte:
“No caso vertente, estamos perante um processo complexo, com várias ações apensas, e várias sessões de julgamento, demandando do tribunal a apreciação de múltiplas questões jurídicas e a análise de múltiplos documentos e articulados extensos, estando o labor que a presente ação demandou ao tribunal, estamos em crer, espelhado na sentença proferida. É, também, certo que a conduta da A. foi colaborante, no sentido de fazer comparecer presencialmente em julgamento as testemunhas (muitas de nacionalidade espanhola e a residir em Espanha), incluindo a disponibilização de uma tradutora quando tal se afigurou necessário. Tal posição colaborante também resulta do requerimento apresentado pela Autora em 22.02.2024 com a admissão de uma série de factualidade. Em face do exposto, e considerando que a conduta processual não se traduziu em incidentes desproporcionados e/ou anómalos, entendemos que efetivamente, o princípio da proporcionalidade, justifica que se dispense parcialmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final. Entendemos ser proporcional reduzir o valor da taxa de justiça remanescente a 50% do respetivo valor”.
Antes de prosseguir, impõe-se estabelecer que apenas estão em causa neste recurso as características da ação principal que, de acordo com a letra da lei, possam permitir à Recorrente beneficiar da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, assim como também só relevam para as premissas dessa dispensa as taxas de justiça que sejam devidas nesta mesma ação.
As ações apensas sob as letras B, C e D não estão aqui sob cogitação, nem na perspetiva da eventual complexidade que o seu objeto ou tramitação possam apresentar, nem quanto à projeção do que a Recorrente tenha pago ou venha a pagar, a título de taxas de justiça, nas mesmas. Com efeito, além de ações autónomas, que apenas foram reunidas para proporcionar tramitação, julgamento e decisão conjuntos, o respetivo valor não concita o disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
Isto posto, sabe-se que a esta ação foi atribuído, por despacho transitado em julgado, o valor de € 18.800.000,00 (dezoito milhões e oitocentos mil euros) (alínea j) supra).
Dispõe o artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais que “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
O n.º 7 rege sobre as ações de valor superior a 275.000,00 euros, nos seguintes termos: “nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Como resulta dos factos acima consignados, a sentença do Tribunal de 1ª instância não constitui a decisão final da ação, podendo igualmente não a constituir o Acórdão deste Tribunal proferido no dia 30 de outubro último e ainda não transitado em julgado (alíneas t) e u) supra e quanto à recorribilidade, artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Sendo o juízo sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, conforme se extrai do citado n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, função da avaliação da complexidade da causa e da conduta processual das partes no decurso da ação, coloca-se a questão de saber quando deverá o mesmo ser emitido.
Três teses se perfilam na jurisprudência dos Tribunais superiores, a saber: a que entende que não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça emitir pronúncia sobre a questão, devendo esta ser decidida no tribunal onde foi proposta a ação (nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de março de 2021, no processo n.º 939/15.4T8CSC.L1, disponível em www.dgsi.pt); a que considera que o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem competência para a dispensa relativa ao recurso de revista (assim assumindo, segundo se crê, que em cada grau de jurisdição será formulado um juízo parcelar que vale exclusivamente para a atividade processual praticada perante esse concreto Tribunal) (nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de junho de 2020, processo n.º 2142/15.9T8CTB, no mesmo suporte) e finalmente a tese que entende que incumbe ao Tribunal da decisão final da ação, no confronto com todos os atos praticados no processo e a conduta que as partes globalmente assumiram nos autos, emitir esse juízo (quanto às três teses em confronto, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de março de 2022, proferido no proc. n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A. S1, no mesmo suporte, que enveredou, ele mesmo, pela última das doutrinas).
Sobre os fundamentos da primeira tese, lê-se no referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de março de 2021: “A nosso ver, e na senda daquilo que se julga ser a orientação jurisprudencial prevalecente, a aplicação da 2ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP só pode ser sopesada (sem prejuízo, naturalmente, do direito ao recurso, nos termos gerais) pelo tribunal que tenha funcionado como 1ª instância. E isso só pode ter lugar a final, isto é, quando (em caso de recurso) o processo lhe regressar definitivamente. Só nesse momento estará o tribunal na posse de elementos que lhe permitem formular um juízo, designadamente em face da complexidade da causa e da conduta processual das partes, acerca da dispensa (ou da dispensa parcial) do pagamento do remanescente”.
A essa jurisprudência sobreveio o Acórdão Uniformizador nº 1/2022, de 3 de janeiro, nos termos do qual “a preclusão do direito a requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final”, pelo que, está-se em crer, o entendimento a ela subjacente teria de aceitar a necessidade de o requerimento para a dispensa estar nos autos antes da baixa do processo à 1ª instância.
Sobre os argumentos que são avançados pela última das doutrinas, lê-se na decisão singular proferida pelo Cons. Abrantes Geraldes em 20 de dezembro de 2021 (no proc. 2104/12.8TBALM.L1.S1 e no mesmo suporte):
“Numa situação como esta, a apreciação da dispensa ou da eventual redução da taxa de justiça deve estender-se a todo o processado anterior, maxime a toda a tramitação que correu termos na 1ª instância, até à sentença, e na Relação, até ser proferido o segundo acórdão, o que, além do mais, permite que sejam ponderados globalmente todos os parâmetros relevantes em cada uma das fases processuais. Acresce ainda que a condenação em custas constante da sentença de 1ª instância, assim como as condenações em custas constantes de cada um dos dois acórdãos da Relação não ganharam foros de definitividade. Como já se referiu, o resultado que então foi declarado ficou dependente do que viesse a ser decidido na instância imediatamente superior. Neste contexto, bem podemos concluir que as anteriores condenações da R. nas custas da ação e dos recursos de apelação, assim como a condenação da A. no precedente recurso de revista assumiram cariz meramente provisório, o que no caso é comprovado pelo facto de a homologação da transação ter abarcado a repartição por ambas as partes da responsabilidade pelo pagamento das custas processuais reportadas a todo o processo. Por conseguinte, a aplicação do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, envolverá toda a tramitação processual que ocorreu na presente ação, apreciando se se verificam condições para declarar a dispensa ou a redução das taxas de justiça remanescentes que ainda não foram pagas na 1ª instância, na Relação e neste Supremo, nas parcelas que excedem os valores liquidados em função do plafond de € 275.000,00”.
Seguindo o mesmo entendimento, lê-se nos fundamentos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de abril de 2023: “O artigo 6.º, n.º 7, do RCP que define o critério para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça está a pressupor um juízo de valoração global do processo, logo só pode ser feito com a decisão final, pelo que o argumento da autonomia dos recursos para efeito das custas (artigos 527.º, n.º 1, do CPC e 1.º, n.º 2, do RCP) não parece ser consistente, pois que uma coisa é a tributação autónoma em cada um dos graus de jurisdição, outra a dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça. É certo que a taxa de justiça integra as custas (artigo 3.º, n.º 1, do RCP), mas do que se trata não é da dispensa da taxa em cada um dos graus, mas da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a € 275.000,00. E casos pode haver em que na 1ª Instância não há lugar a aplicação de taxa remanescente e a pode haver nos recursos de apelação e de revista. Suponhamos um procedimento cautelar com verificação de pressuposto que torne o recurso sempre admissível. Nesse caso não há lugar a taxa remanescente na 1ª Instância, porque aí, é aplicável a tabela II-A anexa ao RCP, conforme artigo 7.º, n.º 4 e, a taxa remanescente só tem lugar quando aplicável a tabela I, que é a sempre aplicável aos recursos, conforme n.º 2 do referido artigo 7.º. Pelo que não faria sentido conferir, à 1ª Instância, o conhecimento da dispensa ou não, do pagamento do remanescente da taxa de justiça em processo no qual, nessa instância, não se aplica essa regra (proferido no processo n.º 18932/16.2T8LSB.L3.S1, disponível em www.dgsio.pt).
São defensores desta mesma doutrina, nomeadamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de março de 2022, no processo n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1, de 19 de setembro de 2024 no processo n.º 18679/21.8T8SNT-A.L1.S1 e de 12 de março de 2024, no proc. n.º 8585/20.9T8PRT.P1.S1 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Concorda-se com os fundamentos dessa jurisprudência, por se entender, acompanhando-a, que além de a questão da dispensa poder não se colocar numa determinada fase processual mas apenas perante a tramitação de uma outra, a ponderação exigida pelo legislador, em que pontuam, como critérios de decisão, a complexidade da causa e a conduta processual das partes, exige um juízo global que apenas poderá ser efetuado, com propriedade, na decisão final da ação, e não, conjunturalmente, em cada um dos graus de jurisdição.
Deve, assim, ser reservada ao último desses graus, aquando da prolação da decisão final, a avaliação da complexidade total da ação, bem como a caracterização do comportamento processual das partes, com vista a uma adequada decisão da dispensa e do quantum desta.
Dessa conclusão se extrai que a decisão recorrida é intempestiva, por prematura, devendo, nessa medida, ser revogada, ficando os autos a aguardar, nessa parte, a prolação da decisão final da ação.
A conclusão que se acaba de atingir, prejudica, tornando-a inútil, a apreciação da questão de fundo colocada pela Recorrente e que está em saber qual a medida certa da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça no caso concreto, pelo que nela não se ingressará (artigos 663.º, n.º 2 e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
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III. Responsabilidade tributária
Tendo a Recorrente vencimento no recurso e não tendo sido oferecidas contra-alegações, não há lugar ao pagamento de custas (que apenas seriam devidas enquanto custas de parte).
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Decisão
Face ao acima exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora Endesa Generácion, S.A. e, por consequência, revogam a decisão prolatada em 10 de abril de 2025 que dispensou a Recorrente do pagamento de 50% (cinquenta por cento) do remanescente da taxa de justiça devida pela ação, determinando que os autos fiquem a aguardar nessa parte (ou, seja, na decisão do requerimento de dispensa), a respetiva decisão final.
Sem custas.
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Évora, 27 de novembro de 2025
Maria Emília Melo e Castro
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Anabela Raimundo Fialho
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SUMÁRIO (elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
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