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AECOP
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
Sumário
I – Apesar de haver divergência na jurisprudência e na doutrina quanto à admissibilidade da reconvenção em acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP), de valor não superior a metade da alçada da Relação, certo é que, de uma forma geral, tem-se considerado que a forma de processo desta acção especial se afigura incompatível com a dedução de reconvenção. II – Não sendo admissível reconvenção, é de admitir a defesa por invocação da excepção peremptória de compensação até ao limite do crédito do autor, a fim de não coarctar ao réu um meio de defesa importante e eficaz.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório
EMP01..., UNIPESSOAL, LDA propôs contra a Ré EMP02..., LDA, nos termos do Dec. Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, peticionando o pagamento da quantia de 7.036,00 € titulado na factura ...5, emitida e com data de vencimento em 08-07-2024, acrescido dos juros moratórios, no valor 292,81 €, calculados desde a data de vencimento da factura; bem como a quantia de 40,00 €, referente a “gastos administrativos internos”, e ainda o valor de 204,00 € respeitantes a despesas processuais que a Autora alega ter despendido com a lide e honorários da mandatária.
Para tanto alegou, em resumo, que, no âmbito das suas respectivas actividades, Autora e Ré, em 25-01-2022, celebraram um contrato de subempreitada, através da qual a Ré, na qualidade de empreiteira, adjudicou à Autora, na qualidade de subempreiteira, os trabalhos de execução de capoto, rebocos, aplicação de pladur e pinturas referentes à “Empreitada de Construção de um Edifício sita ao ... da Rua ... com a Travessa ..., Porto”, que a Ré se encontrava a executar.
Foi ainda acordado entre a Autora e a Ré que, tal como sucedia para os trabalhos contratualizados, também os trabalhos extra seriam medidos mensalmente e o respectivo auto previamente remetido à Ré para aprovação.
A factura ...5 cujo pagamento é reclamado pela Autora nos presentes autos foi emitida com base no auto de medição datado de 26-06-2024 junto com a petição inicial sob o n.º 3.
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Citada, a Ré apresentou contestação, onde se defendeu por excepção, alegando que a sua recusa ao pagamento da factura em causa é legítima uma vez que o auto que esteve na base na sua emissão, referente a trabalhos contratuais e extracontratuais, nunca foi por si aprovado.
Mais alegou que, após o recebimento do referido auto, a Ré solicitou à Autora esclarecimentos quanto aos dias de trabalho e quantidades de materiais objecto da medição.
Em resposta ao envio do referido auto, solicitou à Autora que procedesse à conclusão dos trabalhos de pintura e à eliminação dos defeitos deixados em obra.
Contudo, e dado que a Autora nunca respondeu aos esclarecimentos solicitados pela Ré, nem tão pouco procedeu à conclusão dos trabalhos e à eliminação dos defeitos deixados em obra, a Ré recusara-se ao pagamento da factura em causa.
A Ré arguiu, ainda, a excepção peremptória de compensação, arrogando-se titular de um crédito contra a Autora referente aos prejuízos que teve de suportar com os serviços que contratou para a conclusão dos trabalhos (contratuais e extra) não concluídos pela Autora e para a reparação dos defeitos deixados em obra.
A execução desses trabalhos, que se encontram identificados na “Lista de danos e trabalhos” anexa à carta junta com a contestação sob o n.º 3, teve um custo total de 9.325,54 €.
Por cartas de 29-09-2024 e 26-11-2024 (documentos n.ºs 3 e 5 juntos com a contestação), a Ré reclamou junto da Autora o pagamento desse contra-crédito.
Conclui, por isso, pelo reconhecimento da compensação do seu crédito sobre o eventual crédito da autora.
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Notificada para se pronunciar sobre a matéria de excepção alegada pela ré, a autora respondeu, pugnando pela total improcedência das excepções deduzidas.
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Elaborado despacho saneador, foi decidido não admitir a excepção (peremptória) de compensação alegada pela ré na oposição.
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Inconformada, a Ré interpôs recurso dessa decisão (cfr. fls. 90 a 98) e formulou, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1. Nos autos à margem identificados foi proferido despacho pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Cível de Amares, que não admitiu a exceção de compensação alegada pela ré na contestação deduzida. 2. Em nossa opinião, e sempre com o devido respeito, o douto despacho sob recurso faz uma errada aplicação e interpretação do Direito, devendo, em consequência ser revogado e substituído por outro que admita a compensação invocada. 3. Ora, pelas razões que abaixo melhor desenvolveremos, no entendimento da Autora e sempre com o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal a quo ao ter considerado – e bem – que nos presentes autos não é admissível a reconvenção, não podia ter decidido, conforme decidiu, no sentido da não admissibilidade da invocação da compensação de créditos por via de exceção.
Vejamos, 4. Os presentes autos iniciaram-se com a apresentação, pela Ré, de uma ação especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias regulada pelo DL n.º 269/98 de 01/09, no âmbito da qual a Autora reclamou o pagamento da factura ...5, emitida com base no auto de medição de 26-06-2024, referente a trabalhos alegadamente concluídos por esta no âmbito de um contrato de subempreitada celebrado entre a Autora e Ré em 25-01-2022. 5. Atenta a natureza simplificada e tramitação do processo em causa, que comporta apenas dois articulados (petição inicial e contestação), a Ré não deduziu pedido reconvencional, tendo, ao invés, na contestação apresentada, invocado a compensação por via de exceção perentória. 6. O contra-crédito invocado pela Ré diz respeito aos prejuízos sofridos em resultado do cumprimento defeituoso do contrato de subempreitada celebrado entre as partes, correspondendo aos custos que a Ré foi obrigada a suportar com a adjudicação a terceiros dos trabalhos para a execução dos trabalhos não concluídos e executados com defeitos pela Autora (artigos 30.º a 37.º da contestação). 7. A intenção de obter a compensação do seu crédito foi comunicada pela Ré à Autora extrajudicialmente, por cartas enviadas datadas de 29-08-2024 e 26-11-2024 (cf. documentos n.ºs 3 e 5 juntos com a contestação). 8. Com efeito, reportando-nos ao caso dos autos, conclui-se que: 1) encontramo-nos perante uma ação especial na qual é vedada à Ré a dedução de reconvenção, como resulta do despacho recorrido; 2) a vontade de compensar foi declarada extrajudicialmente pela Ré por comunicações dirigidas à Autora datadas de 29-08-2024 e 26-11-2024 (cf. documentos n.ºs 3 e 5 juntos com a contestação); 3) o contra-crédito invocado pela Ré emana da mesma relação jurídica que foi alegada pela Autora, e é superior ao crédito desta: pretendendo a Autora cobrar o preço de determinados trabalhos por si executados, a Ré contrapõe que alguns desses trabalhos não foram concluídos e outos foram realizados com defeitos, o que lhe causou prejuízos no valor de 9.325,54 €, arrogando-se a Ré titular do direito de reclamar, como reclamou na ação, o pagamento desse crédito na parte que não excede o crédito da Autora. 9. Ora, apesar de a questão em causa não ser pacífica no seio da jurisprudência e da doutrina, o certo é que, a jurisprudência mais recente, mormente a proferida pelo Tribunal desta Relação de Guimarães8, tem entendido que nas ações como a dos autos, em que não é admitida reconvenção, deve ser permitido ao réu invocar a compensação até ao limite do crédito do autor, considerando que esta se circunscreve ainda ao exercício do direito de defesa 10. Neste sentido, veja-se o recente acórdão do Tribunal Relação de Guimarães de 22-05-20259: Em suma, nestes casos, os princípios da simplicidade e celeridade processual, reportados à natureza dos litígios para que estes procedimentos foram criados, prevalece sobre o princípio da economia processual que justificaria a admissibilidade em geral do pedido reconvencional. Dito isto, cumprirá averiguar se à luz do art. 547.º do CPC a reconvenção poderia admitir-se com recurso ao princípio da adequação formal, adaptando-se a tramitação processual adequada às especificidades da causa. Não cremos que seja admissível. Seguimos a este propósito o entendimento de Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, que considera que a utilização do princípio da adequação formal para admitir a reconvenção nas formas de processo em que não é admissível não se afigura indicada. E explica que o princípio da adequação formal destina-se a ser aplicado em situações específicas que, pelas suas excecionais particularidades, impõem a adoção de uma solução diversa da que foi prevista pelo legislador. Trata-se de um princípio de utilização pontual, para uma determinada situação concreta, que não pode ser utilizado para alterar genericamente um instituto jurídico ou o quadro legal relativo à tramitação de uma forma de processo, introduzindo uma alteração que apenas o legislador poderia introduzir. Sufragamos, de igual modo, o acórdão da Relação de Coimbra de 14 de outubro de 2014 citado pelo autor, de que o princípio da adequação formal, consagrado no artigo 547.º do Código de Processo Civil, não transforma o juiz em legislador. E aderindo à conclusão extraída pelo autor concordamos que “(..) a razão para a existência de formas de processo que não admitem reconvenção é a sua maior simplicidade e celeridade. Era isto que justificava o processo sumaríssimo e é isto que justifica atualmente o procedimento de injunção e a ação declarativa comum do processo laboral. Esta maior simplicidade e celeridade é garantida através da limitação do objeto do processo e de uma tramitação menos exigente. Admitir a possibilidade de o réu deduzir reconvenção para formular um pedido que emerge de um facto que serve de fundamento à ação ou à defesa punha em causa irremediavelmente esta maior simplicidade e celeridade. Entendemos, contudo, que nas formas de processo em que não é admissível reconvenção deve ser permitido ao réu invocar a compensação como exceção até ao limite do crédito do autor, apenas para impedir o efeito jurídico deste crédito. Em tal situação, a invocação da compensação circunscreve-se ainda ao exercício do direito de defesa. 11. No mesmo sentido, vejam-se também os acórdãos do Tribunal da Relação: de 22-05-2025, proferido no processo n.º 121648/23.3YIPRT.G1; de 15-12-2022 proferido no processo n.º 117544/21.7YIPRT-B.G1; e de 05-03-2020, proferido no processo n.º 3298/16.9T9VCT-B.G1, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. 12. Acresce que, ao ter decidido em sentido diverso dos acórdãos supracitados, o Tribunal a quo está a coartar à Ré um importantíssimo meio de defesa, limitando a tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos, em violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1 da CRP. 13. Acresce que, como tem sido defendido pela jurisprudência e pela doutrina, caso não seja permitido à Ré, nos presentes autos, defender-se por via de compensação, corre ainda o risco de esse meio de defesa não poder vir a ser exercido no futuro. 14. A este propósito, extrai-se o seguinte excerto do acórdão da Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão de 12-10-201910: Conclui-se, assim, que, no caso dos autos, deve ser “permitido ao réu defender-se mediante a invocação da compensação, sob pena de tal meio de defesa lhe ficar definitivamente vedado – com efeito, ainda que não se encontre impedido de, em ação a instaurar posteriormente, vir a pedir o reconhecimento do seu crédito, tal reconhecimento não ocorrerá a tempo de o poder contrapor ao crédito do autor, sendo que, se o autor vier a propor ação executiva, dificilmente logrará o reconhecimento da compensação mediante a dedução de embargos de executado. Ou seja, vedando-lhe a invocação do contracrédito na presente ação, significará que, na prática, ainda que possua (no âmbito dessa mesma relação), um contracrédito contra o autor, o réu será obrigado a, em primeiro lugar, satisfazer o crédito do autor, correndo o risco de o seu contracrédito não vir a ser satisfeito”, mormente em caso de insolvência da contraparte, sendo sabido que as normas processuais devem ser interpretadas – se necessário, em termos restritivos –, na busca da coerência e harmonia do sistema jurídico, à luz do seu escopo de realização do direito substantivo, não podendo constituir entrave a tal realização. 15. Também se diga que, no nosso entendimento o Tribunal a quo fez uma interpretação errada do artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC e do regime da compensação previsto no artigo 847.º e ss. do CC. 16. No entendimento da Recorrente, o artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC deve ser interpretado no sentido em que a compensação é admissível como um possível fundamento da reconvenção e não que a compensação apenas pode ser feita por via da reconvenção. 17. Neste sentido, veja-se como decidiu o Tribunal desta Relação de Guimarães no acórdão de 13-07-202111, que subscrevemos: Por isso, precisamente para se evitar esse formalismo, julgamos que se deve entender, na esteira do que se vem defendendo, que o artigo 266.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil deve ser interpretado restritivamente por forma a que seja aplicável somente nas formas de processo que admitem reconvenção e que nas AECOP em que não é admissível a reconvenção, o réu que pretenda invocar a compensação de créditos, pode defender-se por via de excepção peremptória contra o pedido e o direito invocado pelo A., tanto mais que, no presente caso, o tribunal a quo concedeu-lhe a possibilidade de se pronunciar sobre essa excepção em articulado próprio e autónomo, com salvaguarda do princípio contraditório que foi, assim, devidamente acautelado. Acresce que o valor que o réu visa compensar é inferior ao valor do crédito reclamado pelo autor contabilizados os juros, pelo que, por tudo o exposto, deve esse seu crédito, devido pelos custos que teve de suportar por força da falta de eliminação por parte da A. dos vícios de que padecia a obra, cujo valor final vem peticionar, ser compensado no montante que lhe é devido. Pelo exposto, tem, pois, de proceder o recurso. (Realces e sublinhados nossos) 18. Acresce a isto que, no caso dos autos, a vontade de compensar já tinha sido declarada extraprocessualmente pela Ré, pelo que, como defende o Prof. José Lebre de Freitas12, o efeito extintivo mútuo se produziu, automaticamente, com a receção, por uma parte, da declaração da outra de querer compensar crédito e débito (artº. 848º, n.º 1 do Código Civil). 19. A posição segundo a qual a via da reconvenção permanece facultativa ou de que à Ré deverá sempre ser facultada a invocação da compensação é, assim, em nossa opinião, a que melhor se coaduna com o regime substantivo da compensação, nomeadamente com o disposto nos artigos 848.º, n.º 1 e 854.º do CC. 20. Para além disso, em nossa opinião essa é a solução que conduz ao equilíbrio entre os dois direitos em discussão (o direito do autor em obter a celeridade na discussão e decisão sobre o crédito por si invocado, o direito do réu se defender contra o crédito invocado pelo autor). Sem prescindir, 12 Neste sentido, Prof. José Lebre de Freiras in A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., 2017, pág.145-155. 21. Caso se considere que a compensação devesse ser invocada pela Ré por via de reconvenção, ao abrigo do disposto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC – o que não se aceita e apenas por mera cautela de patrocínio se concebe – deve o despacho ser revogado e substituído por outro que, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 590.º do CPC, convide a Ré ao aperfeiçoamento da contestação, de forma a poder invocar a compensação de créditos por via de reconvenção. 22. Neste sentido, veja-se o seguinte aresto do Tribunal desta Relação de Guimarães de 12-10-202313: Perspetivando-se o recurso à reconvenção como um ónus, a solução mais justa e que se coaduna com o espírito do novo CPC (cf. artigos 7.º e 590.º), passa por convidar o réu ao aperfeiçoamento da contestação, devendo este cumprir o disposto no artigo 583.º daquele diploma, sob pena de ser rejeitada a arguição da compensação. 23. Por tudo o que acaba de se expor, outra coisa não se poderá concluir senão que andou mal o Tribunal a quo ao ter julgado inadmissível a exceção perentória de compensação invocada pela Ré na contestação apresentada. 24. O despacho recorrido viola, entre outros, o artigo 1.º do DL n.º 269/98 de 01/09 e do n.º 4 do artigo 1.º do anexo do mesmo diploma, bem como o disposto no artigo 20.º, n.º 1 da CRP e os artigos 848.º e 854.º do CC. 25. A decisão recorrida faz ainda, pelos motivos que apresentamos acima, uma errada interpretação do artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC. 26. Face a todo o exposto, deve o douto despacho recorrido revogado e substituído por outro que julgue admissível a exceção de compensação invocada pela Ré na contestação apresentada, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos até final. 27. Ou, caso se entenda que compensação deveria ter sido invocada por via de reconvenção, deve o despacho ser substituído por outro que, por força dos artigos 6.º e 590.º do CPC, convide a Ré ao aperfeiçoamento da contestação, de forma a dar cumprimento ao disposto no artigo 583.º daquele diploma. […]
TERMOS EM QUE SE REQUER SEJA REVOGADO O DOUTO DESPACHO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE JULGUE ADMISSÍVEL A EXCEÇÃO DEDUZIDA PROSSEGUINDO OS AUTOS OS SEUS ULTERIORES TERMOS ATÉ FINAL, EM CONFORMIDADE COM O PROPUGNADO NA ALEGAÇÃO E NAS CONCLUSÕES, ASSIM FAZENDO V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA.».
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s) – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, importa conhecer se numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior à alçada da 1ª instância é possível deduzir a excepção de compensação.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto.
As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
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V. Fundamentação de direito.
1. Da admissibilidade da invocação da excepção de compensação de créditos no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior à alçada da 1ª instância.
1.1. No despacho impugnado foi decidido não admitir a excepção (peremptória)de compensação alegada pela ré na oposição, aduzindo para o efeito que “a opção legislativa foi no sentido de a compensação de créditos apenas poder ser invocada em reconvenção, sem embargo de o réu, não deduzindo ou não podendo deduzir reconvenção, fazer valer o seu direito de crédito em ação autónoma”.
Mais se concluiu que a interpretação feita do disposto no art. 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC, “no sentido da não admissibilidade da invocação da compensação de créditos por via de exceção na contestação” no âmbito da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, “não configura uma violação do preceituado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Português”, porquanto “a ré continua a poder propor contra a autora uma ação autónoma para esse efeito, a fim de poder ver reconhecido o crédito indemnizatório de que se arroga titular sobre a mesma e, assim, operar a respetiva compensação de créditos”.
A apelante discorda desse despacho, pugnando pela admissibilidade da invocação da excepção de compensação, louvando-se, além do mais, na jurisprudência e doutrina que cita.
Decidindo.
O art. 1º do Dec. Lei n.º 269/98, de 01/09[1] (RPOP) – diploma preambular que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância –, prevê a aprovação do “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”.
São dois os ditos procedimentos especiais a que se refere o art. 1.º do diploma preambular: a acção declarativa especial - AECOP (arts. 1º a 5º do RPOP) e a injunção (arts. 7º a 21º do RPOP).
Estes procedimentos especiais devem ser considerados alternativos perante o processo comum declarativo. Assim, mesmo que o credor utilize este processo comum em vez daqueles procedimentos especiais, não se verifica nenhum erro na forma do processo (art. 193º do CPC)[2].
Os procedimentos especiais apenas são aplicáveis às prestações pecuniárias resultantes de contratos, mesmo que se trate de contratos duradouros ou de execução continuada.
Tais procedimentos podem ser usados pelo credor, em alternativa, para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor igual ou inferior a 15.000,00€.
A acção declarativa especial só é aplicável quando a prestação pecuniária não exceda 15.000,00€ (art. 1º do Dec. Lei n.º 269/98); a acção declarativa especial também é aplicável quando se verifique a convolação de uma injunção (art. 17º da RPOP), incluindo aquela que respeita a obrigações emergentes de transacções comerciais de montante não superior a metade da alçada da Relação (art. 10º, n.ºs 2 e 4 do Dec. Lei n.º 62/2013, de 10/05).
A injunção é aplicável, em regra, a prestações pecuniárias que não excedam 15.000,00€ (art. 1º do Dec. Lei n.º 269/98); mas se a prestação pecuniária provier de uma transacção comercial, a injunção é admissível, independentemente do valor da dívida (art. 10º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 62/2013).
Relativamente à acção declarativa (Cap. I/Anexo), importa destacar:
- A petição (o autor exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos) e a contestação não carecem de forma articulada; o duplicado da contestação será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento (art. 1º, n.ºs 1, 3 e 4, sob a epígrafe “petição e contestação”).
- No que concerne aos termos posteriores aos articulados, prevê o art. 3º que, se a acção tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa (n.º 1); a audiência de julgamento realiza-se dentro de 30 dias, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 155º do Código de Processo Civil às acções de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (n.º 2); as provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas, se o valor da acção não exceder a alçada do tribunal de 1ª instância, ou até cinco testemunhas, nos restantes casos (n.º 4).
- E no tocante à audiência de julgamento existem ainda especificidades visando principalmente a celeridade e simplificação dos actos (art.º 4º).
No caso dos autos, a autora propôs contra a Ré, nos termos do Dec. Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, peticionando o pagamento da quantia de 7.036,00 €.
Na contestação apresentada, a Ré defendeu-se, além do mais, por excepção peremptória, visando operar a compensação do crédito da Autora com um crédito de que se arroga titular, referente aos danos sofridos pela Ré em resultado do cumprimento defeituoso do contrato de subempreitada por parte da Autora.
Decorre do mencionado regime jurídico que a A. recorreu a meio processual adequado (acção declarativa especial) destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato (cfr. art. 1º do DL n.º 269/98, de 01.9).
À questão suscitada no recurso é usual associar-lhe uma outra, qual seja a de saber se a compensação tem, ou não, de ser invocada sempre por via reconvencional, ao abrigo do art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC.
Bem como se se será viável, no procedimento especial em causa, a dedução de pedido reconvencional, nomeadamente visando a realização da compensação de créditos?
Quanto a esta última, como bem dá nota a recorrente, apesar de haver divergência na jurisprudência e na doutrina quanto à admissibilidade da reconvenção em acções especiais de valor não superior a metade da alçada da Relação, como é o caso da acção dos autos, certo é que, de uma forma geral, tem-se considerado que a forma de processo desta acção especial se afigura incompatível com a dedução de reconvenção.
Nas palavras de Salvador da Costa[3]: «é manifesto o propósito do legislador de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie processual em causa, o que, aliás, está de acordo com a simplificação que a caracteriza, em função da relativa reduzida importância dos interesses susceptíveis de a envolver. Com efeito, a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a acção em causa, cuja particular especificidade se centra na celeridade derivada da simplificação, não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional. Não se vê que esta solução afecte o direito de defesa do réu, certo que pode, se tiver para tal algum fundamento legal, fazer valer em acção própria a situação jurídica que eventualmente possa estar de algum modo conexionada com aquela que o autor faz valer na acção».
Acrescenta o citado autor, «[n]ão obstante a compensação só poder ser suscitada por via de reconvenção, pensamos que, se neste tipo de ação ela for deduzida, deve ser liminarmente indeferida, caso em que o respetivo valor processual é insuscetível de adição ao valor processual da ação, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso».
Todavia, face ao disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 266.º do atual Código de Processo Civil (que impõe que a compensação deve ser deduzida por via da reconvenção), tem-se vindo a questionar a aplicação desse regime às acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
Sob a epígrafe “Admissibilidade da reconvenção, postula o citado normativo que a reconvenção é admissível, designadamente, [q]uando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.
A generalidade da doutrina reconhece que a alteração da redação de tal alínea revela que a intenção do legislador terá sido a de pôr fim à querela antecedente[4], assumindo claramente a posição de que, sempre que o réu se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento do seu crédito na acção em que é demandado, deverá formular pedido reconvencional, independentemente do valor dos créditos compensáveis, seja para obter a compensação de créditos (e a sua inerente absolvição total ou parcial do pedido), seja para obter a condenação do autor no pagamento do valor em que o seu crédito do réu exceda o do autor[5].
Concomitantemente com a alteração do regime adjetivo da reconvenção-compensação, o legislador alterou as formas de processo, tendo abolido o processo sumaríssimo. O processo declarativo passou a seguir uma forma única em que é sempre admissível reconvenção (art. 548.º do CPC).
Da conjugação destas alterações legislativas é plausível concluir que a intenção do legislador foi a de estabelecer que a compensação tinha de ser sempre invocada através de reconvenção, mas, simultaneamente, admitir a reconvenção em todas as formas de processo no âmbito do processo civil, o que impedia que o réu fosse forçado a ter que intentar uma acção autónoma apenas para obter o reconhecimento do seu crédito e, posteriormente, fazer um acerto de contas com o autor, procedendo à compensação[6].
A questão de índole processual atinente à proibição de reconvenção está longe, porém, de ser ultrapassada, posto que continuaram a existir formas de processo específicas, previstas em diferentes diplomas legais, em que não é admissível reconvenção, como é o caso do procedimento de acção declarativa especial - AECOP (arts. 1º a 5º do RPOP) ou do procedimento de injunção sempre que é deduzida oposição e é aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 269/98.
Sem embargo do que antecede, vejamos as três grandes vias interpretativas delineadas sobre a dedução da compensação em sede de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias regulada pelo Dec. Lei n.º 269/98:
1ª - Considerando que a opção legislativa foi no sentido de a compensação de créditos apenas poder ser invocada por via reconvencional, e uma vez que nesse processo especial não é (legalmente) admissível reconvenção – porquanto esta forma de processo especial só comporta dois articulados, não havendo lugar a um terceiro articulado/resposta à contestação, sendo que o legislador pretendeu um processo particularmente célere –, o réu poderá fazer valer o seu direito de crédito em acção autónoma, sendo de excluir que neste tipo de acções, excepcionalmente e apenas no seu domínio, a compensação de créditos possa ser encarada como exceção perentória[7].
2ª - No âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) deve ser dada a possibilidade ao réu de invocar a compensação de créditos (quer exceda ou não o contra crédito) por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o do autor, sendo que para tal deve o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional (arts. 547º e 6º do CPC)[8].
3º - Nas acções em que não é admissível reconvenção, como as especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Dec. Lei n.º 269/98, de 01.09,é de admitir a defesa por invocação da exceção perentória de compensação (que é uma forma de extinção das obrigações – art. 847º, n.º 1, do CC), a fim de não coartar ao réu um meio de defesa importante e eficaz[9]e sob pena de solução contrária se traduzir num caso de efetiva denegação de justiça material.
Como explicita Maria Gabriela Cunha Rodrigues[10]:
“(…) Nas acções em que não é admissível reconvenção, como as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, ou nas acções em que seja inadmissível a dedução da compensação quando a apreciação do contracrédito não seja da competência do tribunal judicial (artigo 93.º, n.º 1), a interpretação deste preceito não nos deve conduzir a efeitos tão restritivos. Na verdade, o chamamento de uma nova relação jurídica a tribunal também acontece na novação (artigo 857.º do CC), cuja natureza de excepção peremptória não é discutida. E o artigo 395.º do Código Civil integra a compensação e a novação no conceito de factos extintivos da obrigação. Parece-nos que ao réu não deve ser coarctado este relevantíssimo fundamento de defesa. É, pois, de concluir que, ainda que se entenda que, deduzida a compensação, o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da excepção peremptória nos processos em que não é admissível a reconvenção”.
No mesmo sentido escreve o Professor Rui Pinto[11]:
«3. Em consequência, deve concluir-se que a previsão de reconvenção e de réplica no processo declarativo comum não é transponível ex lege para os processos declarativos especiais. Tal não é de estranhar porquanto estes perseguem desideratos próprios associados a um timing processual breve e a um específico objeto processual – os processos declarativos especiais são moldados sobre uma certa espécie de pretensão do autor do requerente, pelo que a defesa do réu ou requerido é correlata dessa pretensão. Não se julgue que, por isso, a compensação judicial em processo especial fica afastada. Não: no plano da teoria geral do processo não existe identidade entre exceção de compensação e reconvenção: se aquela tem sempre expressão processual, esta não tem de ser sempre a via reconvencional. O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por exceção perentória. Em qualquer caso, o que nenhum processo – e muito menos os processos especiais – tem de assegurar é que o réu devedor possa obter a condenação do autor credor na parte do crédito não compensada».
Segundo a posição assumida por José Lebre de Freitas[12], apesar da intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do atual regime do CPC é a de que nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa.
Para o referido autor, em primeiro lugar, a lei não diz que a compensação só pode ser feita valer em reconvenção, mas sim que esta é admissível como fundamento de reconvenção. O termo “pretende” apoia igualmente a interpretação de que a reconvenção se mantém facultativa. Em segundo lugar, ainda que se fale de um “ónus de reconvir”, cuja inobservância não extingue o direito de crédito do réu, mas que este tem de observar se pretender obter o efeito extintivo do direito de crédito do autor, não é seguro que a lei estenda esse ónus de reconvir aos casos em que a vontade de compensar já tenha sido declarada pelo réu, extraprocessualmente, visto que o efeito extintivo mútuo se produz, automaticamente, com a receção, por uma parte, da declaração da outra de querer compensar crédito e débito (art. 848º, n.º 1 do CC).
Esta posição de que a via da reconvenção permanece facultativa ou de que ao réu deverá sempre ser facultada a invocação da compensação (por uma via ou por outra) é, quanto a nós, a que melhor se coaduna com o regime substantivo da compensação – compensação por mera declaração unilateral de uma das partes à outra (art. 848º, n.º 1 do CC) e extinção dos créditos com eficácia retroativa ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (art. 854º do CC).
Acresce que a tramitação típica da ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária apenas comporta dois articulados (petição inicial e contestação), notificando-se a contestação ao autor apenas com a notificação da data para realização da audiência de julgamento (art. 1º, n.º 4), razão pela qual se deve concluir que não há lugar ao articulado de resposta à contestação.
A parte poderá responder, oralmente, às exceções invocadas na contestação no início da audiência de julgamento (art. 1º do regime anexo ao Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular ao Decreto-Lei n.º 269/98 e arts. 3º, n.ºs 3 e 4 do CPC)[13].
Por outro lado, a opção por essa posição é, salvo melhor entendimento, a que resulta do princípio geral quanto à aplicação subsidiária do processo comum nos processos especiais.
Com efeito, como explicita Rui Pinto[14], os processos especiais não são processos incompletos ou lacunosos, a que o art. 549º do CPC “acrescentaria articulados, mas processos que veriam diminuída a sua eficácia específica se fossem engordados por normas do processo comum”. O “legislador especial regulou o que considerou mais importante e deixou para a lei processual comum o que era secundário. Assim, quando o legislador especial determina que um processo especial apenas tem dois articulados, quis mesmo limitar esse número. Não há lacunas. Mas se o legislador não regula questões como as do procedimento instrutório, i.e, o direito probatório formal, é porque as quis deixar para o disposto no processo civil comum”.
Impõe-se, por conseguinte, uma interpretação restritiva do art. 266.º, n.º 2, al. c), do CPC por forma a que seja aplicável somente nas formas de processo que admitem reconvenção. Nas formas de processo em que não é admissível reconvenção (como é o caso da presente acção especial) deve ser permitido ao réu invocar a compensação como mera excepção até ao limite do crédito do autor, apenas para impedir o efeito jurídico deste crédito[15].
Revertendo ao caso sub júdice, importa atentar nas seguintes circunstâncias:
i) encontramo-nos perante uma forma de processo especial (vulgarmente designada “AECOP”) em que à ré é vedada a dedução de reconvenção (forma esta escolhida unilateralmente pela autora);
ii) a vontade de compensar foi declarada extrajudicialmente pela Ré por comunicações dirigidas à Autora datadas de 29-08-2024 e 26-11-2024 (cf. documentos n.ºs 3 e 5 juntos com a contestação);
iii) o contra-crédito invocado pela ré situa-se no âmbito da mesma relação jurídica que foi alegada pela autora, e é superior ao crédito desta – pretendendo a Autora cobrar o preço de determinados trabalhos por si executados no âmbito de um contrato de subempreitada, a Ré contrapõe que alguns desses trabalhos não foram concluídos e outros foram realizados com defeitos, o que lhe causou prejuízos que computa no valor de 9.325,54 €, arrogando-se titular do direito de reclamar, como reclamou na acção, o pagamento desse crédito na parte que não excede o crédito da Autora.
Ora, à semelhança do decidido no Ac. da RC de 16/01/2018 (relatora Maria João Areias),in www.dgsi.pt., é de concluir que, no caso em apreço, deve ser permitido à ré “defender-se mediante a invocação da compensação, sob pena de tal meio de defesa lhe ficar definitivamente vedado – com efeito, ainda que não se encontre impedido de, em ação a instaurar posteriormente, vir a pedir o reconhecimento do seu crédito, tal reconhecimento não ocorrerá a tempo de o poder contrapor ao crédito do autor, sendo que, se [a autora] vier a propor ação executiva, dificilmente logrará o reconhecimento da compensação mediante a dedução de embargos de executado. Ou seja, vedando-lhe a invocação do contracrédito na presente ação, significará que, na prática, ainda que possua (no âmbito dessa mesma relação), um contracrédito contra [a autora, a ré será obrigada] a, em primeiro lugar, satisfazer o crédito [da autora], correndo o risco de o seu contracrédito não vir a ser satisfeito”.
Como salientava Adriano Vaz Serra[16], declarada a compensação pela parte (extrajudicial ou judicialmente), o tribunal não pode decidir, sem mais, que o demandado deve pagar o crédito do autor (e ainda que o crédito daquele seja ilíquido), já que o demandado tem o direito de não pagar, na medida em que a sua dívida se compense com uma dívida do autor para com ele.
Procede, por conseguinte, a apelação quando censura a decisão da 1ª instância por não ter admitido a invocação da compensação de créditos por via de exceção perentória, para o efeito de o tribunal apreciar a sua pretensão (subsidiariamente deduzida) a ver compensado o crédito da autora com o crédito da ré, tendo em vista a declaração de extinção do crédito da autora.
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VI. DECISÃO.
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogam a decisão recorrida, na parte impugnada, com a consequente admissão e conhecimento da matéria invocada a título de compensação pela ré na contestação.
Custas da apelação segundo o decaimento a final.
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Guimarães, 27 de novembro de 2025
Alcides Rodrigues (relator)
Afonso Cabral de Andrade (1º adjunto)
António Beça Pereira (2º adjunto) (vencido, conforme declaração de voto junta)
Declaração de voto
Voto vencido por, em síntese, entender que, por força do disposto no artigo 266.º n.º 2 c) do Código de Processo Civil, quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito para obter a compensação, pelo menos a judicial, tem de o fazer através de reconvenção[17]. O artigo 266.º n.º 2 c) "não permite ao réu qualquer tipo de opção, isto é, não se afigura possível ao réu optar entre a via reconvencional ou a mera invocação de um crédito sobre o autor por meio de exceção perentória."[18]
Por outro lado, nos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €, é manifesto o propósito do legislador "de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie processual em causa, o que, aliás, está de acordo com a simplificação que a caracteriza, em função da relativa reduzida importância dos interesses suscetíveis de a envolver. Com efeito, a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a ação em causa, cuja particular especificidade se centra na celeridade derivada da simplificação, não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional.Não se vê que esta solução afete o direito de defesa do réu, certo que pode, se tiver para tal algum fundamento legal, fazer valer em ação própria a situação jurídica que eventualmente possa estar de algum modo conexionada com aquela que o autor faz valer na ação"[19].
Nestes termos, considero que nos presentes autos não é admissível a compensação judicial por via de exceção, onde, aliás, se alega necessariamente os mesmos factos que se alegaria em sede de reconvenção.
António Beça Pereira
[1] Na vigente redacção, decorrente do Dec. Lei n.º 107/2005, de 01/07. [2] Cfr. João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL Editora, 2022, p. 253;Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 8.ª Ed., Almedina, 2021, pp. 11 e 12. [3] Cfr. A Injunção (…), p. 88. [4] No pretérito CPC era controvertida a questão de saber se a compensação tinha de ser invocada sempre em sede de reconvenção ou se apenas quando o crédito do réu era superior e só na medida do excesso.
Dispunha o art. 274º, n.º 2, al. b) do anterior CPC que a reconvenção é admissível, entre outros casos, “[q]uando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”.
A propósito da natureza jurídico-processual da compensação de créditos confrontavam-se, essencialmente, três diferentes propostas:
i) Para a tese da compensação-exceção a compensação devia ser sempre invocada como exceção perentória, só assumindo o correspondente pedido natureza reconvencional nos casos em que o contracrédito de que o réu é titular é titular for superior ao crédito do autor e apenas se o réu pretender fazer valer o seu direito quanto a essa parte excedente [cfr. Vaz Serra, in RLJ 104º, n.º 3459, pp. 276 e 292, ano 105º, n.º 3470, p. 68, Ano 109º, nº 3570, p.147, Anselmo de Castro A Ação Executiva Singular, Comum e Especial, 2º ED., Coimbra Editora, pp. 280/283].
ii) Segundo a tese da compensação-reconvenção, a compensação invocada pelo réu seria sempre objeto de um pedido reconvencional, ainda que não excedesse o montante do crédito reclamado pelo autor, por representar uma pretensão autónoma (que se pode fazer valer extrajudicialmente e judicialmente) [cfr. João de Castro Mendes Direito Processual Civil, vol. 2, AAFDL, 1980, p. 197, Lopes Cardoso, Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., pp. 205/206, Teixeira de Sousa, As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa, Lex, 1995, p. 173, Paulo Pimenta, Reconvenção, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXX, Coimbra, 1994, p. 475].
iii) Para uma terceira via, a compensação traduz uma figura processual híbrida, um produto misto de reconvenção e de exceção perentória; identifica-se com a exceção perentória na parte do contracrédito até ao montante igual ao do crédito do autor, e em relação ao qual o réu não pede a condenação daquele, mas apenas a improcedência do pedido deste; mas, por outro lado, na parte que excede o pedido do autor a compensação equipara-se à reconvenção. (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 330/333). [5] Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2017, 2ª ed., Almedina, pp. 202/203, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., Almedina, 2014, p. 259.
Como salienta Miguel Mesquita, «a Reforma de 2013 fez tábua rasa das correntes até então dominantes, na adoção, à última hora, e sem qualquer nota explicativa, da tese da compensação-reconvenção» (cfr. Nota Prévia, ao Código de Processo Civil, 31ª ed. Almedina, 20013, p. 7. [6] Cfr. Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, A compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/05/20190531-ARTIGO-JULGAR-A-compensação-nas-formas-de-processo-em-que-não-é-admissível-reconvenção-Manuel-E-B-Sampaio.pdf [7] Cfr., neste sentido, que jurisprudencialmente se perfila como maioritário, os Acs. da RG de 23/03/2017 (relatora Alexandra Rolim Mendes), de 22.06.2017 (relatora Ana Cristina Duarte), Acs. da RP de 12/05/2015 (relator Rodrigues Pires) e de 30/11/2015 (relator Correia Pinto), Ac. da RC de 07/06/2016 (relator Fonte Ramos) e Ac. da RE de 09/02/2017 (relator Paulo Amaral), todos disponíveis in www.dgsi.pt. [8] Cfr. Ac. do STJ de 6/06/2017 (relator Júlio Gomes), Acs. da RG de 17.12.2018 (relatora Fernanda Proença), e de 31/01/2019 (relatora Maria Purificação Carvalho), Ac. da RP de 13.06.2018 (relator Rodrigues Pires) e Ac. da RL de 09.10.2018 (relatora Cristina Coelho), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e o Ac. da RL de 13/11/2018, CJ, Ano XLIII -T. V/2018, pp. 57/66; na doutrina, esta posição tem sido, sobretudo, sufragada pelo Professor Miguel Teixeira de Sousa, enunciando-se a título exemplificativo a anotação intitulada “AECOPs e compensação”, blogue do IPPC, de 26.4.2017, in https://blogippc.blogspot.com/2017/04/aecops-e-compensacao.html [9] Cfr., neste sentido, entre outros, Ac. da RP de 23.02.2015 (relator Manuel Domingos Alves Fernandes), Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Carlos Querido) e Ac. da RC de 16/01/2018 (relatora Maria João Areias), Ac. da RG de 1/07/2021 (relatora Sandra Melo), Ac. da RE de 13/10/2022 (relatora Anabela Luna de Carvalho), Ac. da RC de 08/10/2024 (relator Fonte Ramos), todos disponíveis em www.dgsi.pt.; criticando esta solução, Miguel Teixeira de Sousa, blogue do IPPC, em30/04/2018, Comentário, Jurisprudência 2018 (12) - AECOP; compensação; reconvenção, https://blogippc.blogspot.com/2018/04/jurisprudencia-2018-12.html. [10] Cfr. A Acção Declarativa Comum, p. 54, disponível in repositório.ulusiada.pt. [11] Cfr. A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013, in Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, p. 166. [12] Cfr. A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., Gestlegal, 2017, pp.145-155. [13] Cfr., neste sentido, Salvador da Costa, A Injunção (…), p. 84. [14] Cfr. obra citada, p. 165; no mesmo sentido, o Ac. da RP de 23.02.2015 (relator Manuel Domingos Alves Fernandes), in www.dgsi.pt. [15] Cfr., neste sentido, Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, estudo citado. [16] Cfr. RLJ Ano 104, p. 356. [17] Neste sentido veja-se Ac. STJ de 12-1-2022 no Proc. 1686/18.5T8LRA.C1.S1, Ac. Rel. Lisboa de 16-11-2016 no Proc. 3942/15.5T8CSC-A.L1-4, Ac. Rel. Évora de 8-2-2018 no Proc. 96889/16.5YIPRT.E1, Ac. Rel. Guimarães de 24-4-2017 no Proc. 10412/16.2YIPRT.G1 e Ac. Rel. Guimarães de 28-5-2020 no Proc. 69310/19.0YIPRT.G1 em www.dgsi.pt, Teixeira de Sousa, Comentário de 1-5-2017 em blogippc.blogspot.pt, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 320 a 323, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil, Vol. I, 2013, pág. 236 e Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 13.ª Edição, pág. 251. [18] Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 3.ª Edição, pág. 216. [19] Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 2001, pág. 62. Neste sentido veja-se Ac. Rel. Guimarães de 27-4-2017 no Proc. 10412/16.2YIPRT.G1, Ac. Rel. Guimarães de 22-6-2017 no Proc. 69039/16.0YIPRT.G1, Ac. Rel. Lisboa de 5-7-2018 no Proc. 87709/17, Ac. Rel. de Guimarães de 17-12-2018 no Proc. 47652/18, Ac. Rel. Évora de 30-5-2019 no Proc. 81643/18, Ac. Rel. Lisboa de 7-10-2019 no Proc. 4843/19.3YIPRT-A.P1, Ac. Rel. Évora de 23-4-2020 no Proc. 90849/19.1YIPRT-A.E1, Ac. Rel. Porto de 21-6-2021 no Proc. 83857/20.1YIPRT-A.P1, Ac. Rel. Porto de 13-3-2023 no Proc. 109593/21.1YIPRT-A.P1 e Ac. Rel. Guimarães de 9-5-2024 no Proc. 66852/23.6YIPRT.G1-A, todos em www.dgsi.pt.