TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA PARTILHA
INEXEQUIBILIDADE
Sumário


I - A sentença homologatória de partilha constitui título executivo bastante para o cumprimento coercivo das obrigações que dela constam.
II - Se o legado efetuado ao ora executado/embargante foi reduzido no inventário para salvaguardar a legítima do herdeiro legitimário - e aquele não chegou a receber o legado -, não existe justificação para o pagamento de tornas, tanto mais que, em lado algum do correspondente mapa de partilha se menciona qualquer obrigação de pagamento de tornas por parte do legatário, aqui executado.
III - Não resultando do título dado à execução que o executado/embargante seja devedor da invocada obrigação exequenda, resta concluir pela sua inexequibilidade, vício que é insuprível e determina a extinção da execução relativamente a este executado.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

 AA deduziu oposição por embargos de executado, no processo de execução [Execução Sumária (Ag.Execução) 435/24.3T8CHV] que lhe move BB, pedindo a extinção da execução.
Invoca a inexistência de título executivo, alegando em síntese que a execução se baseia numa interpretação do exequente, que contraria a sentença que pretende executar, pois esta não declarou ou julgou a existência de qualquer direito a tornas, sendo que no mapa de partilha, e sob a rubrica dos pagamentos, não ficou determinado que alguém tivesse de pagar tornas a alguém, porque não havia quaisquer tornas a pagar e não havendo essa declaração, nos pagamentos, não existe decisão que obrigue a pagar tornas; nem o quadro de pagamento elaborado no mapa de partilha sugere sequer a existência de algum direito ou obrigação de tornas.
Contestou o exequente/embargado, pugnando pela improcedência da oposição. Segundo alega, a sentença homologatória da partilha contém todos os elementos essenciais para constituir título executivo, tanto mais que o ora embargante/executado também instaurou execução nos próprios autos daquele processo de inventário contra o ora embargado/exequente e CC, para cobrar, coercivamente, a quantia de 24.066,99 €, com base naquela sentença, sendo certo que o aqui embargado/exequente deduziu ali embargos de executado, em que defendeu que aquela sentença homologatória da partilha não constituía título executivo, o que foi reconhecido por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 01-06-2023, que faz caso julgado entre o ora embargante e embargado. Mais alega que, por sentença proferida no processo n.º 4702/22.2T8GMR, Juiz ... do Juízo Central Cível de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, movida pelo ora embargado/exequente contra o embargante, e, ainda, contra a DD, a que foi habilitado o seu único filho, EE, e em que o embargado pedia as suas condenações no pagamento da quantia de 65.098,80 € do valor daquelas tornas, foram estes absolvidos da respetiva instância, por falta de interesse em agir do embargado, com fundamento em que aquela sentença homologatória da partilha, proferida no inventário n.º 30/03.0TBVLP é uma verdadeira sentença condenatória passível de execução para o embargado receber as tornas, sendo certo que essa sentença faz caso julgado, entre o embargante e o embargado.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a oposição deduzida, determinando o prosseguimento da execução, com ponderação da quota parte de responsabilidade do executado AA pela dívida exequenda, em face do disposto no artigo 2265.º, n.º 3 do Código Civil.

Inconformado, o embargante apresentou-se a recorrer, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I - Não podem sere levados à interpretação da sentença factos que dela não fazem parte, nem da lógica do objecto da decisão;
II - O embargado não tem qualquer título executivo, porque a sentença que homologou a partilha, dada à execução, não reconhece qualquer direito de tornas ao embargado, nem condena o embargante a pagar quaisquer tornas.
III - Tal sentença apenas homologa um Mapa de Partilha demonstrativo do cálculo da redução dos legados de todos os legatários.
IV- Pelo que a sentença de homologação apenas adjudica e não condena, como dela consta. 
V - A pretensão de interpretação da sentença e Mapa de Partilha como que o cálculo da redução dos legados, e do legado do embargante, em € 70.506,53, fosse uma obrigação de tornas, já foi negada pelo Acórdão junto aos Autos, que fixou a natureza jurídica desse montante como de cálculo de redução do legado, de que resulta que o embargante é credor do legado de € 23.975,03.
VI - Não pode existir compensação da quantia exequenda nos Autos a que o Acórdão se refere, com contracrédito não exigível, porque não existente, na titularidade do aqui embargado;
VII - A decisão da matéria de facto é errada ou despicienda, por estar contaminada de errada interpretação jurídica.
VIII - A sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 847º, 851º, 848º, nº 1 e 854º do CC; e ainda a força de caso julgado de que tinha conhecimento.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando procedentes os embargos,
COMO É DE JUSTIÇA».

O embargado/exequente apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o recurso sido admitido nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC -, o objeto do presente recurso circunscreve-se a saber:

 i) se estão verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto; em caso afirmativo, se existe erro no julgamento da matéria de facto;
ii) se a sentença homologatória da partilha, dada à execução, constitui título executivo contra o ora executado/recorrente, quanto ao reclamado valor de 65.098,80 € a título de tornas, e juros legais.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela primeira instância:
A) No processo de inventário, que com o n.º 30/03.0TVLP correu termos no Juízo de Competência Genérica de Valpaços do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real e em que foi inventariado FF, foram interessados, além de outros, o executado AA e DD e o exequente BB.
B) Nele, no dia 2 de março de 2021 e com a referência ...31, foi elaborado o Mapa Informativo, a que aludia o artigo 1376.º do Código de Processo Civil aplicável, do qual constam as informações seguintes: - Quanto ao legatário/donatário AA, aqui primeiro executado, «Foram adjudicados bens (1/2 ( metade ) da verba 26 - A, 1/2 ( metade ) da verba 27 e ¼ ( um quarto ) da verba 27 - A) e as verbas nºs 33 e 34, no valor de € 147.301,50. O limite da quota disponível ( 1/4 da verba 27 - A e 1/2 das verbas 26 - A e 27) é de € 76.795,97, Excede: € 70.506,53». - Quanto à legatária/donatária DD, «Foram adjudicados bens (1/ 2 ( metade ) da verba 26 - A, (vinte e seis - A), 1 / 2 ( metade ) da verba 27 ( vinte e sete ), e 1/4 ( um quarto ) da verba 27- A (vinte e sete -A), no valor de € 94.481,56. O limite da quota disponível (1/4 da verba 27 - A e 1/2 das verbas 26 - A e 27 ), € 23.975,03, Excede: € 70.506,53», «Que darão de tornas aos interessados CC e BB, apesar destes interessados, enquanto legatários, também estariam sujeitos à redução de inoficiosidades para preenchimento da legítima do interessado e cabeça de casal CC, falecido entretanto, e do qual estes dois interessados são herdeiros, havendo assim um encontro de valores, pois o que têm que pagar (CC - € 59.565,23 e BB - € 53.229,09 ) é inferior ao que têm a receber (CC - € 118.327,89 e BB - € 118.327,89) enquanto herdeiros de CC, situação que se constatará no Mapa de Partilha».    
C) No dia 3 de março de 2021, nesse processo foi proferido o despacho ...53 do teor seguinte: «Devidamente analisados os autos, verifica-se que foi elaborado e se mostra junto a fls. 1061 um mapa informativo, relativamente ao qual se ordenou que fosse dado cumprimento ao preceituado no artº 1377º do CPC. Veio então o interessado CC, entretanto falecido, reclamar o pagamento das tornas de que era credor. Contudo, na sequência dos requerimentos juntos a fls. 1067, 1071, 1074 e 1076 foi ordenada, em 08 de Janeiro de 2020, a rectificação do mapa informativo junto a fls. 1061. Ocorre que, no momento em que foi proferido tal despacho, já o interessado CC havia falecido e tinham sido habilitados os respetivos herdeiros, CC e BB, aos quais é agora devido o pagamento de tornas. Sendo assim, e tendo em vista a regularização do processado, considerando as sobreditas vicissitudes e, ademais, que são substanciais as alterações face ao primeiro mapa informativo elaborado, determina-se que se proceda: - À notificação do mapa informativo retificado ( ref. Citius nº 35279431 ) aos interessados, tendo em vista o exercício do contraditório, no prazo de dez dias. - À notificação dos habilitados CC e BB, para os efeitos indicados no parágrafo anterior e nos termos do preceituado nos artigos 1376º, nº 2 e 1377º do CPC, concedendo-se igual prazo de dez dias para este efeito».
D) No dia 12 de julho de 2021, nesse processo foi proferido o despacho 35784759 do teor seguinte: «Nada tendo sido requerido, proceda-se à elaboração do mapa de partilha».
E) No dia 13 de julho de 2021 e com a referência ...23, foi nesse processo elaborado o Mapa de Partilha de que consta, e do que para aqui releva, o seguinte: - A pagamentos ao legatário/donatário BB, aqui exequente, A bens doados/adjudicados: 1/4 ( um quarto ) da verba 27 - A (vinte sete - A); A verba n.º 28 (vinte e oito); 1/2 ( metade ) das verbas nºs 30 e 31 (trinta e trinta e um ); e A verba nº 38 ( trinta e oito), No valor de € 183.935,45; A responsabilidade de € 8.575,82 no passivo; O excesso de € 53.229,09 dos testamentos - verbas nºs 27 - A e 28, incluindo a sua quota parte do passivo, e € 65.098,80 de valor que tem a receber (diferença entre o que tem a receber de tornas e o que tem a pagar de excesso de liberalidades ). - A pagamentos ao legatário/donatário AA, aqui primeiro executado, A bens doados/adjudicados: 1/2 (metade) da verba 26 - A (vinte e seis - A); 1/2 (metade) da verba 27 (vinte e sete); 1/4 (um quarto) da verba 27 - A (vinte e sete - A); e as verbas nºs 33 e 34 (trinta e três e trinta e quatro), no valor de € 147.301,56; o excesso de € 70.506,53 dos testamentos - verbas nºs 26 - A, 27 e 27 - A, incluindo a sua quota parte do passivo. - pagamentos à legatária/donatária DD, a bens doados / adjudicados: 1/2 (metade) da verba 26 - A (vinte e seis - A); 1/2 (metade) da verba 27 (vinte e sete); e 1/4 (um quarto) da verba 27 - A (vinte e sete - A), no valor de € 94.481,56; o excesso de € 70.506,53 dos testamentos - verbas nºs 26 - A e 27, incluindo a sua quota parte do passivo.
F) No dia 14 de julho de 2021, nesse processo foi proferido o despacho ...68 do teor seguinte: «Vi e rubriquei o mapa de partilha que antecede que não contém emendas, rasuras ou entrelinhas. Ponha-o em reclamação, nos termos do artigo 1379º, nº 1 do CPC, para os efeitos do nº 2 desse preceito legal». 
G) No dia 13 de setembro de 2021, nesse processo, o aqui exequente, pelo requerimento com a referência ...77, reclamou o pagamento das respetivas tornas, - Que por despacho, proferido nesse processo, no dia 17 de Novembro de 2021, imediatamente antes da prolação da respetiva sentença, foi indeferido por ter sido requerido «muito para lá do prazo a que se alude no artigo 1376º e ss do CPC, aplicável».
H) No dia 17 de novembro de 2021, nesse processo e com a referência ...21, foi proferida a sentença com o dispositivo seguinte: «Assim, homologo pela presente sentença a partilha constante do mapa de fls. 226 e ss, adjudicando aos interessados o respetivo quinhão nos termos do disposto no artigo 1382º, nº 1 do Código de Processo Civil», e que transitou em julgado no dia 10 de Janeiro de 2022.
I) O executado AA e a DD não pagaram ao exequente BB a quantia de € 65.098,80 de tornas no âmbito do respetivo processo de inventário.  
J) No dia 14 de setembro de 2022, o exequente instaurou contra o executado AA e a DD, no Juízo Central Cível de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a ação declarativa de condenação com a forma de processo comum, que correu termos com o número 4702/22.2T8GMR, Juiz ..., na qual com fundamento nos precedentes factos, pediu que fossem condenados a pagar-lhe aquela quantia de € 65.098,80, acrescida da quantia de € 2.375,66 de juros legais vencidos, e, ainda, acrescida da quantia do valor dos juros legais vincendos, calculados sobre aquela quantia de € 65.098,80 desde esse dia e até efetivo e integral pagamento.   
K) Por falecimento daquela DD, por apenso a essa ação foi deduzido incidente de habilitação, em que ficou provado que aquela faleceu no dia ../../2019, no estado de divorciada, e que o aqui executado EE é seu filho e que, por sentença proferida no dia 8 de maio de 2023, e transitada em julgado no dia 12 de junho de 2023, julgou habilitado, como único e universal dela, o aqui executado, EE, para com ele prosseguir os termos dessa ação. 
L) No dia 29 de dezembro de 2023, nessa identificada ação com o número 4702/22.2T8 GMR foi proferida sentença, transitada em julgado no dia 2 de fevereiro de 2024, que declarou verificada a exceção dilatória da falta de interesse em agir do Autor, e que absolveu da instância os réus, os aqui executados, com fundamento de a sentença homologatória de 17 de novembro de 2021 constituir «uma verdadeira sentença condenatória, passível de execução, entre outras, na parte em que reconheça ao Autor direito a receber tornas dos co-interessados na herança», e que era «no âmbito de ação de execução para pagamento de quantia certa que o Autor pode ver satisfeito o direito a tornas, constituído e vencido».
M) No dia 5 de fevereiro de 2024, o aqui executado AA, réu naquela identificada ação com o n.º 4702/22.2789GMR, reclamou ao aqui exequente as custas de parte no valor de € 1.632,00, conforme consta do seu requerimento com a referência ...16.
N) No dia 9 de fevereiro de 2024, por carta registada, com aviso de receção e com o código de aceitação postal ...17..., o aqui exequente enviou ao aqui executado AA, e que este recebeu no dia 15 de fevereiro de 2024, o exequente declarou-lhe ao abrigo do disposto nos artigos 847º e 848º, ambos do Código Civil, a compensação entre aquela quantia de 5.586,01 €, referida no precedente artigo 15º do requerimento executivo, e aquela quantia de 1.632,00 €, mencionada no artigo 16º deste requerimento, que ficou extinta, e que desde esse dia daquela quantia de 5.586,10 € lhe ficava a dever a respetiva diferença de 3.954,01€. 
O) O aqui executado, AA, fundado naquela sentença de 17 de novembro de 2021, proferida naquele processo de inventário, que com o número 30/03.0TVLP correu termos no Juízo de Competência Genérica de Valpaços do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, instaurou contra o aqui exequente, BB, processo de execução para cobrar, coercivamente, do aqui exequente a quantia de 24.066,99 €, que agora corre termos como processo número 248/24.2T8CHV neste Juízo de Execução de Chaves do Tribunal da Comarca de Vila Real, e cuja quantia de 24.066,99 €, por despacho nele proferido no dia 14 de Fevereiro de 2024, com a referência ...67, foi decidido que «ficou extinta relativamente a metade do seu valor, isto é, à quantia de 12.033,50 €, quantia pela qual deverá prosseguir a execução, desde ../../2023, contra o executado BB», todavia tal decisão ainda não transitou em julgado.
P) No processo executivo n.º 248/24.2T8CHV-A, no qual BB veio deduzir oposição por embargos de executado, na execução que lhe é movida por Jerónimo Carvalho do Sousa (exequente nesses autos) foi proferida sentença, transitada em julgado, na qual foram dados como provados os seguintes factos: “1) Nos autos de execução apensos ao processo de inventário n.º 30/03.0TBVLP, nos quais é exequente AA e executados BB e CC, foi dada à execução a sentença de homologação de partilha datada de 17/11/2021, já transitada em julgado. 2) O mapa de partilha elaborado no aludido processo adjudicou ao exequente as verbas n.º 33 e 34, legado de metade da verba 26-A, metade da verba 27 e 1/4 da verba 27 - A, no valor global de 147.301,56€. 3) O valor global dos legados ascendia a 94.481,56€. 4) Tal valor excedia em 70.506,53€ o limite da quota disponível. 5) Por esse motivo, os legatários AA e DD dariam tornas aos interessados CC e BB, sendo que estes também teriam quantias a haver dos demais interessados. 6) Após acerto de contas, BB haveria de receber a quantia de 65.098,80€, que corresponde à diferença entre o que deve receber a título de tornas (118.327,89€) e o que tem a pagar por excesso de liberalidades (53.229,09€). 7) O executado BB é, assim, credor do exequente e de DD da quantia de 65.098,80€. 8) No âmbito do processo de inventário, CC e BB vieram requerer extemporaneamente o pagamento de tornas a que teriam direito (…)”.
Q) Na fundamentação do acórdão referido em P), proferindo entre as partes ora em litígio, consta, para além do mais, expressamente o seguinte: “Certo é que, pela homologação da partilha, se atribui eficácia de caso julgado a todas as questões que hajam sido discutidas e decididas no processo. Ora, com o trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha, ficou definitivamente fixado o direito dos intervenientes no processo de inventário, que decorre do definido em sede de conferência de interessados e da sua transcrição para o mapa da partilha - o que aí se concretiza, em obediência ao acordado ou decidido no processo de inventário, deverá ser cumprido/executado (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/10/2014, in www.dgsi.pt). Quanto à exequibilidade da sentença homologatória da partilha, aduziu Lopes Cardoso (in Partilhas Judiciais, vol. II, 4ª edição, Almedina, pág. 534): “Com o trânsito em julgado da sentença que homologou as partilhas fica definitivamente fixado o direito dos intervenientes no processo de inventário. (…) Se os bens atribuídos aos interessados são entregues (…), não é necessário provocar de novo a atividade judiciária. Mas se o cabeça-de-casal ou o detentor se recusam a fazer a aludida entrega (…) podem os prejudicados forçá-los a cumprir as suas obrigações, a realizar o direito que a sentença de partilhas definiu. Daí a execução da sentença”. Por esse motivo, a sentença homologatória da partilha define os direitos de cada um dos herdeiros e constitui título bastante para que cada um deles possa exigir a entrega dos bens que lhe foram adjudicados - neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 19/11/2012, processo n.º 221/06.2TJVNF-E.P1 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/11/1992, processo n.º 0068172, ambos em www.dgsi.pt, tendo o último o seguinte sumário: “I - Para que a sentença possa servir de base à ação executiva, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que esta obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença. II - Apesar de o inventário não ser uma ação de condenação, o certo é que a sentença homologatória de partilhas fixa definitivamente, após o seu trânsito em julgado, o direito dos interessados, nomeadamente quanto aos bens que lhes foram adjudicados”. No caso dos autos a sentença homologou a partilha constante do mapa, no qual se verifica que foi adjudicado ao exequente, além das verbas 33 e 34, o legado de metade da verba 26-A, metade da verba 27 e ¼ da verba 27-A (tudo no valor de € 147.301,56), sendo o valor do legado de € 94.481,56. O valor do legado foi reduzido à quantia de € 23.975,03, por exceder a legítima dos herdeiros. O exequente não é herdeiro, pelo que, como os demais donatários e legatários não herdeiros, nada recebeu na partilha, sendo que a transmissão se opera pela própria escritura de doação, independentemente da partilha em inventário, com a obrigação de os herdeiros cumprirem os legados. Uma vez que, no inventário se procedeu à redução dos legados, têm os herdeiros a obrigação de cumprirem os legados apenas na parte excedente à sua redução. Caso os legatários já tivessem recebido o legado - eventualmente por força da execução da própria escritura de doação -, teriam, então, que repor aos herdeiros a parte correspondente à sua redução. Sendo os executados os herdeiros, é a eles que cabe o cumprimento dos legados - artigo 2265.º, n.º 1 do Código Civil - na proporção dos seus quinhões (n.º 3 do citado artigo), pelo que, cada um dos executados será responsável por metade daquela verba. Não pode é ser negado aos legatários o direito ao objeto do seu crédito “tal como o de cuius ou a lei o criaram dentro do património hereditário”, ficando estes com a faculdade de “demandar os herdeiros até integral pagamento dos seus créditos, dentro das forças da herança” - Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. VI, pág. 161. Considerando que no Mapa da Partilha estão evidenciadas todas as operações resultantes da inoficiosidade dos legados, com a respetiva redução de forma a não ofender a legítima dos herdeiros legitimários - conforme determinam os artigos 2168.º e seguintes do CC - é esse o valor a que o legatário tem direito. Uma vez que, como já vimos, a sentença proferida em processo de inventário se destina a homologar as operações de partilha constantes do despacho determinativo da forma à partilha e do mapa de partilha, fazem estas parte integrante da sentença homologatória que, assim, constitui título executivo, nem se compreendendo que, tendo ficado solucionadas todas as questões relativas à partilha, fosse necessário intentar nova ação comum de condenação de cumprimento do legado, quando o mesmo já foi objeto das operações de redução por inoficiosidade, obtendo-se o valor a que cabe aos herdeiros dar cumprimento (recorde-se que os legados eram todos constituídos por dinheiro - depósitos em contas bancárias). (…)”.

2. Apreciação do objeto do recurso

2.1. Alega o recorrente que os factos fixados na decisão de facto sob os pontos B), C), D), I), P) e Q), são totalmente carecidos de fundamento, designadamente, no acórdão da Relação de Guimarães referido nos factos P) e Q), o Tribunal da Relação não deu por assente nenhuns factos constantes da sentença da 1.ª Instância, limitando-se a interpretar a sentença, e se o exequente, aqui embargante, tinha ou não tinha título executivo para cobrar dos herdeiros, e do aqui embargado, o legado que foi reduzido de € 94.481,56 € para 23.075,03€, por lhe caber uma redução proporcional de 70.506.53 €.
Conclui que não podem ser levados à interpretação da sentença factos que dela não fazem parte, nem da lógica do objeto da decisão.
Conforme resulta do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Com efeito, a impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação[1].
No caso, o apelante não indica, nas conclusões da alegação ou no corpo da mesma, eventuais resultados específicos que pretenda ver reconhecidos em sede de impugnação na vertente de facto, nem indica os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da decisão recorrida.

No caso, facilmente se conclui que o apelante não observou os ónus previstos nos artigos 639.º, n.º 1, e 640.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC, o que configura fundamento legal de rejeição do recurso relativo à matéria de facto.
Por outro lado, a eventual consideração de factualidade irrelevante para o objeto da causa no âmbito da decisão ora recorrida constitui questão a apreciar em sede de ponderação do eventual erro na subsunção dos factos ao direito.
Com efeito, o próprio recorrente alude a um alegado erro de julgamento no que respeita à decisão de direito, sustentando que a interpretação da sentença não pode basear-se em factos exteriores à sentença que homologou o mapa de partilha, visto que a interpretação de uma sentença judicial é a busca do sentido da decisão, que deve ser literal ou, no máximo, a interpretação da decisão do objeto em causa, naquilo que era objeto da sentença.
Assim sendo, a discordância invocada pelo recorrente quanto aos pontos B), C), D), I), P) e Q), dos factos provados, e designadamente no que se refere ao alcance do decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, referido nos factos P) e Q), insere-se no âmbito da aplicação do direito aos factos e não em sede de impugnação da matéria de facto, atendendo ao objeto da presente apelação, sendo, portanto, de manter inalterada a factualidade dada como provada.
2.2. Atento o objeto da presente apelação, importa apreciar e decidir:
a)  da exequibilidade da sentença homologatória da partilha;
b) se a concreta sentença homologatória da partilha, dada à execução, constitui título executivo contra a ora recorrente/embargante relativamente ao valor de 65.098,80 €, reclamado pelo exequente a título de tornas, e juros legais.

Relativamente à primeira questão que importa dirimir em função das conclusões da apelação, não parece haver lugar a dúvidas.
Com efeito, o artigo 10.º, n.º 5 do CPC prevê que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
O título executivo configura requisito formal indispensável da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação[2].
Por outro lado, importa atentar no disposto no artigo 703.º, n.º 1, al. a), do CPC segundo o qual, apenas as sentenças condenatórias podem servir de base à execução.
Trata-se de uma manifestação dos princípios da legalidade e da tipicidade subjacentes às normas atinentes à formação dos títulos executivos, segundo os quais só podem servir de base ao processo executivo documentos a que seja legalmente atribuída força executiva[3].
Não obstante, tem-se discutido na doutrina e na jurisprudência se mesmo sentenças de simples apreciação ou constitutivas podem servir de título executivo quando contenham, de forma implícita ou tácita, uma componente condenatória[4].
Neste domínio, a doutrina e jurisprudência maioritárias vêm admitindo a exequibilidade das sentenças constitutivas das quais resulte implicitamente a imposição de uma obrigação[5].
Conforme já referia Alberto dos Reis[6], «ao atribuir eficácia executiva às sentenças de condenação, o Código quis abranger nesta designação todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente impõe a alguém determinada responsabilidade».
Porém, mesmo o entendimento que pressupõe uma interpretação menos rígida do possível efeito implícito da sentença - não como constitutivo, mas como condenatório -, assenta necessariamente no eventual caráter injuntivo da decisão, ou seja, pressupõe que da mesma resulte alguma imposição a que determinado destinatário fique adstrito.
Efetivamente é da natureza do título executivo conter o acertamento do direito, pelo que só se em face da sentença for possível concluir que aquela finalidade já se encontra assegurada é que será admissível a apresentação da sentença como título executivo da obrigação que implicitamente foi reconhecida[7].
Daí que na doutrina atual Lebre de Freitas defenda - em moldes que julgamos de sufragar inteiramente - que a exequibilidade da sentença de condenação implícita é admissível quando pela sentença haja sido constituída uma obrigação cuja existência não dependa de qualquer outro pressuposto[8].
Deste modo, «na expressão “sentenças condenatórias”, de que fala o artº 703º, nº. 1 al a), do CPC, estão incluídas todas aquelas sentenças que, de forma expressa ou implícita, impõem a alguém determinada responsabilidade ou cumprimento de uma obrigação, ou seja, a sentença, para ser exequível, não tem que, necessariamente, condenar expressamente no cumprimento de uma obrigação, bastando que essa obrigação dela inequivocamente emirja»[9].
Tal como também referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[10], «é da natureza do título executivo conter o acertamento do direito, de modo que se, em face da sentença, for possível concluir que aquela finalidade já se encontra assegurada, é de todo inútil a instauração de nova ação declarativa, admitindo-se a apresentação da sentença como título executivo da obrigação que implicitamente foi reconhecida. O facto de a sentença tornar segura, ainda que de modo implícito, a existência da obrigação basta para a sua exequibilidade, como ocorre em sede do processo de inventário, nos termos que constam do art. 1096º (…)», esclarecendo ainda que a restrição que pode ser apontada às sentenças de homologação de partilhas, sem uma expressa condenação, é agora radicalmente afastada pelo disposto nos arts. 1096º e 1120º, quer estando em causa a entrega de bens adjudicados (n.º 1 do art. 1096º), quer os créditos de tornas ou mesmo os créditos sobre a herança que tenham sido reconhecidos no processo de inventário (nº 2), a tal não obstando o facto de o art. 1106º, nº 1, prever a condenação no pagamento dos créditos reconhecidos, pois mesmo sem esta condenação explícita, a sentença homologatória da partilha é dotada de exequibilidade (art.º 1096º).
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-10-2025[11], «[p]odemos afirmar que a doutrina e a jurisprudência convergem no entendimento de que a sentença homologatória da partilha constitui título executivo quando conjugada com o mapa de partilha onde são definidos todos os quinhões hereditários e concreto preenchimento, e, determinados os valores correspondentes às tornas, quando as houver, com indicação quer do credor quer do devedor de tornas, no que aos interessados no inventário diz respeito. Em reforço dessa consideração, muito embora não estejamos perante uma sentença condenatória, concorre o disposto no art.º 1122.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que permite que, após o trânsito em julgado da sentença homologatória, e, se houver direito a tornas, os credores de tornas interessados no inventário possam pedir que se proceda, no processo de inventário, à venda dos bens adjudicados ao devedor de tornas, até onde seja necessário para o seu pagamento. Este procedimento simplificado, de cariz executiva, pode apenas ser desencadeado pelos credores de tornas, interessados no inventário dando assim efectividade à partilha homologada.
A sentença homologatória de partilha constitui título executivo bastante, nos termos do disposto no art.º 703.º, n.º 1, a) do Código de Processo Civil, para o cumprimento coercivo das obrigações que dela constam, isto é, as obrigações nomeadamente de pagamento de tornas nos valores apurados no inventário, e, relativamente aos sujeitos indicados no inventário».
Como se salienta no acórdão deste Tribunal da Relação de 28-02-2019[12], «a sentença homologatória de partilha em processo de inventário produz efeitos reais de constituição ou reconhecimento de certa propriedade singular ou outro determinado direito real. Também da mesma pode derivar a constituição/reconhecimento de concretas obrigações de diferente natureza.
Tudo depende do que tiver sido debatido e decidido no inventário e do respectivo âmbito objectivo e subjectivo. No inventário podem ser discutidas várias questões e as decisões proferidas relativamente às mesmas estão cobertas pelo caso julgado (…).
Tanto na execução para pagamento de quantia certa como na execução para entrega de coisa certa em consequência do inventário, o seu fundamento há-de ser encontrado naquele processo e no caso julgado formado no mesmo relativamente ao direito de crédito ou ao direito à obtenção da entrega de determinados bens».
Assim sendo, resta concluir que a sentença homologatória de partilha pode constituir título executivo bastante para o cumprimento coercivo das obrigações que dela constam.
Porém, o objeto da execução tem de corresponder ao objeto da situação jurídica acertada no título, o que requer a prévia interpretação deste[13] e nos remete para a apreciação da segunda questão enunciada supra.
Neste domínio, a decisão recorrida entendeu resultar do título executivo que ao executado/embargante foram adjudicados bens legados em valor superior àquele a que tinha direito de receber (70.506,53€ que resulta do excesso de testamento e sua quota parte no passivo), não se podendo olvidar que o cumprimento do legado, depois de ter sido reduzido, estará a ser discutido numa outra ação a correr termos também nesta instância executiva.
Conforme também resulta da fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal a quo considerou que: «(…) os direitos reconhecidos ao ora executado/embargante AA numa outra ação executiva não podem servir de impedimento ou obstáculo ao cumprimento das demais obrigações resultantes do mesmo título executivo - a sentença homologatória da partilha efetuada em sede de inventário - a favor de outro interessado/credor.
Assim sendo, resultando do título executivo dado à execução que o exequente BB tem direito receber a quantia de 65.098,80€, que corresponde à diferença entre o que deve receber a título de tornas (118.327,89€) e o que tem a pagar por excesso de liberalidades (53.229,09€), não há dúvida que a presente execução é o local próprio para peticionar o seu crédito.
O facto de o executado AA ser, eventualmente, credor do exequente BB (quanto ao cumprimento do legado) não poderá constituir razão válida, a nosso ver, para impedir este último de, querendo, cobrar as quantias que entenda que tem direito, e lhe sejam reconhecidas, sobre o executado AA.
Mais resulta do título que o exequente BB não é credor unicamente do exequente AA, sendo também responsável pelo pagamento da dita quantia a executada DD, contudo, por esta, entretanto, ter falecido, tal responsabilidade recai sobre o seu sucessor, o executado EE, razão pela qual, a responsabilidade do executado AA, neste processo, cifra-se apenas em metade do valor peticionado nos autos principais de execução pelo exequente BB.
(…)
Deste modo, a presente oposição à execução, mediante embargos de executado, terá de ser julgada improcedente, prosseguindo a execução os seus termos, ponderando a quota parte de responsabilidade do executado AA pela dívida exequenda, em face do disposto no artigo 2265.º, n.º3, do Código Civil, pois que o executado EE (sucessor de DD) poderá ser responsabilizado pela outra metade, o que será apreciado nos autos apenso de embargos de executado, que correm termos sob a letra ...)».
Porém, face aos concretos factos, ocorrências e elementos processuais que relevam para a decisão deste recurso, entendemos que a sentença homologatória da partilha, dada à execução, não constitui título executivo contra o ora executado/embargante/recorrente no que concerne ao reclamado valor de 65.098,80 € a título de tornas, e juros legais, sendo assim inexigível o pagamento da quantia exequenda.
Tal como decorre do disposto no artigo 1120.º, n.º 1 do CPC, do mapa de partilha devem constar os direitos de cada interessado e o preenchimento dos seus quinhões, de acordo com o despacho determinativo da partilha e os elementos resultantes da conferência de interessados.
Como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[14], na elaboração do mapa de partilha é essencial a metodologia imposta pelo número 3 do artigo 1120.º, do CPC, sendo ponderados os seguintes aspetos essenciais:
a) apuramento do ativo, mediante o somatório do valor de todos os bens em resultado das licitações ou, na ausência destas, da avaliação dos bens e, supletivamente, do valor que a eles tenha sido atribuído pelo cabeça de casal na relação de bens;
b) dedução ao ativo apurado das dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos; (…) os legados são os estabelecidos validamente em testamento (cf. arts. 2068º e 2097º do CC);
(…)
c) determinação do montante de cada quota e sua correspondência com cada espécie de bens; e,
d) composição de cada quota com referência às verbas ou lotes de bens, atendendo-se ao que foi deliberado na conferência de interessados e, na medida do possível, às licitações, pedidos de adjudicação de bens e composição de quinhões (…)».
Analisando o mapa da partilha que consta da certidão que acompanhou o título dado à execução, observa-se que as operações de partilha contemplaram a redução das liberalidades efetuadas pelo inventariado, até ao limite da quota disponível (504.021,63 €), reduzindo-se primeiro os legados testamentários, até perfazer integralmente o valor da legítima do inventariado.
Conforme também resulta do mapa em questão, o valor dos bens legados e doados (757.829,05 €) foi imputado na quota disponível, imputando-se o excesso (253.807,42 €) no quinhão legitimário dos legatários e donatários, sendo que o quinhão hereditário do único interessado/herdeiro CC, falecido depois do inventariado, caberá, em partes iguais, aos seus filhos, CC BB, netos do inventariado.
Mais decorre do mapa de partilha em questão a referência ao valor de 70.506,53 € como correspondendo ao excesso dos testamentos (incluindo a sua quota parte do passivo) relativo ao Legatário/Donatário, ora embargante/recorrente, AA, com menção de tal excesso se reportar unicamente às verbas 26-A, 27 e 27-A (1/2 da verba 26-A; ½ da verba 27 e ¼ da verba 27-A), sendo o valor global atribuído a estes bens legados de 94.481,56 € (por serem idênticos aos que foram legados a DD).
Acresce que, em lado algum do aludido mapa de partilha se menciona qualquer obrigação de pagamento de tornas por parte do legatário AA, aqui executado.
É certo que no mapa de partilha em referência se inscreveu o montante de 65.098,80 € como valor que o interessado/legatário/donatário BB tem a receber (diferença entre o que tem a receber de tornas e o que tem a pagar de excesso de liberalidades).
Porém, o mapa de partilha é absolutamente inócuo quanto à determinação dos devedores das referenciadas tornas, dele não constando em lado algum que o legatário, ora executado, AA, seja devedor de tornas no valor de 65.098,80 € ao ora exequente, BB.
Como - bem - salienta o recorrente nas alegações de recurso, «nenhum dos valores, nem o conjunto dos valores reportados como excesso dos legados do embargante AA e/ou DD são coincidentes com os valores que o embargado e/ou seu irmão têm “a receber” depois da redução dos seus legados, de 65.098,00€ ou de 58.762,66€», sendo que «a  pretensão de interpretação da sentença e Mapa de Partilha como que o cálculo da redução dos legados, e do legado do embargante, em € 70.506,53, fosse uma obrigação de tornas, já foi negada pelo Acórdão junto aos Autos, que fixou a natureza jurídica desse montante como de cálculo de redução do legado, de que resulta que o embargante é credor do legado de € 23.975,03».
Decorre da análise da decisão recorrida que a primeira instância valorou os factos que foram dados como provados nos embargos deduzidos pelo ora exequente no processo de execução n.º 248/24.2T8CHV, que lhe é movido pelo ora executado, ali exequente, Jerónimo Carvalho do Sousa - al. P) dos factos provados - em face dos quais entendeu ser o ora exequente, BB, credor dos legatários, ora executado e DD, da  quantia de 65.098,80€, quantia que veio reclamar dos executados nos autos principais de execução, dos quais estes embargos constituem um apenso.
Contudo, também aqui não podemos sufragar o entendimento vertido na decisão recorrida.
Transitada em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC.
Por outro lado, dispondo o artigo 621.º do CPC que «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga», verifica-se que o alcance do caso julgado decorre dos próprios termos da decisão. O caso julgado abrange apenas a parte decisória e não, em princípio, os fundamentos de facto e de direito em que se baseia, podendo os seus limites integrar a decisão de questões que constituam antecedente lógico que conduza à decisão final.
Deste modo, «a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
Daqui não decorre que o caso julgado se estenda aos próprios factos considerados provados na decisão em causa, assim não podendo tais factos ser invocados por si só, separadamente da decisão que com base neles tiver sido proferida - neste sentido, decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2018[15], no qual se entendeu o seguinte: «Os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente».
Contudo, «apenas à luz dos fundamentos de uma decisão se pode dar a qualificação jurídica à parte dispositiva. O título jurídico de onde emanam efeitos para a esfera do destinatário da decisão é, assim, a parte dispositiva nos termos dos fundamentos»[16].
Neste domínio, importa considerar as conclusões enunciadas no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-06-2023[17], em moldes que entendemos de sufragar inteiramente:
«(…) - A autoridade do caso julgado dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjetiva. Significando que tal dispensa se reporta apenas à identidade objetiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objeto da segunda ação e o objeto da primeira.
(…) - Exige-se, assim, que o caso decidido/julgado seja prejudicial em relação ao caso a decidir/julgar e que se inscreva, ainda que parcialmente, no objeto do processo a decidir.
(…) - Tem sido entendimento dominante da jurisprudência do STJ que o âmbito objetivo do caso julgado se estende à apreciação das questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão.
(…)».
Assim, revela-se consensual na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que «o âmbito objetivo da autoridade do caso julgado se estende à apreciação das questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão»[18].
Ora, como decorre das als. P) e Q) dos factos provados, nos embargos deduzidos pelo ora exequente no processo de execução n.º 248/24.2T8CHV[19] foi oportunamente proferido o acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 01-06-2023[20] que, na apreciação das questões preliminares que constituíam antecedente lógico necessário da correspondente parte dispositiva, interpretou devidamente, no confronto entre as partes, o sentido das referências constantes do mapa da partilha agora novamente em apreciação, nas quais se inclui a menção ao valor de 70.506,53 € como correspondendo ao excesso dos testamentos (incluindo a sua quota parte do passivo) relativo ao ora embargante/recorrente, AA, com menção de tal excesso se reportar unicamente às verbas 26-A, 27 e 27-A (1/2 da verba 26-A; ½ da verba 27 e ¼ da verba 27-A).

Neste domínio, cita-se, pela sua relevância, a seguinte fundamentação vertida no aludido acórdão desta Relação:
«(…)
No caso dos autos a sentença homologou a partilha constante do mapa, no qual se verifica que foi adjudicado ao exequente, além das verbas 33 e 34, o legado de metade da verba 26-A, metade da verba 27 e ¼ da verba 27-A (tudo no valor de € 147.301,56), sendo o valor do legado de € 94.481,56. O valor do legado foi reduzido à quantia de € 23.975,03, por exceder a legítima dos herdeiros.
O exequente não é herdeiro, pelo que, como os demais donatários e legatários não herdeiros, nada recebeu na partilha, sendo que a transmissão se opera pela própria escritura de doação, independentemente da partilha em inventário, com a obrigação de os herdeiros cumprirem os legados. Uma vez que, no inventário se procedeu à redução dos legados, têm os herdeiros a obrigação de cumprirem os legados apenas na parte excedente à sua redução. Caso os legatários já tivessem recebido o legado - eventualmente por força da execução da própria escritura de doação -, teriam, então, que repor aos herdeiros a parte correspondente à sua redução.
Sendo os executados os herdeiros, é a eles que cabe o cumprimento dos legados - artigo 2265.º, n.º 1 do Código Civil - na proporção dos seus quinhões (n.º 3 do citado artigo), pelo que, cada um dos executados será responsável por metade daquela verba.
Não pode é ser negado aos legatários o direito ao objeto do seu crédito “tal como o de cuius ou a lei o criaram dentro do património hereditário”, ficando estes com a faculdade de “demandar os herdeiros até integral pagamento dos seus créditos, dentro das forças da herança” - Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. VI, pág. 161.
Considerando que no Mapa da Partilha estão evidenciadas todas as operações resultantes da inoficiosidade dos legados, com a respetiva redução de forma a não ofender a legítima dos herdeiros legitimários - conforme determinam os artigos 2168.º e seguintes do CC - é esse o valor a que o legatário tem direito.
Uma vez que, como já vimos, a sentença proferida em processo de inventário se destina a homologar as operações de partilha constantes do despacho determinativo da forma à partilha e do mapa de partilha, fazem estas parte integrante da sentença homologatória que, assim, constitui título executivo, nem se compreendendo que, tendo ficado solucionadas todas as questões relativas à partilha, fosse necessário intentar nova ação comum de condenação de cumprimento do legado, quando o mesmo já foi objeto das operações de redução por inoficiosidade, obtendo-se o valor a que cabe aos herdeiros dar cumprimento (recorde-se que os legados eram todos constituídos por dinheiro - depósitos em contas bancárias).
(…)».
Note-se que, no acórdão agora citado, o Tribunal da Relação não apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto então deduzida, que considerou irrelevante em face da análise do próprio título executivo: a sentença homologatória da partilha, agora novamente em causa.
 Seguindo de perto os fundamentos enunciados na fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães antes citado, revela-se manifesto que se o legado efetuado ao ora executado foi reduzido no inventário para salvaguardar a legítima do herdeiro legitimário - e este legatário não chegou a receber o legado -, não existe justificação para o pagamento de tornas por parte deste último.
Com efeito, o artigo 2171.º do Código Civil dispõe que a redução abrange em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão.
Por sua vez, o artigo 2174.º, n. º1 do Código Civil estatui que, quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima.
Ora, incidindo o(s) legado(s) objeto de redução sobre bens divisíveis [no caso, dinheiro - depósitos em contas bancárias (1/2 da verba 26-A; ½ da verba 27 e ¼ da verba 27-A)], a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima, sendo por isso reduzido(s) até ao montante necessário para preencher a legítima, recebendo o legatário apenas uma parte do(s) legado(s).
Neste enquadramento, e uma vez que o legatário, ora recorrente/embargante, não é herdeiro, nada tem a restituir ou a compensar a título de tornas aos interessados/herdeiros, pois o respetivo legado foi já reduzido (ou extinto parcialmente) para proteger a legítima.
Pelo exposto, não resultando do título dado à execução que o executado seja devedor da invocada obrigação exequenda, resta concluir pela sua inexequibilidade, vício que é insuprível e determina a extinção da execução, nos termos do disposto nos artigos 726.º, n.º 2, al. a), 729.º, al. a), e 734.º, n.º 1 do CPC.
Daí que procedam integralmente as conclusões da apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida.

Síntese conclusiva:

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e os embargos deduzidos pelo ora recorrente, revogando a sentença recorrida e determinando a extinção da execução em relação ao embargante, com as legais consequências.
Custas pelo recorrido.

Guimarães, 27 de novembro de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Maria dos Anjos Melo Nogueira
(Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
António Beça Pereira
(Juiz Desembargador - 2.º adjunto)


[1] Cf. o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[2] Cf. Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, pgs. 54-55.
[3] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2020, p. 16.
[4] A propósito das orientações que têm vindo a ser defendidas no âmbito da doutrina e da jurisprudência sobre esta matéria, cf. Rui Pinto, A ação Executiva, 2020 2.ª Reimpressão, AAFDL Editora, pgs. 150 a 157.
[5] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 17.
[6] Cf. Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, reimpressão de 1985, p. 127.
[7] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - Obra citada -, p. 18.
[8] Cf. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, Gestlegal, p. 50.
[9] Cf. o Ac. TRC de 12-04-2018 (relator: Isaías Pádua), p. 3468/16.0T9CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Obra citada, pgs. 18-19.
[11] Relatora Ana Paula Lobo (p. 8509/19.6T8PRT-A. P2. S1.), disponível em www.dgsi.pt.
[12] Relator Joaquim Boavida (p. 28/18.4T8MNC-A. G1), disponível em www.dgsi.pt.
[13] Cf. Lebre de Freitas-Isabel Alexandre - Obra citada -, p. 55.
[14] Obra citada, pgs. 18-19.
[15] Relatora Rosa Tching, proferido na revista n.º 3811/13.3TBPRD.P1. S1 - 2.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[16] Cf., Rui Pinto Exceção e autoridade de caso julgado - algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, acessível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/1120181126-ARTIGO-JULGAR-Exceção-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto.pdf., p. 19.
[17] Relator Pedro de Lima Gonçalves, p. 25494/18.4T8LSB.L2. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[18] Cf., por todos, o citado Ac. do STJ de 11-07-2013.
[19] No qual é exequente o ora executado, Jerónimo Carvalho do Sousa.
[20] Relatora Ana Cristina Duarte.