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MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
NULIDADES DA SENTENÇA
Sumário
1) O direito da mediadora à retribuição acordada no âmbito de um contrato de mediação imobiliária pressupõe, por regra e sem prejuízo das exceções previstas na lei, que a mediadora tenha desenvolvido uma concreta atividade no sentido de angariar um interessado para a celebração do negócio, que o negócio visado pelo contrato de mediação tenha sido concretizado e que este negócio tenha sido celebrado com um terceiro angariado pela mediadora, de tal modo que se possa afirmar que a conclusão do contrato foi o resultado da atividade desenvolvida pela mediadora em virtude de esta se integrar na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido, ainda que não tenha sido a única causa; 2) O mediador só tem direito à remuneração quando haja desenvolvido uma atividade que haja influído na conclusão do negócio visado, sendo a sua atividade causal dessa efetivação; 3) A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a existência de um enriquecimento, que o mesmo, contra o qual se reage, careça de causa justificativa e que tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) EMP01..., Lda, que, também, gira sob a denominação comercial EMP02..., veio intentar ação declarativa, com processo comum, contra:
1) AA;
2) BB e mulher CC, casados sob o regime de comunhão de adquiridos;
3) DD;
4) EE;
5) FF;
6) GG, casada sob o regime de comunhão de adquiridos, com HH;
7) II;
8) JJ;
9) KK e marido LL;
10) EMP03..., Lda; e
11) MM,
onde conclui pedindo que se julgue provada e procedente a presente ação e, em consequência, se condene solidariamente os réus no pagamento do valor acordado, no montante de €21.063,75 (vinte e um mil e sessenta e três euros e setenta e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, desde 07.10.2020, até efetivo e integral pagamento, bem como demais despesas com o processo, incluindo custas de parte e encargos.
Mais pede que seja o réu MM condenado a pagar, solidariamente, com os demais réus o valor dos prejuízos da autora, consubstanciados nos seus honorários, nos quais se incluem todos os atos realizados pela autora e suas despesas, no montante de €21.063,75 (vinte e um mil e sessenta e três euros e setenta e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, desde 07.10.2020, até efetivo e integral pagamento, bem como demais despesas com o processo, incluindo custas de parte e encargos.
Alega, em síntese, que no exercício da sua atividade de mediação imobiliária, no início de 2018, foi contactada pela ré GG com vista à angariação do imóvel correspondente ao prédio rústico sito na ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz rústica sob o art.º ...31, tendo sido acordadas as condições de intermediação, mas por nem todos os comproprietários estarem de acordo em subscrever o contrato de angariação, o negócio não avançou, apesar da autora, na altura, ter angariado um interessado na aquisição do terreno.
Volvidos aproximadamente 2 anos, o comprador interessado na aquisição do prédio voltou a manifestar o seu interesse contactando um colaborador da autora, que entrou em contacto com a comproprietária GG, que após contacto com os demais comproprietários, informou que a proposta apresentada tinha sido aprovada pelos demais comproprietários, sendo que o proponente propôs a aquisição do terreno pelo valor final de €342.500,00, valor no qual estava incluído o pagamento da comissão da autora de 5%, acrescido do IVA, e o pagamento do valor líquido aos vendedores de €321.436,25.
Mais, alega que a autora desenvolveu diversas diligências para preparar a concretização do negócio, preparando a celebração do respetivo contrato-promessa que acabou por não ser concretizado, por exigência do réu MM, que arrogando-se a qualidade de legal representante da EMP03..., exigiu a celebração direta da escritura pública, que acabou por ser agendada para o dia 06/10/2020. Mais, alega que procedeu, ainda, às diligências necessárias à retificação de áreas do prédio, e de outras tantas diligências, designadamente tratamento de documentação de molde que tudo estivesse pronto para a realização da escritura no dia agendado. A pedido do réu MM, que alegou que o representante legal da EMP03... estaria impedido de comparecer no cartório no dia agendado, a escritura pública foi reagendada para o dia 07/10, mas nesse dia, a ré EMP03... cancelou o negócio a pretexto dos cheques bancários não terem sido remetidos até às 10h00 do dia anterior, informando que se os demais comproprietários quisessem manter a venda iria exercer o direito de preferência.
A escritura acabou por não ser concretizada, porque o réu MM manifestou que iria exercer o direito de preferência.
Sucede que, no dia 14/10/2020, foi celebrada a escritura de compra e venda do prédio à EMP03..., pelo preço de €281.256,73, recusando-se os réus a pagar à autora a respetiva comissão.
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Pelos réus LL, KK, HH, GG, BB, CC, FF, AA, DD, MM e EMP03..., Lda., foi apresentada contestação onde concluem entendendo que deve a ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se os réus de todos os seus pedidos, e condenando-se a autora nas custas do processo, nas custas de parte e nos demais encargos do processo, com as legais consequências.
Devem as exceções deduzidas na contestação ser julgadas procedentes, por provadas, absolvendo-se em conformidade os réus da instância ou dos pedidos, com as legais consequências.
Mais deve a autora ser condenada por litigância de má-fé no pagamento de uma multa processual adequada e de uma indemnização aos réus desta contestação no montante global de €8.000,00 (oito mil euros), conforme preteritamente alegado e justificado, com as legais consequências.
Deve o incidente de intervenção provocada requerido ser deferido, por provado, admitindo-se a chamada EMP04... Unipessoal Lda. a intervir nos autos, como associada aos réus, com as legais consequências.
Para tanto alegam, em síntese, que o contrato de mediação imobiliária, é nulo, não foi reduzido a escrito, não tendo sido comunicada aos réus uma proposta de venda com todos os elementos essenciais do negócio, nem para efeitos do exercício do direito de preferência, além de impugnarem a matéria alegada na PI, requerendo ainda a condenação da autora, como litigante de má-fé, em multa e numa indemnização, no valor global de €8.000,00.
Mais requereram a intervenção principal provocada da sociedade EMP04..., Unipessoal Lda., empresa interessada na aquisição do terreno, alegando ter sido esta quem deu causa à frustração do negócio.
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As rés JJ e II apresentaram contestação onde concluem entendendo que devem ser consideradas procedentes por provadas as inovadas exceções ou, se assim não suceder, o que se hipotisa por dever de ofício sempre deverá a ação ser considerada improcedente por não provada com as legais consequências.
Para tanto alegam, em síntese, que não celebraram qualquer contrato de mediação, que está sujeito à obrigatoriedade de forma escrita, de imobiliária com a autora para venda do imóvel identificado no artigo 2º da PI, nem acordaram a prestação de serviços de mediação da mesma, pelo que sempre seria nulo o contrato.
Por outro lado, o contrato de compra e venda celebrado não foi celebrado por efeito das diligências da autora, as rés não participaram das reuniões alegadas nos artigos 40º e 41º da PI, nem acompanharam as mesmas, sendo alheias às respetivas conclusões e desfechos, pelo que nunca poderiam ser responsabilizadas pelo pagamento de qualquer comissão ou o que seja à autora, impugnando a factualidade alegada pela autora.
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Foi proferido despacho que não admitiu a requerida intervenção principal provocada.
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B) Foi elaborado despacho saneador, foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, realizou-se julgamento e foi proferida sentença onde foi decidido:
- Declarar nulo o contrato de mediação imobiliária celebrado entre a autora e os réus, por inobservância da forma legalmente exigida.
- Julgar a ação parcialmente procedente, condenando os réus, com exceção do réu MM, a pagar à autora a quantia de €21.063,75 (vinte e um mil e sessenta e três euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
- Absolver o réu MM dos pedidos.
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C) Inconformados, vieram interpor recurso, por um lado, a ré II (I.) e, por outro, os réus AA, BB, CC, DD, FF, GG, HH, KK, LL e EMP03..., Lda. (II.), os quais foram admitidos como sendo de apelação a subirem imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (cfr. fls. 510).
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I. Nas alegações de recurso da ré II, são formuladas as seguintes conclusões:
1º Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls., por se entender que se impõe a modificação da decisão “a quo”, que julgou procedente a ação e condenou os réus no pagamento da quantia de €21.063,75, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
2º Normas Jurídico - Civis que a recorrente considera incorretamente aplicadas:
-Art. 16º, nº 1 e 5, 19º, nº 1 e 2, da Lei 15/2013, de 08 de fevereiro;
-Art. 289º, nº 1, do C.C.
3º Pontos concretos da matéria de facto, que a recorrente considera incorretamente julgados:
Dos factos provados: ii)
Dos factos não provados: a), b) e d).
4º Da matéria constante dos pontos K, L e M dos factos provados, resulta manifesta insuficiência da matéria de facto para a decisão, pois o Tribunal “a quo” não poderia ter concluído, como o fez, pela aplicação do regime relativo aos contratos, em regime de exclusividade, pois tal matéria não resulta da decisão quanto à matéria de facto.
5º A matéria constante do ponto ii) dos factos provados deveria ter sido dada como não provada, uma vez que dos presentes, não resulta qualquer elemento probatório que permitisse concluir como se concluiu, de que a recorrente e corré JJ tivessem conhecimento da obrigatoriedade de pagamento de qualquer comissão, tanto mais que não foi junta qualquer interpelação para pagamento.
6º A matéria constante da al. a), dos factos não provados, deveria ter sido dada provada, uma vez que a aqui recorrente, tal como a ré JJ apenas tinham conhecimento do montante que iriam receber com a realização da venda, não tenho tido qualquer intervenção na negociação, junto da recorrida e nem mesmo na escritura.
Assim, a ré JJ, aos minutos 00:05:47 “Ah, KK. E não esteve presente no dia da escritura? Nem a Sra. nem a sua mãe?”, e respondido pela mesma, aos minutos 00.05.47 “Não.”. Tendo ainda referido, aos minutos 00:04:38, “GG- Sabe se a pessoa que iria adquirir o prédio, portanto, sabia quem era essa pessoa?
R- Não, na altura não sabia. Era uma imobiliária. GG- Sabe o quê que foi acordado quanto ao pagamento da comissão da imobiliária? R- (00.05.01) Não.
GG- Também não sabe. Portanto a Sra. nessa altura já tinha dado o seu acordo à venda, é isso? R- (00.05.19) Eu fiz uma Procuração para, para, para poderes de venda, porque na altura a minha mãe estava com problemas de saúde e nós não poderíamos estar se calhar no dia da escritura presentes e passámos uma procuração. GG- A quem? R- (00.05.35) KK. GG- Diga? R- KK. GG- Ah,
KK. E não esteve presente no dia da escritura? Nem a Sra. nem a sua mãe? R- (00.05.47) Não.”.
7º E a ré GG referenciou que não tinha poderes dos demais. Assim, aos minutos 01.41.50 disse “Só falámos na altura da fase da promessa de compra e venda. Porque como não dava jeito ir a ... para assinar, e para que de facto o documento fosse enviado a cada herdeiro, falámos sem fazer as procurações.”.
8º O facto constante da al. b) dos factos não provados deveria ter sido dado como provado, pois conforme resultou das declarações do legal representante da recorrida, NN, o contrato em apreço não estava sujeito a exclusividade. Assim, aos minutos 01.30.20 afirmou que “(…) o assunto “exclusividade” em 2020 não é assunto, porque eles não queriam exclusividade em 2018, também não vão querer em 2020.”, pelo que não seria possível afirmar-se que a autora, aqui recorrida, não soubesse que apenas poderia ter direito a qualquer comissão, caso a venda se viesse a concretizar com o interessado proponente.
9º O facto constante da al. d), dos factos não provados deveria ter sido dado como provado, pois que, se no ano de 2018, a recorrida, dando cumprimento às suas legais obrigações, elaborou o CMI, que não foi aceite, pois não obteve consenso de todos os comproprietários relativamente às condições impostas, no ano de 2020, tal questão sequer foi falada, como se impunha.
Assim, a ré GG aos minutos 00.18.24 afirma “Não, nunca mais foi falado fazer-se contrato de mediação.”, questão em que a Meritíssima Juiz insistiu, questionando “Nunca mais foi falado fazer-se contrato. Mas o contrato foi concretizado ou não? “, tendo a referida ré reiterado, aos minutos 00.18.37 , que “Não.”. Ainda, nesta senda, questionada pela Meritíssima Juiz “Oiça, mas em 2020 essa questão foi abordada com o Sr. OO?”, insistiu a ré, aos minutos 00.19.14, “Não, não.”.
10º O legal representante da recorrida NN, aos minutos 01.31.27 afirmou que “(…) Contrato de Mediação Imobiliária seria assinado aquando do Contrato Promessa. O Contrato Promessa ia ser elaborado, ia ser mandado para analisar para todas as pessoas, se todos estivessem de acordo ia ser assinado o CMI e ia ser assinado o CPCV.”.
11º Este ainda tentou justificar, alegando que depois iria ser assinado aquando da assinatura da escritura, pois estavam de boa-fé. Porém, as circunstâncias e o contexto concreto, desmentem cristalinamente tal alegação, pois relatou as dificuldades relativas à outorga do primeiro CMI e bem assim os entraves colocados, designadamente pelo réu MM, inexistindo, por conseguinte, razões para acreditar que o mesmo iria ser outorgado na data da escritura.
12º O legal representante PP, acabou por admitir que não houve preocupação, por parte da recorrida em concretizar o CMI. Assim aos minutos 21:44, em 2020, houve essa conversa com o QQ, falou-se com a GG, vendemos não vendemos, preço, negociou-se o valor, a ideia era fazer contrato-promessa e fazer contrato de mediação em simultâneo, certo? Mm.ª Juiz: não é certo, não é essa a prática habitual. PP: não é essa a prática habitual, é um facto, mas EMP02... assim que imaginávamos fazer as coisas. Mm.ª Juiz: Mas no dia 20 e tal de agosto, na segunda reunião ficou acertado que não ia haver contrato-promessa, podiam na mesma ter assinado o CMI, não é? PP(22:21): o contrato de mediação estava preparado para ser assinado. Mm.ª Juiz: e porque é que não foi assinado? PP (22:23): Não foi assinado porque marcou-se a escritura estávamos ali, foram apresentadas as partes. Mm.ª Juiz (22:29): Ouça, isto foi em agosto, a escritura estava marcada para outubro, ou seja, pelo menos um mês e meio depois, deviam ter assinado o CMI e salvaguardavam a vossa posição, não é? PP (22:38): Nós partimos da ideia... Mm.ª Juiz: não estamos a falar de amadores, não é? Digo eu. PP (22:45): não é questão de amadores, estamos a falar de credibilidade e confiança. O nosso cliente comprador é uma pessoa da nossa confiança, os vendedores nunca mostraram qualquer má vontade ou não vontade de fazer o negócio, estava tudo acertado, emails trocados, conversas. Mm.ª Juiz (23:00): o senhor está a dizer que já havia aí da parte do Sr. MM aí muitas confusões, não é? Portanto, mais uma razão para se terem salvaguardado. PP (23:10): Pois provavelmente. Mm.ª Juiz (23:11): Nesse momento pelo menos a assinatura dele podiam ter colhido não sei digo eu... PP: Pois podíamos ter feito. Mm.ª Juiz (23:15) : ou então haver alguém que tivesse poderes para representar todos os comproprietários, que pelos vistos não havia, não é? A D. GG não representava todos os comproprietários, certo? PP: certo, é um facto. Mm.ª Juiz (23:33): ela representava que comproprietários? PP (23:26): Não sei dizer quais, aliás quem vinha com as procurações nas escrituras... Mm.ª Juiz: nem era ela? PP (23:43): era a KK.”.
13º Nos presentes autos cumpre compulsar o regime previsto na Lei 15/2013, de 08.02, que estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária, conformando-o com a disciplina constante do Decreto-Lei nº 92/2010, de 26 de julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, ut artigos 16º, nº 1 e 5, 19º, nº 1 e 2 e bem assim o estatuído no artigo 289º, nº 1, do C.C..
14º Parte do pressuposto errado de que seriam aplicáveis as regras dos contratos sujeitos ao regime de exclusividade, o que não sucedeu in casu, tal como explanado supra em sede de reapreciação da matéria de facto. Desde logo, os próprios legais representantes da recorrida disseram expressamente que o contrato não estava sujeito às regras de exclusividade. Assim NN, aos minutos 01.30.01 é afirmado “(…) nunca, não houve aqui exclusividade, nem houve aqui, na minha maneira de ver essa questão da exclusividade não está aqui em cima da mesa porque o contrato de mediação que foi proposto para eles assinarem eles nunca o assinaram e não ia ser em exclusividade. Até poderia ser, se o acordo estivesse em cima da mesa. Até poderia ser. Agora não é, não é…”.
15º Mas mesmo que assim não sucedesse, sempre se chegaria à mesma conclusão, por força da nulidade, por vício de forma. Com efeito, atenta a obrigatoriedade de redução a escrito do CMI, sob pena de nulidade, sempre seria exigida a redução a escrito da cláusula de exclusividade, o que não sucedeu e resulta dos factos provados. Neste sentido, o Ac. do TRL, de 25.01.2022, P. 6047/19.6T8LSB.L1-7, Relator: Conceição Saavedra, in www.dgsi.pt, o Ac. TRG, de 19.01.2023, P. 3035/21.6T8BRG.G1 Relator: Maria Eugénia Pedro, in www.dgsi.pt.
16º Nem se diga que a invocação da nulidade por parte da recorrente consubstanciaria Abuso de direito, nos termos previstos no artigo 334º, do C.C., uma vez que em momento algum, os réus deram a entender que não arguiriam a referente nulidade, tão pouco foi fixada qualquer matéria factual nesse sentido.
17º O Tribunal “aquo” não poderia fixar o valor da remuneração da imobiliária, em monta equivalente ao da comissão acordada, o que mais uma vez enferma de erro na aplicação do direito. Neste sentido o Ac. TRL, de 09.06.2005, P. 4801/2005-6, Relator: Gil Roque, in www.dgsi.pt. o Ac. TRC, de 06.03.2012, P. 2372/10.0TJCBR.C1, António Beça Pereira, in www.dgsi.pt.
18º Sem prescindir, e ainda que alguma quantia fosse devida à recorrida, (apesar de não peticionada e concretizada), a mesma não poderia ser exigível à aqui recorrente e mesmo aos outros réus que não à RÉ sociedade. Com efeito, e compulsada a prova produzida concluiu-se que acordaram que seria o comprador a liquidar diretamente à imobiliária a comissão estabelecida, daí, o constante da al. bb) dos factos provados.
Neste sentido a R. GG, aos minutos 0.1.25.42 afirmou o seguinte “O que estava combinado com a EMP01... é que nós pagaríamos o líquido e que o cliente pagava a comissão diretamente à EMP01.... Era assim que estava combinado.
Também o legal representante da Recorrida NN, aos minutos 01.34.43 diz “(…) o valor de venda de venda ia ser pago em diferentes cheques e num deles estaria a nossa comissão.”.
O legal representante NN, aos minutos 01.33.34 é confrontado pela Ilustre Mandatária da aqui recorrente do seguinte “Olhe, relativamente também à questão do cheque para pagamento da vossa comissão, já foi aqui falado amplamente que seria o comprador a fazer esse pagamento.”,
Neste seguimento tendo NN respondido que aos minutos 01.33.52 “Do valor global do negócio era retirado um cheque com a nossa comissão.”.
Já o comprador QQ declarou, aos minutos 07:20, que foi o Sr. MM que mandou fazer a divisão dos cheques. “Isso foi a divisão dos cheques que ele mandou fazer, o Sr. MM na altura”.
Também o seu procurador RR, aos minutos 19.52, referiu que era o procurador que ia pagar “tenho ideia de terem sido vários, como estava a dizer há bocado, tenho ideia de terem sido vários, um para cada comproprietário e se não estou em erro, mais um à EMP01..., que seria referente à comissão”.
19º Por conseguinte, e na ausência de contrato reduzido a escrito que enunciasse os termos do acordado, sempre deveria prevalecer o que foi estabelecido pelas partes intervenientes na negociação, que, reitera-se, não teve a participação da aqui recorrente, nem da corré JJ.
Termina entendendo que deve o presente recurso ter provimento e, em consequência, ser integralmente revogada a sentença recorrida.
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II. Nas alegações de recurso dos réus AA, BB, CC, DD, FF, GG, HH, KK, LL e EMP03..., Lda. são formuladas as seguintes conclusões:
1. Na fundamentação (página 20) da douta sentença o tribunal recorrido diz o seguinte: “Os tribunais tem acolhido o entendimento de que no caso de ser celebrado um contrato de mediação, em regime de exclusividade, sem redução a escrito (tacitamente celebrado), é na mesma devida remuneração, desde que o negócio visado seja acertado, isto é desde que haja um interessado efetivo para o mesmo que aceite as condições do vendedor, ainda que aquele não se concretize por culpa imputável ao cliente proprietário”
2. Porém, não consta de qualquer facto provado, como também não consta de qualquer facto não provado, que o contrato de mediação na forma tácita estivesse sujeito a um acordo de exclusividade, porquanto o que decorre da prova dos autos é que na negociação tácita não foi acordada a exclusividade na mediação da compra e venda do prédio.
3. O raciocínio, a convicção e a fundamentação da sentença estão errados, a exclusividade considerada pelo tribunal recorrido não se encontra suportada nos factos provados, sequer na demais prova nos autos, e o tribunal cometeu erro de julgamento.
4. Os depoimentos dos réus, GG e MM, e do representante legal da autora, NN, entre outros depoimentos, conforme reproduzidos nos locais próprios nas alegações do recurso, todos convergem que não houve acordo entre os comproprietários e a mediadora para a exclusividade desta.
5. Não havendo cláusula de exclusividade na mediação, como não há no caso em mérito, assim como não houve contrato-promessa escrito, não é aplicável o disposto artigo 19º nº 2 da Lei nº 15/2013, de 8 de fevereiro, e o tribunal recorrido, que declarou a nulidade do contrato de mediação, também deveria declarado a inexistência de cláusula de exclusividade, o que não fez.
6. Sobre o direito à remuneração pronunciou-se o douto acórdão da Relação de Guimarães proferido por unanimidade no dia 16/12/2021 no processo nº 600/20.2T8FAF.G1, cujo sumário é do seguinte teor:
“1. A remuneração do contrato de mediação imobiliária encontra-se prevista de forma imperativa no nº 1 do artigo 19º do DL 15/2013: constitui-se com a celebração do contrato visado ou, nos casos em que foi expressamente acordado que independentemente da concretização do negócio visado a mesma seria devida pela celebração do contrato-promessa, nesse momento.
2. São três os requisitos para que a mediadora possa exigir o pagamento da remuneração, nos termos do nº 2 do artigo 19º do DL 15/2013: 1- que o contrato de mediação tenha sido celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; 2 - que tenha sido acordado o regime de exclusividade; 3 - e que a não concretização do negócio visado tenha causa imputável ao cliente.
3- Porque com esta norma não se pretende transferir o risco do negócio de mediação para a contraparte (o cliente da mediadora), mas defender a mesma dos comportamentos desta que violem o contrato celebrado entre ambos, também aqui, para se verificar o dever de remunerar apesar da falta de celebração do contrato definitivo, se exige a culpa da contraparte (o cliente devedor), nos termos gerais previstos no artigo 798º do Código Civil.
4- Quanto aos ónus da prova, há que considerar que quem quiser beneficiar desta norma tem que provar os seus factos constitutivos ou pressupostos, entre os quais aqueles que permitam determinar a quem é imputável a não concretização do negócio.
7. Do mencionado douto acórdão resulta que são três os requisitos (cumulativos) para que a mediadora possa exigir o pagamento da remuneração:
a) Que o contrato de mediação tenha sido celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel;
b) Que tenha sido acordado o regime de exclusividade;
c) Que a não concretização do negócio visado tenha causa imputável ao cliente.
8. Também o douto acórdão proferido no dia 25-01-2022 no processo nº 6047/19.6T8LSB pela Relação de Lisboa aborda a mesma matéria disponível e consultável em www.dgsi.pt.
9. Verificando-se que o requisito da existência de um acordo em regime de exclusividade não está preenchido no caso dos presentes autos, não carece de prosseguir a análise dos restantes requisitos, cumulativos, para concluir que não há lugar à responsabilidade demandada nos autos - cfr. art.º 483º do CC.
10. Na falta desse pressuposto legal não pode a mediadora exigir a remuneração pela negociação tácita, nem poderia o tribunal recorrido condenar, como condenou, os recorrentes a pagarem uma remuneração, e ao decidir desse modo cometeu erro de julgamento, devendo a decisão ser revogada pelo tribunal de recurso, com as legais consequências.
11. A interpretação concreta que o douto tribunal recorrido deu para considerar a exclusividade, que não julgou provada ou não provada, mas que foi determinante para o desfecho da lide, é incorreta e evidencia erro de julgamento, por vício de violação da lei quanto à matéria de facto e de direito em causa mormente por ofensa do disposto nos artigos 410º nº 2, 416º, 417º, 418º, 875º e 1409º todos do CC, e das normas aplicáveis sobre a responsabilidade extracontratual e sobre a mediação.
12. Sendo também inconstitucional por violar o disposto quanto aos direitos, aos princípios e às garantias constitucionalmente consagradas, como sejam o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade, o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança plasmados respetivamente nos artigos 13º, 18º nº 2 e 20º nº 4 e as normas constitucionais constantes dos artigos 202º nº 2 e 3, 203º e 204º todos da Constituição.
13. A existência de vício de violação da lei determina a inconstitucionalidade da decisão recorrida, porquanto o decidido é violador dos princípios constitucionais preteritamente indicados quando o tribunal está obrigado a aplicar as leis e a fazer justiça.
14. Para os efeitos do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, deve ser revogado o decidido na primeira instância e julgar-se provado o seguinte facto, que deve ser acrescentado:
“Não foi convencionada entre as partes a mediação com exclusividade da mediadora, a autora”.
15. A douta sentença recorrida, não se tendo pronunciado quanto à matéria de facto sobre a exclusividade na mediação, mas que considerou como dado assente na fundamentação da decisão, cometeu a nulidade a que se refere o disposto no artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC, que argui para os efeitos do disposto nos artigos 195º e seguintes do CPC.
16. Verifica-se também uma contradição entre a fundamentação e a matéria de facto provada e não provada, o que constitui nulidade para os efeitos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC, que argui para os efeitos do disposto nos artigos 195º e seguintes do CPC.
17. Como bem decidiu o já mencionado acórdão da Relação de Guimarães, quanto aos ónus da prova (ponto 4 do sumário), há que considerar que quem quiser beneficiar desta norma tem que provar os seus factos constitutivos ou pressupostos, entre os quais aqueles que permitam determinar a quem é imputável a não concretização do negócio; no caso dos autos, a autora não fez prova dos factos constitutivos sobre a existência de um acordo quanto à exclusividade da mediadora, o que deve ser considerado pelo tribunal de recurso, com as legais consequências.
18. Nestas circunstâncias, faltando um dos requisitos cumulativos que a lei e a jurisprudência defendem, isto é, um acordo de exclusividade, não tem a autora o direito à remuneração, sendo que o contrato não foi concluído para o interessado que indicou e não se verificou a perfeição do negócio.
19. Do facto provado l) deveria ter-se considerado que nunca foi apresentada a todos os comproprietários para a aquisição de todo ou de parte do prédio em causa uma proposta escrita contendo com as condições essenciais do negócio, como a área do terreno correta, as quotas-partes a comprar, o preço, as condições de pagamento, o sinal ou caução ou garantia, assinada pelo interessado ou representante legal, que lhes tivesse sido enviada pelo meio e na forma legais em carta registada com aviso de receção ou notificação judicial avulsa.
20. O que a autora comunicou apenas à ré GG, não configura uma proposta de compra do prédio, antes uma indicação de um interessado com algumas condições, sem a sua assinatura, que se revelaram insuficientes, porque não continha diversas condições, entre as quais se pretendia comprar as quotas-partes de todos os dez comproprietários, facto que o interessado invocou quando se recusou a fazer a escritura no dia 07-10-2020; tal comunicação não foi contida em documento que estivesse assinado pelo interessado, antes foi apresentada por mail que não contém a assinatura do eventual interessado ou proponente da aquisição.
21. Nos autos não existe qualquer declaração recipienda de qualquer das partes, nem do interessado nem de todos os comproprietários, a dizer de uma forma clara e inequívoca, pela forma legal, com os requisitos legais, e assinado pelos respetivos intervenientes que aceitavam comprar e vender; os comproprietários nunca apresentaram ou assinaram qualquer proposta de venda das suas respetivas quotas-partes ao interessado EMP04... ou à autora da totalidade do prédio.
22. A proposta para a celebração de um contrato tem de ser completa, precisa, firme e formalmente adequada – neste sentido vai o douto acórdão proferido pelo STJ em 14-07-2010 no processo 3684/05.0TVLSB.L1.S1 disponível e consultável no link https://www.dgsi.pt/jstj. nsf/-/638AAD44A5A9BF388025776000580D13.
23. A proposta de venda de um imóvel e a sua sequente aceitação constituem duas declarações recipiendas das partes, que levarão à conclusão de um verdadeiro contrato de compra e venda e não a um contrato autónomo deste, um contrato-promessa de compra e venda. Sendo, porém, aquele contrato pelas partes gizado, nulo, se não tiver a forma legalmente prescrita - cfr. o douto acórdão proferido pelo STJ em 14-07-2010 no processo 3684/05.0TVLSB.L1.S1 disponível e consultável no link https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/638AAD44A5A9BF38802577600 0580D13.
24. Não existem declarações recipiendas em ambos os sentidos da compra e da venda, pelo que não pode o tribunal recorrido fundamentar os factos provados na existência de culpa in contrahendo.
25. Não havendo proposta de compra que tenha sido apresentada pelo interessado EMP04..., e que tenha dado cumprimento aos requisitos formais e que dela constem todas as condições essenciais, também não se pode falar em incumprimento in contrahendo.
26. O tribunal recorrido cometeu erro de julgamento, porquanto a proposta que considerou não preenche os requisitos legais do artigo 410º, nº 2 e 875º e não dá cumprimento ao disposto nos artigos 1409º, 416º, 417º e 418º todos do Código Civil, uma vez que o objeto do negócio em causa é um imóvel; nestas circunstâncias, a dita proposta é nula ou inexistente conforme o disposto no art.º 220º do CC, o que deve ser declarado pelo tribunal de recurso, com as legais consequências.
27. A interpretação concreta que o douto tribunal recorrido deu para considerar e fundamentar a apresentação por um interessado através da mediadora de uma proposta de compra aos comproprietários do prédio é incorreta, por vício de violação da lei mormente por ofensa do disposto nos artigos 410º nº 2, 416º, 417º, 418º, 875º e 1409º todos do CC.
28. Sendo também inconstitucional por violar o disposto quanto aos direitos, aos princípios e às garantias constitucionalmente consagradas, como sejam o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade, o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança plasmados respetivamente nos artigos 13°, 18° n° 2 e 20º nº 4 e as normas constitucionais constantes dos artigos 202º nº 2 e 3, 203º e 204º todos da Constituição.
29. A existência de vício de violação da lei determina a inconstitucionalidade da decisão recorrida, porquanto o decidido é violador dos princípios constitucionais preteritamente indicados quando o tribunal está obrigado a aplicar as leis e a fazer justiça.
30. Pelo que, para os efeitos do disposto no artigo 640º nº 1 alíneas a) e c) do CPC deve o facto provado l) ser alterado na sua redação, substituindo-se a expressão “proposta” pela expressão “manifestação de interesse” no local próprio.
31. Quanto ao facto provado m), a ré GG, enquanto comunicou com a autora, não representava todos os comproprietários do prédio, e a ré EMP03... Lda. não se fez representar nem passou procuração à GG para negociar em nome da empresa; pelo que o tribunal recorrido cometeu erro de julgamento.
32. A interpretação concreta que o douto tribunal recorrido deu para julgar provado o facto m), e para considerar a apresentação de uma proposta de compra aos comproprietários do prédio por um interessado através da mediadora é incorreta, por vício de violação da lei mormente do disposto nos artigos 410º nº 2, 416º, 417º, 418º, 875º e 1409º todos do CC atenta a matéria de facto e de direito em causa.
33. Sendo também inconstitucional por violar o disposto quanto aos direitos, aos princípios e às garantias constitucionalmente consagradas, como sejam o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade, o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança plasmados respetivamente nos artigos 13º, 18º nº 2 e 20º nº 4 e as normas constitucionais constantes dos artigos 202º nº 2 e 3, 203º e 204º todos da Constituição.
34. A existência de vício de violação da lei determina a inconstitucionalidade da decisão recorrida, porquanto o decidido é violador dos princípios constitucionais preteritamente indicados quando o tribunal está obrigado a aplicar as leis e a fazer justiça.
35. Pelo que, para os efeitos do disposto no artigo 640º nº 1 alíneas a) e c) do CPC deve o facto provado m) ser alterado na sua redação, substituindo-se a expressão “proposta” pela expressão “manifestação de interesse” ou outra semelhante, que o tribunal de recurso considere conveniente no local próprio.
36. Quanto ao facto provado q), em parte alguma das declarações que o réu MM prestou, como procurador da ré EMP03... Lda., bem como em parte alguma das comunicações escritas que realizou por mail, referiu que aceitava o negócio com o interessado indicado pelam autora; porém, as suas declarações não foram valoradas pelo tribunal recorrido.
37. Pelo teor das suas declarações nos autos, conforme transcritas nas alegações de recurso, o procurador da EMP03... Lda. não concordou com a venda direta, disse que ia comparecer na escritura, mas que havia obstáculos à celebração da escritura para o interessado, como a falta de comunicação de uma proposta a todos os comproprietários na forma legal e pelo meio legal, o direito de preferência, a inexatidão e a necessidade de retificação da área do prédio, o sinal.
38. Em parte alguma dos autos, documental ou testemunhal, consta que a ré EMP03... acordou a venda direta a interessado na reunião de 21-08-2020.
39. O decidido pelo tribunal recorrido não reflete o julgamento da causa quanto ao facto provado q), e cometeu erro de julgamento.
40. A interpretação concreta que o douto tribunal recorrido deu para julgar provado o facto q), e considerar que foi acordada a realização direta da escritura de compra e venda é incorreta, por vício de violação da lei mormente por ofensa do disposto nos artigos 410º nº 2, 416º, 417º, 418º, 875º e 1409º todos do CC quanto à matéria de facto e de direito em causa.
41. Sendo também inconstitucional por violar o disposto quanto aos direitos, aos princípios e às garantias constitucionalmente consagradas, como sejam o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade, o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança plasmados respetivamente nos artigos 13º, 18º nº 2 e 20º nº 4 e as normas constitucionais constantes dos artigos 202º nº 2 e 3, 203º e 204º todos da Constituição.
42. A existência de vício de violação da lei determina a inconstitucionalidade da decisão recorrida, porquanto o decidido é violador dos princípios constitucionais preteritamente indicados quando o tribunal está obrigado a aplicar as leis e a fazer justiça.
43. Pelo que, para os efeitos do disposto no artigo 640º nº 1 alíneas a) e c) do CPC deve o facto provado q) ser alterado na sua redação, devendo ser eliminado a parte “… e na qual foi acordada a realização da escritura definitiva de compra e venda, agendada para o dia 05 de outubro de 2020, bem como que previamente à escritura o comprador teria que enviar cópias dos cheques bancários/visados até às 10h00 do dia da escritura”; devendo apenas consignar-se como provado que: ” Para suprir as objeções que foram sendo levantadas pelo réu MM, designadamente quanto à identificação do comprador, a autora promoveu a realização de uma reunião entre o réu MM e o interessado na aquisição do terreno QQ, que se concretizou no dia 21 de agosto de 2020”.
44. Quanto ao facto não provado c), o tribunal recorrido deveria ter considerado provado esse facto; ao decidir diversamente cometeu erro de julgamento.
45. Como resulta dos autos, o réu MM, como procurador da ré EMP03..., solicitou por várias vezes à autora a apresentação de uma proposta, nomeadamente, no dia 17-07-2020, às 21h00, no dia 20-07-2020, às 10h41, e no mesmo dia 20-07-2020, às 11h55, e ainda no dia 22-08-2020 conforme o facto provado s); o tribunal não valorou o que consta escrito nestes mails, que comprovam suficientemente que os comproprietários nunca receberam uma proposta escrita, assinada e com todas as condições essenciais do eventual negócio.
46. O tribunal recorrido não valorou as declarações do réu MM, que no seu depoimento nunca disse que ia comprar ou vender ou exercer o direito de preferência, porque nenhum comproprietário foi notificado de uma proposta de compra escrita, assinada pelo interessado ou representante legal, e com todas as condições essenciais (que sempre desconheceu), que nunca foi comunicada a todos os comproprietários pelo meio e na forma próprios.
47. A ré EMP03... Lda. nunca recebeu uma proposta do interessado indicado pela mediadora e assinada pelo representante legal, com os requisitos legais e na forma legal, e por essa razão, nunca aceitou vender a sua quota-parte ao interessado e não emitiu nunca uma declaração de aceitação; apenas no dia 06-10-2020 a EMP03..., Lda. decidiu que não vendia a sua parte no prédio; e até ao dia 07-10-20202, a data da escritura, nunca soube se todos os restantes consortes tinham sido notificados ou não da proposta de compra.
48. O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão nos depoimentos verbais das testemunhas da autora quando, de facto, está em causa a compra e venda de um imóvel, que para se transmitir a lei exige a forma de escritura pública, assim como exige a formalização de uma proposta escrita e assinada pelo interessado com os requisitos formais e as condições essenciais do negócio e caucionada com pelo menos dez por cento do seu valor.
49. O tribunal deveria ter declarado que nos autos não existe nenhuma proposta de compra de todo ou parte do prédio e que o negócio não estava concluído quando foi apresentado para a escritura; assim como deveria ter declarado a nulidade do negócio por falta de forma.
50. No dia da escritura os comproprietários não tinham recebido do interessado ou da autora uma proposta na forma legal com as condições essenciais do negócio, e apresentaram-se na escritura sem estarem obrigados a dar preferência, o que também justifica as declarações da ré KK que estava lá para vender, conforme o documento nº 24 junto à petição inicial.
51. Na douta sentença proferida, o Tribunal recorrido errou ao condenar os réus, com fundamento em culpa in contrahendo sem que lhe tenha sido comunicada pelo interessado indicado pela autora uma proposta de compra que preenchesse os requisitos legais, escrita e assinada pelo seu representante legal com as cláusulas essenciais do contrato.
52. Conforme o decidido no douto acórdão da Relação de Coimbra proferido no dia 08-07-2021 no processo nº 5281/19.3T8VIS,C1 disponível e consultável na página da internet https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/2bb98f1c3b75e66d80258714005e0389, do qual se transcreve o ponto 8 do seu sumário:
“O artigo 483º do CC, para que se verifique a responsabilidade extracontratual, é necessário a verificação de 5 requisitos que são
a) O facto;
b) A ilicitude;
c) A imputação do facto ao lesante;
d) O dano;
e) Um nexo de causalidade entre o facto e o dano
Se o tribunal recorrido concluiu que não se verifica o requisito da ilicitude, não carece o mesmo de prosseguir a análise dos restantes para concluir que não há lugar a tal tipo de responsabilidade - cfr. art.º 483º do CC”.
53. A interpretação concreta que o douto tribunal recorrido deu para considerar e não provado o facto c) é incorreta, por vício de violação da lei quanto à matéria de facto e de direito em causa mormente por ofensa do disposto nos artigos 410º nº 2, 416.º, 417.º, 418.º, 875º e 1409.º todos do CC.
54. Sendo também inconstitucional por violar o disposto quanto aos direitos, aos princípios e às garantias constitucionalmente consagradas, como sejam o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade, o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança plasmados respetivamente nos artigos 13º, 18º nº 2 e 20º nº 4 e as normas constitucionais constantes dos artigos 202º nº 2 e 3, 203º e 204º todos da Constituição.
55. A existência de vício de violação da lei determina a inconstitucionalidade da decisão recorrida, porquanto o decidido é violador dos princípios constitucionais preteritamente indicados quando o tribunal está obrigado a aplicar as leis e a fazer justiça.
56. Nestas circunstâncias, a douta sentença recorrida deveria ter dado como provado o facto c) que julgou não provado, devendo para os efeitos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, revogar-se o decidido na primeira instância e julgar-se provado o seguinte facto, que deve ser acrescentado:
“A ré EMP03... sempre reservou para o dia da escritura pública a decisão de vender ou não a sua quota parte no terreno ou de exercer o direito de preferência e comprar as partes dos demais comproprietários, razão pela qual sempre se recusou a celebrar o contrato-promessa de compra e venda.
57. Nos autos verifica-se que não foi celebrado um contrato de mediação imobiliária na forma escrita entre a autora, uma sociedade imobiliária, e os réus, donos e legítimos possuidores no regime de compropriedade do prédio; a autora sabe, e não pode invocar que desconhece em razão da atividade que exerce que, para o exercício da mediação imobiliária é obrigatória a existência de um contrato escrito e assinado pelas partes e que, no mínimo, inclua as cláusulas que a lei impõe que constem do contrato escrito; apesar disso, a autora não se coibiu de mediar a venda do prédio dos autos.
58. A atividade de mediação imobiliária só pode ser exercida em território nacional por empresas de mediação imobiliária e mediante contrato de mediação obrigatoriamente reduzido a escrito - cfr. art.º 3º nº 1 art.º 16º, nº 1 da Lei nº 15/2013, de 8/2.
59. O incumprimento do disposto no nº 1, no nº 2, no nº 4 e no nº 6 determina o vício de forma do contrato e a sua a nulidade, que foi declarada pelo tribunal recorrido.
60. O comportamento da autora de exercer a atividade de mediadora imobiliária do prédio dos autos sem um contrato escrito e assinado por todos os comproprietários configura desvio dos princípios reguladores da atividade de mediação imobiliária, abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium - cfr. o art.º 334 do CC, e revela má-fé.
61. Não pode nem deve a autora beneficiar da omissão a que ela própria deu causa, porquanto agiu de má-fé e com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (art.º 334 do CC) ao aceitar mediar a venda do prédio mesmo sem contrato de mediação na forma escrita - cfr. art.º 16º, nº 1 e nº 7 da Lei 15/2013 de 8/2.
62. Para se transmitir, o prédio dos autos exige a formalidade de escritura pública - cfr. o art.º 410º, nº 1, nº 2, o art.º 875º, o art.º 220º e o art.º 286º do CC, e dos autos não consta qualquer proposta escrita e assinada pelo interessado ou representante legal, com todas as condições essenciais do negócio e acompanhada de uma caução de 10% do preço, tal como foi solicitado pela ré EMP03..., Lda.
63. O interessado que a autora indicou, a EMP04... Unipessoal Lda., não apresentou aos réus nem nos autos proposta escrita e assinada com as condições essenciais do negócio e uma caução ou sinal para garantia do negócio - cfr. o art.º 410º, nº 1, nº 2, o art.º 875º, o art.º 220º e o art.º 286º do CC.
64. O interessado nunca apresentou nem remeteu a todos os comproprietários do prédio, em conjunto ou individualmente a cada um deles, por carta registada com aviso de receção, uma proposta com todos os elementos essenciais do negócio que respeitasse os requisitos legais e de forma da proposta.
65. É de conhecimento oficioso do Tribunal que, em conjunto ou individualmente considerados, os comproprietários não receberam proposta de compra escrita e assinada pelo SS, como representante legal do interessado EMP04..., Unipessoal, Lda., com todas as condições essenciais do negócio, de todo ou de parte do prédio dos autos - cfr. o art.º 1409º, nº 1, nº 2, nº 3, do CC.
66. Dos autos não consta um contrato-promessa de compra e venda que tenha sido celebrado por escrito do qual constassem todas as cláusulas essenciais do negócio, incluindo um sinal, a área do prédio retificada, de todas ou parte as quotas-partes, e assinado pelas partes e pelo interessado EMP04..., Lda., com assinatura reconhecida - cfr. o art.º 410º, nº 1, nº 2, o art.º 416º, o art.º 417º, o art.º 418º, o art.º 875º, o art.º 220º, o art.º 286º, o art.º 1409º, nº 1, nº 2 e nº 3 todos do CC.
67. Os comproprietários não quiseram um contrato-promessa porque, uns não queriam a responsabilidade solidária pelo eventual incumprimento culposo causado por qualquer comproprietário, outros porque entenderam que não se justificava um contrato-promessa porque o prédio estava registado em nome de todos e nada obstava que se fizesse uma escritura a todo o tempo, e outros ainda porque ainda não sabiam se vendiam, se não vendiam ou se iriam comprar as partes dos outros comproprietários que quisessem vender.
68. A ré EMP03... Lda. desconhecia se os restantes consortes estavam ou não disponíveis para vender as suas partes no prédio, e solicitou por mail à autora o envio da proposta escrita e assinada pelo representante legal do interessado, a EMP04..., Lda. com todas as condições essenciais do negócio acompanhada de uma caução de 10% do preço para ter a certeza que a interessada estava de boa-fé e que não deixaria cair o negócio, conforme mail nos autos e transcrito nas alegações de recurso.
69. Sendo o contrato de mediação imobiliária nulo por vício de forma, não pode haver lugar à sua conversão noutro negócio, por se estar a pretender outro negócio sem a intervenção do interessado EMP04..., Lda. indicado pela autora, ou seja, esta não pode invocar que, com a sua atividade promoveu a venda de 87,5% do prédio entre os comproprietários depois de o interessado que indicou desistir do negócio porque só comprava a totalidade do prédio.
70. Depois de a autora ter indicado o interessado, os réus obtiveram informações deste que são públicas, estão disponíveis e consultáveis nas páginas da internet discriminadas nas alegações de recurso, que indicam que a EMP04... Unipessoal, Lda. é uma sociedade comercial constituída com um capital social de €500,00 (quinhentos euros), e tem a sua sede num endereço que corresponde ao escritório de um advogado em ....
71. As mencionadas fontes indicam que o Sr. SS foi sócio e gerente de cerca de duas dezenas de sociedades do direito francês, várias delas liquidadas judicialmente, e nenhuma delas evidenciam no anuário francês de empresas que exerçam atividade empresarial que justifique os meios de fortuna para adquirir o prédio dos comproprietários, o que não os convenceu.
72. Quanto ao direito de preferência dos comproprietários, o tribunal considerou o facto provado pp) segundo o qual “A autora não comunicou aos réus comproprietários as condições essenciais do negócio para os efeitos do direito de preferência.”
73. Verifica-se dos autos que nenhum dos comproprietários vendeu a terceiro a sua quota-parte do prédio, e só com a venda a terceiros ou a sua possibilidade se despoleta o direito de preferência entre os comproprietários - cfr. o art.º 1409º, nº 1 do CC.
74. O conhecimento dos cheques bancários para pagamento do preço que a EMP04... Unipessoal, Lda enviou no dia 06-10-2020 a alguns comproprietários, alertou os comproprietários da possibilidade da venda do prédio a terceiros.
75. Para efeitos da notificação para o exercício do direito de preferência, o conhecimento dos cheques bancários para pagamento do preço do negócio que a EMP04... Unipessoal Lda. enviou no dia 06.10.2020 a alguns dos comproprietários não substitui uma proposta escrita com as condições essenciais do negócio pelo meio e na forma legais para aquisição do prédio a apresentar pelo interessado indicado pela autora, EMP04... Unipessoal, Lda., assinada pelo representante legal SS.
76. Até ao dia e hora da escritura pública designada para o dia 07-10-2020 pelas 14:30 horas nenhum dos comproprietários do prédio estava obrigado a dar a preferência a qualquer dos outros consortes - cfr. art.º 410º, nº 2, art.º 1409º, nº 1, nº 2 do CC.
77. Resulta dos autos que, até ao dia 07-10-2020 pelas 14:00 horas, data designada para a realização da escritura pública, nenhum dos comproprietários foi notificado pela Autora ou pelo interessado de uma proposta de compra formalmente válida para a compra das quotas-partes de cada um dos comproprietários.
78. A autora sabia que o prédio tinha dez comproprietários, e que o prédio poderia ser vendido a terceiro, ao interessado que indicou, e sabia que a EMP03... foi o comproprietário que mais exigências fez; não obstante, a autora não diligenciou pela notificação dos comproprietários para efeitos do exercício do direito de preferência previsto no art.º 1409º nº 1 do CC.
79. A autora nada fez ou diligenciou após os três mails que o procurador (o réu MM) da ré EMP03... Lda. enviou à autora pelas 21:00 horas do dia 17-07-2020 (junto à petição inicial sob o documento nº 11 – parte 1, pelas 10:41 horas do dia 20-07-2020 (junto à petição inicial sob o documento nº 11 – parte 2), e pelas 11:55 horas do dia 20-07-2020 (junto pela autora à petição inicial sob o documento nº 11 – parte 2), transcritos nas alegações de recurso.
80. Esta atuação da autora criou obstáculos que impediram os comproprietários de comunicar e de exercer o seu direito de preferência numa eventual venda a terceiros, no caso, o interessado que a autora indicou.
81. A ré EMP03..., Lda. nunca recebeu uma proposta de compra da sua quota-parte de 12,5% do prédio, escrita e assinada pelo representante legal da EMP04... Lda., com todas as condições essenciais, não sabia ou não tinha conhecimento nem a certeza de nada, e por isso, decidiu esperar até ao dia da escritura pública para ficar a conhecer todas as cláusulas essenciais do negócio que lhe permitissem tomar uma decisão.
82. Os autos não permitem em parte alguma, que dele se retirem juízos de valor que os compartes estavam de acordo, porque é evidente e resulta de todo o processado que, até ao dia e hora da escritura nunca houve consensualidade entre todos os comproprietários (que são irmãos, irmãs, cunhados, cunhadas, sobrinhos, sobrinhas e a sociedade EMP03... da qual nenhum dos réus é sócio).
83. O negócio não foi concretizado para o interessado indicado pela autora, e a venda não se realizou para este, sem culpa dos réus.
84. Verifica-se dos autos que, desde o início do mês de julho de 2020, altura em que mesmo sem contrato escrito a autora deu início à mediação do prédio, até à data designada para a escritura pública, o dia 07-10-2020 pelas 14:30 horas, nunca estiveram reunidas as condições necessárias para que os comproprietários pudessem notificar os consortes para os efeitos do exercício do direito de preferência, uma vez que o prédio poderia ser vendido a terceiro.
85. Apenas no momento da escritura, quando um dos comproprietários, a KK, a quem, com exceção da EMP03..., todos os outros compartes outorgaram procuração, declarou que estava ali para vender ou para a EMP04... Unipessoal Lda. ou para qualquer outro comproprietário do prédio, é que a EMP03... Lda. ficou a conhecer de facto todas condições do negócio e que todos os compartes estavam dispostos a conceder-lhe o direito de preferência, conforme o documento nº 24 junto à petição inicial, como se transcreve:
“Declarou a indicada KK: Que nunca assinou por si e em representação dos seus representados, contrato nenhum de mediação com a EMP01..., e que ela e as pessoas que representa estão aqui para vender.”
86. No mesmo ato, a EMP03... Lda. declarou que não vendia a sua parte e que, caso os restantes comproprietários pretendessem vender as suas quotas-partes à EMP04... Unipessoal Lda, aquela ré exerceria o direito de preferência que a KK acabara de lhe comunicar e conceder, conforme o documento nº 24 junto à petição inicial.
87. A notária TT, reconheceu pelo seu mail de 25-05-2022 que enviou aos autos pelas 11:03 horas que na redação deste certificado involuntariamente omitiu, que no momento em que o elaborou, a EMP04... na sua qualidade de interessada não tinha pago o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e não tinha pago o Imposto do Selo (IS) devido, tal como resulta do seu email com a referência nº ...53, que a notária enviou para os autos no dia 25-05-2022 pelas 11:03 horas.
88. Perante o facto a que se refere a conclusão anterior, e perante as declarações que a KK e a EMP03... prestaram na sala de escrituras da Notária Drª TT, o interessado EMP04... Unipessoal Lda., representado pelo procurador Engº UU, e acompanhado de uma advogada, a Drª VV titular da cédula profissional ...01..., não quiseram outorgar a escritura da compra e venda de 87,5% do prédio.
89. A remuneração da empresa mediadora (a autora), não é devida sem a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação - cfr. art.º 19º, nº 1 da Lei 15/2013 de 8/2, sendo que o negócio visado pelo exercício da mediação era a venda da totalidade do prédio dos autos para o interessado indicado pela autora, a EMP04... Lda.
90. O negócio não se concretizou por culpa da EMP04..., Lda, que nunca deu a conhecer aos comproprietários uma proposta de compra escrita, com todas as cláusulas essenciais do negócio que incluísse a cláusula de que a proposta só era validade para a aquisição de 100% do prédio e assinada pelo representante legal da indicada interessada a EMP04..., Lda.
91. Os direitos fundamentais, segundo Jorge Miranda, são “os direitos ou as posições jurídicas ativas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição” – in Jorge Miranda, Curso de Direito Constitucional, Normas Constitucionais. Direitos Fundamentais. Actividade Constitucional do Estado. Fiscalização de constitucionalidade. Vol. II, Universidade Católica Editora, Lisboa 2020, pág. 51.
92. Em caso de colisão de direitos, a chave para uma tomada de decisão por parte do julgador sobre qual dos direitos deve prevalecer e do modo como devem ser harmonizados os direitos em causa está no princípio da proporcionalidade, consagrado na parte final do nº 2 do art. 18º da CRP, que, por via dos seus três subprincípios da adequação, da exigibilidade e da justa medida, fornece uma estrutura formal tripartida à ponderação, a fazer em concreto e casuisticamente, entre os fins prosseguidos pelas normas, os bens, interesses e valores em conflito, as medidas possíveis e os seus efeitos, por forma a estabelece uma relação equilibrada entre os direitos em confronto.
93. No confronto entre os direitos fundamentais de personalidade dos autores - direito à integridade física e moral, à proteção à saúde e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado, consagrados nos arts. 25º, 64º, nº 1 e 66º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa - e os direitos à livre iniciativa económica da ré e à propriedade privada, também garantidos nos arts 61º e 62º da Constituição da República Portuguesa, a busca do instrumento que melhor promova o valor supremo da dignidade da pessoa humana não pode deixar de constituir um instituto norteador da solução do caso concreto.
94. Os réus têm direito a que num processo judicial em que intervenham este seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo - cfr. art.º 20º, nº 4 da CRP.
95. Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei - cfr. o art.º 203º da CRP.
96. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados – cfr. o art.º 202º, nº 2 da CRP
97. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição - cfr. o art.º 62º nº 1 da CRP.
98. Todos têm o direito de liberdade de expressão e de informação - cfr. art.º 37º, nº 1 da CRP.
99. A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou os princípios da igualdade e da proporcionalidade e as normas dos artigos 18º nº 2, 20º nº 4, 25º, 61º, 62º, 64º nº 1, 66º nº 1 e 202º nº 2, 203º e 204º todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
100. O direito da empresa mediadora (a autora) à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objeto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel não se aplica ao disposto no art.º 1409º nº 1 do CC.
101. Andou mal o Tribunal a quo que, com erro de julgamento, desconsiderou a oferta verbal que a KK dirigiu a todos os presentes no dia 07.10.2020 pelas 14:00 horas na sala de escrituras na presença da Notária TT para o exercício do direito de preferência era intempestiva, conforme consta do documento nº 24 junto à petição inicial.
102. Resulta dos autos que nenhum dos comproprietários violou qualquer obrigação de vender as respetivas quotas-partes à EMP04..., Lda., a qual sabia e não pode invocar que desconhece, que não gozava de quaisquer direitos de aquisição por não ter comunicado aos réus comproprietários uma proposta de compra com todas as condições essenciais pelo meio e na forma legal para a venda conjunta de todas as quotas-partes do prédio do prédio ou de cada quota-parte individualmente considerada.
103. Não se tendo concretizado o negócio, por culpa do interessado e da autora, os comproprietários realizaram outro negócio entre eles, como resulta do facto provado jj), “no dia 14/10/2020, no cartório notarial de WW, sito na Rua ..., na cidade ..., os réus celebraram o contrato de compra e venda à ré EMP03..., do imóvel sito em ... dos ..., pelo preço global de €281,256,73 (duzentos oitenta e um mil duzentos e cinquenta e seis euros e setenta e três cêntimos)”.
104. Nestas circunstâncias, o douto tribunal recorrido ao decidir como decidiu cometeu erro de julgamento e condenou os comproprietários a pagar à autora a totalidade da remuneração que pediu.
105. O contrato de mediação é um contrato de fim, e no caso em mérito não há um contrato de mediação escrito, e o negócio não foi concluído para o interessado que a autora indicou.
106. A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas, pelo que, o eventual desconhecimento pela autora do disposto no art.º 16º, nº 1, nº 2, nº 4 e nº 6º da Lei 15/2013 de 8/02, não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta a autora das sanções nelas estabelecidas, designadamente no art.º 6º no art.º 220º, no art.º 286º do CC.
107. O incumprimento intencional pela autora do disposto no art.º 16º, nº 1, nº 2, nº 4 e nº 6º da Lei 15/2013 de 8/02 que conhece e não pode invocar que desconhece, configura abuso de direito para efeitos do disposto no art.º 334º do CC na modalidade de venire contra factum proprium, pois, tem como pressuposto a existência de uma situação objetiva de confiança, cuja relevância é aferida pelo necessário para convencer uma pessoa normal e razoável, colocada na posição do confiante, e de um elemento subjetivo, ou seja, a criação, nos réus de tal convicção de confiança.
108. Ao aceitar mediar a venda do prédio em causa neste processo sem um contrato de mediação escrito, a autora atuou com ilicitude e má-fé quanto aos efeitos da declaração da nulidade, que não justifica a sua atuação, violando o disposto no art.º 16º nº 1, nº 2, nº 4, nº 6 da Lei 15/2003.
109. O contrato de mediação foi declarado nulo, pelo tribunal recorrido; dos efeitos da nulidade decorre do disposto no artigo 289º do CC que a sua declaração tem efeitos retroativos, devendo ser restituído tudo o que foi prestado, ou se a restituição em espécie não for possível, deve restituir-se o valor correspondente.
110. Para a mediadora ter direito a remuneração são necessários três requisitos legais cumulativos, entre os quais a exclusividade na mediação, que não se verifica no presente caso, sem o qual a autora não tem o direito à remuneração que veio exigir dos recorrentes.
111. Fundamentos pelos quais se tem de concluir que não assiste à autora o direito à remuneração no caso dos presentes autos.
112. O que a autora poderia ter direito, no limite, seria às despesas que tenha realizado, porém, o douto tribunal recorrido não apurou quaisquer despesas que a ré tenha realizado, como se evidencia dos factos provados e não provados na primeira instância.
113. A autora, por seu turno, não discriminou na petição inicial as despesas que eventualmente teve com a negociação tácita, como dela se verifica, e apenas pediu o pagamento da remuneração e despesas, conjunto no qual englobou as despesas, que não discriminou, como se verifica do petitório.
114. Isto é, a autora não alegou os factos constitutivos do seu direito às despesas, sendo da sua responsabilidade tal ónus de alegação e prova no processo em causa.
115. Por isso, o tribunal está impedido de fazer mais para apurar despesas não podendo substituir-se à autora para apreciar factos que não foram alegados pela parte.
116. Deve, pois, o recurso merecer provimento, revogando-se a douta sentença recorrida, no sentido das conclusões desta apelação, e decidindo-se pela improcedência da ação, com as legais consequências.
Termina entendendo que deve o recurso ser admitido, julgado procedente e provado, no sentido das conclusões da apelação, revogando-se a douta sentença proferida pelo tribunal recorrido, com as legais consequências.
*
Pela apelada e autora foi apresentada resposta onde “EMP01..., Lda” foi apresentada resposta onde entende que devem as alegações de recurso apresentadas serem julgados totalmente improcedentes, por não provadas, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida.
*
D) Foram colhidos os vistos legais.
E) As questões a decidir nas apelações são as de saber:
I. Quanto àapelação da ré II 1) Se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto; 2) Se deverá ser alterada a decisão propriamente jurídica da causa e revogada a sentença.
II. Quanto à apelação dos réus AA, BB, CC, DD, FF, GG, HH, KK, LL e EMP03..., Lda. 1) Se a sentença é nula; 2) Se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto; 3) Se deverá ser alterada a decisão propriamente jurídica da causa, revogando-se a sentença.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Na 1ª instância resultou apurada a seguinte matéria de facto:
I. FACTOS PROVADOS
a) A autora exerce a atividade de mediação imobiliária, sendo detentora da competente licença AMI nº ...38 (EMP02... ...) emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção (IMPIC).
b) Os réus AA, BB e mulher CC, DD, EE, FF, GG, II, JJ, KK e marido LL e EMP03..., Lda. eram donos e legítimos proprietários, em comum, do prédio rústico, sito na ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...31 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...18.
c) O referido prédio veio à titularidade dos réus, com exceção da EMP03..., por doação e partilha judicial, conforme Ap. ...4 de 18/05/1987 e Ap. ...12 de 12/06/2015.
d) Em 15/05/2017, através da Ap. ...51, foi registada a venda efetuada pelo réu MM da sua quota parte, no referido prédio, à sociedade EMP03..., Lda..
e) No exercício da sua atividade comercial, no início do ano de 2018, a autora foi contactada, na pessoa do seu colaborador OO, pela Ré GG, para saber quais as condições contratuais de mediação, com vista à angariação do prédio identificado para venda.
f) Após envio das condições contratuais de angariação, a ré GG e o colaborador da autora, OO acertaram no valor da venda de €400.000,00, valor líquido a reverter para os herdeiros, regime de exclusividade da angariação e o pagamento de uma comissão de 5%, acrescido de IVA.
g) Por email datado de 07/06/2018, a Ré GG solicitou o envio do contrato de mediação imobiliária, com exclusividade, por 12 meses, sem renovação, por forma a ser assinado e remetido posteriormente.
h) A autora remeteu à ré o contrato para assinatura, ficando a aguardar a sua devolução, assinado.
i) A autora obteve um interessado na aquisição do prédio, QQ.
j) Porque não houve consenso de todos os comproprietários relativamente às condições propostas para a intermediação e a autora não se dispôs a alterar as condições estabelecidas, o contrato angariação remetido não obteve a respetiva subscrição, pelo que o negócio não teve prosseguimento.
k) Volvidos aproximadamente dois anos, o comprador interessado na aquisição do terreno, QQ, voltou a manifestar à autora interesse na sua aquisição, através do seu colaborador OO.
l) Este voltou a abordar a ré GG, tendo-lhe apresentado seguinte nova proposta para angariação e venda do terreno:
- Promitente adquirente: QQ;
- V. aquisição: €340.000,00
- Outorga imediata do CPCV (contrato-promessa de compra e venda) e entrega de 10% de sinal;
- Comissão da Mediadora (paga na escritura): €20.000,00;
- Prazo para a realização da escritura definitiva: 90 dias.
m) Por email datado de 15/07/2020, a ré GG, apresentou os termos da aceitação da proposta:
Valor da aquisição: €340.000,00;
Valor líquido para os herdeiros: €320.000,00;
Contrato-Promessa de Compra e venda (CPCV) a realizar já;
Sinal a entregar no CPCV 10%;
Prazo para a escritura 90 dias;
Mais, informo que ficou acordado com o Sr. OO que o pagamento de € 20.000,00 à EMP02... seria efetuado no ato da escritura.
Sr. OO envio o contacto telefónico da minha irmã ...88 KK que consta como herdeira na caderneta predial do bem e vai assinar o CPCV e receber a quantia de €320.000,00.
n) Após a receção desse email, nesse mesmo dia, o colaborador da autora, enviou um email à ré GG a informar que tinha conseguido majorar o negócio com o comprador angariado, pelo valor final de €342.500,00, de modo a não afetar a comissão da autora de 5% acrescida do IVA, pelo que os réus obteriam o valor líquido pela venda, no montante de €321.436,25.
o) No dia 16 de julho de 2020, pela colaboradora da autora, XX, foi solicitado à ré GG, toda documentação e informação necessária à preparação do contrato-promessa de compra e venda.
p) No dia 17 de julho de 2020, a colaboradora da autora, YY, endereçou para os emails da ré KK e do Réu MM, bem como a interlocutora desde sempre do negócio, a ré GG, a minuta do contrato-promessa de compra e venda e, ainda, solicitou a documentação que se encontrava em falta para a outorga definitiva do contrato-promessa de compra e venda.
q) Para suprir as objeções que foram sendo levantadas pelo réu MM, designadamente quanto à identificação do comprador, a autora promoveu a realização de uma reunião entre o réu MM e o interessado na aquisição do terreno QQ, que se concretizou no dia 21 de agosto de 2020, e na qual foi acordada a realização direta da escritura definitiva de compra e venda, agendada para o dia 05 de outubro de 2020, bem como que previamente à escritura o comprador teria que enviar cópias dos cheques bancários/visados até às 10h00 do dia da escritura.
r) Nesse mesmo dia 21/08/2020, os restantes herdeiros, através da GG e da KK foram informados por email, pela colaboradora da autora, YY, quer do resultado da reunião, bem como que a escritura não seria realizada no dia 05 de outubro de 2020, como acordado, mas sim no dia 06 de outubro de 2020, dado o dia 05 ser feriado nacional.
s) No dia 22/08/2020, o réu MM, enviou uma comunicação eletrónica à autora com o seguinte teor: “1ª A EMP03... confirma e aceita a alteração da data da escritura do dia 05 de outubro para o dia 06 de outubro de 2020 da parte da tarde. O Sr. SS obriga-se a enviar para este email e para os emails da Dª GG e para o email do Sr. LL as fotocópias dos 10 cheques visados.
2ª Este acordo fica sem efeito sem qualquer possibilidade de renegociação se a escritura não for feita no dia 06 de outubro de 2020 uma vez que nesta data o terreno está registado em nome dos verdadeiros comproprietários.
2ª O código de acesso à certidão permanente online da EMP03... é: ...;
3ª Não temos topógrafo nem arranjamos nenhum. Foi assumido que a EMP02... fazia a atualização da matriz nas finanças e que essa atualização seria declarada na escritura para que ao requerer o registo de compra e venda na Conservatória fosse feita simultaneamente a atualização da descrição do terreno na descrição. A planta retificativa da área do terreno pode ser assinada por topógrafo, por engenheiro ou por um arquiteto. A EMP02... pode pedir ao Engenheiro do Sr. SS para assinar a planta retificativa do terreno facultando-lhe para o efeito a cópia do ficheiro DWG que ele faz o resto. Caso o engenheiro necessite que eu o ajude na delimitação do terreno baste ele me ligar para vir ao meu escritório com a planta.
4ª Na segunda-feira envio o código do registo do beneficiário efetivo da EMP03....
t) Uma vez que nem todos os vendedores tinham disponibilidade para comparecer no dia agendado para a realização da escritura, a autora, através da colaboradora YY, solicitou ao Cartório Notarial, minutas de procurações, as quais foram enviadas aos comproprietários, através da ré GG.
u) Em face da necessidade de proceder à retificação de áreas, uma vez que os vendedores se recusavam a escriturar a venda do prédio com uma área que não correspondia à realidade, a autora diligenciou pela elaboração do competente levantamento topográfico, e elaborou o requerimento de retificação de áreas, recolhendo as assinaturas dos vendedores, concretamente, de ZZ, legal representante da EMP03... e a comproprietária KK, com procuração dos restantes comproprietários.
w) Posteriormente, procedeu à entrega do requerimento junto do serviço de finanças de ..., e obteve o competente comprovativo, essencial para a realização da escritura.
v) No dia 25/09/2020, a ré GG, com conhecimento do Sr. MM e da ré KK enviou email com os valores para a emissão dos cheques, bem como os valores a faturar pela EMP02... a cada um dos vendedores a título da remuneração da mediação.
x) No dia 29/09/2020, a autora procedeu à recolha da declaração para o direito de preferência dos titulares dos prédios confinantes.
y) A 30/09/2020, a colaboradora da autora YY, recolheu, ainda, via email a informação dos comproprietários para efeitos de branqueamento de capitais, o que foi disponibilizado pelos réus.
z) No dia 01/10/2020, a autora solicitou que o Sr. MM confirmasse quem estaria presente na escritura a representar a sociedade EMP03..., tendo este referido que seria o seu gerente de direito, o Sr. ZZ, mas que aquele – MM, tinha procuração com poderes totais.
aa) No dia 02/10/2020, a autora recebeu um contacto da Srª Notária a informar que as guias de IMT não eram emitidas, pedindo para que os vendedores verificassem se teriam alguma dívida pendente na Autoridade Tributária, tendo a autora diligenciado, de imediato, junto dos réus, no sentido de ultrapassar esse obstáculo, situação que foi regularizada.
bb) No dia 06/10/2020, dia da realização da escritura, durante a manhã, a autora obteve por parte do comprador - Sr. QQ, cópia dos cheques bancários emitidos para pagamento a cada um dos comproprietários, incluindo o da mediadora, que foram remetidos tanto para os vendedores, como para a Srª Notária.
cc) A autora recebeu um telefonema do Sr. MM, a informar que o gerente da ré EMP03... tinha tido um problema de saúde e que a procuração que ele MM tinha apenas lhe dava poderes para dar de arrendamento e não para vender, solicitando que a escritura fosse adiada para o dia seguinte, pelo que a autora diligenciou junto de todos os envolvidos nesse sentido, tendo a escritura ficado agendada para o dia 07 de outubro de 2020, pelas 14h30, no mesmo Cartório Notarial de AAA.
dd) No dia 07/10/2020, pelas 10h51, a autora recebeu um email remetido pela EMP03... a informar que não iria vender a sua parte de 12,5% no terreno, com base no facto do comprador não ter remetido, no dia anterior, cópia dos cheques atempadamente, até às 10h00, e que em caso de venda por parte dos restantes comproprietários, iria exercer o direito de preferência.
ee) A autora informou, de imediato, o comprador QQ, tendo-se decidido, à hora marcada, comparecer no cartório.
ff) A autora na pessoa da sua colaboradora YY e o senhor PP, seu Legal Representante, juntamente com o procurador do comprador e a respetiva Advogada, apresentaram-se no Cartório da Drª AAA, pelas 14h00.
gg) Poucos minutos depois, compareceram naquele Cartório o Sr. MM, o Sr. ZZ, Legal Representante da ré EMP03..., e, ainda, a ré KK, acompanhada pelo marido.
hh) Todos os intervenientes foram encaminhados para a sala de leitura das escrituras, onde o Sr. MM manifestou que a EMP03... iria exercer o direito de preferência.
ii) Nessa sequência, a senhora Notária lavrou o certificado de não realização da escritura de compra e venda.
jj) No dia 14/10/2020, no Cartório Notarial de WW, sito na Rua ..., na cidade ..., os réus celebraram o contrato de compra e venda à ré EMP03..., do imóvel sito em ... dos ..., pelo preço global de €281.256,73 (duzentos e oitenta e um mil duzentos e cinquenta e seis euros e setenta e três cêntimos).
kk) Cada um dos réus recebeu o mesmo valor que receberia se tivesse realizado a escritura no dia 07/10/2020.
ll) Os réus recusaram-se a pagar a comissão da autora.
mm) O réu MM é o beneficiário efetivo da Ré EMP03... (cfr. Registo Central de Beneficiário Efectivo).
nn) O réu MM sempre se arrogou perante a autora como procurador ou representante da ré EMP03....
oo) A autora aceitou receber a sua comissão aquando da realização da escritura definitiva.
pp) A autora não comunicou aos réus comproprietários as condições essenciais do negócio para efeitos do exercício do direito de preferência.
*
II. FACTOS NÃO PROVADOS
a) A ré GG, nos contactos estabelecidos com a autora, sempre atuou em seu nome individual.
b) A autora aceitou receber a sua comissão na condição da venda do prédio se concretizar com o interessado angariado por si – a EMP04..., Unipessoal, Lda.
c) A ré EMP03... sempre reservou para o dia da escritura pública a decisão de vender ou não a sua quota parte no terreno ou de exercer o direito de preferência e comprar as partes dos demais comproprietários, razão pela qual sempre se recusou a celebrar o contrato-promessa de compra e venda.
d) A autora escusou-se de elaborar e assinar o contrato de mediação relativo à angariação do prédio.
e) Pelo trabalho de elaboração de uma retificação de área um topógrafo não cobra mais de €100,00.
f) E pela elaboração e apresentação do respetivo requerimento de retificação de áreas no serviço de finanças um Advogado ou solicitador não cobra mais do que €50/€ 60,00.
g) A autora assumiu a responsabilidade de notificar todos os preferentes ou obter destes os necessários documentos, declarando prescindir do exercício do direito de preferência na transmissão do prédio.
*
B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações das recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
*
C) I. Apelação da ré II
O recurso da apelante visa a reapreciação da decisão da matéria de facto e da matéria propriamente jurídica.
Indica a apelante como pontos concretos da matéria de facto, que a recorrente considera incorretamente julgados:
“Dos factos provados
ll) Os réus recusaram-se a pagar a comissão da autora (por mero lapso a apelante indica tratar-se do ponto II, quando se trata, antes, do ponto ii).
Dos factos não provados
a) A ré GG, nos contactos estabelecidos com a autora, sempre atuou em seu nome individual;
b) A autora aceitou receber a sua comissão na condição da venda do prédio se concretizar com o interessado angariado por si – a EMP04..., Unipessoal, Lda.;
d) A autora escusou-se de elaborar e assinar o contrato de mediação relativo à angariação do prédio.”
*
Quanto ao ponto ll), afirma a apelante que não resulta qualquer elemento probatório que permitisse tal conclusão, dado não ter havido qualquer interpelação para pagamento, não indicando qualquer meio de prova para impugnação de tal facto.
*
Importa esclarecer, quanto à apreciação da prova, como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2010, disponível na base de Dados do Ministério da Justiça, no endereço www.dgsi.pt, “analisadas as provas à luz das regras de experiência e da lógica, gerou-se no juiz o convencimento - fundado, não arbitrário - sobre a probabilidade séria da conformação dos factos a uma determinada realidade.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza.
A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “...segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da atividade intelectual e, portanto, segundo as máximas de experiência e as regras da lógica...”
A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “...a certeza absoluta, (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) ...”, mas tão só, “...de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.”
A certeza a que conduz a prova suficiente é, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 07/06/2005, relativamente à apreciação da prova, “quer seja na 1ª instância, quer seja na Relação, a questão é sempre de valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação.
Vigoram, em ambos os casos, para os julgadores desses tribunais, as mesmas regras e os mesmos princípios, dos quais avulta o da livre apreciação da prova ou sistema da prova livre (...) consagrado no artigo 655º nº 1 do Código de Processo Civil (atual 607º nº 5 NCPC).
Significa isto que a prova há de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formulação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções refletidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação.”
Na apreciação da prova, o tribunal está sujeito a determinadas regras, sendo-lhe imposto que declare quais os factos que considera provados e os que entende não se terem provado, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 653º nº 2 do Código de Processo Civil, atual artigo 607º nº 4 NCPC).
Um dos princípios que devem presidir ao julgamento é o da livre apreciação da prova, impondo-se ao juiz que decida de acordo com a sua prudente convicção acerca de cada facto, mas, quando a lei imponha para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada (artigo 655º do Código de Processo Civil – artigo 607º nº 5 NCPC).
Segundo este princípio, o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas (Professor Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 384).
Importa ter em conta que a apreciação da prova não pode ser parcial ou truncada, antes tem de ser global e realizar-se através de uma análise crítica da totalidade da prova produzida e não apenas de alguns dos elementos de prova e, no que se refere concretamente aos depoimentos testemunhais, em excertos dos depoimentos de determinadas testemunhas, não se podendo tomar a parte pelo todo.
*
Relativamente ao ponto ll) - que a apelante entendeu que o Tribunal errou ao dá-lo como provado - importa notar que a comissão não foi paga pelos réus, por não se ter finalizado o negócio previsto, com a celebração da respetiva escritura.
O (eventual) relevo do conteúdo do ponto em questão prende-se, unicamente, com o facto de não ter sido paga a comissão da autora e, não tendo resultado provado que tal omissão se deveu a recusa em receber, por parte da autora, ou por facto de terceiro, que tenha impedido tal pagamento, só resta considerar que o não pagamento da comissão da autora pelos réus se pode traduzir como uma recusa, implícita, de pagamento, motivo pelo qual se manterá a formulação do ponto em questão.
Relativamente ao ponto a) dos factos não provados [a) A ré GG, nos contactos estabelecidos com a autora, sempre atuou em seu nome individual], sustenta a apelante que na ausência de prova de que a ré GG atuara em nome da aqui recorrente e da ré JJ e pelo menos em relação às mesmas, deveria ter se considerado que atuou em seu nome individual.
Dos excertos indicados pela recorrente não resulta que deva o ponto de facto ser modificado, nos termos pretendidos pela mesma
Se atentarmos nas declarações da ré JJ, verificamos que a mesma referiu que não participou nas negociações da venda do imóvel, referindo que passou procuração para venda a sua tia KK, o que contraria a pretensão da apelante.
De resto, nas declarações da ré KK, esta confirmou que foi procuradora na venda do imóvel de todos os com proprietários, exceto do seu irmão MM
Nas declarações da ré GG a mesma reconheceu que não tinha poderes dos demais.
Pelo exposto, manter-se-á o ponto em questão, tal como decidido na 1ª Instância.
Quanto ao ponto b) dos factos não provados, [b) A autora aceitou receber a sua comissão na condição da venda do prédio se concretizar com o interessado angariado por si – a EMP04..., Unipessoal, Lda.], a apelante entende que o mesmo deveria ser dado como provado, limita-se a afirmar que resultou das declarações do legal representante da recorrida, NN, que o contrato em apreço não estava sujeito a exclusividade, o que contradiz a sua pretensão, motivo pelo qual se manterá o ponto de facto em questão.
No que se refere à alínea d) dos factos não provados, [d) A autora escusou-se de elaborar e assinar o contrato de mediação relativo à angariação do prédio], pretende a autora que o mesmo seja dado como provado.
Refere a apelante, a páginas 7 das sua alegações, que no ano de 2018 a recorrida dando cumprimento às suas legais obrigações elaborou o CMI (contrato de mediação imobiliária) que não foi aceite por todos os comproprietários relativamente às condições impostas.
Por outro lado, se atentarmos no depoimento do legal representante da autora, NN, indicado pela apelante, para justificar tal alteração, referiu que este “relatou as dificuldades relativas à outorga do primeiro CMI.”
Ora, outorgar de acordo com o dicionário Priberam, significa consentir em, conceder, estipular, declarar.
Acresce que do depoimento do legal representante da autora, PP, o mesmo referiu expressamente que “o contrato de mediação estava preparado para ser assinado”, o significa, claramente, que estava elaborado.
Pelo exposto, manter-se-á a formulação do ponto em questão.
*
D) II. Apelação dos réus AA, BB, CC, DD, FF, GG, HH, KK, LL e EMP03..., Lda.
Os apelantes vieram arguir a nulidade decorrente de o tribunal não se ter pronunciado “quanto à matéria de facto, como decorre da sentença recorrida, sobre a exclusividade na mediação, mas que considerou como dado assente na fundamentação da decisão.
O que determina a nulidade da sentença recorrida conforme o disposto no artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC, que argúi para os efeitos do disposto nos artigos 195º e seguintes do CPC.
Verifica-se também uma contradição entre a fundamentação e a matéria de facto provada e não provada, o que constitui nulidade para os efeitos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC, que argui para os efeitos do disposto nos artigos 195º e seguintes do CPC.”
Vejamos.
Conforme refere António Santos Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, a páginas 21 e seguintes, “dos recursos se deve distinguir a arguição de nulidades processuais nos termos dos artigos 186º e seguintes.
A expressão usual segundo a qual “das generalidades reclama-se, dos despachos recorre-se, aparenta uma simplicidade que não condiz com o que a prática judiciária revela. Importa, pois, distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de julgamento, uma vez que, nos termos do artigo 615º, nº 4, quando as nulidades se reportem à sentença e decorram de qualquer dos vícios assinalados nas alíneas, b) a e) do nº 1, a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, restringindo-se a reclamação para o próprio juiz quando se trata de decisão irrecorrível.
A ocorrência de nulidades processuais pode derivar de omissão de ato que a lei prescreva ou da prática de ato que a lei não admita ou admita sobre uma forma diversa daquela que foi executada. Sem embargo dos casos em que as nulidades são de conhecimento oficioso devem ser arguidas pelos interessados, perante o juiz (artigos 196º e 197º). É a decisão que vier a ser proferida, que poderá ser impugnada pela via recursória, agora com uma séria limitação constante do número 2 do artigo 630º, nos termos do qual não é admissível recurso das decisões … proferidas sobre as nulidades previstas no nº 1 do artigo 195º … salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.
Tal solução deve ser aplicada em casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que se projeta na sentença, mas que não se reporta qualquer das alíneas do nº 1 do artigo 615º. Se, por exemplo, não tiver sido ponderada na sentença a existência de contestação que, por erro do sistema informático ou da secretaria, não foi registada ou integrada nos autos, gerando uma situação de aparente revelia, estamos perante nulidade processual. Assim, embora a mesma afete, a sentença deve ser objeto de prévia reclamação que permita ao próprio juiz reparar as consequências que precipitadamente foram extraídas, ainda que com prejuízo da decisão que foi proferida. Afinal, em tal situação não se verifica qualquer erro de julgamento, na medida em que a falha nem sequer poderia ser detetada pelo juiz.
Mas a questão nem sempre encontra resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando seja cometida a nulidade de conhecimento oficioso ou em que o próprio juiz, ao proferir a sentença, omita uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com respeito o pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa.
O critério que alguma doutrina apresenta, considerando que, em tais situações, existiria decisão implícita é rodeada de excessiva incerteza quanto à definição clara dos instrumentos disponibilizados pelo sistema para uso dos interessados. Por isso, parece mais seguro assentar em que sempre que o juiz ao proferir a sentença se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, o meio de reação da parte vencida passa pela interposição de recurso fundado em nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º número 1, alínea d).”
Conforme refere o Professor Miguel Teixeira de Sousa, no Blog do IPPC, “Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária”
“O CPC trata das nulidades processuais nos art. 186º a 202º e das nulidades da sentença e do acórdão nos art. 615º, 666º e 685º. Perante isto, pode colocar-se a questão: por que motivo têm tratamento em diferentes lugares do CPC as nulidades processuais e as nulidades da sentença? Ou noutra formulação: dado que a sentença é um ato processual, qual o motivo para que a nulidade da sentença não esteja tratada em conjunto com as nulidades processuais? Ou noutra formulação ainda mais precisa: constando do art. 195º CPC uma regra geral sobre a nulidade dos atos, qual a justificação para que exista uma regulamentação específica sobre a nulidade da sentença?
A resposta tem a ver com a dupla perspetiva pela qual a sentença pode ser considerada (assim como qualquer outro ato processual) e é a seguinte: a sentença pode ser vista como trâmite ou como ato: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.
Disto decorre que uma sentença pode constituir uma nulidade processual, se for considerada na perspetiva da sentença como trâmite: basta, por exemplo, que ela seja proferida fora do momento apropriado na tramitação processual. Um exemplo (naturalmente académico): se, no procedimento comum, o juiz proferir uma decisão logo a seguir ao termo da fase dos articulados, verifica-se uma nulidade processual nos termos do art. 195º, nº 1, CPC, porque foi praticado um ato que a lei, naquele momento, não permite.
Importa notar, no entanto, que, atendendo à diferença da sentença como trâmite e como ato, a nulidade processual do art. 195º CPC nada tem a ver com a nulidade da sentença dos art. 615º, 666º e 685º CPC. É fácil verificar que assim é.
A nulidade processual decorrente do disposto no art. 195º, nº 1, CPC existe mesmo que a sentença não padeça de nenhum outro vício, nomeadamente daqueles que estão enumerados no art. 615º CPC. Quer dizer: a sentença pode conter toda a fundamentação exigível, pode não padecer de nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, pode não conter nenhuma omissão ou nenhum excesso de pronúncia e pode não condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, mas, ainda assim, porque é proferida fora do momento adequado, verifica-se a nulidade processual imposta pelo art. 195º, nº 1, CPC.
Voltando ao exemplo (académico) acima referido: o proferimento da sentença logo depois da fase dos articulados constitui uma nulidade processual; no entanto, essa sentença pode não padecer de nenhum dos fundamentos de nulidade enumerados no art. 615º, nº 1, CPC.
O inverso também é possível (e é, aliás, a situação mais frequente): se a sentença é proferida no momento processualmente adequado, mas se a mesma não contém toda a fundamentação exigível, padece de uma contradição entre os fundamentos e a decisão, contém uma omissão ou um excesso de pronúncia ou condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, não há nenhuma nulidade processual nos termos do art. 195º, nº 1, CPC, embora se trate de sentença que é nula segundo o disposto nos art. 615º, nº 1, 666º e 685º CPC.”
Isto dito, serve para esclarecer que o invocado vício, a existir, se traduzirá não numa nulidade processual do artigo 195º, cujo prazo para a respetiva arguição estaria ultrapassado (artigos 199º e 149º nº 1) mas, antes, numa nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615º NCPC.
Dizíamos que os apelantes vieram arguir a nulidade decorrente de o tribunal não se ter pronunciado “quanto à matéria de facto, como decorre da sentença recorrida, sobre a exclusividade na mediação, mas que considerou como dado assente na fundamentação da decisão, o que determina a nulidade da sentença recorrida nos termos do artigo 615º nº 1 alínea c) do NCPC, verificando-se também uma contradição entre a fundamentação e a matéria de facto provada e não provada, o que constitui nulidade para os efeitos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea c) do NCPC.
Estabelece o artigo 615º nº 1 alíneas c) e d) NCPC que:
“1. É nula a sentença quando:
…
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
…”
A este propósito referem os Drs. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, Volume 2º, 3ª Edição, a páginas 736 e seg. que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, como erro na interpretação desta; quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro do julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186/2/b).”
A respeito da alínea d), prosseguem os mesmos autores (ibidem, a páginas 737) que, “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (artigo 608º nº 2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado.”
Como se refere no Código de Processo Civil anotado, Drs. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. I, a páginas 763-764, “A nulidade a que se reporta a 1ª parte da alínea c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem contradizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
Mais frequentes são os casos de omissão de pronúncia, seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão. A este respeito também é pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões” (STJ 27/03/2014, 5655/2002). Para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23/01/2019, 4568/13).”
Quanto à invocada omissão de pronúncia sobre o requisito da exclusividade na mediação, nunca se poderia considerar como nulidade, nos termos da alínea c) do artigo 615º, mas da alínea d).
Mas não se verifica tal nulidade, aliás os apelantes referem que se trata de um erro de julgamento, porém, este vício, conforme se referiu, verifica-se quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente, sendo certo que, a verificar-se, é suscetível de justificar a revogação total ou parcial da decisão pela instância de recurso, mas não a fere de nulidade que, assim, improcede
Referem ainda os apelantes que existe uma contradição entre a fundamentação e a matéria de facto provada e não provada, que constitui a nulidade da alínea c) do nº 1 do artigo 615º NCPC, referindo que a interpretação concreta que o douto tribunal recorrido deu para considerar a exclusividade, que não julgou provada nem não provada, mas que foi determinante para o desfecho da lide, é incorreta e evidencia erro de julgamento, por vício de violação da lei quanto à matéria de facto em causa mormente por ofensa do disposto nos artigos 410º nº 2, 416º, 417º, 418º, 875º e 1409º todos do CC, e das normas aplicáveis sobre a responsabilidade extracontratual e sobre a mediação.
E acrescentam que é também inconstitucional por violar o disposto quanto aos direitos, aos princípios e às garantias constitucionalmente consagradas, como sejam o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade, o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança plasmados respetivamente nos artigos 13º, 18º nº 2 e 20º nº 4 e as normas constitucionais constantes dos artigos 202º nº 2 e 3, 203º e 204º todos da Constituição
Como acima se referiu, “a nulidade a que se reporta a 1ª parte da alínea c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem contradizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.”
Assim sendo, tratando-se de erro de julgamento, tal situação determina, verificados os requisitos legais, a alteração da decisão e não a declaração de nulidade que, in casu, não existe e, como tal improcede.
Quanto à questão da invocada constitucionalidade, sem justificação concreta da sua existência, que, no caso, manifestamente não existe, não pode resultar apenas da violação da lei, que apenas determinaria a simples ilegalidade, antes se exigindo a violação concreta de princípios e normas constitucionais que, como se referiu, não se verifica, pelo que improcede.
*
Passando, agora, ao momento próprio para reapreciação da matéria de facto, os apelantes sustentam quanto ao ponto l) dos factos provados [l) Este (OO, colaborador da autora) voltou a abordar a ré GG, tendo-lhe apresentado seguinte nova proposta para angariação e venda do terreno:
- Promitente adquirente: QQ;
- V. aquisição: €340.000,00
- Outorga imediata do CPCV (contrato-promessa de compra e venda) e entrega de 10% de sinal;
- Comissão da Mediadora (paga na escritura): €20.000,00;
- Prazo para a realização da escritura definitiva: 90 dias.] que deveria ser alterada a redação desse ponto substituindo a palavra “proposta” por “manifestação de interesse”.
Estabelece o artigo 640º NCPC:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
( … )
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
( … )”
Ora, os apelantes limitam-se a invocar, a este propósito, um mail que a ré EMP03... enviou à autora pelas 11:55 de 20/07/2020, que se encontra junto à PI, como documento 11, a fls. 27 e que, em absoluto, nada contém que justifique a pretendida alteração.
A alteração da matéria de facto provada impõe a indicação de provas concretas que permitam infirmar a decisão da matéria de facto, de acordo com as pretensões da parte interessada, dado que só após a fixação da matéria de facto, após a reapreciação da prova, é possível à instância de recurso fixar a mesma e só após esta fase há lugar à apreciação propriamente jurídica da causa.
No caso presente do ponto em questão o mesmo terá de se manter face à inexistência de qualquer meio probatório relevante que justifique a pretendida alteração.
Resta acrescentar que relativamente a cada um dos pontos de factos que os apelantes impugnam se repete a invocação do vício de violação da lei e da inconstitucionalidade, pelo que se dão aqui por reproduzidas as considerações atrás traçadas sobre tais alegações que, pelos mesmos fundamentos, improcedem.
Quanto ao facto provado m) [m) Por email datado de 15/07/2020, a ré GG, apresentou os termos da aceitação da proposta: Valor da aquisição: €340.000,00; Valor líquido para os herdeiros: €320.000,00; Contrato-Promessa de Compra e venda (CPCV) a realizar já; Sinal a entregar no CPCV 10%; Prazo para a escritura 90 dias;
Mais, informo que ficou acordado com o Sr. OO que o pagamento de € 20.000,00 à EMP02... seria efetuado no ato da escritura.
Sr. OO envio o contacto telefónico da minha irmã ...88 KK que consta como herdeira na caderneta predial do bem e vai assinar o CPCV e receber a quantia de €320.000,00.], os apelantes entendem que deve o facto provado m) ser alterado na sua redação, substituindo-se a palavra “proposta” pela expressão “manifestação de interesse”, sem indicação de qualquer meio de prova que justifique a alteração pretendida, motivo pelo qual se manterá a formulação do ponto em questão.
E, conforme anteriormente se referiu, também aqui os apelantes repetem a invocação do vício de violação da lei e da inconstitucionalidade, pelo que se dão aqui por reproduzidas as considerações atrás traçadas sobre tais alegações que, pelos mesmos fundamentos, improcedem.
Relativamente ao ponto q) dos factos provados, [q) Para suprir as objeções que foram sendo levantadas pelo réu MM, designadamente quanto à identificação do comprador, a autora promoveu a realização de uma reunião entre o réu MM e o interessado na aquisição do terreno QQ, que se concretizou no dia 21 de agosto de 2020, e na qual foi acordada a realização direta da escritura definitiva de compra e venda, agendada para o dia 05 de outubro de 2020, bem como que previamente à escritura o comprador teria que enviar cópias dos cheques bancários/visados até às 10h00 do dia da escritura.] entendem os apelantes que deve o ponto em questão ser alterado eliminando-se a parte onde se refere que “ … e na qual foi acordada a realização direta da escritura definitiva de compra e venda, agendada para o dia 05 de outubro de 2020, bem como que previamente à escritura o comprador teria que enviar cópias dos cheques bancários/visados até às 10h00 do dia da escritura.”
Ou seja, entendem os apelantes que deveria constar do ponto em questão apenas: “Para suprir as objeções que foram sendo levantadas pelo réu MM, designadamente quanto à identificação do comprador, a autora promoveu a realização de uma reunião entre o réu MM e o interessado na aquisição do terreno QQ, que se concretizou no dia 21 de agosto de 2020.”
Para tanto, os apelantes sustentam-se num breve excerto das declarações do réu MM, que transcrevem.
Porém, importa notar que o sócio-gerente da autora, NN, afirmou perentoriamente que quanto à assinatura do contrato de mediação imobiliária inicialmente havia o acordo do contrato ser assinado juntamente com o contrato-promessa, mas como depois foi acordado fazer a escritura direta, o contrato de mediação imobiliária seria assinado com a outorga da escritura, o que contraria as declarações do réu BBB, pelo que se não justifica a alteração do ponto em questão que, assim, se manterá.
E aqui se reitera a repetição, quanto a este ponto, da invocação do vício de violação da lei e da inconstitucionalidade, pelo que se dão aqui por reproduzidas as considerações atrás tecidas sobre tais alegações que, pelos mesmos fundamentos, improcedem.
Quanto ao ponto c) dos factos não provados [c) A ré EMP03... sempre reservou para o dia da escritura pública a decisão de vender ou não a sua quota parte no terreno ou de exercer o direito de preferência e comprar as partes dos demais comproprietários, razão pela qual sempre se recusou a celebrar o contrato-promessa de compra e venda.], entendem os apelantes que deveria ser considerado como provado.
Para tanto sustenta-se no teor dos documentos nº 11, juntos com a PI, parte 1 e 2, bem como nas declarações de parte do réu MM.
Simplesmente, dos documentos não resulta que tal factualidade deve ser dada como provada e, no que se refere às declaração do réu MM, o mesmo não refere ter sido essa a sua intenção, facto que nunca transmitiu, nem resulta claro das suas declarações, motivo pelo qual esse ponto se manterá.
Uma vez que os apelantes também repetem neste ponto as mesmas considerações sobre ilegalidade e inconstitucionalidade tal como fizeram a propósito de cada um dos anteriores, damos como reproduzidas, as anteriores considerações sobre a matéria que aqui se reitera.
Pretendem, ainda os apelantes que se acrescente à matéria apurada que não foi convencionada a mediação com exclusividade da mediadora, a autora.
Sucede, porém, que não é aos réus que se impõe a prova da inexistência de exclusividade do contrato de mediação imobiliária, mas antes à autora a sua existência, que não se presume (cfr. artigo 342º Código Civil).
Importa ter em conta que, de acordo com as regras do ónus da prova a que se refere o artigo 342º nº 1 do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Por outro lado, nos termos do nº 2 do mesmo artigo e diploma, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
Como muito bem referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil anotado, volume I, 3ª Edição, a páginas 304, “...o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer a prova do facto.”
Por outro lado, como ensina o Prof. Manuel de Andrade, “Noções Elementares do Processo Civil”, 1976, págs. 195 e 196, “O onus probandi respeita aos factos da causa, distribui-se entre as partes segundo certos critérios.
Traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte).”
Pelo exposto manter-se-á a matéria de facto nos mesmos termos decididos na 1ª Instância.
*
E) Quanto à matéria propriamente jurídica, será a mesma apreciada conjuntamente para ambas as apelações.
O contrato de mediação imobiliária acha-se atualmente regulado pela Lei nº 15/2013, de 08/02 (a que nos referiremos na falta de indicação de origem diversa), a qual entrou em vigor em 01/03/2013 (artigo 45º nº 1) e revogou o Decreto-Lei nº 211/2004, de 20/08, teve em vista a conformação com a disciplina constante do Decreto-Lei nº 92/2010, de 26/07, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (artigo 1º nº 1).
Sobre o que seja mediação imobiliária diz-se no artigo 2º nº 1 que consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 12/06/2014, no processo nº 1218/10.3TBBCL.G1, relatado pelo Desembargador Filipe Caroço e subscrito pelo ora relator, “tem-se entendido que a remuneração é devida mesmo que a ação do mediador não constitua a única causa da conclusão e perfeição do negócio visado [Acórdão da Relação do Porto de 20.9.2001, proc. nº 0131169, in www.dgsi.pt], mas uma sua causa adequada.
Como se refere naquele aresto, “nos contratos de mediação, o direito à remuneração nasce da conclusão dos negócios objeto da mediação, mas a conclusão, para o mediador – isto resulta da essência do contrato – surge quando tais negócios se consideram aproximados entre o comitente e terceiros e consegue a adesão destes, haja ou não execução posterior.
Deve, porém, haver um nexo de causalidade entre a atividade do mediador e a conclusão do negócio.”
Também o Dr. Fernando Baptista de Oliveira, O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial, CEJ, 2016, páginas 14 e segs, refere que “agora (diferentemente, portanto, do anterior DL 211/2004) a atividade do mediador já não é definida por uma obrigação de diligenciar, mas, sim, de procurar (... destinatários para a realização de negócios). O que é bem diferente da obrigação de... concretização do negócio visado, (obrigação) esta que inexiste, pois isso não depende da vontade do mediador, mas do seu cliente e do interessado encontrado. O termo destinatários parece algo impreciso, pois destinatário é aquele que já celebrou o negócio visado, ou que seguramente o celebrará. E não é isso que se visa com aquela palavra destinatários, antes o que se pretende ali falar é de meros interessados no negócio visado, que podem celebrá-lo, ou não!
Mas sendo a obrigação essencial que impende sobre a mediadora a de angariar interessado para o negócio, praticar atos isolados, tal significa que não basta que a mediadora faça diligências no sentido de aproximar os interessados na realização do negócio. Se assim fosse bastar-lhe-ia simular um comprador que se mostrasse interessado e depois desistisse do negócio, mesmo que sem qualquer fundamento sério. Portanto, em princípio parece que se torna necessário que o contrato previsto seja levado a bom termo. Claro que o contrato visado pode não ser integralmente cumprido. Mas aí já não será a mediadora responsável por tal incumprimento, tendo direito a receber a comissão acordada. De qualquer forma, em princípio, o pagamento da comissão encontra-se ligado à conclusão do negócio pretendido, no caso, a projetada venda.
E citando alguma jurisprudência, menciona aquele autor alguns arestos:
«São pressupostos do contrato de mediação: a) Um acordo de vontades pelo qual uma pessoa – o mediador – se encarrega, perante outra – o comitente – de encontrar uma terceira pessoa – interessado - com vista à conclusão, entre ambas, de um negócio pretendido pela segunda; b) Conclusão efetiva do negócio entre o comitente e o terceiro, como consequência adequada da atividade do mediador.» - Ac. RL de 14.04.2011, proc. 761/07.6TCFUN.L1-2, Olinda Carmo Alves.
«O mediador obriga-se a uma atividade, que não a um resultado, embora seja em função da realização do negócio que ele desenvolve toda a sua atividade, sendo a sua remuneração, em princípio, apenas devida se o negócio se efetivar.» - Ac. STJ de 29-03-2011, Revista n.º 2439/07.1TBPTM.E1.S1 - 1ª Secção, Paulo Sá.
«O comitente só fica constituído na obrigação de remunerar o mediador se o negócio tido em vista pelo incumbente for concretizado em virtude da atividade do mediador, ou seja, a obrigação de meios que lhe incumbe há-de desembocar no resultado pretendido...» - Ac. STJ de 28.04.2009, Proc. 29/09.3YFLSB – Fonseca Ramos.
«I – O mediador, que exerce uma atividade essencialmente de carácter material e em nome próprio, obriga-se perante o comitente apenas a diligenciar por conseguir interessado em certo negócio e a aproximá-lo daquele (facilitando a conclusão do negócio).» - Ac. TRP de 19.02.2009, José Ferraz.
Entende ainda o Dr. Fernando Baptista de Oliveira, ibidem, páginas 57 e segs que “tem sido entendimento generalizado na jurisprudência que o mediador, no contrato de mediação imobiliária, só tem direito à remuneração convencionada com o comitente/cliente se o negócio visado (constituindo objeto legal da sua atividade de mediação) vier a ser concluído/concretizado e desde que a celebração deste tenha sido o corolário ou a consequência da sua atividade – exigindo-se um nexo causal entre a sua atuação (no âmbito da mediação) e a outorga do contrato visado (competindo ao mediador a alegação e prova dos pressupostos do seu direito, particularmente da verificação desse mesmo nexo causal).
Isto é, o direito à remuneração implica a execução da prestação contratual a que o mediador se obrigou, nomeadamente a prática dos atos adequados a conseguir que seja atingido o objetivo do contrato – a concretização e perfeição do negócio visado com a mediação.
Dito de outra forma: o mediador adquire o direito a receber a remuneração/comissão quando o seu trabalho influi sobre a conclusão do negócio – ou seja, o mediador tem direito à comissão quando, embora a sua atividade não seja a única causa determinante da cadeia dos factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente, contribuiu/influiu (decisivamente) para ela, (Cfr., v.g.: «O direito da mediadora à retribuição acordada no âmbito de um contrato de mediação imobiliária pressupõe, por regra e sem prejuízo das exceções previstas na lei, que a mediadora tenha desenvolvido uma concreta atividade no sentido de angariar um interessado para a celebração do negócio, que o negócio visado pelo contrato de mediação tenha sido concretizado e que este negócio tenha sido celebrado com um terceiro angariado pela mediadora, de tal modo que se possa afirmar que a conclusão do contrato foi o resultado da atividade desenvolvida pela mediadora em virtude de esta se integrar na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido, ainda que não tenha sido a única causa.» Ac. TRC de 17.12.2014, proc. 242/11.3TBNZR.C1, Catarina Gonçalves.
«… o mediador só tem direito à remuneração quando haja desenvolvido uma atividade que haja influído na conclusão do negócio visado, sendo a sua atividade causal dessa efetivação.» - Ac. STJ de 19-05-2009, Revista n.º 5339/06.9TVLSB - 6.ª Secção, Silva Salazar.
Sendo, aliás, que, de forma mais abrangente, MANUEL SALVADOR até admite (como orientação que melhor acode aos interesses em causa) que o mediador adquire o direito à remuneração quando influir no resultado final, mas sem que seja necessário para isso “que tenha cooperado no desenvolvimento das negociações, pelo que basta ter-se limitado a dar o nome de uma pessoa disposta a pagar determinado negócio” (situação que também consubstancia a aludida influência (decisiva) para a celebração do negócio) – acrescentando nós, que também bastará ter-se o mediador limitado a pôr em contacto as partes interessadas no negócio (obviamente, é claro, desde que tal atividade da mediadora tenha influído de algum modo no negócio) (Assim também, v.g.: «No contrato de mediação imobiliária, o mediador tem direito à comissão quando, embora não sendo a sua atividade a única causa determinante da realização do negócio pretendido pelo comitente, ela contribuiu para a sua realização, bastando que se tenha limitado a dar a conhecer o nome de uma pessoa disposta a fazer determinado negócio» - Ac. RL de 07.04.2003, Roque Nogueira.
Escreveu-se, pertinentemente, no Acórdão do STJ, de 28-04-2009: «O comitente só fica constituído na obrigação de remunerar o mediador se o negócio tido em vista pelo incumbente for concretizado em virtude da atividade do mediador, ou seja, a obrigação de meios que lhe incumbe há-de desembocar no resultado pretendido – a celebração do negócio para que foi mandatado o mediador – sob pena de se considerar que o contrato não almejou a perfeição e, não surtindo efeito útil a atividade do mediador – o risco, a álea negocial –, não há lugar à remuneração (comissão), nem ao pagamento de despesas se o contrato for celebrado pelo incumbente com terceiro, que não se interessou pelo negócio por causa da atuação do mediador.»65. Neste aresto, citando-se CARLOS LACERDA BARATA, acrescentou-se: «O direito à retribuição depende da celebração do contrato prometido embora seja independente do cumprimento do mesmo. Só com a verificação de um “resultado útil” – a realização do negócio – da atuação do mediador, este ganha o direito à retribuição. Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata. Pode-se, assim, afirmar que o direito à retribuição está sujeito a condição suspensiva: a celebração do negócio. Naturalmente, que só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da atuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro... Em matéria de direito à retribuição, o momento relevante é o da constituição do contrato promovido, pelo que as ocorrências supervenientes que incidam sobre a execução ou o conteúdo do contrato serão, em regra, indiferentes” – como abaixo melhor se explicitará.”
No caso dos autos, tendo em conta a matéria de facto dada como provada, não resulta ter havido celebração de um contrato de mediação imobiliária entre a autora e os réus, mas apenas negociações, propostas, com vista à sua celebração que não resulta terem sido aceites por todos os réus.
De resto, ainda que assim não fosse e se entendesse que as partes (todas) tivessem celebrado um acordo verbal, com vista à venda da propriedade dos réus, sempre resultaria ser o contrato nulo, por força do disposto no artigo 16º nº 1, de acordo com o qual o contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito, pelo que tal omissão geraria a nulidade do contrato, que os apelantes e réus vieram invocar nas contestações.
Porém, importa notar que a autora desenvolveu ainda uma intensa atividade com vista à celebração do contrato de compra e venda, conforme resulta da matéria de facto provada, como segue.
Apesar da inexistência de um contrato, a verdade é que a autora desenvolveu uma serie de atividades com vista à celebração (gorada) do contrato de mediação imobiliária arranjando um interessado para aquisição do prédio [ i)].
No entanto, porque não houve consenso de todos os comproprietários relativamente às condições propostas para a intermediação e a autora não se dispôs a alterar as condições estabelecidas, o contrato de angariação remetido não obteve a respetiva subscrição, pelo que o negócio não teve prosseguimento [ j)].
Volvidos aproximadamente dois anos, o comprador interessado na aquisição do terreno, QQ, voltou a manifestar à autora interesse na sua aquisição, através do seu colaborador OO [ k)].
Este voltou a abordar a ré GG, tendo-lhe apresentado seguinte nova proposta para angariação e venda do terreno: - Promitente adquirente: QQ; - V. aquisição: €340.000,00; Outorga imediata do CPCV (contrato-promessa de compra e venda) e entrega de 10% de sinal; Comissão da Mediadora (paga na escritura): €20.000,00; Prazo para a realização da escritura definitiva: 90 dias [ l)].
Por email datado de 15/07/2020, a ré GG, apresentou os termos da aceitação da proposta: Valor da aquisição: €340.000,00; Valor líquido para os herdeiros: €320.000,00; Contrato-Promessa de Compra e venda (CPCV) a realizar já; Sinal a entregar no CPCV 10%; Prazo para a escritura 90 dias; Mais, informo que ficou acordado com o Sr. OO que o pagamento de €20.000,00 à EMP02... seria efetuado no ato da escritura [ m)].
Após a receção desse email, nesse mesmo dia, o colaborador da autora, enviou um email à ré GG a informar que tinha conseguido majorar o negócio com o comprador angariado, pelo valor final de €342.500,00, de modo a não afetar a comissão da autora de 5% acrescida do IVA, pelo que os réus obteriam o valor líquido pela venda, no montante de €321.436,25 [ n)].
No dia 16 de julho de 2020, pela colaboradora da autora, XX, foi solicitado à ré GG, toda documentação e informação necessária à preparação do contrato-promessa de compra e venda [ o)].
No dia 17 de julho de 2020, a colaboradora da autora, YY, endereçou para os emails da ré KK e do Réu MM, bem como a interlocutora desde sempre do negócio, a ré GG, a minuta do contrato-promessa de compra e venda e, ainda, solicitou a documentação que se encontrava em falta para a outorga definitiva do contrato-promessa de compra e venda [ p)].
Para suprir as objeções que foram sendo levantadas pelo réu MM, designadamente quanto à identificação do comprador, a autora promoveu a realização de uma reunião entre o réu MM e o interessado na aquisição do terreno QQ, que se concretizou no dia 21 de agosto de 2020, e na qual foi acordada a realização direta da escritura definitiva de compra e venda, agendada para o dia 05 de outubro de 2020, bem como que previamente à escritura o comprador teria que enviar cópias dos cheques bancários/visados até às 10h00 do dia da escritura [ q)].
Nesse mesmo dia 21/08/2020, os restantes herdeiros, através da GG e da KK foram informados por email, pela colaboradora da autora, YY, quer do resultado da reunião, bem como que a escritura não seria realizada no dia 05 de outubro de 2020, como acordado, mas sim no dia 06 de outubro de 2020, dado o dia 05 ser feriado nacional [ r)].
Uma vez que nem todos os vendedores tinham disponibilidade para comparecer no dia agendado para a realização da escritura, a autora, através da colaboradora YY, solicitou ao Cartório Notarial, minutas de procurações, as quais foram enviadas aos comproprietários, através da ré GG [ t)].
Em face da necessidade de proceder à retificação de áreas, uma vez que os vendedores se recusavam a escriturar a venda do prédio com uma área que não correspondia à realidade, a autora diligenciou pela elaboração do competente levantamento topográfico, e elaborou o requerimento de retificação de áreas, recolhendo as assinaturas dos vendedores, concretamente, de ZZ, legal representante da EMP03... e a comproprietária KK, com procuração dos restantes comproprietários [ u)]
Posteriormente, procedeu à entrega do requerimento junto do serviço de finanças de ..., e obteve o competente comprovativo, essencial para a realização da escritura [ w)].
No dia 29/09/2020, a autora procedeu à recolha da declaração para o direito de preferência dos titulares dos prédios confinantes [ x)].
A 30/09/2020, a colaboradora da autora YY, recolheu, ainda, via email a informação dos comproprietários para efeitos de branqueamento de capitais, o que foi disponibilizado pelos réus [ y)].
No dia 02/10/2020, a autora recebeu um contacto da Srª Notária a informar que as guias de IMT não eram emitidas, pedindo para que os vendedores verificassem se teriam alguma dívida pendente na Autoridade Tributária, tendo a autora diligenciado, de imediato, junto dos réus, no sentido de ultrapassar esse obstáculo, situação que foi regularizada [ aa)].
No dia 06/10/2020, dia da realização da escritura, durante a manhã, a autora obteve por parte do comprador - Sr. QQ, cópia dos cheques bancários emitidos para pagamento a cada um dos comproprietários, incluindo o da mediadora, que foram remetidos tanto para os vendedores, como para a Srª Notária [ bb)].
A autora recebeu um telefonema do Sr. MM, a informar que o gerente da ré EMP03... tinha tido um problema de saúde e que a procuração que ele MM tinha apenas lhe dava poderes para dar de arrendamento e não para vender, solicitando que a escritura fosse adiada para o dia seguinte, pelo que a autora diligenciou junto de todos os envolvidos nesse sentido, tendo a escritura ficado agendada para o dia 07 de outubro de 2020, pelas 14h30, no mesmo Cartório Notarial de AAA [ cc)].
A autora na pessoa da sua colaboradora YY e o senhor PP, seu Legal Representante, juntamente com o procurador do comprador e a respetiva Advogada, apresentaram-se no Cartório da Drª AAA, pelas 14h00 [ ff)].
Poucos minutos depois, compareceram naquele Cartório o Sr. MM, o Sr. ZZ, Legal Representante da ré EMP03..., e, ainda, a ré KK, acompanhada pelo marido [ gg)].
Todos os intervenientes foram encaminhados para a sala de leitura das escrituras, onde o Sr. MM manifestou que a EMP03... iria exercer o direito de preferência [ hh)].
Nessa sequência, a senhora Notária lavrou o certificado de não realização da escritura de compra e venda [ ii)].
No dia 14/10/2020, no Cartório Notarial de WW, sito na Rua ..., na cidade ..., os réus celebraram o contrato de compra e venda à ré EMP03..., do imóvel sito em ... dos ..., pelo preço global de €281.256,73 (duzentos e oitenta e um mil duzentos e cinquenta e seis euros e setenta e três cêntimos) [ jj)].
Cada um dos réus recebeu o mesmo valor que receberia se tivesse realizado a escritura no dia 07/10/2020 [ kk)].
Os réus recusaram-se a pagar a comissão da autora [ ll)].
Estabelece o artigo 473º do Código Civil que
1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
Conforme referem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Volume I, 3ª Edição, a páginas 427 e segs., a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos.
É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento, que pode consistir na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem assuma.
Umas vezes traduzir-se-á num aumento do ativo patrimonial, outras vezes, na diminuição do passivo, outras, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio e outras, ainda, na poupança de despesas.
Por outro lado, a obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento contra o qual se reage careça de causa justificativa, porque nunca a tenha tido ou porque, tendo inicialmente, entretanto haja perdido.
Acresce que a obrigação de restituir pressupõe, em terceiro lugar, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição, exigindo-se uma correlação entre a situação dos dois sujeitos, de forma que a vantagem patrimonial obtida por um deles resulte do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro, que ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponda ao empobrecimento de outra.
Ora, analisada a situação verifica-se, estarem preenchidos os requisitos legais do enriquecimento sem causa, não havendo, na presente situação, outro meio legal que faculte à autora a sua indemnização (cfr. artigo 474º Código Civil).
Importa atentar que a autora no final da sua petição inicial expressamente refere que os réus se locupletaram injustamente do trabalho da autora no montante de €21.063,75, a que acrescem juros de mora.
Refere-se, ainda no artigo 479º nº 1 do Código Civil que a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou se a restituição em espécie não for possível o valor correspondente.
O beneficiado deve restituir apenas aquilo com que efetivamente se acha enriquecido e que corresponderá à diferença entre a situação real e atual do beneficiado e a situação hipotética em que estaria se não fosse a situação patrimonial operada.
Afigura-se-nos, em face do exposto, que o valor a considerar terá de ser o montante relativo à comissão da autora, que foi o valor de que todos os réus, com exceção do réu MM, beneficiaram e de que aquela ficou prejudicada (€21.063,74), a que acrescerão os juros de mora vencidos desde a data da escritura (07/10/2020) e vincendos, até efetivo e integral pagamento.
Assim sendo, as apelações terão de ser julgadas improcedentes e, em consequência, serem todos os réus, com exceção do réu MM, condenados a pagar à autora a quantia de €21.063,75, acrescida dos juros de mora vencidos (desde a data da escritura, 07/10/2020) e vincendos, até efetivo e integral pagamento.
Face ao total decaimento da pretensão dos apelantes, sobre os mesmos recai a obrigação de suportar as custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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F) Em conclusão e sumariando:
…
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III. DECISÃO
Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar as apelações improcedentes e, em consequência, condenar todos os réus, com exceção do réu MM, a pagar à autora a quantia de €21.063,75, acrescida dos juros de mora vencidos (desde a data da escritura, 07/10/2020) e vincendos, até efetivo e integral pagamento. Custas pelos apelantes.
Notifique.
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Guimarães, 27/11/2025
Relator: António Figueiredo de Almeida
1º Adjunto: Desembargador José Carlos Cravo
2º Adjunto: Desembargador Joaquim Boavida