CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
RENOVAÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO DAS RENDAS
Sumário


1 – O contrato de arrendamento caduca findo o prazo estipulado.
2 - Não obstante a caducidade do arrendamento, o contrato renova-se se o locatário se manteve no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, que apenas se manifestou através de notificação judicial avulsa remetida mais de um ano depois. Este prazo de um ano conta a partir do momento em que o contrato caducou, traduzindo-se a falta de oposição do locador na presunção de que as partes acordaram tacitamente na renovação.
3 - Assiste ao senhorio o direito a intentar ação declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA e marido BB intentaram ação de despejo contra CC pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, condenando-se a ré a entregar o locado aos autores, imediatamente e no estado em que o mesmo foi dado de arrendamento, bem como no pagamento aos autores das rendas vencidas e não pagas, no valor global de € 5.400,00, e vincendas até efetiva entrega do locado, bem como nos correspondentes juros de mora à taxa legal.
Para tanto, alegaram que são proprietários de fração autónoma que identificam. Que celebraram com a ré, contrato de arrendamento com a duração de dois anos, com início em 01/06/2021 e fim em 31/05/2023, não renovável, tendo a renda sido fixada em € 7.200,00, a pagar em duodécimos de € 600,00, até ao oitavo dia do mês anterior a que dissesse respeito. Mais alegam que a ré se manteve no imóvel após o fim do contrato, permanecendo a habitá-lo e pagou a renda até março de 2024, não pagando as rendas relativas aos meses de abril, julho, agosto e setembro de 2024. No dia 13/09/2024 a ré foi interpelada, por notificação judicial avulsa, para proceder à entrega do imóvel no prazo de 30 dias e para liquidar os valores devidos a título de rendas, o que não fez, bem como não pagou mais qualquer quantia pelo uso e ocupação do imóvel, que se mantém a ocupar.
A ré foi citada por carta registada com aviso de receção, assinado pela própria, com data de 24/02/2025.

A 02/04/2025, foi proferido o seguinte despacho:
“Tendo o réu sido devidamente citado para a causa e não tendo apresentado contestação no prazo legal nem constituído mandatário judicial, consideram-se confessados os factos articulados na petição inicial (art. 567º, n.º 1 do Cód de Proc Civil).
Cumpra o disposto no art. 567º, n.º 2 do Cód de Proc Civil.
Prazo: 10 dias”.
Os autores alegaram pedindo que, em face da confissão dos factos, a ação seja julgada procedente.
A 22/04/2025, a ré juntou aos autos procuração a favor de advogado e, no mesmo dia, alegou que, após ter sido citada, requereu o benefício do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono e dispensa de taxas de justiça, mas cometeu um erro de identificação do processo, identificando, na secretaria judicial, a notificação judicial avulsa que originou o presente processo, pelo que, deverá considerar-se como justo impedimento o facto de o requerimento do benefício do apoio judiciário não ter dado entrada nos presentes autos mas sim em notificação judicial avulsa, requerendo que seja dado sem efeito o despacho que determinou a revelia, sendo-lhe concedido prazo para contestar os autos.
Os autores opuseram-se.

Foi proferido o seguinte despacho:
“Vem a ré insurgir-se contra o n/ despacho com refª ...98 (02/04/2025), o qual considerou confessados os factos alegados na p.i, por ausência de apresentação de contestação, alegando ter requerido o benefício e apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e dispensa de taxas de justiça; contudo, por lapso, ao invés de identificar estes autos, indicou a notificação judicial avulsa que originou o presente processo, que havia sido distribuída ao mesmo juízo cível com o n.º 5425/224.3T8BRG; peticiona que seja dado sem efeito o referido despacho e que lhe seja concedido prazo para contestar.
Em sede de contraditório, veio a autora dizer que a ré foi citada pessoalmente para os autos em 24/02/2025, terminando a data para contestar em 26/03/2025; por outro lado, o pedido de apoio judiciário deu entrada em 01/04/2025, pelo que nunca teria a virtualidade de interromper o prazo em curso; termos em que peticiona o indeferimento do requerido.

Isto posto:
Em primeiro lugar, importa começar por dizer que um dos princípios do Processo Civil é o da auto-responsabilidade probatória das partes (art 5º do Cód de Proc Civil); se a ré se enganou a indicar o processo então deverá suportar as consequências inerentes.
Em segundo lugar, retira-se dos autos que a ré foi citada pessoalmente em 24/02/2025 (refª ...42 (28/02/2025)), pelo que o prazo normal de apresentação da contestação terminaria em 26/03/2025; com os dias adicionais do art 139º, n.º 5 do Cód de Proc Civil, poderia apresentar a contestação ate 31/03/2025; tendo o requerimento de apoio judiciário dado entrada em 01/04/2025, mesmo fazendo fé no que diz a ré, o mesmo nunca teria a virtualidade de impedir a produção dos efeitos previstos no art 567º, n.º 2 do Cód de Proc Civil.
Termos em que se indefere o requerido”.
De seguida foi proferida sentença que condenou a ré na entrega do locado, livre e devoluto de pessoas e bens e no pagamento das rendas vencidas desde 08/04/2024 até à data da instauração da presente ação, no valor global de € 5.400,00, bem como das rendas vincendas até à entrega do imóvel, tudo acrescido dos respetivos juros moratórios.

A ré interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
A) O contrato de arrendamento celebrado entre as partes em 1 de junho de 2021, cessou, por não estar prevista a sua renovação automática, em 31 de maio de 2023.
B) Resulta de igual modo, que a R. foi interpelada judicialmente no dia 13 de setembro de 2024, por notificação judicial avulsa deduzida pelo A., para a notificar entre outras coisas, da cessação do contrato de arrendamento por caducidade. – como resulta de forma clara do documento junto pelo A. com a sua petição inicial.
C) É inegável que desde o dia 31 de maio de 2023 ao dia 13 de setembro de 2024, a R. manteve-se no locado, sem qualquer oposição dos AA, e tal situação decorreu por mais de um ano.
D) A tolerância dos AA. na manutenção da R. no locado por mais de um ano, teve por efeito a renovação do contrato de arrendamento.
E) Esta factualidade dada por provada, é subsumível ao regime previsto no artigo 1056º e 331.º do Código Civil, verificando-se uma causa impeditiva de caducidade.
F) Em consequência, o contrato em crise não caducou como foi decidido pela sentença recorrida.
G) A Notificação Judicial Avulsa (doravante NJA) que consubstancia a causa de pedir dos AA. carece de requisitos essenciais para ser declarada como válida e eficaz a sua pretensão resolutiva.
H) Na NJA, em primeiro lugar, requerem o pagamento a título indemnizatório de rendas elevadas ao dobro, em virtude da caducidade do contrato, de seguida, requerem a resolução do contrato de arrendamento, em terceiro lugar, requerem o pagamento de rendas não pagas de € 3.000,00, mas por extenso indicam o valor de três mil e oitocentos euros, em quarto lugar, concedem o prazo de 8 dias para o pagamento, em quinto lugar, concedem o prazo de 30 dias para entrega do locado.
I) Daqui resulta a ineficácia resolutiva da comunicação operada pela NJA, pois, em primeiro lugar, a NJA não informa da possibilidade da cessação da resolução do contrato, pelo pagamento das rendas.
J) Em segundo lugar, concede o prazo de 8 dias de pagamento, quando a lei faculta o prazo de 30 dias.
K) Em terceiro lugar, atenta a discrepância de valores exigidos na NJA, a recorrente desconhece o valor a pagar para evitar a resolução contratual, quando a lei exige certeza, exigibilidade e liquidação.
L) A RATIO LEGIS DA EXIGÊNCIA DA COMUNICAÇÃO DA RESOLUÇÃO É PRECISAMENTE A DE INFORMAR DA POSSIBILIDADE DE O DEVEDOR DE RENDAS EVITAR A CESSAÇÃO DO CONTRATO MEDIANTE O SEU PAGAMENTO, NO PRAZO E CONDIÇÕES ESTABELECIDAS NA LEI.
M) Ao não cumprir minimamente esse desiderato, constata-se que existiu uma violação grosseira dos requisitos de operabilidade, perfeição e eficácia da NJA.
N) Motivo pelo qual terá de ser dada por inoperante a resolução perpetrada pelos AA. em relação à recorrente, o que invalida a condenação na restituição do locado pela recorrente aos AA.
O) A sentença em crise violou, entre outras as seguintes normas legais:
a) Código Civil, artigos 1051.º, alínea a), 1056.º, 331.º, 1083.º, n.º 3, 1084.º, n.º 3, 436.º, todos do Código Civil.
b) Artigo 15.º, n.º 2, NRAU.
E face a tudo o supra exposto, deverá ser concedido provimento à presente Apelação e em consequência, a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra em que se declare a renovação do arrendamento por tolerância do senhorio, e a ineficácia da comunicação da resolução do contrato de arrendamento, com as legais consequências.
Assim decidindo farão V. Exas., JUSTIÇA!

Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver traduzem-se em saber se o contrato caducou e/ou se deve considerar-se resolvido por falta de pagamento de rendas.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Os factos que relevam para a decisão da causa são os constantes da petição inicial, considerados confessados por falta de contestação.
Na sentença recorrida entendeu-se que o contrato de arrendamento se extinguiu por caducidade, em 31/05/2023, e que a ocupação posterior do imóvel, por parte da ré, ainda que com a tolerância dos autores, não tem a virtualidade de fazer “renascer” o contrato de arrendamento anterior, pelo que, carecendo a ré de título justificativo da ocupação do imóvel, deve devolver o mesmo aos autores e pagar as rendas que seriam devidas, se o contrato estivesse em vigor, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.
Já a apelante considera que o contrato não caducou, uma vez que se manteve no locado, após 31/05/2023, sem qualquer oposição dos autores até ao dia 13/09/2024 (data da notificação judicial avulsa), o que teve por efeito a renovação do contrato de arrendamento. Mais defende que a notificação judicial avulsa efetuada não teve a virtualidade de resolver o contrato de arrendamento.
Vejamos.
Não há dúvida que um dos casos previstos na lei para a caducidade do contrato de arrendamento é o fim do prazo estipulado – artigo 1051.º, alínea a) do Código Civil.
A “caducidade é a extinção automática do contrato, como mera consequência de algum evento a que a lei atribui esse efeito” – Galvão Telles (Contratos Civis, pág. 46) citado em Antunes Varela e Pires de Lima, CC Anotado, vol. II, 3.ª edição revista e atualizada, pág. 412.
No caso dos autos o contrato foi celebrado com a duração de dois anos, terminando a 31 de maio de 2023, “não se renovando automaticamente”, pelo que a caducidade opera de imediato, sem necessidade de comunicação ao outro contraente ou oposição à renovação – artigo 1054.º, n.º 1 e 1096.º, n.º 1 do Código civil.
Acontece que, ocorrida a caducidade do contrato a 31 de maio de 2023, a ré permaneceu a habitar o arrendado, tendo pago a renda respetiva até ao mês de março de 2024, não tendo pago a renda relativa ao mês de abril de 2024 e tendo pago as rendas relativas aos meses de maio e junho de 2024, após o que não mais voltou a pagar qualquer renda.
Nessa sequência, os autores, por via de notificação judicial avulsa, notificaram a ré, a 13 de setembro de 2024, para proceder à entrega do locado e liquidar o valor em dívida respeitante às rendas dos meses de abril, julho, agosto e setembro de 2024, o que a ré não fez.
Tendo em conta esta factualidade, verifica-se que o contrato tem que considerar-se renovado, nos termos do disposto no artigo 1056.º do Código Civil, pois, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário manteve-se no gozo da coisa pelo lapso de mais de um ano, sem oposição do locador, que apenas se manifestou através da notificação judicial avulsa de 13/09/2024. Este prazo de um ano, previsto no artigo 1056.º conta a partir do momento em que o contrato caducou – cfr. autores e obra citada, pág. 423 – traduzindo-se a falta de oposição do locador na presunção de que as partes acordaram tacitamente na renovação, não subsistindo dúvidas quanto à mesma, uma vez que o locatário permaneceu a habitar o locado e o locador continuou a receber as rendas respetivas – veja-se, também, o disposto no artigo 331.º, n.º 2 do Código Civil de onde resulta que o reconhecimento deve ser de tal forma que não subsistam dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito do credor (Acórdão deste Tribunal da Relação de 08/01/2015, processo n.º 2641/09.1TBBCL.G1, in www.dgsi.pt, que cita Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição revista e atualizada, pág. 295 e 296, citando Vaz Serra, para dizer que o reconhecimento impeditivo da caducidade tem de ter o mesmo efeito de tornar certa a situação e Acórdão do STJ de 26/02/2004 in www.dgsi.pt). Tal é o caso dos autos, como já vimos.
Nestes termos, procede a apelação, quanto a não se verificar a caducidade do contrato de arrendamento.

Mas já não tem razão a apelante, quando entende que o contrato não pode ser resolvido por falta de pagamento de rendas, em virtude de a notificação judicial avulsa não estar redigida nos termos legais, carecendo de validade e eficácia quanto aos prazos aí referidos e aos valores peticionados.
Ora, se é certo que a notificação judicial avulsa não cumpre, na sua totalidade, os requisitos legais (nomeadamente, quanto a prazos e valores), a verdade é que a resolução do contrato de arrendamento pode ser feita judicial ou extrajudicialmente – artigo 1047.º do CC – caducando o direito à resolução por falta de pagamento de renda, quando for exercido judicialmente, se o locatário, até ao termo do prazo para a contestação, pagar, depositar ou consignar em depósito as somas devidas.
O artigo 1084.º, n.º 2 do Código Civil estabelece que a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior (mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda ou mora superior a 8 dias no pagamento da renda por mais de 4 vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses), opera por comunicação à contraparte onde, fundadamente, se invoque a obrigação incumprida.
Contudo, não pode deixar de se considerar que a comunicação à contraparte pode e deve operar, também, por via da citação para a ação respetiva, caducando tal direito se o arrendatário pagar, depositar ou consignar em depósito as somas devidas até ao prazo da contestação.
Interposta ação de despejo em que se pede a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, a citação para a mesma satisfaz os deveres de comunicação e interpelação ao pagamento exigidos por aqueles artigos, uma vez que transmite todos os elementos relativos ao contrato e à mora no pagamento das rendas – cfr., neste sentido, Acórdão desta Relação de 18/12/2024, processo 10/24.2T8MNC.G1, in www.dgsi.pt.
O facto de estar prevista a comunicação à contraparte, a operar, inclusivamente, de forma extrajudicial, não pode impedir o recurso à via judicial por parte do senhorio. A ação de despejo terá que constituir sempre uma opção para o senhorio. “Consideramos que assiste ao senhorio o direito a intentar ação declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial, a tanto não obstando a letra dos artigos 1083.º e 1084.º do CC” – Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, 3.ª edição revista, atualizada e aumentada, pág. 413, onde dão conta de posição semelhante na doutrina que tem sido sustentada por Gravato Morais e, maioritariamente, pela jurisprudência.
Improcedem, assim, os argumentos da apelante quanto à impossibilidade de resolução do contrato de arrendamento por falta de requisitos da notificação judicial avulsa e ficando prejudicado o conhecimento do cumprimento dos requisitos do enriquecimento sem causa.
Nestes termos, a ação procede inteiramente, declarando-se resolvido o contrato de arrendamento e condenando-se a ré a entregar o locado aos autores, livre e devoluto, no estado em que o mesmo foi dado de arrendamento e a pagar aos autores as rendas vencidas e não pagas, no valor global de € 5.400,00 e as vincendas, desde a propositura da ação, até efetiva entrega do locado, tudo acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação (no que diz respeito à caducidade), confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com diferente motivação, relativamente aos pontos 1 e 2 do dispositivo e declarando-se resolvido o contrato de arrendamento identificado na petição inicial.
Custas pela apelante.

***
Guimarães, 27 de novembro de 2025

Ana Cristina Duarte
José Carlos Dias Cravo
Alcides Rodrigues