ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MAIORIDADE DO ALIMENTANDO NO DECURSO DO PROCESSO
PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
FIXAÇÃO DO MONTANTE
CAPACIDADE ECONÓMICA
Sumário

I – Como se prevê no nº2 do art. 989º do CPC, estando a correr o processo para fixação de alimentos, a maioridade do alimentando não impede que o mesmo se conclua e, neste âmbito, por via do nº3 daquele mesmo artigo, tem o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas daquele filho o direito a exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação de tal filho, pois já estava nele estava em causa a fixação de alimentos para aquele filho quando o mesmo atingiu a maioridade.
II – Na determinação das necessidades do jovem ter-se-á de atender ao seu padrão de vida, ao custo de vida em geral, à sua idade (quanto mais velho mais avultados são os encargos com a sua educação, vestuário, alimentação, vida social, atividades extracurriculares etc.), à ambiência familiar, social, cultural e económica a que está habituado e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos.
III – A capacidade económica dos pais, para efeitos da obrigação de alimentos a prestar aos filhos, não se avalia apenas pelos rendimentos que declaram ao Fisco ou à Segurança Social, mas também, designadamente, pela sua idade, pela atividade profissional que em concreto desenvolvem e pela capacidade de gerar proventos que essa atividade permite.
IV – As necessidades dos filhos devem ser satisfeitas se possível até com prioridade sobre as próprias necessidades dos progenitores, cabendo a eles progenitores o esforço de obter rendimentos que propiciem aos filhos um crescimento equilibrado e sadio.

Texto Integral

Processo: 12717/18.9T8PRT-D.P1

Relator: António Mendes Coelho

1º Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais

2º Adjunto: Teresa Pinto da Silva

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório[1]

AA intentou ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais referentes aos seus filhos, então ambos ainda menores, BB (nascido a ../../2005) e CC (nascida a ../../2008), sendo requerido o progenitor BB.

Para o efeito alega, em síntese, que apesar de judicialmente fixado um regime de residência alternada, o mesmo não se encontra a ser cumprido, estando os filhos a residir com a mãe, pelo que cumpre alterar o regime fixado.

Citado para se pronunciar, veio o progenitor fazê-lo pugnando pela improcedência da pretensão e alegando que o afastamento dos filhos se deve a influência da mãe pelo facto de o progenitor não concordar que os mesmos continuem a frequentar o ensino privado.

Em sede de conferência de progenitores, com audição dos menores, não foi possível obter qualquer acordo, tendo sido proferida decisão provisória (a 6/1/2023, de novo mantida por despacho de 25/1/2023), inicialmente anulada pelo Tribunal da Relação (por acórdão de 14/4/2023, quanto à decisão de 6/1/2023, e por acórdão de 25/6/2023, quanto à decisão de 25/1/2023 – conforme apensos G e J dos autos) e posteriormente retificada (por decisão proferida a 13/7/2023) e confirmada pelo Tribunal da Relação (acórdão proferido a 13/11/2023 – apenso K), fixando a residência da menor CC junto da mãe e prevendo convívios de forma gradual com vista a reaproximação entre pai e filha e fixando-se alimentos a prestar pelo pai a ambos os filhos (o jovem BB entretanto atingiu a maioridade mas não havia completado a sua formação) no montante de 250€ para cada, acrescido de metade dos montantes referentes a frequência de estabelecimento de ensino privado e quanto à menor ainda de metade de despesas de saúde e atividades extracurriculares.

Realizada audição técnica especializada manteve-se o desacordo dos progenitores.

Após decisão de indeferimento de incidente de suspeição suscitado pelo progenitor, determinou-se a prossecução dos autos para realização de audiência de julgamento, tendo as partes sido notificadas para apresentarem alegações e prova.

Nenhuma das partes apresentou alegações.

Tendo o progenitor arrolado uma testemunha, procedeu-se a audiência de julgamento e nesta ocorreu a inquirição de tal testemunha, a tomada de declarações aos progenitores, a audição da menor CC e a audição do filho já maior por iniciativa do tribunal.

Na sequência do julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu a final nos seguintes termos:

Pelo exposto decide-se alterar o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor CC nos seguintes termos:

- Fixa-se a residência da menor junto da progenitora

- As responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida da menor, serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores, sendo que em situação de urgência qualquer dos progenitores poderá atuar devendo porém informar o outro logo que possível

- As responsabilidades parentais referentes a questões da vida corrente serão exercidas pela mãe, ou pelo pai quando com ele se encontre temporariamente, devendo porém respeitar as orientações educativas mais relevantes definidas pela mãe.

– Tendo em conta a sua idade, fixa-se um regime livre de contactos e convívios entre a menor e o pai.

- A título de alimentos o progenitor prestará a quantia mensal de 250€ que remeterá, por transferência bancária, para a conta da progenitora, até ao dia 08 de cada mês

- Serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores as despesas da CC referentes a:

- frequência de estabelecimento de ensino privado

- consultas médicas

- óculos

- tratamentos e aparelhos nos dentes

- operações cirúrgicas, internamentos e meios auxiliares de diagnóstico

Para o efeito o progenitor que efetuar a despesas deverá enviar ao outro documento comprovativo da mesma até ao final do mês seguinte àquele a que a despesa respeita e o reembolso deverá ser efetuado no prazo de dez dias após a receção dos documentos


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Relativamente ao jovem BB julgo extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide por ter já atingido a maioridade, determinando-se porém que o pai lhe deverá prestar a quantia mensal de 250€ a título de alimentos até completar a sua formação ou os 25 anos de idade (cf. arts. 1880º e 1905º nº 2 do CC).

O pagamento deverá ser efetuado por transferência bancária, para a conta da progenitora, até ao dia 08 de cada mês

O pai deverá ainda suportar o pagamento de 50% das despesas inerentes à frequência de estabelecimento de ensino, consultas médicas; óculos; tratamentos e aparelhos nos dentes; operações cirúrgicas, internamentos e meios auxiliares de diagnóstico.

Para o efeito o progenitor que efetuar a despesas deverá enviar ao outro documento comprovativo da mesma até ao final do mês seguinte àquele a que a despesa respeita e o reembolso deverá ser efetuado no prazo de dez dias após a receção dos documentos


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Custas por ambos os progenitores, em igualdade.

De tal sentença veio o requerido interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso da sentença que decidiu pela alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor CC, em que, entre outros, fixou-se a prestação mensal a título de alimentos no montante € 250,00 por parte do progenitor, por transferência bancária, para a conta da progenitora, até ao dia 08 de cada mês e, relativamente ao maior BB, pese embora a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, determinou-se igualmente a prestação mensal a título de alimentos no montante € 250,00 por parte do progenitor, até o maior completar a sua formação ou os 25 anos de idade.

2. Entende o ora Recorrente que na sentença recorrida se cometeram erros na apreciação da matéria de facto, julgando igualmente que na decisão sob censura não foi feita uma correta interpretação e aplicação do direito atinente, impondo-se uma solução inversa à decidida, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura (cfr. artigo 662.º, n.º 1 do CPC.).

3. O processo teve início em outubro de 2022, conforme consta nos autos.

4. Os factos analisados e dados como provados devem referir-se a circunstâncias e elementos diretamente pertinentes e contemporâneos ao objeto da causa.

5. Os rendimentos declarados pelo Requerido em sede de IRS referentes aos anos de 2021 e 2022 não possuem qualquer relação direta com os rendimentos que efetivamente auferiu em 2022, ano de início do processo.

6. Diante do exposto, é imperioso que sejam ELIMINADOS do acervo de factos provados os seguintes factos:

- "Para efeitos de IRS o progenitor declarou, relativamente ao ano de 2021, rendimentos de trabalho dependente, no montante de 49.625€."

- "Para efeitos de IRS o progenitor declarou, relativamente ao ano de 2022, rendimentos de trabalho dependente, no montante de 29.750€."

7. Tais factos não apenas estão temporalmente desfasados como também não são necessários para a análise do objeto do litígio em causa.

8. A análise dos rendimentos do Requerido deve restringir-se ao IRS apresentado em 2023, que respeita ao período fiscal de 2022, o único diretamente relevante e contemporâneo aos factos em discussão.

9. As informações da Autoridade Tributária juntas aos autos relativas às declarações de IRC dos anos 2021, 2022 e 2023 da sociedade A... LDA., e declarações de IRC dos anos de 2021, 2022 e 2023 das sociedades B..., LDA. são absolutamente irrelevantes e não têm qualquer interesse processual para os presentes autos.

10. O lucro tributável, o volume de negócios ou mesmo os prejuízos fiscais de uma empresa são exclusivamente atribuíveis à sociedade, sendo irrelevantes para aferir a real capacidade financeira do Requerido enquanto pessoa singular, salvo em situações específicas como distribuição de lucros, que deve ser provada e refletida nos rendimentos declarados em sede de IRS.

11. O rendimento que o Requerido efetivamente recebe deve ser apurado exclusivamente por meio das suas declarações de IRS e de eventuais documentos que comprovem distribuição de dividendos ou outros benefícios efetivamente recebidos das empresas que, in casu, inexistem.

12. A inclusão de factos relativos ao IRC das sociedades nos autos apenas induz a uma confusão indevida entre a autonomia patrimonial das empresas e os rendimentos pessoais do Requerido.

13. Ora, os rendimentos declarados pelo Requerido em sede de IRS referentes aos anos de 2021 não possuem qualquer relação direta com os rendimentos que efetivamente auferiu em 2022 (€ 29.750,00), e no de 2023 (€27.625,00).

14. O ano de 2021 diz respeito a um período fiscal que já não poderia, à data da ação, refletir de forma precisa as condições patrimoniais e financeiras do Requerido para a avaliação da matéria controvertida.

15. Mas o Tribunal preferiu fundamentar o seu despacho, recorrendo a informação desatualizada, e desajustada.

16. As informações da Autoridade Tributária juntas aos autos relativas às declarações de IRC dos anos 2021, 2022 e 2023 da sociedade A... LDA., e declarações de IRC dos anos de 2021, 2022 e 2023 das sociedades B..., LDA. são absolutamente irrelevantes e não têm qualquer interesse processual para os presentes autos.

17. A sociedade A... LDA. e a sociedade B..., LDA., não são partes no presente processo;

18. A análise da capacidade financeira do Requerido deve restringir-se ao que este efetivamente recebe, por ser apenas essa riqueza que integrou o seu património, conforme está documentado nas suas declarações de IRS.

19. A inclusão de factos relativos ao IRC das sociedades nos autos apenas induz a uma confusão indevida entre a autonomia patrimonial das empresas e os rendimentos pessoais do Requerido.

20. A inclusão desses factos leva a conclusões incorretas sobre a situação financeira do Requerido e, assim, tal abordagem ignora que a saúde financeira de uma sociedade não implica necessariamente benefícios diretos ou imediatos para os seus sócios.

21. Assim, também os seguintes factos deveriam ser ELIMINADOS do conjunto de factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª instância, por se revelarem evidentemente inúteis à boa decisão sobre a causa:

- “Para efeitos de IRC a empresa “A... Ldª” declarou prejuízos fiscais nos anos de 2021, 2022 e 2023”;

- “Para efeitos de IRC a empresa B... Ldª declarou, relativamente ao ano 2021 lucro tributável de 101.302,56€ e um volume de negócios de 724.245€”;

- “Para efeitos de IRC a empresa B... Ldª declarou, relativamente ao ano 2022 lucro tributável de 89.391,70€ e um volume de negócios de 1003.916,92€”;

- “Para efeitos de IRC a empresa B... Ldª declarou, relativamente ao ano 2023 lucro tributável de 10654,71€ e um volume de negócios de 1112.421,64€”.

22. Com base nas declarações de parte do Recorrente BB, é possível concluir que este não dispõe de meios financeiros para suportar as mensalidades a título de prestação de alimentos a que foi condenado, no valor total de € 500,00 aos seus dois filhos.

23. Em conformidade, deverá o facto “O progenitor não dispõe de capacidade económico-financeira para suportar o montante global de € 500,00 a título de pensão de alimentos aos filhos”, ser, necessariamente, ADITADO ao conjunto de factos dados como provados!

24. Entende o Recorrente que na sentença recorrida foram cometidos erros graves na apreciação da matéria de facto, devendo ser, Eliminados 6 pontos dos factos provados, e Aditado 1 ponto da matéria de facto provada, devendo resultar da matéria de facto o seguinte:

Factos provados:

“- BB nasceu a ../../2005 e encontra-se registado como filho da requerente e do requerido – cf. certidão de nascimento junta a fls. 9 dos autos principais (Divórcio)

- CC nasceu a ../../2008 e encontra-se registada como filha da requerente e do requerido – cf. certidão de nascimento junta a fls. 10 dos autos principais (Divórcio)

- O exercício das responsabilidades parentais foi inicialmente regulado no âmbito do processo de divórcio dos progenitores (em maio de 2019) ficando a residência dos filhos fixada junto da mãe e sendo previstos convívios com o pai e alimentos a prestar por este.

- O regime inicialmente fixado foi alterado (cf. Apenso C) a 12 de novembro de 2021 relativamente à CC (cf. fls. 49 ss do apenso C) e a 04 de março de 2022 relativamente ao BB (cf. fls. 52 ss do apenso C), passando a vigorar regime de residência alternada semanal.

- O regime de residência alternada apenas foi cumprido até meados de 2022, sendo que desde então ambos os filhos passaram a residir com a mãe com carater de estabilidade e mantendo apenas contactos e/ou convívios muito esporádicos com o pai.

- Atualmente o BB não mantém nem pretende manter qualquer contacto ou convívio com o pai

- A CC convive regularmente com a família paterna (avós e tio)

- A CC verbalizou abertura a uma reaproximação, ainda que muito gradual, ao pai.

- Na perspetiva da CC no período de guarda alternada o pai deixava os filhos muito sozinhos, passando muito tempo fora e não a acompanhando, além de que ficou muito magoada pelo facto de o pai ter deixado de pagar o colégio que frequentava

- Num período inicial pai e filha contactavam esporadicamente, mas com o tempo tal deixou de suceder

- Houve um período em que a CC ia semanalmente almoçar a casa dos avós paternos, revelando abertura para estar com o pai nesses momentos e mágoa por o pai não aparecer

- No regime provisório fixado (cf. decisão de 13-07-2023) ficou previsto que “O progenitor deverá procurar conviver/contactar com a filha nos momentos em que esta se encontra junto dos avós paternos”

- Não há notícia de que o progenitor tenha procurado conviver/contactar com a filha nos momentos em que esta estava em casa dos avós paternos

- No Natal de 2023 os avós informaram a CC que passariam a festividade em casa do pai e a CC acedeu a ir passar o Natal a casa do pai com a família paterna, tendo a interação entre pai e filha sido muito “pobre” (na perspetiva da CC)

- Desde que os filhos passaram a residir com a mãe (já há dois anos) o progenitor deixou em absoluto de contribuir com qualquer quantia para as despesas dos filhos.

- Numa primeira fase justificava a sua atitude pelo facto de “a guarda ser alternada”; depois de alterado provisoriamente o regime, e mesmo depois de confirmada a decisão pelo Tribunal da Relação, permaneceu sem pagar qualquer quantia a título de alimentos aos filhos

- Correu termos incidente de incumprimento suscitado pela progenitora o qual foi julgado procedente e considerado “verificado o incumprimento por parte do requerido no que se refere à sua obrigação de prestar alimentos aos filhos declarando encontrar-se em divida até novembro de 2023 (inclusive) a quantia total de 12728€ (doze mil, setecentos e vinte e oito euros) – cf. decisão proferida a 22-03-2014 no apenso F, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto por Acórdão proferido a 07-10-2024.

- A 14-04-2023 o progenitor intentou ação tutelar comum nos termos do art. 44º do RGPTC visando a tomada de decisão referente a diferendo entre os progenitores quanto a questão de particular importância para a vida da filha menor relativamente à frequência de estabelecimento de ensino pretendendo que a mesma deixasse de frequentar o ensino privado e passasse e frequentar o ensino público (cf. Apenso I)

- A 14-05-2024 foi proferida decisão no referido apenso I indeferindo a pretensão do requerente e determinando que a menor CC deve manter-se a frequentar estabelecimento de ensino privado, decisão que foi confirmada por Acórdão do tribunal da Relação de 10-10-2024 (cf. Apenso I)

- O progenitor intentou ainda ação de inibição das responsabilidades parentais contra a progenitora (cf. apenso E), que foi objeto de decisão de improcedência, já transitada.

- Encontra-se a correr termos execução especial por alimentos sendo executado o progenitor, que deduziu embargos, os quais foram liminarmente indeferidos, estando pendente no Tribunal da Relação recurso interposto pelo progenitor da decisão que indeferiu liminarmente os embargos.

- A CC frequenta o 10º ano de escolaridade em estabelecimento de ensino particular pelo qual é paga a mensalidade de 360€ - O filho já maior encontra-se ainda a estudar, frequentando ensino superior no ... com a mensalidade de 360€

- A progenitora é sócia da sociedade “B...” e até fevereiro de 2023 recebia salário da sociedade no montante correspondente ao salário mínimo nacional

- Atualmente a progenitora procura emprego, não tem rendimentos e subsiste e sustenta os filhos com a ajuda de familiares e de economias

- A progenitora e os filhos residem numa habitação oferecida pelos pais da progenitora.

- Como despesas fixas mensais a progenitora suporta: cerca de 350€ de consumos domésticos; cerca de 150€ de gasolina; as mensalidades dos estabelecimentos de ensino dos filhos, sendo que tem vindo a suportar, desde há dois anos, todas as despesas dos filhos - O progenitor suporta mensalmente 380€ de crédito à habitação; 130€ de seguro de vida; cerca de 325€ de alimentação e 225€ de consumos domésticos

- O progenitor tem duas empresas ligadas ao ramo imobiliário: B... Ldª” e “A..., Ldª”

- A empresa “B..., Ldª” declara ao ISS pagar a remuneração mensal de 2125€ ao requerido – cf. doc. fls. 14 do apenso F (incumprimento das responsabilidades parentais)

- Para efeitos de IRS o progenitor declarou, relativamente ao ano de 2023 rendimentos do trabalho dependente o montante de 27.625€ e a progenitora 7048,70€

- O progenitor não dispõe de capacidade económico-financeira para suportar o montante global de € 500,00 a título de pensão de alimentos aos filhos

Factos não provados:

Não resultaram nos autos quaisquer factos não provados relevantes para a boa decisão da causa.

25. O Tribunal a quo nunca poderia decidir pela fixação de prestação de € 250,00 a título de alimentos por parte do progenitor a cada um dos filhos.

26. A decisão recorrida julgou extinta a instância relativamente ao filho maior BB por impossibilidade superveniente da lide, mas, ainda assim, determinou que o Recorrente prestasse uma quantia mensal de € 250,00 a título de alimentos, até este completar a formação profissional ou atingir os 25 anos de idade, acrescida de 50 % das despesas extraordinárias.

27. A fixação de alimentos para filhos maiores insere-se num regime jurídico autónomo e não pode ser apreciada no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais.

28. A decisão recorrida julgou extinta a instância relativamente ao filho maior BB por impossibilidade superveniente da lide, mas, determinou que o Recorrente prestasse uma quantia mensal de € 250,00 a título de alimentos, até este completar a formação profissional ou atingir os 25 anos de idade, acrescida de 50 % das despesas extraordinárias.

29. Tendo o jovem BB completado os seus 20 anos, atingindo a maioridade há 24 meses, ou seja, em 12 de janeiro de 2023, adquiriu nessa data, a plena capacidade de exercício de direitos (cfr. artigo 130.º do CC) e, consequentemente, deixou de estar sob a responsabilidade dos pais para salvaguarda da sua segurança e saúde, sustento, educação e representação (cfr. artigos 1877.º e 1878.º, ambos do Código Civil).

30. A 12 de janeiro de 2023, o jovem BB deixou de estar sujeito ao instituto da regulação das responsabilidades parentais.

31. O filho BB adquiriu plena capacidade do exercício de direitos e, com ela, a capacidade de ser parte (cfr. artigo 15.º do CPC), deve ser sujeito passivo da acção, eventualmente, a propor contra o pai para cessação da prestação de alimentos com a maioridade.

32. A absolvição da instância do Recorrente, nesta parte (cfr. artigo 278.º, al. e) do CPC), deve retroagir a 12 de janeiro de 2023.

33. A fixação de alimentos para filhos maiores insere-se num regime jurídico autónomo e não pode ser apreciada no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais.

34. A partir da maioridade, a relação jurídica de alimentos passa a ser diretamente entre o filho maior e o progenitor obrigado a prestar alimentos (artigo 1905.º, n.º 2, do Código Civil).

35. Nos termos do artigo 989.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, é atribuída legitimidade ao progenitor convivente com o filho maior para intentar uma ação em nome próprio para fixação ou cobrança de alimentos.

36. Esta legitimidade processual só se verifica após iniciativa própria do filho maior, dado que este é plenamente capaz de exercer os seus direitos após a maioridade.

37. Sem manifestação expressa do filho maior, não pode o Tribunal decidir sobre os alimentos a seu favor.

38. A decisão recorrida viola o princípio do contraditório (artigo 3.º do Código de Processo Civil), dado que o filho maior não foi chamado a exercer o seu direito de participação nos autos.

39. Ao fixar alimentos sem ouvir o titular do direito – o filho maior –, o Tribunal ultrapassou os limites da lide e decidiu uma questão que deveria ter sido discutida num processo próprio.

40. Nunca se poderia manter a prestação de alimentos fixada em benefício durante a menoridade do filho uma vez que o seu processo de educação e formação profissional já se encontra concluído.

41. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

42. Os alimentos, como resulta de uma paternidade responsável, resumem-se ao que é indispensável à subsistência biológica dos filhos.

43. Dada a conjetura socioeconómica atual do nosso país, demonstra-se completamente infundada a fixação de € 250,00 a título de pensão, para cada um dos filhos, sendo a sua fixação ilegal, em violação do artigo 2004.º, n.º 1 Código Civil por atender apenas às necessidades dos menores – “tendo em conta a idade dos menores e as despesas básicas à vivencia de qualquer adolescente”.

44. Não se verificaria qualquer proporcionalidade ou adequação do montante peticionado às necessidades indispensáveis dos seus filhos, com vista ao seu sustento, habitação, vestuário, instrução e educação (cfr. artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil).

45. O valor fixado em € 500,00 relativo a alimentos a prestar pelo Recorrente aos dois filhos, é atualmente excessivo, face à realidade que resultou do acordo inicial.

46. Quanto aos rendimentos do Recorrente, tal como resultou provado nos autos, este aufere uma retribuição mensal bruta de € 2.125,00.

47. Deduzindo os respetivos descontos legais – € 233,75 a título de Segurança Social e € 465,00 a título de IRS, totalizando € 698,75 – o Recorrente aufere € 1.426,25 montante líquido e, portanto, face aos seus compromissos financeiros, não consegue suportar o montante estipulado a título de pensão de alimentos para os filhos.

48. O Recorrente paga atualmente e mensalmente € 500,00 a título de pensão alimentar e metade das despesas escolares, médicas e medicamentosas dos seus filhos; o colégio privado frequentado pela sua filha CC tem um valor de mensalidade de € 360,00; a mensalidade da faculdade privada frequentada pelo seu filho BB é igualmente de € 360,00.

49. O Recorrente suporta despesas e pensão de alimentos no valor de € 1220,00 mensais.

50. Auferindo um valor fixo mensal líquido de € 1.426,25, deduzindo os € 1220,00, sobraria para o Recorrente uns míseros € 206,65 para a sua subsistência…

51. O Recorrente não dispõe de capacidade para pagar as despesas educativas e pensão de alimentos dos filhos, o que deveria ser tido em consideração pelo Tribunal a quo na decisão que proferiu, mas que, não foi.

52. Para além de ser imperiosa a cessação da prestação de alimentos ao filho maior, à sua filha CC, deverá ser fixado o valor de € 150,00 a título de alimentos que o Recorrente progenitor deverá pagar.

53. Foram violadas, entre outras disposições legais os artigos 130.º, 1879.º, 1880.º, 1905.º, número 2, 2004.º, número 1 e 2012.º, do Código Civil e 3.º, 5.º, 411.º e 989.º, número 3 do Código de Processo Civil.”

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, defendendo que deve ser negado provimento ao mesmo.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões tratar:

a) – das alterações à matéria de facto da decisão recorrida defendidas pelo recorrente;

b) – da fixação de alimentos em relação ao filho que atingiu a maioridade estando a decorrer o processo dos autos;

c) – do quantitativo fixado ao requerido a título de alimentos devidos a cada um dos filhos.


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II – Fundamentação

É a seguinte a matéria de facto da sentença recorrida, a qual, para maior facilidade de identificação, se passa a numerar por cada item/parágrafo que ali consta e pela ordem ali também constante:

Factos provados

1 – BB nasceu a ../../2005 e encontra-se registado como filho da requerente e do requerido – cf. certidão de nascimento junta a fls. 9 dos autos principais (Divórcio)

2 – CC nasceu a ../../2008 e encontra-se registada como filha da requerente e do requerido – cf. certidão de nascimento junta a fls. 10 dos autos principais (Divórcio)

3 – O exercício das responsabilidades parentais foi inicialmente regulado no âmbito do processo de divórcio dos progenitores (em maio de 2019) ficando a residência dos filhos fixada junto da mãe e sendo previstos convívios com o pai e alimentos a prestar por este.

4 – O regime inicialmente fixado foi alterado (cf. Apenso C) a 12 de novembro de 2021 relativamente à CC (cf. fls. 49 ss do apenso C) e a 04 de março de 2022 relativamente ao BB (cf. fls. 52 ss do apenso C), passando a vigorar regime de residência alternada semanal.

5 – O regime de residência alternada apenas foi cumprido até meados de 2022, sendo que desde então ambos os filhos passaram a residir com a mãe com carater de estabilidade e mantendo apenas contactos e/ou convívios muito esporádicos com o pai.

6 – Atualmente, o BB não mantém nem pretende manter qualquer contacto ou convívio com o pai.

7 – A CC convive regularmente com a família paterna (avós e tio).

8 – A CC verbalizou abertura a uma reaproximação, ainda que muito gradual, ao pai.

9 – Na perspetiva da CC, no período de guarda alternada o pai deixava os filhos muito sozinhos, passando muito tempo fora e não a acompanhando, além de que ficou muito magoada pelo facto de o pai ter deixado de pagar o colégio que frequentava.

10 – Num período inicial, pai e filha contactavam esporadicamente, mas com o tempo tal deixou de suceder.

11 – Houve um período em que a CC ia semanalmente almoçar a casa dos avós paternos, revelando abertura para estar com o pai nesses momentos e mágoa por o pai não aparecer.

12 – No regime provisório fixado (cf. decisão de 13-07-2023) ficou previsto que “O progenitor deverá procurar conviver/contactar com a filha nos momentos em que esta se encontra junto dos avós paternos”.

13 – Não há notícia de que o progenitor tenha procurado conviver/contactar com a filha nos momentos em que esta estava em casa dos avós paternos.

14 – No Natal de 2023, os avós informaram a CC que passariam a festividade em casa do pai e a CC acedeu a ir passar o Natal a casa do pai com a família paterna, tendo a interação entre pai e filha sido muito “pobre” (na perspetiva da CC)

15 – Desde que os filhos passaram a residir com a mãe (já há dois anos), o progenitor deixou em absoluto de contribuir com qualquer quantia para as despesas dos filhos.

16 – Numa primeira fase justificava a sua atitude pelo facto de “a guarda ser alternada”; depois de alterado provisoriamente o regime, e mesmo depois de confirmada a decisão pelo Tribunal da Relação, permaneceu sem pagar qualquer quantia a título de alimentos aos filhos.

17 – Correu termos incidente de incumprimento suscitado pela progenitora o qual foi julgado procedente e considerado “verificado o incumprimento por parte do requerido no que se refere à sua obrigação de prestar alimentos aos filhos declarando encontrar-se em divida até novembro de 2023 (inclusive) a quantia total de 12728€ (doze mil, setecentos e vinte e oito euros) – cf. decisão proferida a 22-03-2014 no apenso F, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto por Acórdão proferido a 07-10-2024.

18 – A 14-04-2023 o progenitor intentou ação tutelar comum nos termos do art. 44º do RGPTC visando a tomada de decisão referente a diferendo entre os progenitores quanto a questão de particular importância para a vida da filha menor relativamente à frequência de estabelecimento de ensino, pretendendo que a mesma deixasse de frequentar o ensino privado e passasse e frequentar o ensino público (cf. Apenso I).

19 – A 14-05-2024 foi proferida decisão no referido apenso I, indeferindo a pretensão do requerente e determinando que a menor CC deve manter-se a frequentar estabelecimento de ensino privado, decisão que foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de 10-10-2024 (cf. Apenso I)

20 – O progenitor intentou ainda ação de inibição das responsabilidades parentais contra a progenitora (cf. apenso E), que foi objeto de decisão de improcedência, já transitada.

21 – Encontra-se a correr termos execução especial por alimentos sendo executado o progenitor, que deduziu embargos, os quais foram liminarmente indeferidos, estando pendente no Tribunal da Relação recurso interposto pelo progenitor da decisão que indeferiu liminarmente os embargos.

22 – A CC frequenta o 10º ano de escolaridade em estabelecimento de ensino particular, pelo qual é paga a mensalidade de 360€.

23 – O filho já maior encontra-se ainda a estudar, frequentando ensino superior no ... com a mensalidade de 360€.

24 – A progenitora é sócia da sociedade “B...” e até fevereiro de 2023 recebia salário da sociedade no montante correspondente ao salário mínimo nacional.

25 – Atualmente a progenitora procura emprego, não tem rendimentos e subsiste e sustenta os filhos com a ajuda de familiares e de economias.

26 – A progenitora e os filhos residem numa habitação oferecida pelos pais da progenitora.

27 – Como despesas fixas mensais a progenitora suporta: cerca de 350€ de consumos domésticos: cerca de 150€ de gasolina; as mensalidades dos estabelecimentos de ensino dos filhos, sendo que tem vindo a suportar, desde há dois anos, todas as despesas dos filhos.

28 – O progenitor suporta mensalmente 380€ de crédito à habitação, 130€ de seguro de vida, cerca de 325€ de alimentação e 225€ de consumos domésticos.

29 – O progenitor tem duas empresas ligadas ao ramo imobiliário: B... Ldª” e “A..., Ldª”.

30 – A empresa “B..., Ldª” declara ao ISS pagar a remuneração mensal de 2125€ ao requerido – cf. doc. fls. 14 do apenso F (incumprimento das responsabilidades parentais)

31 – Para efeitos de IRS, o progenitor declarou, relativamente ao ano de 2021, rendimentos de trabalho dependente o montante de 49.625€, e a progenitora o montante de 15310€.

32 – Para efeitos de IRS, o progenitor declarou, relativamente ao ano de 2022, rendimentos do trabalho dependente o montante de 29.750€, e a progenitora 9165€.

33 – Para efeitos de IRS, o progenitor declarou, relativamente ao ano de 2023, rendimentos do trabalho dependente o montante de 27.625€, e a progenitora 7048,70€.

34 – Para efeitos de IRC, a empresa “A... Ldª” declarou prejuízos fiscais nos anos de 2021, 2022 e 2023.

35 – Para efeitos de IRC, a empresa B... Ldª declarou, relativamente ao ano 2021, lucro tributável de 101.302,56€ e um volume de negócios de 724.245€.

36 – Para efeitos de IRC, a empresa B... Ldª declarou, relativamente ao ano 2022, lucro tributável de 89.391,70€ e um volume de negócios de 1003.916,92€.

37 – Para efeitos de IRC, a empresa B... Ldª declarou, relativamente ao ano 2023, lucro tributável de 10654,71€ e um volume de negócios de 1112.421,64€.


*

Vamos à primeira questão enunciada.

O recorrente defende que devem ser retirados da matéria de facto provada da sentença recorrida os itens ali agora identificados com os nºs 31 (“Para efeitos de IRS, o progenitor declarou, relativamente ao ano de 2021, rendimentos de trabalho dependente o montante de 49.625€, e a progenitora o montante de 15310€”), 32 (“Para efeitos de IRS, o progenitor declarou, relativamente ao ano de 2022, rendimentos do trabalho dependente o montante de 29.750€, e a progenitora 9165€”), 34 (“Para efeitos de IRC, a empresa “A... Ldª” declarou prejuízos fiscais nos anos de 2021, 2022 e 2023”), 35 (“Para efeitos de IRC, a empresa B... Ldª declarou, relativamente ao ano 2021, lucro tributável de 101.302,56€ e um volume de negócios de 724.245€”), 36 (“Para efeitos de IRC, a empresa B... Ldª declarou, relativamente ao ano 2022, lucro tributável de 89.391,70€ e um volume de negócios de 1003.916,92€”), e 37 (“Para efeitos de IRC, a empresa B... Ldª declarou, relativamente ao ano 2023, lucro tributável de 10654,71€ e um volume de negócios de 1112.421,64€2”), e defende ainda que deve ser aditado aos factos provados um item com a redação “O progenitor não dispõe de capacidade económico-financeira para suportar o montante global de € 500,00 a título de pensão de alimentos aos filhos”.

Relativamente àquela primeira pretensão, argumentou da seguinte forma:

- quanto aos dois primeiros itens, que “[t]ais factos não apenas estão temporalmente desfasados como também não são necessários para a análise do objeto do litígio em causa” e que “[a] análise dos rendimentos do Requerido deve restringir-se ao IRS apresentado em 2023, que respeita ao período fiscal de 2022, o único diretamente relevante e contemporâneo aos factos em discussão” (como sintetizou sob as conclusões 7 e 8);

- quanto aos 4 últimos itens, que as informações da Autoridade Tributária juntas aos autos relativas às declarações de IRC das sociedades ali referidas “são absolutamente irrelevantes e não têm qualquer interesse processual para os presentes autos”, já que “[o] lucro tributável, o volume de negócios ou mesmo os prejuízos fiscais de uma empresa são exclusivamente atribuíveis à sociedade, sendo irrelevantes para aferir a real capacidade financeira do Requerido enquanto pessoa singular, salvo em situações específicas como distribuição de lucros, que deve ser provada e refletida nos rendimentos declarados em sede de IRS” e, portanto, “[o] rendimento que o Requerido efetivamente recebe deve ser apurado exclusivamente por meio das suas declarações de IRS e de eventuais documentos que comprovem distribuição de dividendos ou outros benefícios efetivamente recebidos das empresas que, in casu, inexistem” (conclusões 9, 10 e 11).

Relativamente à segunda pretensão (de introdução nos factos provados do item que se referiu), baseia a mesma em excertos das declarações do requerido que identificou por referência aos minutos da respetiva gravação e transcreveu.

Analisemos.

Comecemos pela primeira pretensão.

Como se sabe, o processo dos autos tem natureza de jurisdição voluntária [arts. 3º, alínea c), e 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – Lei 141/2015, de 8/9].

Nessa medida, o tribunal, além de não estar sujeito a critérios de legalidade estrita nas providências a tomar (art. 987º do CPC), pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações que considere convenientes (art. 986º nº2 do CPC), prevalecendo assim a sua atividade inquisitória (art. 411º do CPC) sobre a atividade dispositiva das partes.

Como refere o Ministério Público nas suas alegações de resposta ao recurso, é de todo em todo relevante, para se averiguar da condição económica do requerido, atender às suas condições financeiras a partir um ponto de vista mais amplo, e não só aos rendimentos por si declarados em sede de IRS no transato ano fiscal.

Efetivamente, a capacidade económica dos pais, para efeitos da obrigação de alimentos a prestar aos filhos, não se avalia apenas pelos rendimentos que declaram ao Fisco ou à Segurança Social, mas também, designadamente, pela sua idade, pela atividade profissional que em concreto desenvolvem e pela capacidade de gerar proventos que essa atividade permite (neste exato sentido, vide o Acórdão desta Relação de 14/6/2010, proferido no proc. nº148/09.6TBPFR.P1, e, na mesma linha, vide também o Acórdão desta Relação de 11/4/2019, proferido no proc. nº395/11.0T6AVR-G.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt; na doutrina, vide Clara Sottomayor, Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Almedina, pág. 911). Isto é, para além do valor dos rendimentos auferidos pelo obrigado a alimentos, “há que considerar todas as circunstâncias que de forma global rodeiam o mesmo, tal como a sua capacidade laboral, a detenção de bens patrimoniais, a fonte do seu sustento e a sua condição social” (citamos agora o Acórdão desta Relação de 16/12/2020, proferido no proc. nº 2628/16.8T8GDM-H.P1, igualmente disponível em www.dgsi.pt).

Neste conspecto, aqueles itens de factualidade, porque atinentes a circunstâncias que, de forma continuada e global, rodeiam a situação e atividade económica do requerido, são de considerar relevantes – e por isso convenientes (como se refere no art. 986º nº2 do CPC) – à análise da capacidade económica do requerido para efeitos de se fixar a obrigação de alimentos a seu cargo.

Assim, é de concluir pela sua manutenção na factualidade provada.

Passemos à segunda pretensão.

O item de factualidade que se pretende aditar aos factos provados integra matéria manifestamente conclusiva e, por isso, contrária à matéria estritamente factual que deve ser selecionada para a fundamentação de facto, que, como se sabe, abrange quer os factos provados quer os não provados, como explicitamente decorre do nº4 do art. 607º do CPC.

Efetivamente, aquele item poderá corresponder ao resultado de uma conclusão interpretativa ou raciocínio a retirar ou a considerar pelo tribunal perante concretos factos provados e/ou não provados, mas já em sede de fundamentação de direito e não nesta sede puramente factual.

Como tal, e independentemente da análise de qualquer dos meios probatórios indicados pela recorrente, improcede também tal pretensão probatória.

Passemos à segunda questão enunciada.

O recorrente defende que tendo-se julgado extinta a instância quanto ao filho BB, por este ter atingido entretanto a maioridade, não podia ter sido fixada a sua obrigação de alimentos em relação ao mesmo.

Como claramente resulta e foi explicado na sentença recorrida (é o que decorre da primeira parte da fundamentação de direito de tal peça), a extinção da instância relativamente ao jovem BB, filho da requerente e do requerido que atingiu a maioridade no decurso do processo, refere-se à regulação das responsabilidades parentais quanto a ele enquanto menor.

Porém, estando aquele filho já maior, mas que ainda não tem 25 anos, a viver com a requerente, sendo o mesmo estudante e sendo a requerente quem tem assumido as despesas com o seu sustento e com os seus estudos (nºs 1, 15, 23, 26 e 27 dos factos provados), decorre do disposto no nºs 2 e 3 do art. 989º do CPC, em conjugação com arts. 1880º e 1905º nº2 do C. Civil, a legitimidade da requerente para, aproveitando o processo dos autos, exigir ao requerido o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação de tal filho, pois já estava nele estava em causa a fixação de alimentos para aquele filho quando o mesmo atingiu a maioridade.

Efetivamente, como se prevê naquele nº2 do art. 989º, estando a correr o processo para fixação de alimentos, a maioridade do alimentando não impede que o mesmo se conclua e, neste âmbito, por via do nº3 do mesmo artigo (em que se remete para os termos dos números anteriores), tem a requerente o direito a exigir o pagamento daquela contribuição para o filho que entretanto atingiu a maioridade.

E foi isso que se decidiu na sentença recorrida.

Assim, improcede a questão recursória em apreço.

Vamos à terceira questão enunciada.

Integra o conceito de alimentos “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”, nele se compreendendo ainda “a instrução e educação do alimentando no caso de este ser menor” (art. 2003º nºs 1 e 2 do C. Civil).

A obrigação de prestar alimentos integra o conteúdo das responsabilidades parentais. É o que decorre do nº1 do art. 1878º do C. Civil, onde se prevê que “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação (...)” e, nesse seguimento, preceitua o art. 1885º daquele mesmo diploma que “Cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos” (nº1) e que “Os pais devem proporcionar aos filhos .... adequada instrução geral e profissional, correspondente, na medida do possível, às aptidões de cada um”.

Tal obrigação de sustento dos filhos e de assunção de despesas relativas à sua segurança, saúde e educação pode inclusivamente perdurar para depois de ser atingida a maioridade daqueles, se nesse momento não tiverem completado a sua formação profissional e seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete, entendendo a lei que tal obrigação se mantém até que o filho complete 25 anos de idade, salvo se aquele processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes de tal data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência (é o que decorre da previsão dos arts. 1880º e 1905º nº2 do C. Civil).

O critério para fixação da medida dos alimentos consta dos nºs 1 e 2 do art. 2004º do C. Civil: os mesmos devem ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades de quem os houver de receber, devendo ainda atender-se à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

No caso vertente, não há que ponderar este último item (previsto no nº2 do art. 2004º), pois, como resulta da factualidade provada sob os nºs 22, 23 e 26, quer a menor CC quer o jovem BB ainda estudam e vivem ambos com a mãe, nada se tendo apurado no sentido do auferimento por qualquer deles de qualquer rendimento com que pudessem contribuir para a sua própria subsistência.

Na determinação das necessidades do jovem ter-se-á de atender ao seu padrão de vida, ao custo de vida em geral, à sua idade (quanto mais velho mais avultados são os encargos com a sua educação, vestuário, alimentação, vida social, atividades extracurriculares etc.), à ambiência familiar, social, cultural e económica a que está habituado e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos [neste sentido, Tomé d`Almeida Ramião, “Regime do Processo Tutelar Cível (de acordo com a Lei n.º 24/2017, de 24 de maio) Anotado e Comentado, Jurisprudência e Legislação Conexa”, 2ª ed., Quid Iuris, 2017, p. 133 e Helena Bolieiro e Paulo Guerra, “A Criança e a Família – Uma questão de direito(s)”, 2ª Edição, Coimbra Editora, págs. 232 e 233].

Efetivamente, está em causa “a satisfação das necessidades do alimentando, não apenas das básicas, cuja realização é indispensável para a sobrevivência deste, mas de tudo o que a criança precisa para usufruir de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional” (citamos Helena Bolieiro e Paulo Guerra, obra referida no parágrafo anterior, págs. 228 e 229).

No caso vertente, a filha CC, aquando da prolação da sentença recorrida, tinha 16 anos de idade, e o filho BB tinha 20 anos de idade.

Ambos os filhos estudam, sendo a filha em estabelecimento de ensino particular, e a mensalidade paga por cada um junto dos estabelecimentos de ensino que frequentam é de 360 € (nºs 22 e 23 dos factos provados).

Vivem com a requerente numa habitação oferecida pelos pais desta e esta suporta, como despesas mensais fixas, cerca de 350€ de consumos domésticos, cerca de 150€ de gasolina e as mensalidades dos estabelecimentos de ensino dos filhos, sendo que tem vindo a suportar, desde há dois anos, todas as despesas dos filhos (nºs 26 e 27 dos factos provados).

O requerido suporta as despesas mensais referidas sob o nº28 dos factos provados: 380€ de crédito à habitação, 130€ de seguro de vida, cerca de 325€ de alimentação e 225€ de consumos domésticos, o que ascende a um total de 1060 euros mensais.

Considerando as declarações de IRS do requerido relativas aos anos de 2021, 2022 e 2023 (nºs 31, 32 e 33 dos factos provados), das quais constam declarados rendimentos de trabalho dependente nos montantes de, respetivamente, 49.625 €, 29.750 € e 27.625 €, conclui-se, com base nelas e considerando remunerações correspondentes a 14 meses, que em 2021 auferiu mensalmente 3.545 euros, em 2022 auferiu mensalmente 2.215 euros e em 2023 auferiu mensalmente 1.973 euros.

Ainda que estes montantes não sejam líquidos, denunciam uma muito maior capacidade produtora de rendimentos de trabalho dependente do que a da requerente, pois, para os mesmos anos, esta declarou rendimentos do trabalho de, respetivamente, 15.310 €, 9.165 € e 7.048,70 € (correspondentes a menos de 1/3 de cada uma das quantias anuais declaradas pelo requerido para cada um daqueles anos).

Por outro lado, o requerido tem a empresa ligada ao ramo imobiliário “B... Lda.” (nº29 dos factos provados), a qual, para efeitos de IRC, declarou relativamente ao ano de 2021 um lucro tributável de 101.302,56€ e um volume de negócios de 724.245€, relativamente ao ano de 2022 um lucro tributável de 89.391,70€ e um volume de negócios de 1.003.916,92€ e relativamente ao ano de 2023 um lucro tributável de 10.654,71€ e um volume de negócios de 1.112.421,64€.

Isto é, uma empresa com o volume de negócios sempre a subir e da qual o requerido, conforme consta do site “Linkedin”, é o CEO, empresa esta que no seu próprio website se identifica como “B...” (diz-se ali, sob o link “Política de privacidade” que “A B..., é uma mediadora imobiliária, com o número de identificação fiscal ..., com a sua sede situada na Rua ..., ..., ... Porto e com um escritório no Algarve, na Rua ..., ... ...”).

Diz ainda de si própria aquela empresa, naquele website (no link “Sobre nós”):

A B... é uma empresa portuguesa, sediada na ..., na cidade do Porto, desde 2004.

Estamos presentes em 4 áreas: Residencial, Lazer, Corporate, Hotéis e Resorts.

Na área do Residencial apostamos no mercado de luxo em zonas nobres, onde temos vendido os melhores imóveis.

Em 2007 decidimos investir também na Baixa do Porto e na sua reabilitação urbana.

Em 2008 fomos a primeira mediadora oficial portuguesa da C... e ao longo destes anos temos dado o nosso contributo para a tão necessária reabilitação do centro histórico do Porto.

Em 2017 mudamos a nossa sede para a marginal ..., onde abrimos uma “flagship” da B... com grande visibilidade.

Em 2019, consolidamos a nossa equipa, participamos nos primeiros Salões Imobiliários e lançamos a primeira revista B....

Em Janeiro de 2020 criamos o movimento de apoio a uma causa nobre: “Let’s help the homeless” - Vamos conseguir casa para os sem-abrigo do Porto.

Em Setembro de 2020 expandimos a marca B... para outras zonas do País, nomeadamente no ..., Algarve.

Em 2022 abrimos um novo escritório no Algarve, localizado estrategicamente entre ... e ....

Em 2023 iniciamos a nossa participação em feiras internacionais nomeadamente no ... de ....

Como se vê, uma evolução de sucesso. Aliás, condizente com o volume de negócios sempre a subir que os dados supra analisados dão conta.

Note-se que é esta empresa que pagou ao requerido os rendimentos declarados em sede de IRS (o número fiscal da entidade pagadora referido nas declarações de IRS supra mencionadas é aquele que a “B...” diz ter: o nº...), sendo até de evidenciar a curiosidade de que à medida que a empresa foi aumentando o seu volume de negócios e se foi expandindo (como ela própria dá conta no seu website), os rendimentos declarados pelo requerido e seu CEO foram diminuindo… E isto, queira-se ou não, leva a que não se dê grande crédito às declarações de IRS como documentos decisivos (como o pretende o recorrente) para analisar a sua capacidade económica para efeitos da obrigação de alimentos.

Além disso, diga-se ainda, a constituição de mandatário por parte do requerido e o desempenho que tal mandatário tem tido ao longo dos vários anos em que já perduram os autos e seus apensos (tais apensos, relativamente às partes, presentemente, vão do apenso A ao O, pois o apenso P, que também existe, integra uma escusa de uma Sra. Desembargadora em relação aos autos do apenso I), com o acompanhamento de variadas diligências que foram tendo lugar, com a apresentação de articulados, com a apresentação de requerimentos e com a interposição de variados recursos, vários deles (como o ora em análise) com extensas alegações, denotam capacidade económica do requerido para pagar os respetivos serviços (o mandato em causa presume-se oneroso – art. 1158º, nº1, 2ª parte, do C. Civil), capacidade económica essa que vai, com certeza, além da por si defendida sob as conclusões 47 e 50 do seu recurso.

Aqui chegados, cumpre lembrar que, como se refere no sumário do Acórdão desta Relação de 11/4/2019 que já supra se referiu (proferido no proc. nº395/11.0T6AVR-G.P1), “As necessidades dos filhos devem ser satisfeitas se possível até com prioridade sobre as próprias necessidades dos progenitores, cabendo a eles progenitores o esforço de obter rendimentos que propiciem aos filhos um crescimento equilibrado e sadio” e também lembrar de novo o que já se referiu em sede do tratamento da primeira questão enunciada: a capacidade económica dos pais, para efeitos da obrigação de alimentos a prestar aos filhos, não se avalia apenas pelos rendimentos que declaram ao Fisco ou à Segurança Social, mas também, designadamente, pela sua idade, pela atividade profissional que em concreto desenvolvem e pela capacidade de gerar proventos que essa atividade permite.

Ora, tendo-se em conta,

- por um lado, quanto ao filho BB, a sua já maioridade, a sua condição de estudante e custo mensal que este paga na instituição onde estuda, e, quanto à filha CC, a idade de 16 anos desta, a sua frequência de estabelecimento de ensino particular e custo do mesmo e, quanto a ambos, o conjunto de despesas que, em termos de normalidade, acarretam a sua alimentação, vestuário, calçado, transportes e cuidados de saúde;

- e, por outro lado, que os dados que supra se analisaram - atinentes às declarações de IRS do requerido mas também à atividade profissional por si desenvolvida em empresa sua e de sucesso económico expressivo e inequívoco, e ainda às naturais despesas com o seu mandatário judicial no variados apensos dos autos e multiplicidade dos atos neles praticados - denunciam capacidade económica clara do mesmo para, de forma minimamente proporcionada prestar alimentos a cada um dos seus filhos;

mostra-se perfeitamente adequado, como se fez na sentença recorrida, fixar a cargo do requerido o montante mensal de 250 € para cada um dos filhos, acrescido do pagamento de despesas extraordinárias em termos de saúde que ali se definiram, bem como de metade das mensalidades dos estabelecimentos de ensino que os filhos frequentam.

Assim, na sequência de tudo quanto se veio de expor, é de julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, que nele decaiu (art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC).


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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):

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III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.


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Porto, 24/11/2025
Mendes Coelho
Miguel Baldaia de Morais
Teresa Pinto da Silva
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[1] Segue-se, com pequenas alterações, o relatório da decisão recorrida.