I - Verificada uma situação em que a par de uma reconhecida incapacidade total de o A. exercer a sua atividade profissional habitual o que demanda uma indemnização em sede de dano patrimonial futuro, o mesmo se vê ainda afetado nas suas capacidades funcionais para o exercício de qualquer outra atividade, justifica que no valor indemnizatório a arbitrar seja considerado de forma global o dano biológico, na sua vertente patrimonial enquanto dano da integridade físico-psíquica que afeta o lesado na sua inserção social, profissional e familiar, sujeitando-o a esforços acrescidos na realização das suas tarefas, bem como a perda efetiva de capacidade de ganho futuro.
II - A fixação do valor indemnizatório nestes casos é feita com recurso a critérios de equidade, de acordo com o disposto no artigo 566º nº 3 do CC, para tanto ponderando as circunstâncias do caso concreto.
III - Nos danos não patrimoniais – aqueles que afetam bens da personalidade, insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária – mais do que uma verdadeira indemnização é antes a reparação do dano que se visa alcançar.
IV - Na fixação do quantum indemnizatório, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
3ª Secção Cível
Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunto – José Nuno Duarte
Adjunto – José Eusébio Almeida
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto Este – Jz. Central Cível de Penafiel
Apelantes/ AA e “Companhia de Seguros A..., S.A.
Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I- Relatório
AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “Companhia de Seguros A..., S.A.”
Pela procedência da ação peticionou o A. a condenação da R. a pagar ao A.:
“a) a indemnização de 253.133,41 € (duzentos e cinquenta e três mil, cento e trinta e três 4 euros quarenta e um cêntimos) pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes das sequelas provadas pelo acidente de viação em causa, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo pagamento.
b) A indemnização que vier a ser definida em decisão posterior quanto às despesas que o A terá de suportar com assistência médica e medicamentosa e tratamentos, fisioterapia ou outras que venham a ser necessários no futuro e resultantes das sequelas provadas pelo acidente de viação em causa.
c) A indemnização que vier a ser liquidada em decisão ulterior ao A. por todos os danos patrimoniais, bem como por danos não patrimoniais resultantes das sequelas do acidente de viação em causa e que se venham a revelar futuramente, especialmente as que foram descriminadas nos ditos artigos 67.º a 75.º deste articulado.”
Para tanto e em suma alegou ter sido interveniente num acidente de viação, do qual foi único e exclusivo responsável o condutor do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-JN, nos termos que descreveu.
Tendo do mesmo sobrevindo para si A. danos que identificou [danos patrimoniais e não patrimoniais] e quantificou em conformidade com o pedido formulado. Pelos quais peticionou a condenação da R. a indemnizá-lo, na qualidade de seguradora para quem a responsabilidade civil emergente da circulação do mencionado veículo “JN” havia sido transferida.
Termos em que concluiu dever a ação ser julgada conforme à prova a produzir.
Foi citado o ISS (DL 59/89), não tendo sido deduzido qualquer pedido de reembolso de montantes por este pagos.
Foi realizada perícia médico-legal na pessoa do Autor, tendo previamente sido realizados exames complementares (Perícias por especialidades): por ORL, cujo relatório (datado de 25/10/2021) foi junto aos autos em 27/10/2021; avaliação psicológica forense (avaliação neuropsicológica solicitada) cujo relatório (datado de 15/11/2021) foi junto aos autos em 19/11/2021; exame de psiquiatria forense cujo relatório (datado de 22/02/22) foi junto aos autos em 03/06/2022.
O relatório final da perícia de avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, foi junto aos autos em 29/06/2022.
Deste notificadas as partes, apresentou o A. reclamação em 13/07/2022.
Ordenado que fossem prestados os esclarecimentos solicitados pelo autor e completado o relatório na parte em que era omisso, foi apresentada resposta em 11/10/2022.
Deste notificadas as partes, veio de novo do mesmo apresentar o autor em 21/10/2022 reclamação, peticionando esclarecimentos. O que foi deferido pelo tribunal a quo em 31/10/2022.
Em resposta (a 16/01/2023) o INML solicita de novo a presença do autor para poder responder ao solicitado, bem como resposta complementar pela Neuropsicologia às questões técnicas de tal área de especialidade colocadas.
Deferido o assim solicitado, foi junto novo relatório de psicologia forense em 18/07/2023 (datado de 14/07/2023) e solicitada nova presença do A. para elaboração do relatório final (conforme requerimento junto em 04/12/2023).
Tendo este relatório final, datado de 22/02/2024, sido junto aos autos em 28/02/2024.
Do qual notificadas as partes, nada mais requereram.
“Termos em que requer a Vª Ex.ª se digne admitir o presente requerimento e o julgue admissível e como tal admitida a ampliação da causa de pedir e do pedido, passando a quantia peticionada e formulada no artigo 95º da petição inicial quanto ao aqui requerente a ser de 200.000,00 € (duzentos mil euros), bem como passando a quantia peticionada no artigo 113º da petição inicial a ser 460.000,00 € (quatrocentos e sessenta mil euros), com a consequente ampliação do pedido do A para a quantia global de 668 133,41 € (seiscentos mil sessenta e oito, centro e trinta e três euros e quarenta e um cêntimos), acrescidos dos respetivos juros de mora, contados nos termos indicados na petição inicial, ou seja, desde a citação.”
Respondeu a R. seguradora, concluindo a final dever o pedido de ampliação ser julgado conforme a prova a produzir em audiência de julgamento.
Admitida a ampliação do pedido deduzida, foi agendada e realizada audiência prévia e nesta proferido despacho saneador. Identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova, sem reclamação.
“julgo a presente ação parcialmente procedente, e consequentemente, decide-se:
1. Condenar a Ré Companhia de Seguros A..., SA., a pagar ao Autor AA:
a) A título de danos patrimoniais a quantia global de € 8.133,41 (oito mil cento e trinta e três euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
b) a título de incapacidade (que inclui para o trabalho habitual e os esforços acrescidos e o dano biológico), a quantia global de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
c) a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente sentença, até efetivo e integral pagamento.
2. No mais, absolve-se a R. do peticionado.”
“Conclusões:
(…)
Apresentou a R. Seguradora contra-alegações e deduziu recurso subordinado.
Como questão prévia, requereu a R. seguradora a retificação da sentença proferida quanto ao ponto 33 dos factos provados por padecer de manifesto lapso de escrita, por forma a ser alterado este ponto factual, passando no mesmo a constar “um dano estético em grau 2 de 7”.
O que justificou no confronto com o teor do facto provado 80 e da própria fundamentação de facto da sentença recorrida, no trecho que reproduziu.
Quanto ao recurso propriamente dito, defendeu a recorrida não merecer censura o valor indemnizatório fixado pelo tribunal a quo a título de incapacidade permanente. Quanto ao valor fixado a título de danos não patrimoniais tendo remetido para o por si alegado em sede de recurso subordinado.
De qualquer modo sempre defendendo que o valor a este título fixado é excessivo.
Concluindo dever na integra ser improcedente o recurso interposto pelo autor.
Em sede de recurso subordinado e sem prejuízo do pedido de retificação do ponto 33 dos factos provados solicitada, invocou a recorrente subordinada o erro na decisão de facto quanto a este ponto factual.
Bem como pugnou pela redução do valor fixado a título de danos não patrimoniais para € 75.000,00.
Tendo a final apresentado as seguintes
“Conclusões
(…)
Apresentou o A. contra-alegações ao recurso subordinado da R., tendo em suma pugnado pela improcedência da pretendida retificação do ponto 33 dos factos provados, por estar correto, para tanto invocando o teor do relatório de ORL de 25/10/2021. E assim defendendo ser antes o ponto 80 dos factos provados que padece de lapso e assim deve ser corrigido.
Mais tendo pugnado pela improcedência da pretendida redução do valor fixado a título de danos não patrimoniais, atendendo aos argumentos pelo próprio aduzidos no recurso por si interposto.
Assim concluindo a final: “deve o recurso subordinado interposto pela recorrente ser julgado integralmente improcedente, com as devidas consequências legais, sendo, pelo contrário, procedente o recurso principal.”
***
“No caso dos autos, o artigo 33º dos factos provados contém um erro de escrita manifesto, uma vez que consta ‘um dano estético de 4 em 7’, quando se pretendia que ficasse a constar ‘um dano estético de 2 em 7’, face ao teor do último relatório pericial apresentado (de 28/02/2024), em que já existe uma maior sedimentação das lesões, sendo mais próximo da realidade (e que prevalece, atento o seu rigor técnico e atualizado), como decorre não só do facto 80º dado como provado, mas também da respetiva fundamentação da sentença. Tal parte (do art. 33º) constitui, pois, um lapso de escrita manifesto, decorrente da utilização de meios informáticos.
Assim, ao abrigo das citadas disposições legais, retifica-se com este despacho o aludido lapso de escrita constante da sentença de 25/10/2024 e, no facto 33º dos factos provados da aludida sentença proferida nos autos, onde consta ‘…um dano estético de 4 em 7.’, deve passar a constar ‘…um dano estético de 2 em 7.’, passando o presente despacho a fazer parte integrante daquela sentença.”
Após o que foi o recurso admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Tendo os autos sido remetidos a este tribunal de recurso.
Nos termos do artigo 614º do CPC levada a cabo a retificação pelo juiz, em caso de recurso, as partes podem perante o tribunal superior alegar o que entendam em relação à retificação. Retificação que passa a ser parte integrante da decisão recorrida (vide artigo 617º nº 2 do CPC).
Não o tendo feito, significa estar ultrapassada a questão do invocado lapso por ambas as partes, ainda que retirando do mesmo sentido diverso.
Consequentemente, na reprodução dos factos provados infra, constará já a redação fixada pelo tribunal a quo quanto ao ponto 33º.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelas apelantes (recurso principal e subordinado), serem questões a apreciar:
- erro na decisão de facto
- a correção dos valores indemnizatórios atribuídos ao A.
Foram julgados provados os seguintes factos:
“1- No dia 21 de novembro de 2017, cerca das 15.35 horas, na Avenida ..., na freguesia ..., do concelho de Paços de Ferreira, ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-JN, conduzido por BB e propriedade da sociedade de B... Unipessoal, Lda. e o velocípede sem motor conduzido por e propriedade do Autor.
2- O local onde ocorreu o acidente de viação é constituído pela Avenida ..., que se desenvolve numa reta e pelo entroncamento formado por essa Avenida ... e pela Avenida ....
3- Para quem circula na Avenida ..., no sentido .../..., o entroncamento com a Avenida ... apresenta-se do lado direito.
4- O velocípede e o Autor circulavam, no identificado dia e um pouco antes da hora referida, na estrada nacional n.º ..., na Avenida ..., no sentido .../....
5- O veículo JN, no momento do acidente, circulava na mesma Avenida ..., no sentido contrário, ou seja, .../....
6- Quando o veículo JN chegou junto ao referido entroncamento, o seu condutor, BB, efetuou manobra de mudança de direção para a esquerda, com o objetivo de passar a circular na dita Avenida ....
7- O referido condutor não atentou no trânsito que circulava na Avenida ..., no sentido contrário, ou seja, .../..., e que o veículo JN estava prestes a cruzar-se com o velocípede conduzido pelo Autor, que estava a menos de 3 metros desse entroncamento, e invadiu a hemifaixa de rodagem do lado esquerdo da Avenida ..., atendendo ao seu sentido de trânsito, sem assinalar a manobra e sem parar.
8- Com tal manobra, o BB acabou por atravessar o veículo de mercadorias JN à frente do velocípede conduzido pelo Autor, cortando dessa forma a sua marcha de trânsito, fazendo com que a frente do velocípede ficasse a menos de 3 metros da lateral do JN.
9- Face à curta distância entre o veículo JN e o velocípede e a forma inopinada e repentina como fez tal manobra, o Autor não conseguiu travar ou efetuar qualquer manobra de recurso.
10- O velocípede e o Autor embateram na lateral direita do veículo de mercadorias com a matrícula JN.
11- O A teve de ser imobilizado com colar cervical e plano duro.
12- O Autor foi socorrido por uma ambulância do INEM que o transportou de emergência para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ..., no Porto, onde chegou às 17.13 horas.
13- Em resultado do acidente, o Autor sofreu as seguintes lesões:
a) Cérebro e meníngeo, associadas ao traumatismo crânio-encefálico
- Fimbria hemática subdural aguda;
- Hemorragia subaracnoideia sulcal na região parietal direita e frontal alta esquerda;
- Focos de contusão hemorrágica na região fronto-basal bilateral envolvendo ambos os hemisférios cerebrais e na região frontal direita.
b) Face: - múltiplas fraturas com desalinhamento do maciço facial e base do crânio, desalinhamento da face de A, como resultado de fraturas das paredes de ambos os seios maxilares, de todas as estruturas do osso etmoidal incluindo ambas as células etmoidais e lâminas papiráceas, dos ossos próprios do nariz, do septo nasal, do palato duro, dos cornetos nasais e das paredes mediais e inferiores das cavidades orbitárias, hemossinus maxilar frontal.
c) cavidades orbitárias:
- fraturas das paredes medial e inferior bilateralmente. Fragmento ósseo que contacta o músculo reto inferior.
- Enfisema infraorbicular bilateralmente.
- Coleções hemáticas periosteais adjacentes às paredes mediais de ambas as cavidades orbitarias, à esquerda com 4 mm de espessura.
d) na coluna vertebral, havia sofrido fraturas de uma costela e da 2ª vértebra cervical, tendo sido também identificada uma hérnia discal em C5-C6.
- fratura com desalinhamento anterior da vertente Anteroinferior do corpo de C2,
- C5 e C6 hérnia discal paramediana esquerda associada a osteofitose marginal que molda o cordão medular.
- Fratura com desalinhamento da vertente posterior dos primeiros arcos costais, bilateralmente.
e) nariz
- fratura cominutiva da cartilagem septal.
f) face
- edema panfacial.
- equimoses e edemas periorbitário bilateralmente;
- esfacelo do lábio inferior com perda de substância;
- múltiplas escoriações e pequenas lacerações;
- múltiplas fraturas do andar médio da face.
14- Perante as lesões verificadas, a equipa do Serviço de Urgência do referido hospital decidiu pelo internamento de Autor, com vista à realização de cirurgia em data posterior para correção das fraturas na face, optando pelo tratamento conservador da fratura cervical.
15- Em virtude da complexidade do seu quadro clínico, o Autor foi imediatamente internado em unidade de cuidados intensivos.
16- No dia 7 de dezembro de 2017, o Autor foi submetido a intervenção cirúrgica para correção das fraturas da face, na qual, face à quantidade de fraturas, houve necessidade de colocar 8 placas de osteossíntese e parafusos de fixação na sua face, e ainda 4 parafusos no interior da boca (2 fixados ao maxilar e 2 na mandíbula).
17- No dia 31 de dezembro, volvidos 40 dias sobre o seu internamento e 11 dias sobre a saída dos cuidados intensivos, o Autor recebeu alta hospitalar do Centro Hospitalar ... e instruções para prosseguir a sua convalescença no domicílio, com o acompanhamento daquele hospital em regime de consulta externa, e para executar um plano de fisioterapia perto da sua residência.
18- O Autor recebeu no seu domicílio, ainda durante o seu internamento, pedido de avaliação médica da Ré em que disponibilizava o respetivo corpo médico para tratamento das lesões sofridas.
19- O Autor optou pelo acompanhamento pela equipa médica da Ré, convicto de que tal aceleraria o seu processo de recuperação e melhoraria os seus resultados.
20- A primeira consulta de acompanhamento pela equipa médica da Ré teve lugar no dia 12 de janeiro de 2018, no Hospital 1..., na cidade do Porto, hospital em que decorreram todas as consultas e cirurgia sob o acompanhamento desta equipa médica.
21- A 28 de fevereiro de 2018, o Autor recebeu do Médico Assistente da especialidade de Ortopedia mandatado pela Ré autorização para retirar o colar cervical, pondo fim aos constrangimentos mecânicos ainda sentidos para comunicar e se alimentar, 70 dias após o retomar de consciência e inicio destas dificuldades. Esta ordem surgiu 12 semanas e 2 dias após a colocação deste colar pela equipa de Ortopedia do Centro Hospitalar …, com a indicação para utilização por 6 semanas.
22- Na mesma consulta, o Autor recebeu também indicação para iniciar o tratamento fisioterapêutico, o qual iniciou no dia 5 de março de 2018.
23- Inicialmente programado para 20 sessões, este tratamento revelou-se insuficiente perante a severidade dos défices do Autor, tendo sido prolongado por mais 20 sessões que concluíram no dia 7 de maio de 2018.
24- Tais tratamentos foram realizados na clínica médica C... em ..., conforme docs. n.ºs 4 e 5 juntos com a PI.
25- Em 2 de maio de 2018, o Autor recebeu a indicação, pelo Médico Assistente da especialidade de Ortopedia mandatado pela Ré, de que poderia retomar a sua atividade profissional.
26- O retorno à atividade laboral por parte de Autor foi feito em regime de incapacidade temporária parcial, mantendo acompanhamento pelos Médicos das especialidades de Otorrinolaringologia, Neurocirurgia e Ortopedia mandatados pela Ré.
27- A avaliação neuropsicológica do Autor foi levada a cabo no dia 14 de junho de 2018 pelo Neuropsicólogo mandatado pela Ré, tendo este referido ao Autor que as queixas por ele apresentadas eram comuns num contexto pós-traumatismo crânio-encefálico e que a recuperação de Autor poderia beneficiar de um acompanhamento por Neuropsicologia, o que iria propor a quem de direito.
28- Em 20 de agosto de 2018, o Autor foi submetido a uma terceira cirurgia para remoção do material de osteossíntese (2 placas e 4 parafusos).
29- Esta cirurgia teve associado um período de internamento de 2 dias e um período de incapacidade temporária absoluta de 11 dias.
30- Em 27 de novembro de 2018, 1 ano e 6 dias após o acidente, o Autor teve alta por Otorrinolaringologia e Ortopedia, tendo sido reencaminhado para a consulta de avaliação do dano corporal pelo Médico Perito mandatado pela Ré.
31- O Autor teve alta clínica no dia 13.05.2019.
32- Apesar da sua cura clínica, o Autor tem como sequelas resultantes dos ferimentos que resultaram do acidente de viação, as seguintes:
- raciocínio mais lento;
- dificuldade em manter a concentração;
- Cervicalgia com limitação da rotação para a direita
- perda da capacidade olfativa;
- cicatriz na região frontal direita, junto à implantação do cabelo, com 4,5 cêntimos comprimento;
- cicatriz na região supraciliar direita, com 12 cm;
- cicatriz com alopecia na região submandibular esquerda com 1 x 1,5 cm;
- cicatriz no antebraço direito, com 5x 1 cm;
- dismorfia do nariz.
33- Do acidente de viação resultou para o Autor pelo menos um Quantum Doloris de grau 5 em 7 e um dano estético de 2 em 7.
34- O Autor teve:
- Défice funcional temporário no total de 53 dias;
- Défice funcional temporário parcial no total de 650 dias;
- Incapacidade profissional temporária no total de 179 dias;
- Incapacidade profissional temporária parcial no total de 513 dias.
35- Durante o período de tempo em que o Autor esteve incapaz para o seu trabalho, deixou de auferir o vencimento de 6.189,41 €.
36- À data da sua cura clínica, 13-5-2019, o Autor contava com 32 anos e idade, já que nasceu no dia ../../1987.
37- O Autor, nas deslocações para consultas, tratamentos e cirurgias realizadas utilizou o seu carro, tendo percorrido aproximadamente 5.400 km.
38- No momento do acidente, o veículo de matrícula ..-..-JN era conduzido por BB no interesse e sob direção efetiva da sua proprietária, B... Unipessoal, Lda., que tinha encarregado o BB de o conduzir por sua conta, por ser seu funcionário.
39- Em virtude de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., a Ré assumiu a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ligeiros de matrícula ..-..-JN, conforme doc. 1 junto com a contestação.
40- Após o acidente, o Autor estava inconsciente, teve traumatismo crânioencefálico, e visíveis escoriações e outras feridas abertas, fraturas e hemorragias no crânio e face.
41- Ainda no local do acidente, durante as manobras de assistência, o Autor recuperou a consciência, e foi imediatamente colocado sob sedoanalgesia (“coma induzido”).
42- O Autor tinha profundos traumatismos a nível cerebral, facial, das cavidades orbitárias, do tronco, do pescoço, do externo, e múltiplas feridas abrasivas.
43- Em resultado do acidente, o Autor sofreu ainda lesões intracranianas e, no crânio, fratura dos recessos laterais dos seios esfenoidais e das lâminas pterigoides.
44- O Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ... manteve sob sedo-analgesia o Autor, que foi submetido a uma intervenção cirúrgica, no próprio dia, para colocação de um dispositivo (cateter intraparenquimatoso microsensor) de monitorização da pressão intracraniana, de colocação intracerebral, para utilização durante o internamento.
45- Esta operação requereu a perfuração do crânio do Autor com colocação do cateter em posicionamento intraparenquimatoso ou intracerebral, com risco acrescido de infeção cerebral, que é maior em monitorizações superiores a 5 dias (como foi o caso) e também em doentes com fístulas de líquido cefalorraquidiano (que também teve e que, por si só, já implicou um risco de infeção cerebral).
46- Isto num contexto em que o Autor viria a contrair uma Pneumonia nosocomial, pelo que esteve exposto a um agente infecioso.
47- No dia 24 de novembro, foi obtido consentimento informado junto da família de Autor (já que ele estava em coma induzido) para a realização da cirurgia planeada para correção das fraturas da face, tendo à mesma sido explicado que os trabalhos a realizar na boca do Autor poderiam implicar a necessidade de realizar uma traqueostomia para desvio da ventilação mecânica invasiva de que necessitava, tendo este procedimento associado o risco de lesão da coluna cervical e paralisia, dada a existência de uma vértebra cervical já fraturada.
48- Também, no dia 24 de novembro, foi diagnosticada ao Autor pneumonia nosocomial, adquirida em ambiente hospitalar, que protelou a cirurgia de correção das fraturas da face então agendada para o dia 29 do mesmo mês.
49- Esta infeção pulmonar atesta a exposição do Autor a uma bactéria quando, fruto das fraturas no osso etmoidal que separa as fossas nasais da calote craniana, se encontrava particularmente vulnerável à contração de infeção meníngea e/ou cerebral.
50- No dia 4 de dezembro de 2017, ao 13º dia de internamento, o Autor foi submetido a um exame por ressonância magnética que acrescentou às lesões já referidas uma lesão axonal difusa e uma protusão discal em C5-C6, que havia sido diagnosticada como hérnia aquando da admissão hospitalar, à qual se associavam indícios de fratura de ambas as vértebras e um processo inflamatório próprio de lesões traumáticas.
51- Na ressonância magnética crânio-encefálica que foi feita ao Autor, em 04/12/2017, foi detetado: “substância branca subcortical frontoparietal bihemisférica, identificam-se múltiplos focos de alteração de sinal nas sequências de TR longo, as de maiores dimensões com correspondente hipossinal em T2 (componente hemorrágico). Algumas destas lesões assumem uma topografia mais na transição cortico-subcortical e outras mais subcorticais. Sem evidência de lesões no corpo caloso ou tronco cerebral. Os achados são compatíveis com lesão axonal difusa, provocada por forças de cisalhamento em contexto de trauma.”
52- O Autor esteve auxiliado por ventilação mecânica invasiva desde a assistência pela equipa de emergência médica, e foi sujeito a uma primeira tentativa de retirada deste auxílio em 11 de dezembro de 2017, a qual falhou, prolongando o internamento em cuidados intensivos.
53- A retirada deste auxílio externo foi apenas conseguida no dia 17 de dezembro, 26 dias após a sua introdução, tendo o Autor sido transferido dos cuidados intensivos para cuidados intermédios no dia 20 de dezembro de 2017.
54- A transferência para os cuidados intermédios coincidiu com o levantamento da sedoanalgesia e consequente retomar da consciência pelo Autor, findos 29 dias sobre a indução deste estado pela equipa de assistência médica de emergência, do INEM.
55- Com o Autor consciente, foi possível aos médicos que o acompanhavam verificar e relatar aquando da sua avaliação, nos dias 27, 28 e 29 de dezembro de 2017, lentificação psicomotora.
56- À data de alta, o Autor tinha uma atrofia muscular generalizada e ainda os 4 parafusos na boca e um colar cervical, com estes dois últimos a dificultarem-lhe e até, em momentos, impossibilitarem-lhe a comunicação e a alimentação.
57- No dia 8 de janeiro de 2018, perante o agravamento das úlceras provocadas pelos parafusos na sua boca e dores a estas associadas, o Autor necessitou de se socorrer de urgência dos serviços de uma profissional de Medicina Dentária, que realizou tratamentos ao Autor e receitou medicamentos.
58- No dia 18 de janeiro de 2018, foram removidos, pela equipa médica do Centro Hospitalar ..., ao Autor, os parafusos que lhe haviam sido colocados na boca, isto 29 dias após retomar a consciência e começar a debater-se com as dificuldades de comunicação e alimentação por eles provocadas.
59- O Autor conseguiu novo emprego, e assinou contrato com a sua nova entidade empregadora, no dia 4 de maio, e iniciou as respetivas funções no dia 8 de maio, ou seja, no dia imediatamente seguinte à conclusão do tratamento fisioterapêutico.
60- O Autor encontrava-se num período de transição entre empregos aquando do acidente ocorrido em 21 de novembro de 2017, tendo cessado funções no seu anterior emprego no dia 11 de novembro e agendado o início de funções neste novo emprego para o dia 27 do mesmo mês.
61- O Autor subsistiu os 167 dias que mediaram o acidente e o início de funções no novo emprego sem retaguarda social e apenas com o apoio da sua família de 1º grau.
62- O regresso à atividade laboral evidenciou ainda mais as dificuldades cognitivas sentidas pelo Autor, que foram notadas desde o seu retomar de consciência pós-acidente e testemunhadas pelos Médicos do Centro Hospitalar ....
63- O Autor reportou tais dificuldades à médica especialista em Neurocirurgia mandatada pela Ré para fazer o seu acompanhamento, em consulta ocorrida em 29 de maio de 2018, tendo esta solicitado avaliação neuropsicológica para as indagar.
64- No dia 3 de julho de 2018, em nova consulta com a Médica especialista em Neurocirurgia mandatada pela Ré, os resultados da avaliação neuropsicológica do Autor foram relativizados e não foi sequer abordada a possibilidade de acompanhamento por Neuropsicologia, cessando então o acompanhamento pela especialidade de Neurocirurgia até à fase de avaliação do dano corporal.
65- Por via da obstrução nasal persistente do Autor, o acompanhamento pela especialidade de Otorrinolaringologia foi feito numa base mensal, pelo Médico mandatado pela Ré.
66- Este Médico, em 17 de julho de 2018, perante a estagnação do quadro clínico na origem deste problema, solicitou a opinião dum especialista em Cirurgia Plástica quanto à remoção do material de osteossíntese causador do quadro clínico.
67- O processo de avaliação do dano corporal do Autor teve início no dia 3 de janeiro de 2019, no Hospital 1..., no Porto.
68- Durante este processo, o Autor voltou a ser consultado pela Médica especialista em Neurocirurgia que o havia anteriormente seguido, e foi consultado por uma Psiquiatra, a quem relatou as suas dificuldades cognitivas. Foi submetido a nova avaliação neuropsicológica, desta vez por outra profissional, sobre a qual voltou a não obter quaisquer detalhes quanto aos respetivos resultados, mas antes foi receitado tomar suplementos alimentares destinados à manutenção da função cerebral.
69- A avaliação do dano corporal foi concluída no dia 13 de maio de 2019, volvidos 5 meses e 10 dias sobre o seu início (em 3 de janeiro de 2019), tendo o Autor sempre colaborado e anuído às diversas solicitações que lhe foram feitas, entre as quais 8 deslocações entre as cidades do Porto e de Coimbra, onde reside e trabalha desde que retomou a atividade laboral.
70- Durante este processo de convalescença, o Autor deslocou-se a um total de 40 sessões de fisioterapia, 33 vezes ao Hospital 1... para consultas de acompanhamento (por vezes, mais do que uma no mesmo dia) e cirurgia, para além das 8 vezes para consultas do processo de avaliação do dano corporal.
71- Vinte e três das deslocações efetuadas a consultas foram feitas já após ter retomado a sua atividade laboral, pelo que envolveram deslocações entre as cidades do Porto e de Coimbra, com claro prejuízo para a sua produtividade laboral numa altura em que se encontrava contratado a prazo.
72- As queixas e sequelas sentidas e reportadas pelo Autor ao especialista em avaliação do dano corporal mandatado pela Ré, à data da avaliação do dano, prendiam-se: - com o raciocínio mais lento e dificuldade em manter a concentração, com impacto negativo percetível no seu desempenho profissional, - limitação da rotação da cabeça para a direita, - diminuição da capacidade olfativa, - no plano estético, com o achatamento do nariz e as cicatrizes na zona frontal direita, na sobrancelha direita, na zona infra orbicular esquerda, junto ao canto esquerdo dos lábios, na região submandibular esquerda (com perda de barba), na região peri-tiroideia esquerda e no antebraço direito.
73- O Autor apresenta dores cervicais frequentes com limitação funcional clinicamente objetivável, implicando terapêutica ocasional.
74- O Autor tem ainda como sequelas resultantes dos ferimentos que resultaram do acidente de viação, as seguintes:
Perturbação de memória.
Crânio: área cicatricial de Pic em metade direita de região frontal em área sem cabelo ("entrada) + falha em sobrancelha direita (obliqua e em metade medial) + fina e impercetível em região infraornbitátoa à direita e em canto lábio e esquerdo e em região infra mentonaia à esquerda (2 cm).
Face: nariz em sela e ponta levantada; pode acontecer escorrência nasal e dificuldade respiratória.
Em 06/01/2022 refere que teve consulta com a sua Médica dentista e que a mesma referiu o facto de o material de OOS usado estar muito superficialmente coberto com mucos e poder exteriorizar-se.
Pescoço: limitação de mobilidade articular mais na rotação para a direita e na inclinação para a direita.
Ráquis: sem alterações.
Tórax: sem alterações.
Abdómen: sem alterações.
Períneo: sem razão para exame.
Membro superior direito: mancha cicatricial em face lateral em face lateral de cotovelo e de terço superior de antebraço; sem alteração da mobilidade articular.
Membro superior esquerdo: sem alterações.
Membro inferior direito: sem alterações.
Membro inferior esquerdo: sem alterações.
75- Tais sequelas têm repercussões sobre a vida profissional do Autor, nomeadamente a lentificação do raciocínio, a dificuldade de concentração e perturbação de memória.
76- O Autor sofreu uma lesão axonal difusa que afetou múltiplas zonas (múltiplos focos”) nos lobos frontal e parietal de ambos os hemisférios cerebrais, com afetação dos neurónios.
77- O Autor foi o candidato com a melhor avaliação curricular no concurso a que se propôs, pelo que estava numa posição privilegiada para conseguir o posto de trabalho em questão, dado que na avaliação curricular tinha a nota mais elevada, de 18 valores.
78- Em 2015, o Autor chegou a ganhar uma bolsa de mérito, por ser o aluno com a melhor performance académica (que parece indissociável da cognitiva) num curso de pós-graduação, numa altura em que acumulava os estudos com o trabalho a tempo inteiro.
79- Após o acidente em causa, o Autor não consegue sequer ter uma performance cognitiva que lhe permita aceder ao exercício de funções de suporte da sua área profissional e exercer funções superiores que requeiram a tomada de decisões complexas.
80- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13/05/2019. O Défice Funcional Temporário Total (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), que se terá situado entre 21/11/2017 e 01/01/2018, sendo assim fixável num período de 42 dias. O Défice Funcional Temporário Parcial (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações), que se terá situado entre 02/01/2018 e 13/10/2019, sendo assim fixável num período 650 dias. A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre 21/11/2017 e 18/05/2018, sendo assim fixável num período total de 179 dias. A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Parcial, correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização destas mesmas atividades, ainda que com limitações), que se terá situado entre 19/05/2018 e 13/10/2019, sendo assim fixável num período total de 513 dias. O Quantum Doloris é fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 27 PONTOS. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas para o exercício da atividade profissional que exercia na data em que sofreu o acidente – tendo em conta o quadro sequelar identificado e acima discriminado – assim como se considera que o examinado tem que aplicar esforço adicional para o exercício de outras atividades relacionadas com a sua área de formação - tendo em conta o quadro sequelar identificado e acima discriminado. O Dano Estético Permanente fixável no grau 2/7. A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7. Repercussão permanente na Atividade Sexual - não valorável tendo em conta a não verbalização de queixas.
81- Tais sequelas têm repercussões para a prática desportiva, uma vez que o Autor foi advertido pela Fisiatra que supervisionou o tratamento de reabilitação fisioterapêutica que deveria evitar atividades que envolvessem impactos verticais com o solo, sobre o eixo da coluna, como correr ou saltar.
82- O que o limitam ou mesmo impossibilitam em atividades que praticava antes do acidente em causa, como seja o de correr ou andar de bicicleta ou praticar desporto, que era para ele uma fonte de bem-estar.
83- Os descritos ferimentos que o Autor sofreu e os tratamentos a que teve de se sujeitar até à sua cura clínica provocaram-lhe grandes dores e sofrimento, viveu angustiado com a possibilidade de poder morrer, ficar muito incapacitado e desfigurado.
84- Os tratamentos do Autor prolongaram-se por 496 dias, foi submetido a três operações cirúrgicas, tratamentos e 40 sessões de fisioterapia, deslocou-se 33 vezes ao Hospital 1... para consultas de acompanhamento (por vezes, mais do que uma no mesmo dia), fez um tratamento dentário e teve 8 consultas no âmbito do processo de avaliação do dano corporal.
85- O Autor é licenciado em Neurofisiologia (atualmente denominada de Fisiologia Clínica, especialidade Neurofisiologia), com média de 15 valores, e pós-graduado e mestrado em Gestão de Unidades de Saúde, tendo terminado o mestrado com a média de 17 valores.
86- O Autor trabalhou durante quatro anos na Misericórdia de ..., em que assumiu as funções de técnico de gestão com apoio à gestão geral da Misericórdia e a gestão do Hospital 2... em particular.
87- Para valorização profissional e curricular, o Autor foi trabalhar para a Universidade ..., tendo como função gestão de projetos de investigação e como bolseiro de investigação e de gestão de ciências e tecnologia.
88- Caso não tivesse sido vítima do acidente em causa, o Autor teria a possibilidade de continuar o seu trabalho de bolseiro de investigação e de gestão de ciências e tecnologia e teria a possibilidade de progredir na sua carreira profissional.
89- Como o Autor conseguiu excelentes resultados nos estudos pós-graduados e gostou de fazer investigação, queria doutorar-se e continuar na carreira académica e de investigação.
90- O Autor ficou incapaz de tirar o doutoramento após o acidente de viação em causa. O raciocínio lentificado, a dificuldade em manter a concentração e perturbação de memória condicionaram-no bastante e não é capaz hoje em dia de defender uma tese quando chegar o devido momento, o que não acontecia antes do acidente em causa.
91- As limitações do Autor implicam a impossibilidade de assumir trabalhos e cargos que requeiram respostas e tomas de decisão rápidas, sob pena de não ser capaz de responder às solicitações em tempo útil.
92- O que limita a progressão na carreira do Autor.
93- O Autor sente o desgosto de se ver ferido por um acidente que o incapacitou parcialmente para o resto da vida, que lhe provocou um dano estético, que o limita a nível de atividades desportivas, o torna incapaz parcialmente para a sua atividade profissional, e ainda vive na angústia de poder haver agravamento nas sequelas resultantes de tal acidente.
94- Se não tivesse sofrido o acidente, o Autor auferia no mínimo o rendimento mensal de 1.106,95 €.
95- Caso pudesse doutorar-se, enveredaria numa carreira académica e de investigação e auferiria de futuro outros rendimentos mensais, que seriam no mínimo o dobro dos referidos.”
Julgou ainda o tribunal a quo não provados os seguintes factos:
“B) FACTOS NÃO PROVADOS
Todos os restantes factos foram dados como não provados, aqui se dando por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (não tendo o Tribunal considerado os artigos conclusivos e de Direito).
Assim, não se provou, designadamente, que:
A) A fratura ao nível cervical, com desalinhamento, poderá causar, a longo prazo, sequelas neurológicas que se traduzirão em alterações sensitivas e/ou motoras.
B) A protusão discal em C5-C6 apresenta também um risco de sequelas neurológicas que se poderão traduzir em alterações sensitivas e/ou motoras, mas potencialmente de maior severidade.
C) O traumatismo crânio-encefálico apresenta também um conjunto de riscos futuros, desde logo um risco acrescido de acidente vascular cerebral e de desenvolvimento de patologias como distúrbios psiquiátricos, Stress Pós-Traumático e isolamento social.
D) Existem também indícios de que o traumatismo crânio-encefálico é um fator de risco para o desenvolvimento de doenças como as demências de Parkinson e Alzheimer.
E) O Autor sofreu alterações do nariz, especialmente a perfuração do septo nasal, que segundo o Otorrinolaringologista transmitiu após o respetivo exame que deverá ser alvo de acompanhamento futuro, pelo potencial de evolução adversa que apresenta.”
***
1) Da impugnação da matéria de facto.
Tendo presente que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não obstante e sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC], cumpre em primeiro lugar apreciar se a decisão recorrida [com a retificação já operada pelo tribunal a quo e acima assinalada] padece de erro de julgamento na decisão de facto de que cumpra conhecer, em função do objeto dos recursos delineados pelas respetivas conclusões.
Para tanto, tendo presente que no caso de impugnação da matéria de facto obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Analisadas as conclusões do recurso interposto pelo autor, das mesmas resulta não ter o mesmo suscitado a reapreciação de qualquer ponto da decisão factual. Tão só tendo assinalado que o seu dano estético é de grau 4 conforme indicado em relatório de ORL [e constava da redação inicial da ponto 33 dos factos provados], pelo que o tribunal a quo incorrera em lapso no cálculo do dano não patrimonial efetuado em sede de subsunção jurídica.
Tendo entretanto o ponto 33 dos factos provados merecido retificação na sua redação com fundamento em manifesto lapso de escrita e não tendo o autor sobre esta retificação nada mais alegado – tal qual acima já deixámos assinalado – nada cumpre conhecer quanto à redação deste ponto factual, perante o objeto de recurso delineado pelo autor.
Por sua vez a recorrente (subordinada) seguradora, tal qual resulta das conclusões do seu recurso – vide conclusão 3 – pugnou apenas pela alteração da redação deste mesmo ponto factual, com fundamento em erro de julgamento, por forma a do mesmo passar a constar a redação que entretanto lhe foi conferida pelo próprio tribunal a quo, na sequência da retificação que levou a cabo e que, conforme já referido, não mereceu qualquer observação provinda de qualquer das partes.
Concluindo, a pretensão de alteração da decisão de facto apenas pela recorrente seguradora formulada de forma válida, ficou prejudicada por previamente satisfeita pelo tribunal a quo.
Motivo por que nada há a reapreciar em sede de decisão de facto.
Termos em que se conclui pela manutenção total da decisão de facto que vem julgada pelo tribunal a quo.
2) Do erro na subsunção jurídica dos factos ao direito.
De novo relembrando ser o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões dos recorrentes, está submetido à nossa reapreciação a quantificação dos danos levada a cabo pelo tribunal a quo. Vindo assente a exclusiva responsabilidade na produção do acidente atribuída ao condutor do veículo segurado na Ré seguradora.
O tribunal a quo fixou a título indemnizatório, como consequência da incapacidade de que o autor ficou a padecer, incluindo a incapacidade “para o trabalho habitual e os esforços acrescidos e o dano biológico” em 160.000,00.
O autor recorrente pugna que seja fixado em € 460.000,00, tal qual o por si peticionado.
A seguradora recorrida defende que o valor fixado pelo tribunal a quo deve ser mantido.
Por sua vez e no que respeita ao dano não patrimonial, pelo tribunal a quo fixado em € 80.000,00, defende o autor recorrente que tal valor seja fixado em € 200.000,00. Pugnando a seguradora, recorrente subordinada, que este mesmo valor seja reduzido para valor não superior a € 75.000,00.
Analisaremos em primeiro lugar o valor indemnizatório atribuído como consequência do défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer.
O tribunal a quo justificou o valor indemnizatório por si arbitrado para ressarcimento deste dano, nos seguintes termos, para tanto recorrendo a critérios de equidade:
“O A. pediu, também, inicialmente, a título de indemnização por incapacidade, o pagamento de uma indemnização de € 170.000,00, que, em ampliação do pedido, passou para € 460.000,00.
No que concerne ao cálculo da indemnização, esta deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida ativa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão correspondente ao grau de incapacidade, desde que tal seja previsível.
Tem-se, então, de ter conta, a idade ao tempo do acidente, o prazo de vida ativa previsível, os rendimentos auferidos nesse período de tempo (ou capacidade para tal), os encargos, o grau de incapacidade, além de outros elementos eventualmente a ter em conta.
Para o cálculo de tal indemnização a lei não traça um critério definido, sendo, aliás, tarefa bem difícil, e nada unânime, já que uns recorrem a fórmulas matemáticas (o que possibilita a uniformidade de julgados e uma maior facilidade de cálculo) e outros à equidade, e outros, ainda, socorrem-se de ambas as possibilidades, conjugando-as (cfr. o Estudo realizado pelo Dr. Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidentes de Viação, Cálculo de indemnização, Situações de agravamento, in CJSTJ, 1997, Tomo II, pp. 11 e ss.).
Recorrer-se-á à equidade, nos termos do previsto no art. 566º, n.º 3, do CC, sem descurarmos os fatores que a seguir se referem, na senda do Ac. do STJ de 08/02/2001, proferido no processo n.º 3940/2000 e relatado pelo Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Dionísio Correia.
Ter-se-á em conta, como limite temporal de vida ativa do lesado, os 70 anos de idade, como limite de vida ativa em Portugal, no seguimento, aliás, do entendimento da maioria da jurisprudência atual – cfr. o Ac. do STJ de 27/05/2010, in www.dgsi.pt (em tempos tal limite ficava-se pelos 65 anos – v.g., o Ac. do STJ de 31/03/93, BMJ, 425-544, o que com a evolução atualmente existente, também com novos cuidados de saúde, aumentou a esperança média de vida e a vida ativa dos cidadãos, refletida também no constante aumento da idade de reforma).
Importa, também, ter em consideração as regras constantes da Portaria n.º 377/08, de 26/05, sendo mais um elemento coadjuvante na fixação da indemnização (não sendo, contudo, vinculativo – cfr. o Ac. da RP de 17/09/2009, in www.dgsi.pt).
O critério que se tem por base para o cálculo desta indemnização, é o de determinar um capital equivalente ao rendimento de que o lesado foi privado e de que o irá ser até ao final da sua vida (usando o seu resultado em termos equitativos, mesmo para efeitos da consideração do dano biológico).
Outra das variantes a ter em conta é a taxa de juro anual, que no início e segundo o Ac. do STJ de 18/01/79, BMJ, 283-275, era fixada em 9%, mas que atualmente, e dados os mais de 40 anos passados sobre esse acórdão, se considera adequado fixar em 2%.
No caso concreto, temos de ter em conta a idade do A. à data do acidente (29 anos), um tempo provável de vida ativa até aos 70 anos (41 anos de vida ativa), uma incapacidade de 27 pontos e, ainda, que o rendimento mensal do A., à data, iria corresponder a € 1.106,95.
Assim, partindo dos elementos que temos e de uma vida ativa provável e normalmente considerada até aos 70 anos de idade (mas sem esquecer a esperança média de vida, que é superior), seguiremos aquele critério que se afigura mais perto da realidade atual. Trata-se da fórmula expressa no Ac. do STJ de 08/02/2001, em que já se atende a uma taxa de juro de 2%, mais consentânea com a rentabilização do capital anualmente à data. É a seguinte a fórmula a usar:
(Un – 1) x P
C = --------------
(Un x t)
em que, C = capital; Un = número de anos de recebimento; P = pensão anual, com a aplicação da taxa de incapacidade; t = taxa de juro nominal, considerando este de 2%.
Contudo, entendemos que tais operações, sempre aleatórias, apenas podem servir como meros auxiliares, devendo ter-se em conta que, se não se puder avaliar o montante exato do dano, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, nos termos do art. 566º, n.ºs 2 e 3, do CC.
Assim, e num puro juízo de equidade, atendendo a todos os fatores já enunciados, e considerando o facto de o A. ter uma incapacidade para o trabalho habitual, com esforços suplementares para outro tipo de atividades, sem esquecermos a idade do A. à data do acidente e tendo por base o seu salário e a possibilidade de o mesmo vir a aumentar (designadamente, pela possibilidade de alcançar o doutoramento, caso não tivesse existido o acidente), temos por justa a fixação da indemnização global de € 160.000,00, sendo esta a quantia a que o A. tem direito a título de indemnização (que inclui também o dano biológico) pela incapacidade para o trabalho habitual e esforços acrescidos noutro tipo de atividade.”
O recorrente alega em suma que o tribunal a quo não contabilizou devidamente os danos decorrentes da apurada total incapacidade para o trabalho habitual (100%), e esforços suplementares para outro tipo de atividades (por referência ao que vem provado em 80), bem como não levou em devida conta o que vem provado em 94 e 95:
“94- Se não tivesse sofrido o acidente, o Autor auferia no mínimo o rendimento mensal de 1.106,95 €.
95- Caso pudesse doutorar-se, enveredaria numa carreira académica e de investigação e auferiria de futuro outros rendimentos mensais, que seriam no mínimo o dobro dos referidos.”
Verificada uma situação em que a par de uma reconhecida total incapacidade de o A. continuar a exercer a sua atividade profissional habitual, o que demanda por si uma indemnização em sede de dano patrimonial futuro, o mesmo se vê ainda afetado nas suas capacidades funcionais para o exercício de qualquer outra atividade, justifica-se que no valor indemnizatório a arbitrar seja considerado de forma global o dano biológico, na sua vertente patrimonial enquanto dano da integridade físico-psíquica que afeta o lesado na sua inserção social, profissional e familiar, sujeitando-o a esforços acrescidos na realização das suas tarefas, bem como a perda efetiva de capacidade de ganho futuro.
O nosso tribunal superior, no que respeita “à eventual destrinça entre a indemnização pelo dano biológico (na sua vertente patrimonial) e a indemnização pela perda da capacidade de ganho, (…)” tem entendido “ que o que releva é que “na fixação da indemnização pelo dano patrimonial futuro o julgador atenda não apenas à eventual perda de rendimentos salariais em função do nível de incapacidade laboral do lesado, mas também ao dano biológico sofrido”. Com isso se realçando que, para além de lesões permanentes das quais pode emergir, direta e imediatamente, repercussão na capacidade de ganho atinente à profissão habitual, às quais se moldará a aplicação de tabelas financeiras como as previstas para a sinistralidade laboral, não deverão esquecer-se as sequelas funcionais que, fragilizando e inferiorizando a capacidade de utilização do corpo, reduzem de forma relevante a competitividade da vítima no mercado de trabalho e aumentam a penosidade da sua ação.”
Quanto à quantificação de tais danos, mais esclarecendo “(…) VI. Nos casos em que a incapacidade permanente é suscetível de afetar ou diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração, os tribunais têm procurado fixar a indemnização por apelo à atribuição de um capital que se extinga ao fim da vida (ativa ou total) do lesado e seja suscetível de lhe garantir, durante aquela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. Para o efeito, têm sido utilizadas várias fórmulas e tabelas financeiras, na tentativa de se alcançar um critério uniforme.
VII. Porém, mesmo nesses casos, a jurisprudência não esquece que as referidas fórmulas “não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas”, pelo que só podem ser utilizadas como “meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta”.
VIII. Posto isto, o método fundamental utilizado pela jurisprudência para este tipo de situações é a comparação com outras decisões judiciais, tendo nomeadamente em vista o disposto no art.º 8.º n.º 3 do Código Civil.”[1]
É com efeito acolhido pela jurisprudência o entendimento de que a um reconhecido dano corporal corresponde de acordo com a sua gravidade um crédito indemnizatório, independentemente de este ter tradução direta ou não na perda de rendimentos laborais, porquanto sempre implicará e na medida da sua gravidade uma diminuição das competências sociais e em família e mesmo funcionais de cada indivíduo, com reflexos maiores ou menores dependendo de cada caso, não só na sua inserção social e familiar como na sua capacidade produtiva e de como nestes vários contextos terá o lesado de superar ou suportar as suas limitações com maior esforço e/ou penosidade.
In casu vem provado que o dano corporal de que o A. se viu afetado, tem desde logo repercussão direta na sua perda de capacidade de ganhos – já que ficou totalmente incapaz de exercer a sua atividade profissional habitual – vide factos provados 79, 80 e 88.
Adicionalmente vem provado ter ficado afetado na sua vida pessoal e profissional, com tradução na possibilidade de evolução na sua carreira, que lhe permitiria, doutorando-se como era seu objetivo, vir a auferir rendimentos no mínimo do dobro dos que estaria a auferir se não tivesse tido o acidente – ou seja em vez dos apurados € 1106.95, € 2213,90 (vide fp´s 94 e 95),
À data do acidente – ocorrido em 21/11/2017 – o autor tinha 29 anos de idade, considerando que nasceu em 25/05/1987 (vide fp 36). Tendo tido alta clínica em 13/05/2019, altura em que foi concluída a avaliação do dano corporal com consolidação médico-legal das lesões (vide fp´s 31, 69 e 80) e assim apuradas as sequelas de que ficou a padecer e nomeadamente o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixada em 27 pontos, tinha então 31 anos de idade (e não 32, como certamente por lapso é referido no ponto factual 36. Perfazeria os 32 em 25/05/2019).
À data da alta clínica, tinha ainda o autor uma esperança média de vida de mais 39 anos [a esperança média de vida para os nascidos em 1987 é de 70 anos, de acordo com os dados publicados in pordata.pt]. Coincidindo esta esperança média de vida (de 70 anos) com os anos de vida ativa previstos no artigo 7º nº 1 al. b) da Portaria 377/2008 de 26/05 (alterada pela Portaria 679/2009 de 25/06). Portaria esta que fixa critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. Destes sendo ainda de referir que a mesma considera como relevante para o cálculo e aplicação da tabela para que remete, a idade do lesado à data do acidente (vide o seu artigo 12º). Para os efeitos desta Portaria seria assim considerado ter ainda o A. mais 41 anos de vida ativa (70-29).
Não sendo claramente definitivos nem vinculativos os critérios e valores referidos em tal Portaria para os tribunais (como aliás decorre do nº 2 do artigo 1º da citada Portaria), podem estes ser considerados como critério orientador e/ou ponto de partida para fixação das indemnizações devidas aos lesados por acidente de viação a título de dano patrimonial futuro, em situações em que se verifica a incapacidade permanente absoluta ou incapacidade para a profissão habitual, sem prejuízo de ser também adaptável a situações de incapacidade parcial, aplicando então os fatores aí previstos à prestação (remuneração) anual correspondente à percentagem de incapacidade a ter em consideração, como o nosso tribunal superior o tem feito[2].
O A. ora recorrente ficou, como já referido, totalmente incapaz de exercer a profissão que vinha habitualmente a exercer, fruto em especial da lentificação de raciocínio, dificuldade de concentração e perturbação da memória de que ficou a padecer (vide fp 75), não conseguindo ter uma performance cognitiva que lhe permita aceder ao exercício de funções de suporte da sua área profissional e exercer funções superiores que requeiram a tomada de decisões complexas (vide fp 79).
Como vem provado no ponto 80 – as sequelas de que o autor ficou a padecer são em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional impeditivas do exercício da atividade profissional que exercia na data em que sofreu o acidente.
Mesmo em relação a outras atividades relacionadas com a sua área de formação, tendo de aplicar esforço adicional para o exercício das mesmas.
Temos assim por demonstrada a incapacidade total para o exercício da profissão habitual, sem prejuízo de poder ocorrer conversão para outras atividades relacionadas, com esforços adicionais.
Não tivesse o autor sofrido o acidente em análise e estaria a auferir o valor de € 1.106,95 mensais.
Este valor multiplicado por 14 meses perfaz o valor total anual de € 15.497,30, o qual se multiplicado pelo fator de 24,336155 (indicado na tabela anexa à Portaria acima citada) perfazeria o total de € 315.155,50 [considerando a total incapacidade para o exercício da atividade profissional habitual].
Caso considerássemos apenas a limitação funcional de 27 pontos estaria em causa (de acordo com estes cálculos) o valor de € 85.091,90.
Acresce que vem igualmente provado que o A., caso tivesse seguido o seu percurso profissional sem o evento que se analisa, poderia doutorar-se e enveredar por uma carreira académica e de investigação, auferindo então outros rendimentos mensais que seriam no mínimo o dobro dos apurados no fp 37 – ou seja mais € 1.106,95 (passando o seu rendimento para € 2.213,90).
É bem certo que o doutoramento não seria imediato, tal como é de ponderar que este é um dano não diretamente quantificável, ainda que no quadro profissional evolutivo do autor, mais do que provável.
Veja-se que o autor era à data do acidente (vide fps 85 a 89)
- “licenciado em Neurofisiologia, (atualmente denominada de Fisiologia Clínica, especialidade Neurofisiologia), com média de 15 valores, e pós-graduado e mestrado em Gestão de Unidades de Saúde, tendo terminado o mestrado com a média de 17 valores.
- trabalhou durante quatro anos na Misericórdia de ..., em que assumiu as funções de técnico de gestão com apoio à gestão geral da Misericórdia e a gestão do Hospital 2... em particular.
- para valorização profissional e curricular, o Autor foi trabalhar para a Universidade ..., tendo como função gestão de projetos de investigação e como bolseiro de investigação e de gestão de ciências e tecnologia.
- Caso não tivesse sido vítima do acidente em causa, o Autor teria a possibilidade de continuar o seu trabalho de bolseiro de investigação e de gestão de ciências e tecnologia e teria a possibilidade de progredir na sua carreira profissional.
- o Autor conseguiu excelentes resultados nos estudos pós- graduados e gostou de fazer investigação, queria doutorar-se e continuar na carreira académica e de investigação.”
Acresce que qualquer outra atividade profissional que o A. possa vir a desempenhar, mesmo que relacionada com a sua área profissional exigirá do mesmo esforço adicional para o seu exercício tendo em conta as sequelas de que ficou a padecer (vide fp 80) a que acresce (vide fp´s 91 e 92):
“As limitações do Autor implicam a impossibilidade de assumir trabalhos e cargos que requeiram respostas e tomas de decisão rápidas, sob pena de não ser capaz de responder às solicitações em tempo útil.
- O que limita a progressão na carreira do Autor.”
Estas significativas limitações de que o A. ficou a padecer em termos profissionais, com impacto direto na sua capacidade económica e de acesso ao mercado de trabalho, onde terá de despender esforços suplementares para poder exercer uma outra atividade profissional, tendo perdido a possibilidade de ver a sua remuneração dobrar por via do doutoramento que pretendia obter, têm de ser devidamente valoradas em sede de dano biológico.
A fixação do valor indemnizatório nestes casos, terá como tal de ser feita com recurso a critérios de equidade, de acordo com o disposto no artigo 566º nº 3 do CC, para tanto ponderando as circunstâncias do caso concreto “«(…) segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza».”[3]
Assente nos termos supra analisados a ressarcibilidade do dano corporal sofrido pelo autor, nas duas vertentes mencionadas, com a repercussão permanente quer na sua vida profissional quer pessoal, social e familiar, incapacitado totalmente de exercer a sua atividade profissional, mas igualmente sujeito para qualquer outra atividade a esforços suplementares, tanto mais significativos quando ficou a padecer de raciocínio lentificado, com dificuldade em manter a concentração e perturbação da memória, implicando não poder assumir cargos que requeiram respostas e tomas de decisão rápidas, condicionado como tal para o exercício de qualquer outra profissão com as inerentes dificuldades no mercado laboral, na medida correspondente das suas limitações, há que recorrer a juízos de equidade na fixação do valor indemnizatório global, aferindo para tanto também os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados a casos similares. Para tanto considerando também a idade do autor à data do acidente e à data da alta clínica, bem como a esperança média de vida – 70 anos para os nascidos em 1987 e uma vida ativa até aos 70 anos (por referência ao critério orientador da Portaria 377/2008).
Assim e retomando de um lado o cálculo que acima se efetuou a título meramente orientativo com recurso à tabela constante da Portaria 377/2008 na sua versão atual, na vertente do dano patrimonial futuro pela total incapacidade para o exercício da atividade profissional habitual e de outro considerando a necessidade de ser igualmente quantificado o dano biológico, o qual vai além do dano imediato profissional, basta para tanto atentar nas limitações de progressão na carreira (que se verificada implicaria a duplicação dos rendimentos e se considerados estes implicariam o dobro do valor quantificado a título de dano patrimonial futuro) bem como nos esforços acrescidos para o exercício de outra atividade profissional, com as limitações também já analisadas, temos como clara a insuficiência do valor arbitrado pelo tribunal a quo a este título de dano patrimonial futuro, incluindo também o dano biológico.
A análise ponderada dos critérios acima assinalados, aliada aos padrões jurisprudenciais para casos similares (que infra elencamos) levam-nos a concluir que o valor de € 160.000,00 fixado pelo tribunal a quo se encontra desajustado face aos padrões jurisprudenciais que têm vindo a ser adotados, pelo que e considerando a orientação atualística e evolutiva defendida pela jurisprudência, se entende que o valor indemnizatório devido a titulo de dano biológico na sua vertente patrimonial enquanto dano da integridade físico-psíquica, bem como pela perda efetiva de capacidade de ganho futuro, deve ser fixado no montante global de € 400.000,00.
Nestes termos procede parcialmente quanto a este ponto o recurso do autor.
Foram considerados para aferição dos critérios e padrões generalizadamente entendidos como sendo os adotados para quantificar este dano, as seguintes e recentes decisões:
i- Ac. STJ de 14/01/2025 (já nos autos citado), no qual foi confirmado, por considerado equitativo e conforme aos padrões jurisprudenciais para casos similares, o arbitramento do valor indemnizatório de € 300.000,00 (€ 100.000,00 por dano biológico e € 200.000,00 por dano patrimonial futuro adstrito à perda de capacidade de ganho atinente à profissão habitual), no caso de motorista de pesados com 4º ano de escolaridade e 36 anos de idade à data do sinistro, auferindo o salário anual de € 10.358,48, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e com défice funcional permanente da integridade física fixada em 41 pontos;
ii- Ainda os seguintes acórdãos citados no Ac. referido em i:
“- Um acórdão do STJ, de 05.09.2023, processo 549/16.3T8LRA.C2.S1:
“Considerando que as sequelas suportadas pelo lesado, com uma IPP de 37%, não são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional do (motorista internacional de longo curso) que existe uma dificuldade efetiva, em face das lesões, de o mesmo vir a exercer atividade profissional alternativa, atendendo a que tinha 35 anos de idade ao tempo do acidente (Fevereiro de 2013), uma esperança média de vida a situar-se nos 77 anos de idade e que o seu rendimento anual era de € 28.371,28, a indemnização por danos patrimoniais futuros, incluindo o dano biológico, não deve ser fixada em montante inferior a € 400.000,00. Manteve, assim, a indemnização fixada pela Relação nesse valor, considerando, aliás, que “a indemnização teria de ser fixada até, a nosso ver, em valor superior a 400.000 (considerando o vencimento anual que o lesado auferia e a incapacidade prática de que ficou afetado), se não se desse o caso de o pedido do recurso se limitar a € 400.000”;
- Um acórdão do STJ, de 14/03/2023, proc. n.º 4452/13.0TBVLG.P1.S1:
“Ponderados todos os factos apurados (considerando o salário mínimo à data do sinistro) o tempo decorrido desde a data do acidente até à consolidação médico-legal das lesões, a incapacidade para a autora continuar a exercer a sua atividade profissional, a incapacidade geral de 26%, mas que na prática equivale a uma situação de incapacidade total permanente para o trabalho (dada a dificuldade em conseguir outro trabalho compatível com a sua diminuída capacidade física e que não conseguiu pelo menos 9 anos), afigura-se ser justa e adequada a fixação de uma indemnização por dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho desde a data do sinistro no montante de 200.000,000”;
- Acórdão do STJ de 17/02/2022, proc. n.º 2712/18.3T8PNF.P1.S1:
“Na determinação do valor do dano biológico na vertente patrimonial relativa à perda da capacidade de ganho, o recurso à equidade implica a consideração da especificidade de cada caso concreto. II. Porque os valores a atribuir não devem ser arbitrados apenas com base nos elementos objetivos, não totalmente provados, e por não se conseguir apurar o valor exato do dano, determinando a lei que o juiz se socorra da equidade, não pode deixar de se tomar em consideração que o acidente provocou ao A. uma incapacidade para a sua profissão habitual e para outras compatíveis com os seus conhecimentos, mas sem que existam elementos nos autos relativos a esse ponto; que o A. tinha 37 anos à data do acidente e hoje terá 46; que não sendo velho para efeitos de reconversão profissional não é jovem e não se afigura fácil obter emprego, mas não é de todo impossível que se dedique a alguma atividade profissional da qual possam provir proventos económicos; que a situação do A. não é equivalente à de alguém que ficou paraplégico ou acamado e sem alternativas; que as indemnizações arbitradas pelos tribunais superiores em Portugal procuram a justiça e equidade mas a mesma só se obtém se os parâmetros decisórios tomarem em consideração casos “paralelos” (na medida em que esse paralelismo se possa identificar em situações tão casuísticas); que há um dever de proporcionalidade e igualdade no recurso à equidade, entende-se que o valor justo deve ser 400.000,00 euros (valor ao qual tem de ser subtraídas as verbas recebidas da ISS e da Interveniente pelo dano em causa)”;
- Acórdão do STJ de 19/09/2019, proc. n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1:
“Tendo em conta que o recorrente: (i) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos, que o impede de exercer a sua profissão habitual de serralheiro mecânico, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional; (ii) contava com 45 anos à data do acidente; (iii) auferia um rendimento mensal ilíquido de € 788,00, à data do acidente, que subiu cerca de dois meses depois para € 816,00, acrescido de € 80,00 de subsidio de alimentação; afigura-se ser acertado o montante indemnizatório de € 200 000,00, considerando o benefício emergente da entrega antecipada do capital, para compensar os comprovados danos sofridos pelo autor no que respeita à perda de capacidade de ganho e dano biológico (no plano estritamente material e económico)”;
- Acórdão do STJ de 23/05/2019, proc. n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2:
“A sinistrada ficou impedida de exercer a sua atividade profissional habitual de educadora de infância mas não de exercer outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional embora com acrescidas dificuldades; auferia uma retribuição mensal de € 1.706,20, catorze meses por ano; ficou com um défice funcional de 26 pontos; tinha 44 anos de idade à data do acidente; o STJ confirmou o montante de € 250.000,00 fixado pelo Tribunal da Relação a título de indemnização por perda de capacidade de ganho, aqui incluída a vertente patrimonial do dano biológico;
- Acórdão do STJ de 01/03/2018, proc. 773/07.0TBALR.E1.S1:
- “Para um lesado com vencimento anual de € 12.325,32, com 39 anos à data do sinistro, com uma esperança média de vida que, para homens nascidos em 1964, se situaria, no ano de 2004 – ano do acidente – entre 64 e 75, com uma percentagem de incapacidade geral permanente de 53%, em que o lesado deixou de poder caminhar, levantar-se ou baixar-se normalmente, só o podendo fazer com canadianas, em que a formação/preparação técnico-profissional correspondia à de um eletricista de redes de distribuição, assentando as suas competências na destreza, mobilidade e força, o Supremo fixou a indemnização de € 400.000, aproximando praticamente a incapacidade do autor a uma situação de IPA para todo e qualquer trabalho”.
A estes casos poderemos aditar aqueloutro, julgado pelo STJ em 09.01.2018, processo 275/13.5TBTVR.E1.S1, referente a um homem de 41 anos de idade, vítima de um acidente de viação em 2010, que auferia uma retribuição mensal de cerca de € 750,00, que foi amputado da perna esquerda, ficando afetado por um défice funcional permanente de 30% - foi-lhe atribuída uma indemnização pela “vertente patrimonial do chamado dano biológico” no valor de € 250 000,00.”
O confronto destes valores evidencia a julgada necessidade de alterar o valor indemnizatório fixado ao autor, assim o adequando aos padrões jurisprudenciais aplicados em casos tanto quanto possível similares, quanto ao montante indemnizatório arbitrado pelo tribunal a quo.
Nos danos não patrimoniais – aqueles que afetam bens da personalidade, insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária – mais do que uma verdadeira indemnização é antes a reparação do dano que se visa alcançar.
Na fixação do quantum indemnizatório por dano não patrimonial, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer (uma vez mais) a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
Deste normativo resultam especificadas o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, bem como as “demais circunstâncias do caso”, entre as quais naturalmente há que atender desde logo à gravidade do dano e à necessidade de o valor a arbitrar proporcionar ao lesado uma adequada compensação pelos padecimentos por este suportados.
Desta ponderação da culpa e situação do lesante bem como do lesado se extrai uma dupla funcionalidade desta indemnização: sancionatória e reparadora - cfr. neste sentido (entre outros) Ac. TRP de 08/10/2002, nº de processo 0121692 in www.dgsi.pt/jtrp e Acs. STJ (in www.dgsi.pt/jstj.pt) de 21/04/2010, nº de processo 54/07.9PTOER.L1.S1, bem como de 23/02/2012, nº de processo 31/05.4TAALQ.L2.S1 no qual se afirma “embora o dinheiro e as dores morais sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.”
Mais, importa ter presente o reiterado entendimento jurisprudencial de que a fixação de um quantum indemnizatório nestes casos com recurso ao juízo de equidade porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.
No que à quantificação do dano em concreto concerne sendo ainda de considerar “constituir orientação da nossa jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista (…), devendo, antes, ser significativa (…) e traduzir a “justiça do caso concreto”, não se devendo, porém, confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, tal como se adverte no Acórdão de 10.02.1998(…).” [4]
Tendo presentes os critérios e orientações acima salientados que na fixação do quantum indemnizatório devem ser ponderados, revertendo ao caso dos autos e sendo manifesta a necessidade de recorrer ao juízo de equidade atenta a natureza do dano em apreciação – não patrimonial – importa em especial realçar da factualidade provada que o autor como consequência do acidente sofreu múltiplas e graves lesões a nível do cérebro, face, cavidades orbitárias, coluna vertebral e cervical, tendo como consequência da gravidade das suas lesões ficado o autor imediatamente internado em unidade de cuidados intensivos, só a 7/12 e após tratamento conservador da fratura cervical, tendo sido submetido à primeira de 3 intervenções cirúrgicas, tendo estado sob auxílio de ventilação mecânica desde a assistência pela equipa de emergência médica até 17/12, 26 dias após a sua introdução. Até lá tendo também o autor estado sob sedo analgesia, só após tendo retomado a consciência findos 29 dias sobre a indução desse estado pela equipa de assistência médica.
À data da alta, o autor tinha uma atrofia muscular generalizada e ainda 4 parafusos na boca e colar cervical, com estes dois últimos a dificultarem e até em momentos impossibilitarem a comunicação e alimentação.
Realizou diversos tratamentos e exames, bem como consultas e no regresso à atividade laboral experienciou todas as dificuldades inerentes às sequelas de que ficou a padecer, nomeadamente a nível psicomotor, com as dificuldades cognitivas já acima assinaladas.
O quantum doloris foi fixado no grau 5/7 e o dano estético em 2/7. Ainda a repercussão permanente nas atividades físicas e de lazer em 2/7.
Ficou ainda o autor limitado ou mesmo impossibilitado de exercer atividades que antes praticava, como correr ou andar de bicicleta ou praticar desporto que para ele era uma fonte de bem estar.
Tudo tendo provocado grandes dores e sofrimento ao Autor que viveu angustiado com a possibilidade de poder morrer, ficar muito incapacitado e desfigurado. Sentindo o mesmo desgosto pela incapacidade deque ficou a padecer e o limita tanto a nível de atividades desportivas, como profissionalmente, na angústia de ainda poder haver agravamento nas sequelas resultantes do acidente.
Finalmente durante este longo processo, esteve o autor internado e em repouso absoluto durante 42 dias; tendo sido fixado em 650 dias o período de défice funcional temporário parcial, durante o qual passou a ter algum grau de autonomia; com repercussão temporária na atividade profissional total por um período de 179 dias, a que se seguiu um período de incapacidade temporária profissional parcial fixado em 513 dias (vide fp´s 12 a 34, 40 a 58, 61 a 76, 79 a 84, 90 a 93 e 95).
De toda esta factualidade resulta que o sofrimento suportado pelo autor assume notória gravidade que justifica o arbitramento de uma indemnização autónoma em sede de dano não patrimonial.
As limitações, dores, incómodos e desgosto suportados pelo A. e que continuará a suportar na medida equivalente às sequelas de que ficou a padecer, demandam em sede de dano não patrimonial, conforme já referido, a atribuição de um montante indemnizatório.
Ponderando:
1- os incómodos, sofrimento e limitações apurados com a consequente alteração permanente vivencial do A., à data do acidente com 29 anos de idade;
2- as consequências resultantes do acidente para si mesmo, para cuja produção em nada contribuiu;
3- e levando em consideração os padrões jurisprudenciais indemnizatórios que têm vindo a ser seguidos - para casos próximos dos da autora, entre os quais se consideraram os infra elencados (todos os citados in www.dgsi.pt )
Entende-se que o juízo prudencial do tribunal a quo in casu e seguindo uma orientação atualística e evolutiva defendida pela jurisprudência, não se afastou de forma substancial e injustificada dos referidos padrões jurisprudenciais que têm vindo a ser adotados, justificando a manutenção do valor fixado a este título pelo tribunal a quo.
Valor que assim se mantém, com a consequente total improcedência do recurso nesta parte deduzido pelo autor e total improcedência do recurso interposto pela R. seguradora.
Foram consideradas para aferição dos critérios e padrões jurisprudenciais minimamente uniformizados e que se entende deverem ser adotados, as seguintes decisões:
i- Ac. STJ de 07/10/2025, nº de processo 3488/22.5T8PNF.P1.S1, num caso em que ficou apurado ter o lesado, à data do acidente com 17 anos de idade “sofrido várias lesões que o sujeitaram a tratamento cirúrgico do membro superior direito; encefalopatia difusa muito grave, com sinais de maior disfunção no hemisfério direito, com provável contributo medicamentoso; quando a data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu cerca de dois anos e dois meses após o acidente; o seu Período de Défice Funcional Temporário Total fixou-se em 78 dias; o Período de Défice Funcional Temporário Parcial em 732 dias; o Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional/Formativa Total num total de 397 dias; o Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional/Formativa Parcial num total de 413 dias; o Quantum Doloris fixou-se no grau 6/7; o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica se em 30 pontos; as sequelas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Formativa/Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade formativa habitual, mas implicam esforços suplementares; o Dano Estético Permanente fixou-se no grau 4/7; verificam-se Dependências Permanentes de Ajudas, tais como Medicação analgésica em SOS e medicação psicofarmacológica; consultas anuais de Ortopedia e tratamentos de fisioterapia de manutenção; sofrendo o A. dores e incómodo, pelo facto de ter sido forçado a manter-se inativo durante os meses em que esteve internado, acamado e com dificuldades em movimentar-se; pelo período de cerca de dois meses e meio em que só conseguiu movimentar-se com a ajuda de cadeira de rodas; pela necessidade da ajuda de terceira pessoa para quase todos os atos da sua vida diária, designada e inclusivamente para fazer a sua higiene pessoal; o que, durante esse período, o impossibilitou de fruir do seu normal dia-à-dia, de visitar familiares e amigos.” foi julgado adequado a fixação de tal dano em € 60.000,00;
ii- ainda os seguintes Acs. citados no Ac. referido em i:
“- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2024 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo n.º 987/21.0T8GRD.C1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 70.000,00 (setenta mil euros), com base no seguinte quadro factual: lesada contava quarenta e cinco anos à data do acidente; sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente de viação (no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas), foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária. Ficou ainda com um dano estético permanente de grau 2 em 7. Ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7; não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares.
(…)
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo n.º 2133/16.2T8CTB.C1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 70.000,00 (setenta mil euros), com base no seguinte quadro factual: sinistrado contava trinta anos à data do acidente; sofreu quantum doloris de 6 numa escala de 7, um dano estético relevante de 4 em 7 e repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos - uma vez que, quanto a este índice, ficou privado de continuar a praticar o motociclismo, o que fazia com regularidade, participando em diversas provas, incluindo federadas e, ainda, impossibilitado de praticar desportos que também fazia, como bicicleta BTT, esqui na neve e esqui aquático, tendo ficado, ainda, condicionado no exercício da atividade desportiva de mergulho, que também praticava- a tudo acrescendo a circunstância de ter sido submetido a cinco intervenções cirúrgicas, com um pós-operatório prolongado (com uma repercussão temporária na atividade profissional total de 870 dias), de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro e de continuar padecer de dores.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo n.º 1991/15.2T8PTM.E1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), com base no seguinte quadro factual: o lesado contava à data do acidente trinta e cinco anos; ficou com um défice funcional permanente de 39 pontos, teve um quantum doloris de 5 numa escala de 7, um dano estético relevante (3 em 7), consequências permanentes na sua atividade sexual (fixado em 3 numa escala de 7), na repercussão nas atividades desportivas e de lazer (2 em 7), no relacionamento social com familiares e amigos, se sente menorizado em resultado da sua situação de incapacidade para o trabalho e se encontra reformado por invalidez, tendo o acidente ocorrido quando tinha apenas 30 anos de idade, a tudo acrescendo a circunstância de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro.”
iii- Ac. STJ de 17/09/2024, nº de processo 2481/20.7T8BRG.G1.S1, num caso em que uma jovem de 17 anos à data do acidente ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade física fixado em 35 pontos, “II. Considerando que frequentava o 11º ano de escolaridade, tendo reprovado um ano letivo em consequência das lesões sofridas, que as lesões de que foi vítima do acidente em 4.6.2017 só atingiram a sua consolidação médico legal em 8.7.2019, período durante o qual foi operada e sujeita a várias sessões de fisioterapia e tratamento fisiátrico, tendo ficado como sequela uma cicatriz cirúrgica a nível da bacia do lado esquerdo com cerca de 20 cm de extensão, que o quantum doloris foi fixado em 5, numa escala crescente de 1 a 7; que a referida cicatriz na mesma escala crescente de 1 a 7, lhe confere um dano estético fixável no grau 4, que tem um prejuízo de afirmação pessoal de 2 (em 5), que as queixas, lesões e sequelas numa escala crescente de 1 a 7 lhe conferem uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7, que as lesões referidas lhe causam uma repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 2/7, que ficou com um défice funcional de 35 pontos, que implicam esforços suplementares e que necessita atualmente e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de psiquiatria e fisiatria e de realizar tratamento fisiátrico” foi atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais de € 90.000.
Nos termos supra expostos conclui-se pela parcial procedência do recurso interposto pelo recorrente e pela total improcedência do recurso subordinado interposto pela recorrente seguradora.
Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, consequentemente e revogando parcialmente a decisão recorrida se decidindo condenar a R. “A...” a indemnizar o A. a título do dano biológico na sua vertente patrimonial enquanto dano da integridade físico-psíquica, bem como pela perda efetiva de capacidade de ganho futuro, no montante global de € 400.000,00.
No mais se mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso do autor, pelo autor e R. na proporção do vencimento e decaimento.
Custas do recurso da R. “A...” pela mesma.
Porto, 2025-11-24
Fátima Andrade
José Nuno Duarte
José Eusébio Almeida
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