MEIO DE PROVA
NULIDADE PROCESSUAL SECUNDÁRIA
INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA DE PROVA
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
VENCIMENTO DA AÇÃO
Sumário

I – A não produção de prova admitida (no caso o depoimento de parte da 2ª Ré) apenas poderá configurar uma nulidade processual secundária (e não principal), nos termos previstos no artigo 195º, nº1, do Código de Processo Civil, na medida em que se traduza na omissão de um ato que a lei prescreve e que seja passível de influir no exame ou na decisão da causa.
II – No caso concreto, uma vez que a 2.ª Ré foi citada editalmente, por incerteza do seu paradeiro, sendo representada pelo Ministério Público, não vislumbramos que outras diligências deveriam ter sido feitas para fazer comparecer a indicada 2ª Ré a fim de prestar depoimento de parte e, nessa medida, tal circunstância, por si só, justifica a omissão da realização do depoimento de parte da 2ª Ré, CC, pelo que nem sequer estaremos perante a omissão de um ato passível de influir no exame ou na decisão da causa, não ocorrendo a invocada nulidade.
III - Ainda que assim se não entendesse, atento o disposto no artigo 196º, do Código de Processo Civil, as nulidades secundárias devem ser arguidas perante o tribunal onde são cometidas, nos prazos previstos no artigo 199.º do citado diploma (em conjugação com o artigo 149.º do mesmo código), não podendo ser validamente atacadas através de recurso, que apenas caberá da decisão que apreciar aquela arguição, tudo de acordo com a máxima «dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se».
IV - O indeferimento de diligências de prova constitui decisão que, a considerar-se errada, consubstancia erro de julgamento e não nulidade processual, pelo que deveria o Recorrente ter impugnado a decisão interlocutória de indeferimento através de recurso de apelação autónoma, no prazo de 15 dias, a contar da prolação daquele despacho, atento o disposto no artigo 644º, nº2, al. d) conjugado com o artigo 638º, nº1, do Código de Processo Civil.
V - Não constituindo o pedido de condenação como litigante de má fé uma pretensão autónoma, a improcedência de tal pedido não altera o vencimento da ação para efeitos do disposto no artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, norma da qual decorre que a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.

Texto Integral

Processo nº 1277/23.9T8FLG.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este

Juízo Local Cível de Felgueiras – Juiz 1

Relatora: Des. Teresa Pinto da Silva

1º Adjunto: Des. António Mendes Coelho

2º Adjunto: Des. Jorge Martins Ribeiro


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Acordam os Juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, peticionando que fosse declarada a nulidade dos dois contratos de mútuo celebrados entre Autor e Rés e as Rés, solidariamente, condenadas a restituírem ao Autor a quantia de € 26.600,00 (vinte e seis mil e seiscentos euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data de citação até efetivo e integral cumprimento.

Alegou, para tanto e em síntese, que no início de Abril de 2023 foi abordado pela 1ª Ré, que lhe pediu mutuada a quantia de €6.600,00, destinada ao pagamento de dívidas de jogo contraídas pela 2ª Ré, sua filha, tendo o Autor, verbalmente, acedido no solicitado empréstimo, tendo, em 11 de abril de 2023, emprestado às Rés o referido montante, para o que entregou à 1ª Ré a quantia de €1600,00 em numerário e efetuou uma transferência de €5000.000,00 para conta titulada pela 2ª Ré.

Em 7 de maio de 2023, a pedido da 1ª Ré, o Autor emprestou às Rés, verbalmente, a quantia de €20.000,00, as quais se comprometeram a restituir ao Autor o montante global mutuado de €26.6000,00 no prazo de 15 dias a contar do último empréstimo, ou seja, a partir de 7 de maio de 2023, o que nunca chegaram a fazer, mesmo depois de interpeladas para o efeito pelo Autor.

Regularmente citada, a 1.ª Ré veio, em 30 de novembro de 2023, contestar a presente ação, impugnando a matéria de facto alegada na petição inicial, mais alegando que o Autor bem sabia que a 2ª Ré era uma pessoa autónoma e dona da sua própria vida e que a 1ª Ré não tinha sobre a mesma qualquer ascendente ou influência, principalmente no período que refere, já que nessa data a 1ª e a 2ª Rés se encontravam com graves problemas familiares, existindo entre ambas um mau relacionamento, que redundou em diversas chamadas para que a GNR interviesse na casa onde ambas residiam e, em agosto de 2023, na saída de casa da 2ª Ré, que se ausentou para parte incerta, nunca mais a 1ª Ré tendo tido contacto com a sua filha, sendo certo que eram públicos os problemas pessoais que a 2ª Ré se encontrava a passar por se encontrar a gastar muito dinheiro em jogo.

Alegou ainda que a demanda contra si foi motivada pelo facto do Autor não conseguir exigir da 2.ª Ré as supostas quantias que lhe possa ter emprestado, pelo que, por tal motivo, peticiona a sua condenação como litigante de má fé, uma vez que bem sabe que a 1ª Ré não tem qualquer responsabilidade para consigo.

Conclui pela improcedência da ação, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido contra si formulado e ainda pela condenação do Autor como litigante de má-fé, em multa e em indemnização no valor que for entendido ser de inteira justiça.

A 2.ª Ré foi citada editalmente, por incerteza do seu paradeiro, não tendo deduzido qualquer oposição, na sequência do que veio a ser citado o Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 21º, nº1, do Código de Processo Civil, que, em representação da 2ª Ré, em 10 de março de 2025, apresentou contestação, impugnando os factos alegados na petição inicial por desconhecimento, invocando o disposto no artigo 574º, nº4, do Código de Processo Civil, do qual decorre que não é aplicável aos ausentes, quando representados pelo Ministério Público, o ónus de impugnação nem o preceituado no nº3, do citado preceito, requerendo, a final, que os autos prossigam os seus trâmites legais.

Em 11 de setembro de 2024, o Autor veio pronunciar-se quanto ao pedido de condenação como litigante de má-fé contra ele formulado pela 1ª Ré, pugnando pela sua improcedência, peticionando ainda a condenação da 1ª Ré como litigante de má-fé no pagamento de uma multa exemplar, a fixar pelo prudente arbítrio do Tribunal e, bem assim, de uma indemnização a favor do Autor em montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), concluindo, quanto ao demais, como na petição inicial.

Em 18 de setembro de 2024, a 1ª Ré veio pugnar pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé contra ela formulado pelo Autor, concluindo, no mais, como na contestação que apresentou.

Com a anuência da 1ª Ré e do Ministério Público, o Tribunal a quo veio a dispensar a audiência prévia, tendo, em 21 de outubro de 2024, proferido despacho saneador, dispensado a elaboração do despacho a que alude o artigo 596º, do Código de Processo Civil, admitido os respetivos requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designado data para a realização da audiência de discussão e julgamento, que veio a prolongar-se por duas sessões (10 de fevereiro de 2025 e 5 de março de 2025), tendo, no decurso da 1ª sessão, o Tribunal a quo determinado a junção ao autos de documentos que tinham sido exibidos pelo Autor no decurso das suas declarações de parte e concedido às partes prazo para se pronunciarem quanto a tais documentos.

Em 17 de fevereiro de 2025, a Ré veio impugnar esses documentos e, em 18 de fevereiro de 2025, veio o Autor, na sequência da determinação da junção de documentos por parte do Tribunal a quo na 1ª sessão de julgamento, requerer que este se digne:

“a)- Admitir a junção aos autos do extrato de conta relativo ao mês de Maio de 2023, demonstrativo de oito operações bancárias no valor global de € 20.000,00 (vinte mil euros) que, em 07/05/2023 e em reforço do que havia já efetuado em 11/04/2023, o Autor emprestou às Rés para pagamento de bens, serviços ou outras obrigações destas e cuja natureza aquele desconhece;

b)- Ordenar a notificação da A..., SA - anteriormente denominada B..., SA – com sede na Rua ..., ..., ..., da cidade de Lisboa para que, no prazo que doutamente lhe for fixado, proceder à identificação nos autos da entidade a que está atribuída a entidade “...” para utilização dos seus clientes no pagamento de serviços;

c)- E, conhecida a referida entidade, seja ordenada a notificação da mesma para, também no prazo que doutamente lhe for fixado, proceder à identificação: (i) dos bens, serviços ou obrigações e (ii) do(s) respetivo(s) devedor(es) a que respeitam as referências: ...; ...; ...; ...; ...; ...; ... e ... que, no dia 07 de Maio de 2023, real e efetivamente foram pagas à entidade utilizadora do indicado código “...”;

d)- Finalmente, por se revelar de interesse para a descoberta da verdade material, nomeadamente no que tange à participação da 1ª Ré na factualidade descrita nos articulados dos presentes autos, avaliação da postura de má fé incluída, requer-se sejam notificadas as operadoras de telecomunicações: C..., S.A., com sede na Avenida ..., ... ..., Lisboa; D..., S.A, com sede na Rua ..., ..., ... Lisboa e E..., S.A., com sede na Avenida ..., ... Lisboa, para, no prazo que doutamente lhes for fixado, identificarem nos autos se, no período compreendido entre Março e Setembro de 2023, tinham contrato de fornecimento de serviços de telefone e dados móveis associados aos seguintes números de telemóvel: ...; ... e ... e, em caso afirmativo, quem era(m) o(s) seu(s) titular(es) do(s) respetivo(s) contrato(s).

Tudo para prova do alegado nos artigos 8º, 9º e 10º da inicial e contraprova das alegações vertidas nos itens 6º, 8º, 11º, 16º da contestação.”

Por requerimento de 25 de fevereiro de 2025, veio a 1ª Ré opor-se à junção daqueles elementos probatórios requeridos pelo Autor no requerimento de 18 de fevereiro de 2025, por violação do disposto no artigo 423º, do Código de Processo Civil.

No início da 2ª sessão da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 5 de março de 2025, a Magistrada do Ministério Público, enquanto representante da 2ª Ré ausente, veio a subscrever a posição da 1ª Ré, manifestando a sua oposição à junção dos elementos probatórios requeridos pelo Autor no requerimento de 18 de fevereiro de 2025.

Após, nessa mesma sessão de julgamento de 5 de março de 2025, o Tribunal a quo proferiu despacho a indeferir o que havia sido requerido pelo Autor no requerimento de 18 de fevereiro de 2025, despacho que foi notificado aos ali presentes, entre os quais se encontravam o Autor e o seu Ilustre Mandatário.

Em 10 de março de 2025 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Nestes termos, o Tribunal julga a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, decide:

1) Absolver as rés BB e CC de todos os pedidos contra si formulados pelo autor AA.

2) Condenar o autor no pagamento das custas processuais.

Valor da ação (já fixado): € 26.600,00.»


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Inconformado, veio o Autor, em 5 de maio de 2025, interpor o presente recurso de apelação daquela sentença, para o que apresentou alegações que finalizou com as seguintes conclusões:

V- CONCLUSÕES:

(…)


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A Ré BB apresentou resposta às alegações de recurso, que terminou com as seguintes conclusões:

(…)


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Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso interposto pelo Autor tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.

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Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido, com efeito e modo de subida adequados.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório, nem decididas pelo tribunal recorrido.

Mercê do exposto, da análise das conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

1ª Se a sentença recorrida padece de nulidade das nulidades previstas nas alíneas b) e d), do artigo 615º, do Código de Processo Civil

2ª Da falta de realização do depoimento de parte da 2ª Ré CC

3ª Do indeferimento da produção de meios de prova no decurso da audiência de discussão e julgamento

4ª Da impugnação da decisão da matéria de facto

5ª Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso e independentemente disso, se ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo

6º Da condenação em custas

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II – FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
É o seguinte o teor da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida (transcrição):
1) Factos provados
Atenta a posição das partes refletida nos respetivos articulados, os documentos juntos ao processo e a discussão em audiência de julgamento, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 11 de abril de 2023, o Autor efetuou uma transferência bancária da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a partir da conta Nº ... por si titulada junto da Banco 1... para uma conta bancária titulada pela 2ª Ré CC.
2) Factos não provados
Não ficaram demonstrados quaisquer outros factos além dos supra enunciados, sendo que nesta sede não importa atender a juízos de direito e meras conclusões, não tendo resultado provado, designadamente:
A) Em data que não consegue precisar, mas que ocorreu no início do mês de abril, do corrente ano de 2023, a 1ª Ré abordou o Autor a quem, em virtude de dívidas de jogo contraídas pela 2ª Ré, sua filha, desabafou que ambas estavam a passar uma situação familiar e financeira muito difícil.
B) Sendo que a 1ª Ré acabou por pedir ao Autor que este mutuasse às Rés a quantia de € 6.600,00 (seis mil e seiscentos euros).
C) Montante este que a 1ª Ré afirmou destinar-se ao pagamento de dívidas de jogo contraídas pela 2ª Ré.
D) Pelo que, compadecido com a descrita débil situação familiar, económica e financeira das Rés e atenta a relação de amizade com a 1ª Ré, o Autor acabou por assentir verbalmente no solicitado empréstimo.
E) Assim, no dia 11 de abril de 2023, o Autor efetivamente emprestou às Rés o montante de € 6.600,00 (seis mil e seiscentos euros), da seguinte forma:
1. entregou à 1ª Ré, o montante de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) em numerário;
F) Em inícios do mês de maio de 2023, alegando continuarem a estar a padecer de sérias dificuldades financeiras relacionadas com dívidas de jogo da 2ª Ré e que se iam agravando, a 1ª Ré solicitou ao Autor um novo empréstimo, agora na quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) e a que este, verbalmente, aceitou mutuar às Rés.
G) Montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) que, encontrando-se depositado na conta bancária titulada pelo Autor foi mutuado às Rés, no dia 07 de maio de 2023.
H) Por sua vez, as Rés comprometeram-se verbalmente a restituir ao Autor o montante global mutuado, de € 26.600,00 (vinte e seis mil e seiscentos euros), no prazo de quinze dias a contar da data do último empréstimo, ou seja, a partir de 07 de maio de 2023.
I) Decorrido o aludido prazo de quinze dias, as Rés não restituíram ao Autor as quantias que por este lhes foram mutuadas e que perfazem o aludido montante global de € 26.600,00 (vinte e seis mil e seiscentos euros).
J) E, não obstante, terem sido interpeladas por diversas vezes pelo Autor, as Rés não devolveram, até ao momento, o montante mutuado.

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Fundamentação de direito

Se a sentença recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas b) e d), do artigo 615º, do Código de Processo Civil

As nulidades da sentença tipificadas no artigo 615º, do Código de Processo Civil, são vícios formais, reportando-se à estrutura, à inteligibilidade e aos limites da decisão.
Não podem ser confundidas com erros de julgamento de facto nem com erros de aplicação das normas jurídicas aos factos.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, antes ao mérito da relação material controvertida, nela apreciada, não a inquinam de invalidade.
Diferentemente, as nulidades previstas no artigo 615º, do Código de Processo Civil, são aquelas que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer por essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[1] ou condenar ultra petitum, tendo o julgador de limitar a condenação ao que, concretamente, vem peticionado, em obediência ao princípio do dispositivo.
Os referidos vícios respeitam, por conseguinte, à “estrutura ou aos limites da sentença.
Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão).
Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)”[2].
No caso concreto, o Autor/Apelante invoca as nulidades da sentença previstas nas alíneas b) e d), do artigo 615º, do Código de Processo Civil.
Para fundamentar tais vícios, alega que na decisão recorrida o Tribunal a quo não efetuou a análise crítica de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, pois foram completamente ignoradas as mensagens trocadas entre o Apelante e a 1ª Ré recorrida pela rede social “WhatsApp”, documentos estes cuja junção foi admitida nos autos, resultando dessas mensagens escritas, de forma clara e inquestionável, que foi a 1ª Ré que abordou o Recorrente e que lhe solicitou o empréstimo das várias quantias em apreço nos autos para as Rés, as quais terão destinado ao pagamento das dívidas quer da empresa quer da 2ª Ré, sem que da sentença recorrida conste qualquer alusão ou apreciação crítica relativamente a este meio de prova, atribuindo-lhe ou retirando-lhe o respetivo valor probatório legal.
Decorre do disposto na alínea b), do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, que a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, previsão que constitui a sanção pelo desrespeito do disposto no artigo 154º, do Código de Processo Civil, que estabelece que "as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, e que assenta no princípio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente (artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
É unanimemente entendido, na doutrina e na jurisprudência, que só a ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais.
O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, a ausência total de fundamentos de facto e de direito; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a sua nulidade [3].
Nesta linha de entendimento, relativamente à fundamentação de facto, só a falta de concretização dos factos provados que servem de base à decisão conduz à nulidade da decisão.
Quanto à fundamentação de direito, “o julgador não tem de analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adotada pelo julgador”[4].
Por seu lado, segundo o disposto na alínea d), do nº1, do citado artigo 615º, do Código de Processo Civil, a nulidade da sentença também ocorrerá quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

O disposto nesta norma está diretamente relacionado com o artigo 608°, n° 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões jurídicas neste contexto. E quanto a esta matéria, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que essas questões que o Tribunal pode conhecer, para além daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe, identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas. Não serão todos os argumentos, todos os factos, todas as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções[5].

Importa ainda ter presente que na primeira parte da alínea d) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil mostra-se contemplada a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, enquanto na segunda parte se prevê a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
No caso concreto, analisada a decisão recorrida, conclui-se claramente que a mesma não padece dos invocados vícios, mostrando-se fundamentada quer de facto, quer de direito, consequente com os fundamentos e não incorrendo em qualquer omissão de pronúncia.
Saliente-se, a respeito desta questão, que o Apelante parece incorrer numa confusão quando invoca aquelas nulidades.
Uma coisa é o julgamento da matéria de facto, no qual o juiz deve decidir quais os factos que considera provados e quais os que considera não provados e, realidade distinta é a motivação desse julgamento, na qual o juiz, relativamente aos factos que considera provados e não provados, deve analisar “criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; (…)” - art. 607º, nº 4, do Código de Processo Civil.
O art. 615º, nº 1, al. b), reporta-se apenas à omissão do julgamento da matéria de facto e não já à sua motivação, sendo que, em relação a esta, rege o art. 662º, nºs 2, als. c) e d), e 3, als. b) e d) do citado diploma.
No caso, a sentença proferida contém a enunciação dos factos provados e não provados, e bem assim dos fundamentos de direito que conduzem à decisão final proferida, indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes, sendo ainda manifesto que inexiste a omissão de pronúncia a que alude a alínea d), do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, improcedendo, nesta parte, a apelação.

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2ª Da falta de realização do depoimento de parte da 2ª Ré CC
O Recorrente argui a nulidade do processado posterior ao depoimento de parte da 1ª Ré e, por arrastamento, da sentença, resultante da omissão da realização do depoimento de parte da 2ª Ré, CC, que havia sido admitido por despacho de 21 de outubro de 2024.
Alegou, para tanto, que o Tribunal a quo prosseguiu os ulteriores termos da audiência de discussão e julgamento sem fundamentar e justificar a não realização do depoimento de parte da 2ª Ré, omitindo, assim, um ato ou uma formalidade que a lei prescreve e que influi no exame e na decisão da causa, o que determina, atento o exposto no artigo 195º, nº1, do Código de Processo Civil, a nulidade de todos os atos processuais praticados em sede de audiência de discussão e julgamento após o depoimento de parte da 1ª Ré e, por via disso, da sentença recorrida.
Consideramos que a não produção de prova admitida – no caso o depoimento de parte da 2ª Ré – apenas poderá configurar uma nulidade processual secundária (e não principal), nos termos previstos no artigo 195º, nº1, do Código de Processo Civil, na medida em que se traduza na omissão de um ato que a lei prescreve e que seja passível de influir no exame ou na decisão da causa.
No caso concreto, uma vez que a 2.ª Ré foi citada editalmente, por incerteza do seu paradeiro, sendo representada pelo Ministério Público, não vislumbramos que outras diligências deveriam ter sido feitas para fazer comparecer a indicada 2ª Ré a fim de prestar depoimento de parte e, nessa medida, tal circunstância, por si só, justifica a omissão da realização do depoimento de parte da 2ª Ré, CC, pelo que nem sequer estaremos perante a omissão de um ato passível de influir no exame ou na decisão da causa, não ocorrendo a invocada nulidade.
Ainda que assim se não entendesse, convém ter presente que, em princípio, atento o disposto no artigo 196º, do Código de Processo Civil, as nulidades secundárias devem ser arguidas perante o tribunal onde são cometidas, nos prazos previstos no artigo 199.º do citado diploma (em conjugação com o artigo 149.º do mesmo código), não podendo ser validamente atacadas através de recurso, que apenas caberá da decisão que apreciar aquela arguição, tudo de acordo com a máxima «dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se».
Esta solução legal mantém-se mesmo que a nulidade praticada se projete na decisão/sentença, mas sem se subsumir a qualquer das situações previstas no n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil.
Neste caso, mesmo afetando a decisão, deve ser objeto de prévia arguição, de modo a permitir ao juiz reparar as consequências da nulidade em que tenha incorrido, ainda que com prejuízo da decisão proferida.
Só assim não será quando estiverem em causa:
- nulidades de conhecimento oficioso (pois estas podem ser sempre alegadas no recurso, ainda que anteriormente o não tenham sido).
- nulidades cujo prazo de arguição ainda esteja a correr aquando da expedição do recurso para o tribunal superior (caso previsto no artigo 199.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
- nulidades cobertas pela decisão proferida (como sucede quando um despacho judicial se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo ato prescrito por lei), caso em que a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais, para seguir o regime do erro de julgamento.
Distintos destes são os casos em que o juiz, ao proferir a decisão, omite o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa, que parte da jurisprudência qualifica como uma nulidade processual, em conformidade com o disposto no artigo 195.º do Código de Processo Civil, sujeita ao respetivo regime jurídico, inclusivamente no que respeita à sua arguição perante o tribunal que a cometeu, ao passo que outra parte da jurisprudência a qualifica como uma nulidade da própria decisão, em conformidade com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), suscetível de fundamentar o recurso dessa decisão.
No caso concreto não se verifica nenhuma das situações antes referidas, pelo que nunca estaríamos perante uma nulidade processual ou da sentença diretamente sindicável em sede de recurso, mas perante uma nulidade processual secundária que deveria ter sido arguida perante o tribunal que a cometeu, sob pena de não poder ser sindicada pelo Tribunal ad quem.
Sucede que, conforme resulta dos autos:
- O depoimento da 2ª Ré foi admitido por despacho de 21 de outubro de 2024.
- A audiência de julgamento realizou-se em 10 de fevereiro de 2025 e 5 de março de 2025.
- O Recorrente esteve presente nas duas sessões de julgamento, verificando a omissão que ora invoca, não constando que tenha arguido qualquer nulidade no decurso das mesmas, apenas o fazendo em sede de alegações de recurso.
Por conseguinte, tal nulidade sempre se deveria considerar sanada, não podendo ser conhecida em sede de recurso, porquanto a apreciação, em recurso, de uma alegada nulidade processual prescrita no artigo 195.º do Código de Processo Civil pressupõe que a mesma tenha sido previamente arguida perante o tribunal a quo, e por este decidida, o que não ocorreu.
Improcede, assim, a arguida nulidade da decisão por falta de realização do depoimento de parte da 2ª Ré.
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3ª Do indeferimento da produção de meios de prova no decurso da audiência de discussão e julgamento
Alega o Recorrente que por requerimento de 18 de fevereiro de 2025 requereu a realização de novos meios de prova, que veio a ser indeferido por despacho do Tribunal proferido em 5 de março de 2025.
Essa decisão de indeferimento impediu que se comprovasse, sem margem para dúvidas, o destino dos pagamentos efetuados em 07/05/2023, a quem pertencia e quem utilizava o número associado às mensagens de “WhatsApp” juntas aos autos com o requerimento de 3 de outubro de 2024.
E daí conclui que, por constituir omissão de ato ou formalidade que a lei prescreve que, inequivocamente, influi no exame e na decisão da causa, por força do disposto no nº 1, do artigo 195º, do Código de Processo Civil, o indeferimento daqueles requerimentos probatórios determina a nulidade do despacho proferido em 05/03/2025, e, por consequência, da sentença recorrida.
Não pode, no entanto, proceder esta pretensão do Recorrente.
Conforme resulta do relatório que antecede, o requerimento probatório em causa foi apresentado pelo Recorrente em 18/02/2025 e foi indeferido por despacho proferido no decurso da sessão de julgamento do dia 05/03/2025.
O Recorrente não recorreu deste despacho, vindo agora, em sede de recurso da sentença, a invocar a nulidade do mesmo.
Sucede que o indeferimento de diligências de prova constitui decisão que, a considerar-se errada, consubstancia erro de julgamento e não nulidade processual.
Deveria o Recorrente ter impugnado essa decisão interlocutória através de recurso de apelação autónoma, no prazo de 15 dias, a contar da prolação daquele despacho, atento o disposto no artigo 644º, nº2, al. d) conjugado com o artigo 638º, nº1, do Código de Processo Civil, o que não fez.
Improcede por isso a nulidade invocada.
*

4ª Da impugnação da decisão da matéria de facto

Pretende o Apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, por entender que foi feita uma incorreta apreciação da prova quanto à matéria considerada não provada pela 1ª instância sob as alíneas A), B), C), D), E), F), G), H), I), e J), pretendendo:

* Que sejam julgados provados os factos que a decisão de 1ª instância considerou como não provados sob as alíneas A), B), C), D), E), F), G), H), I) e J), embora propondo uma alteração da redação quanto às alíneas E) e G), nos seguintes termos:

E) Assim, no dia 11 de abril de 2023, o Autor efetivamente emprestou às Rés o montante de € 6.600,00 (seis mil e seiscentos euros), da seguinte forma:

a)- A pedido da 1ª Ré, entregou à 2ª Ré, o montante de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) em numerário, e

b)- Efetuou uma transferência bancária da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a partir da conta Nº ... por si titulada junto da Banco 1... para uma conta bancária titulada pela 2ª Ré CC.

G) Montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) que, encontrando se depositado na conta bancária titulada pelo Autor foi mutuado às Rés, no dia 07 de maio de 2023, através de oito pagamentos de serviços de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) cada um.

* Subsidiariamente, caso assim não se entenda e o Tribunal ad quem venha a considerar que os aludidos meios de prova apenas podem sustentar que a 2ª Ré solicitou ao Recorrente o mútuo objeto dos autos, pugna para que sejam dados como provados os seguintes factos:

1) Compadecido com a descrita débil situação familiar, económica e financeira das Rés e atenta a relação de amizade com a 1ª Ré, em 11 de abril de 2023, o Autor efetivamente emprestou à 2ª Ré o montante de € 6.600,00 (seis mil e seiscentos euros), da seguinte forma:

a)- Entregou à 2ª Ré, o montante de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) em numerário, e

b)- Efetuou uma transferência bancária da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a partir da conta Nº ... por si titulada junto da Banco 1... para uma conta bancária titulada pela 2ª Ré CC.

2) Em inícios do mês de maio de 2023, a 2ª Ré solicitou ao Autor um novo empréstimo, agora na quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) e a que este, verbalmente, aceitou mutuar.

3) Montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) que, encontrando-se depositado na conta bancária titulada pelo Autor foi mutuado à 2ª Ré, no dia 07 de maio de 2023, através de oito pagamentos de serviços de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) cada um.

4) A 2ª Ré comprometeu-se verbalmente a restituir ao Autor o montante global mutuado, de € 26.600,00 (vinte e seis mil e seiscentos euros), no prazo de quinze dias a contar da data do último empréstimo, ou seja, a partir de 07 de maio de 2023.

O artigo 662.º, nº1, do Código de Processo Civil, dispõe que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Por sua vez, o artigo 640.º, do Código de Processo Civil, impõe ao Recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, especificação que também deve ser feita nas conclusões do recurso, indicando clara e inequivocamente os segmentos da decisão da matéria de facto que pretende impugnar. Essa indicação tem que ser de molde a não implicar uma atividade de interpretação e integração das alegações da Recorrente, tendo o Tribunal que encontrar na matéria de facto provada e não provada aquela que o mesmo pretenderia impugnar, o que, aliás, está vedado ao Tribunal, face ao princípio do dispositivo.
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que sustentem a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto quanto aos pontos impugnados diversa da recorrida, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos, especificação que não tem de constar das conclusões do recurso.
c) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, como sucede in casu, deve indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
d) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, especificação que se vem entendendo, dominantemente, que não tem que constar das conclusões das alegações.
O citado artigo 640.º impõe ao Recorrente, por conseguinte, um conjunto de rigorosos ónus processuais, cujo incumprimento implica a rejeição imediata do recurso, importando, por conseguinte, determinar se o mesmo os observou.
Ora, no caso concreto, entendemos que o Apelante não observou tais ónus, desde logo porque se limitou a impugnar em dois blocos os factos não provados – 1º bloco composto pelas alíneas A), B), C), D), E), F), G) e H) e o segundo bloco pelas alíneas I) e J), sendo certo que a procedência da impugnação do segundo bloco está claramente dependente da procedência da impugnação do primeiro bloco – indicando globalmente os meios de prova, limitando-se a remeter para documentos ou transcrições de depoimentos, sem que, contudo, aí estabeleça concretamente qualquer ligação entre cada um dos documentos e cada uma das passagens da gravação indicadas com cada um dos factos impugnados.

É necessário especificar, para cada facto concreto impugnado, ou pelo menos, para cada bloco de factos, na eventualidade de estes terem afinidades entre si, quais os meios probatórios que impunham decisão diversa e as razões pelas quais o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, o que o Recorrente não fez.
Este limita-se a invocar, em bloco, um conjunto heterogéneo de documentos e excertos das suas declarações de parte e do depoimento de parte da 1ª Ré, sem especificar, para cada facto concreto, qual a prova que impunha decisão diversa, sendo certo que os factos em causa respeitam, pelo menos, a duas realidades factuais distintas:
- mútuo de 6.600 euros, alegadamente ocorrido no dia 11 de abril de 2023.
- mútuo de €20.000,000, alegadamente ocorrido no dia 7 de maio de 2023.
Ora, não incumbe ao Tribunal ad quem selecionar dentro dos documentos invocados e das passagens das gravações dos depoimentos assinaladas pelo Recorrente nas alegações de recurso quais daqueles meios de prova importam para cada um dos factos impugnados, pelo que concluímos que o Recorrente não observou os ónus previstos nas alíneas a) e b) e nº 2, artigo 640º do Código de Processo Civil, e, como tal, haverá que rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto.
Ainda que assim se não entendesse, e se considerasse que o Recorrente cumpriu todos os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, ainda assim a sua pretensão não poderia proceder, porquanto, ouvidos os registos fonográficos indicados e analisada devidamente toda a prova documental junta aos autos não vislumbrámos motivos para divergir do juízo probatório efetuado pelo Tribunal de 1ª instância.
Concretizando:
* Começando pelo facto contante da alínea A), sustenta o Recorrente que o mesmo deve ser dado como provado, porque não foi impugnado, pelo que terá de se considerar admitido por acordo, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 574º, do Código de Processo Civil.
No entanto, tal argumentação não procede, pois que a 2ª Ré foi citada editalmente, por incerteza do seu paradeiro, não tendo sido deduzida qualquer oposição, na sequência do que veio a ser citado o Ministério Público, que contestou em representação da ausente, não lhe sendo, por isso, aplicável o ónus de impugnação, muito menos de impugnação especificada, nos termos do disposto no nº4, do artigo 574º, do Código de Processo Civil. Assim sendo, e tendo, aliás, o Ministério Público, na contestação que apresentou, invocado isso mesmo, para além de, no artigo 3º desse articulado, ter alegado que, não tendo “conhecimento direto dos factos alegados pelo Autor, contestam-se todos os factos por si alegados que não se encontrem provados por documento autêntico ou autenticado”, carece de fundamento a pretensão do Recorrente quanto a considerar-se assente por acordo das partes a factualidade não provada constante da alínea A), improcedendo, por isso, nesta parte o recurso.
* Quanto aos factos das alíneas B), C), D), E), F), G), H), I) e J), relembre-se que nessas alíneas a decisão recorrida deu como não provado que:
B) Sendo que a 1ª Ré acabou por pedir ao Autor que este mutuasse às Rés a quantia de € 6.600,00 (seis mil e seiscentos euros).
C) Montante este que a 1ª Ré afirmou destinar-se ao pagamento de dívidas de jogo contraídas pela 2ª Ré.
D) Pelo que, compadecido com a descrita débil situação familiar, económica e financeira das Rés e atenta a relação de amizade com a 1ª Ré, o Autor acabou por assentir verbalmente no solicitado empréstimo.
E) Assim, no dia 11 de abril de 2023, o Autor efetivamente emprestou às Rés o montante de € 6.600,00 (seis mil e seiscentos euros), da seguinte forma:
1. entregou à 1ª Ré, o montante de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) em numerário;
F) Em inícios do mês de maio de 2023, alegando continuarem a estar a padecer de sérias dificuldades financeiras relacionadas com dívidas de jogo da 2ª Ré e que se iam agravando, a 1ª Ré solicitou ao Autor um novo empréstimo, agora na quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) e a que este, verbalmente, aceitou mutuar às Rés.
G) Montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) que, encontrando-se depositado na conta bancária titulada pelo Autor foi mutuado às Rés, no dia 07 de maio de 2023.
H) Por sua vez, as Rés comprometeram-se verbalmente a restituir ao Autor o montante global mutuado, de € 26.600,00 (vinte e seis mil e seiscentos euros), no prazo de quinze dias a contar da data do último empréstimo, ou seja, a partir de 07 de maio de 2023.
I) Decorrido o aludido prazo de quinze dias, as Rés não restituíram ao Autor as quantias que por este lhes foram mutuadas e que perfazem o aludido montante global de € 26.600,00 (vinte e seis mil e seiscentos euros).
J) E, não obstante, terem sido interpeladas por diversas vezes pelo Autor, as Rés não devolveram, até ao momento, o montante mutuado.
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção quanto à decisão da matéria de facto nos seguintes termos:
“Quanto ao único facto que se considerou provado, cumpre referir que o Tribunal se estribou no documento 1) junto com a PI, tratando-se de extrato bancário, do qual se extrai a existência da indicada transferência no valor de € 5.000,00 da conta do autor para a conta da segunda ré CC, pelo que é inequívoco que a transferência dessa quantia ocorreu.
No que concerne aos demais factos alegados pelo autor, foram todos reconduzidos ao elenco dos factos não provados por não ter o autor logrado realizar prova, minimamente segura, da sua verificação ou face à duvida sobre a ocorrência dos mesmos.
Com efeito, o autor estribou a tese versada na petição inicial de que foi exclusivamente a 1.ª ré quem lhe pediu as quantias em dinheiro, para fazer face a dificuldades financeiras que vivenciava com a filha e motivadas por supostas dividas de jogo.
E para a prova da alegada factualidade produziu apenas as suas próprias declarações, ainda que tenha sido oficiosamente determinada a junção aos autos de 7 comprovativos de serviços / compras, como decorre da ata de 10.02.2025 e que constam da ref.ª 97739671, os quais, todavia, não corroboram a tese plasmada na pi, como melhor explicitaremos infra.
Quanto às suas declarações cumpre desde logo referir que, além de não serem corroboradas por qualquer outro meio de prova, com exceção da transferência de € 5.000,00 que se deu como provada, as mesmas mostraram-se pouco credíveis, sobretudo por serem titubeantes, defensivas, pensadas e cautelosas.
Em primeiro lugar, o autor não foi totalmente sincero e credível no que tange à verdadeira relação que manteve com as rés, pois por um lado afirma que se tratavam de meras conhecidas, por serem meras clientes do seu restaurante e que nem sequer eram visitas de casa uns dos outros. Mas depois também afirma que emprestava um apartamento que possuía na zona da Póvoa de Varzim à 1.ª ré, para ali ficar em determinadas alturas.
Afinal eram meros conhecidos ou verdadeiros amigos?
É que se eram meros conhecidos certamente que o autor não emprestava a quantia de dinheiro que alega e com a facilidade com que o terá feito, nem tampouco cedia qualquer apartamento seu para que as rés ou pelo menos uma delas ali ficasse sem qualquer contrapartida, ainda que o autor tenha referido que às vezes pagavam, no que não se acreditou por não ser corroborado por outro meio de prova.
Mas se a relação de autor e rés fosse além desse mero conhecimento, já faria sentido o facilitismo dos supostos empréstimos ou a cedência do apartamento. Sucede que o autor não quis revelar, nem explicar convincentemente esta questão, a qual se mostrava desde logo essencial para aferir da veracidade do declarado pelo autor, sobretudo face à exiguidade de outros meios de prova que corroborassem a tese que veio defender em audiência.
Por outro lado, importa referir que em declarações de parte veio o próprio autor a referir uma tese algo distinta da alegada na petição inicial, sobretudo quanto ao suposto empréstimo da quantia de € 20.000,00, pois que em declarações de parte garantiu que fez 8 movimentos, cada um no valor de € 2.500,00 por expressa indicação da Ré CC, versão que nem sequer é alegada na PI, pois a tese do autor é que foi sempre a 1.ª ré quem lhe pediu esta quantia e que cedeu essa quantia à 1.ª ré, nunca tendo alegado qualquer pagamento de serviços.
Acresce que o autor também referiu não ter confiança com a 2.ª ré (a qual apenas teria ido uma ou duas vezes ao seu restaurante) e sabendo mesmo que esta padecia do vício do jogo, porque motivo o autor seguiria instruções desta ré para destinar o dinheiro? Não seria normal que apenas seguisse indicações da 1.ª ré? Ou que apenas transferisse o dinheiro para a 1.ª ré? Se foi a 1.ª ré quem pediu o dinheiro, porque motivo entregaria o autor o mesmo à 2.ª ré, quando nunca refere que a 1.ª ré lhe deu essa indicação? Não só não faz sentido, como não é comum nem normal nos dias em que vivemos, em que a palavra não tem a importância que teve em tempos passados.
Com efeito essa versão do autor não faz qualquer sentido em face das regras da normalidade. E não faz sobretudo porque os comprovativos que foram juntos em audiência desde logo não se reportam a transferências bancárias, sendo antes comprovativos de pagamentos de serviços, os quais o Tribunal desconhece os beneficiários, os motivos para a sua realização, os contornos das mesmas ou que serviços foram adquiridos, por quem, a que título e com que fim.
Além de que, em momento algum o réu alega que a 1.ª ré lhe pediu para pagar serviços no valor de € 20.000,00. A tese do autor plasmada na pi foi a de que cedeu à 1.ª ré a quantia de € 20.000,00, pelo que os alegados pagamentos não correspondem nem comprovam aquela alegação.
A que acresce o facto de não ser crível que um (ex)empresário não saiba a diferença entre uma transferência bancária e o pagamento de um serviço, como quis fazer crer ao Tribunal.
Assim, ainda que da prova documental resulte o pagamento do autor de vários pagamentos de serviços / compras e ainda que não se coloque em crise que as referências de pagamento pudessem ter sido dadas pela 2.ª ré, o certo é que dai não se pode extrair a prova dos factos alegados pelo autor na pi, que são totalmente diversos.
Donde, tudo conjugado, não ficou demonstrado que o autor tivesse emprestado a quantia de € 20.000,00 às rés, a pedido da 1.ª ré.
E quanto à entrega da quantia de € 1.600,00 em numerário, igualmente se mostra inverosímil, seja por não encontrar suportada em outra prova, além das suas próprias declarações, seja por o autor ter assumido que o restaurante nessa altura era explorado pelo filho, pelo que não faz sentido que ali tivesse ido buscar essa quantia para entregar às rés, sem que desse conhecimento do facto ao filho. E se o tivesse feito, teria que produzir outros meios de prova além das suas próprias declarações, o que não ocorreu.
Não obstante a falta de prova nos termos referidos, importa consignar que a 1.ª ré, apesar do natural interesse na causa, negou perentoriamente alguma vez ter pedido qualquer quantia em dinheiro ao autor. E estas declarações da 1.ª ré foram acolhidas, desde logo por não ser comum nem habitual que alguém, mesmo sendo a progenitora, vá pedir a terceiros quantias tão elevadas quantias de dinheiro para que uma filha possa gastar em vícios de jogo. Uma coisa seria pedir dois ou três mil euros para evitar problemas em que a filha pudesse encontrar-se, como por exemplo pagar uma qualquer dívida de jogo. Outra bem distinta é pedir as quantias alegadas pelo autor e, sobretudo para que a filha pudesse continuar a jogar.
Acresce que foi evidente ao Tribunal, porque relatado pela ré e corroborado de forma honesta e desinteressada pela testemunha DD, tio daquela, que a relação das rés sempre foi conflituosa, tendo a testemunha relatado mesmo tentativas de episódios de violência da filha contra a mãe. Ora se a relação não era boa, que motivo teira 1.ª ré de pedir dinheiro a terceiros, para o destinar ao vício de jogo da filha, quando não se relacionavam? Não faz sentido.
Por fim, refira-se que resultou das declarações da identificada testemunha que apenas a 2.ª ré teria dificuldades financeiras, pois que era ela quem, detinha a titularidade da empresa que foi constituída ainda antes da morte do progenitor, que era a ré CC quem tratava de toda a parte financeira e que a empresa que detinha acabou por fechar devido a essas mesmas dificuldades financeiras. Nunca esta testemunha referiu dificuldades financeiras da 1.ª ré.
Acresce que não foi possível obter a versão da 2.ª ré por a mesma ser julgada na ausência, desconhecendo-se o seu paradeiro.
Donde, tudo conjugado, consideramos que o autor não logrou provar, desde logo, que a 1.ª ré lhe tivesse pedido emprestado qualquer quantia em dinheiro e, depois, que tenha efetivamente cedido às rés as quantias que alega. Com efeito, não fez prova da cedência a qualquer das rés da quantia de € 1.6000,00 em numerário, nem da quantia de € 20.000,00, pois que dos comprovativos juntos em audiência não se pode extrair qualquer empréstimo de dinheiro às rés, uma vez que se tratam de comprovativos de pagamentos de serviços / compras, cujos beneficiários se desconhecem na totalidade, bem como as razões subjacentes a esses mesmo pagamentos. Ora se o autor pagou um serviço ou uma compra, é liquido que não fez qualquer transferência ou cedência de dinheiro a qualquer das rés. Não sabe o Tribunal e o autor não alegou porque motivo fez pagamentos de serviços ou compras e com que fundamento, ainda que em declarações de parte tenha vindo afirmar que o fez por indicação da 2.ª ré CC.
Com efeito, apenas logrou o autor provar a existência de uma transferência para a 2.ª ré no valor de € 5.000,00, desconhecendo-se, todavia, a que título e com que fim foi feita esta transferência, sem se descurar que o alegado pedido desta quantia pela 1.ª ré, foi considerado não provado. Pelo que não obstante a prova dessa transferência não se pode daí extrair a existência de um qualquer mútuo à 2.ª ré, pois que, pode essa transferência corresponder a muitas outras realidades jurídicas (como a respeito da subsunção jurídica nos reportaremos), ficando o Tribunal com dúvidas sobre as verdadeiras razões subjacente a tal transferência, pelo que a dúvida do facto deve ser resolvida contra a parte onerada com a sua prova.”
O Recorrente sustenta que a factualidade constante das alíneas B) a G) deve ser dada como provada, invocando para tanto o depoimento de parte da 1ª Ré, BB, as declarações de parte dele próprio, em conjugação com a prova documental constante dos autos, em particular os sete comprovativos de pagamentos cuja junção foi determinada pelo Tribunal a quo no decurso da sessão de julgamento do dia 10 de fevereiro de 2025 e as mensagens de WhatsApp juntas aos autos em 3 de outubro de 2024.
Sucede que, ouvidos o depoimento de parte da 1ª Ré, as declarações de parte do Autor e o depoimento da testemunha DD e concatenados os mesmos com a prova documental junta aos autos, entendemos não assistir razão ao Recorrente, pois que não vemos razão para divergir do decidido.

Analisada a prova produzida, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe o erro de julgamento que o Recorrente aponta, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida, pelo que não podemos, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.

Efetuada a análise da prova, não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa – como exige o nº1, do artigo 662.º, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto impugnada, no sentido proposto pelo Apelante, seja a título principal, ainda que no sentido proposto a título subsidiário.

Para além de a avaliação que esta Relação extrai do depoimento de parte da 1ª Ré e das declarações de parte do Autor e da testemunha DD coincidir com a convicção da 1ª instância, acima explanada, importa salientar, relativamente à prova documental, que:

- Os sete comprovativos de pagamentos cuja junção foi determinada pelo Tribunal a quo no decurso da sessão de julgamento do dia 10 de fevereiro de 2025 não se reportam a transferências bancárias, sendo antes comprovativos de pagamentos de serviços, nada se tendo apurado a respeito de quem seriam os beneficiários, os motivos para a sua realização, os contornos das mesmas ou que serviços foram adquiridos, por quem, a que título e com que fim, para além de não ser crível que o Autor, (ex)empresário, não saiba a diferença entre uma transferência bancária e o pagamento de um serviço, como quis fazer crer ao Tribunal.

- Quanto aos documentos juntos aos autos em 3 de outubro de 2024, relativos a mensagens de WhatsApp, alega o Recorrente que esses documentos não mereceram qualquer impugnação por parte da 1ª Ré, alegação que não corresponde á verdade. Esses documentos juntos em 3 de outubro de 2024 respeitam alegadamente a prints de mensagens de texto cuja junção o Recorrente havia protestado juntar no seu requerimento de 11 de setembro de 2024, tendo, já naquele requerimento de 11 de setembro, procedido à transcrição de parte dessas mensagens cujos prints entretanto juntou. Ora, logo em 18 de setembro de 2024, ao pronunciar-se sobre o pedido de condenação como litigante de má fé formulado pelo Autor, a 1ª Ré, no artigo 1º, impugnou o artigo 15º daquele requerimento do Autor de 11 de setembro de 2024, constando desse artigo 15 o seguinte “15- Ao alegar, como alega, factos cuja falsidade não desconhece - cfr. o teor do seu articulado em causa e os breves exemplos de comunicações acima transcritos, que sabe serem genuínos e verdadeiros, a 1ª Ré, consciente e de modo doloso, não só omitiu a verdade como a distorceu integralmente.” Assim sendo, consideramos que os documentos juntos pelo Autor em 3 de outubro de 2024 foram impugnados pela 1ª Ré, sendo certo que nada se apurou a respeito de quem utilizava o número associado às mensagens de “WhatsApp” juntas e quem as elaborou.

Termos em que concluímos não haver motivo para concluir que o Tribunal a quo tenha incorrido – por violação das regras da ciência, da lógica ou da experiência – em qualquer error in iudicando, por erro na avaliação das provas, porquanto a convicção que esta Relação daquelas extrai coincide com a convicção da 1ª instância, inexistindo, por isso, razão bastante que imponha (como é suposto pelo nº 1 do art. 662º, do Código de Processo Civil) a alteração do juízo probatório referente à aludida materialidade.

Assim, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum os meios de prova produzidos, concluímos que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne à matéria de facto em causa, se mostra conforme com a prova produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, improcedendo nesta parte a apelação.
Os factos a considerar são, por conseguinte, os acima indicados e que aqui se dão como reproduzidos.

*

5ª Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso e independentemente disso, se ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo

O Autor instaurou a presente ação contra as Rés, com vista a obter a condenação destas no pagamento da quantia de € 26.600,00 (vinte e seis mil e seiscentos euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data de citação até efetivo e integral cumprimento, fundamentando a sua pretensão na celebração do dois contratos de mútuo com as Rés, os quais terão sido por elas incumpridos.

Com vista a ser alterada a decisão de improcedência da ação, o Autor impugnou a decisão relativa à matéria de facto, impugnação essa que não procedeu.

Tendo em conta que se manteve a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida e considerando que o Tribunal a quo fez uma aplicação correta do direito aos factos, nada há a alterar na decisão recorrida, que assim se mantém.
Importa ainda referir que, embora sem explicar porque motivo tal deveria suceder, o Recorrente, sob a conclusão 57, alega que “não poderia o Ex.mo Tribunal absolver as Rés dos pedidos contra si formulados nestes autos, atenta a matéria de facto elencada nos autos e apreciação de facto e jurídica efetuada pelo Ex.mo Tribunal quanto à mesma, as Rés somente poderiam ser absolvidas da presente instância e não do pedido”, alegação que não procede. O Tribunal a quo realizou a audiência de discussão e julgamento, foi produzida a competente prova, fixados os factos provados e não provados e aplicado o respetivo direito, tendo entrado no conhecimento do mérito da causa.
O Autor fundamentou a sua pretensão no alegado incumprimentos de dois contratos de mútuo por parte das Rés, foi esta a causa de pedir por ele invocada na petição inicial.
Tendo em conta as regras que regem a distribuição do ónus da prova, nos termos do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, ao Autor incumbia alegar e provar a celebração dos contratos de mútuo com as rés, bem como a realização integral das obrigações a que se encontrava adstrito – disponibilização e entrega das quantias acordadas, o que não logrou alcançar, como decorre claramente da factualidade provada e não provada.
Consequentemente, haverá que concluir pela improcedência da ação, com a absolvição das Rés dos pedidos, carecendo de qualquer fundamento legal a pretensão do Recorrente quando sustenta que o Tribunal a quo somente poderia absolver as Rés da instância e não do pedido.

*
6ª Da condenação em custas

Sustenta o Recorrente que, a manter-se a improcedência da ação, atento o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil, não se pode considerar o Autor como a única parte vencida, atenta a improcedência do pedido de condenação como litigante de má fé do Autor formulado pela 1ª Ré recorrida, devendo, por isso, esta ser considerada parte vencida relativamente àquela questão, e, por via disso, serem as custas repartidas por Autor e 1ª Ré na proporção do respetivo decaimento.

Também aqui entendemos que não assiste razão ao Recorrente, porquanto a questão da litigância de má fé de uma parte é matéria de conhecimento oficioso, pelo que o juiz tem sempre de a apreciar, se entender que para isso há fundamento, ainda que nenhuma das partes a levante - ou seja, é matéria que se enquadra na normal tramitação do processo, não constituindo um incidente propriamente dito, estando ligada a princípios de ordem pública relativos à boa administração da justiça.

E o facto de uma das partes provocar a apreciação do tribunal sobre a questão não afasta essa natureza.

Admite-se que, demonstrando-se que uma parte pede a condenação da outra como litigante de má fé notoriamente sem o mínimo fundamento, seja condenada no pagamento de taxa de justiça excecional com fundamento no artigo 531.º do Código de Processo Civil, mas essa será outra forma de controlo da razoabilidade das condutas processuais à disposição do julgador, que não se confunde com o instituto da má fé processual.

Não constituindo o pedido de condenação como litigante de má fé uma pretensão autónoma, entendemos que a improcedência de tal pedido não altera o vencimento da ação para efeitos do disposto no artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, norma da qual decorre que a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada improcedente, mercê do princípio da causalidade, as custas, tanto da sentença proferida pelo Tribunal a quo como do recurso, serão da responsabilidade do Autor / Recorrente.

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Síntese conclusiva (da exclusiva responsabilidade da Relatora – artigo 663º, nº7, do Código de Processo Civil)

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III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes subscritores deste acórdão da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante AA, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo Apelante.

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Porto, 24 de novembro de 2025
Teresa Pinto da Silva
Mendes Coelho
Jorge Martins Ribeiro
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[1] Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág. 735.
[3] Neste sentido, cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, reimpressão, p. 139 e 140.
[4] Neste sentido, cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1985, página 688.
[5] Neste sentido, cf. Ac. do STJ de 10-03-2022, proc. nº 1071/18.9T8TMR.E1.S1; Ac. do TRP de 23-05-2022, proc. nº 588/14.9TVPRT.P1.; Ac. do TRP de 20-05-2024, proc. nº 3489/22.3T8VFR, todos disponíveis in www.dgsi.pt.