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DEPOIMENTO INDIRECTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário
Sumário: I - A validade do depoimento indireto depende, em regra, da identificação da pessoa a quem se ouviu dizer e da chamada a depor da testemunha fonte, exceto nos casos em que não é possível, designadamente por morte da testemunha fonte. Nesse contexto, a motivação da decisão de facto necessitará de mais prova corroborante. II - O sentido da livre convicção estatuída no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, é o de que, excecionados os casos previstos na lei, o julgador aprecia a prova segundo a sua própria convicção, formada à luz das regras da experiência comum, de forma objetiva, para potenciar o controle externo da decisão, permitindo, assim, a sua análise crítica.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
No Processo nº 1623/23.5PFAMD Referência: ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo Central Criminal de Sintra - Juiz 2 - foi proferido acórdão, com o seguinte dispositivo: « 1.Condena o arguido AA pela prática, (na madrugada de ... de 2023), em autoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b), 75º, 76º e 131º, todos do Código Penal e artigo 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena parcial de 9 (nove) anos de prisão; 2. Condena o arguido AA pela prática, (em … de 2024), em coautoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b), 75º, 76º e 131.º, todos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (perpetrado contra BB), na pena parcial de 9 (nove) anos de prisão; 3. Condena o arguido AA pela prática, (em … de 2024), em coautoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b), 75º, 76º e 131.º, todos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (perpetrado contra CC), na pena parcial de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; 4. Condena o arguido AA pela prática, (em … de 2024), em coautoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b), 75º, 76º e 131.º, todos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (perpetrado contra DD), na pena parcial de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; 5. Condena o arguido AA pela prática, (em … de 2024), em coautoria material, de um crime de dano, previsto e punível pelos artigos 75º, 76º e 212º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcial de 1 (um) ano de prisão; 6.Condena o arguido AA pela prática, (na madrugada de ... de 2023 e em … de 2024), em autoria material, de dois crimes de detenção de arma proibida, previstos e puníveis pelos artigos 75º e 76º, do Código Penal e 86º, nº 1 c) e e) e nº 2, do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, nas penas parciais de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão; 7. E, procedendo, nos termos dos artigos 77º e 78º do Código Penal, ao cúmulo jurídico das sete penas parcelares ora aplicadas, condena o arguido AA pela prática dos sete crimes identificados em 1. a 6. deste dispositivo, na pena unitária de 16 (dezasseis) anos de prisão. 8. Condena o arguido EE pela prática, (em … de 2024), em coautoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b), e 131.º, todos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (perpetrado contra BB), na pena parcial de 8 (oito) anos de prisão; 9. Condena o arguido EE pela prática, (em … de 2024), em coautoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b) e 131.º, todos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (perpetrado contra CC), na pena parcial de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; 10. Condena o arguido EE pela prática, (em … de 2024), em coautoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b) e 131.º, todos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (perpetrado contra DD), na pena parcial de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; 11. Condena o arguido EE pela prática, (em … de 2024), em coautoria material, de um crime de dano, previsto e punível pelo artigo 212º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcial de 9 (nove) meses de prisão; 12. Condena o arguido EE pela prática, em autoria material, (em … de 2024), de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n. º 1, al. c) e e) e n.º 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão; 13. Condena o arguido EE pela prática, em autoria material, (em … de 2024), de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º1, al. c) e e) e n.º 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão; 14. Condena o arguido EE pela prática, (em … de 2024), de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º a), por referência ao artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela II-A a ele anexa, na pena parcial de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; 15. E, procedendo, nos termos dos artigos 77º e 78º do Código Penal, ao cúmulo jurídico das sete penas parcelares ora aplicadas, condena o arguido EE pela prática dos sete crimes identificados em 8. a 14. deste dispositivo, na pena unitária de 14 (catorze) anos de prisão; 16. Julga parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido por Unidade Local de Saúde de …., absolvendo EE do pedido e condenando AA no pagamento à demandante, do montante de € 345,96 (trezentos e quarenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), acrescido dos juros de mora legais, vencidos desde a data da citação e dos vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4%; 17. Julga improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido por FF, GG, HH, II e JJ contra os arguidos AA e EE, absolvendo-os, in totum, do por aqueles peticionado; 18. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 16.º, da Lei n.º 130/2015, de 04/09 e 67º-A e 82.º-A, do Código de Processo Penal, decide condenar os arguidos AA e EE a pagarem, a título de montante compensatório, no regime da solidariedade: - € 3000,00 (três mil euros) a CC; - € 3000,00 (três mil euros) a DD; - e € 4500,00 (quatro mil e quinhentos euros) a BB. 19. Declara perdidos a favor do Estado, os invólucros e projéteis disparados, bem como as munições apreendidas, atenta a sua natureza proibida, de acordo com o artigo 78º da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, promovendo a PSP, após trânsito, o destino a dar a esses instrumentos. 20. E declara perdidos a favor do Estado, o MDMA, os telemóveis, os cartões de telemóvel e respetivos porta-cartões, o dinheiro, os sacos plásticos apreendidos ao arguido EE, ao abrigo dos artigos 35.º e 36.º do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de janeiro»
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Inconformado, recorreu o arguido EE formulando as seguintes conclusões:
1. O presente Recurso incide apenas sobre a matéria tratada e vertida neste processo, donde emergiram as condenações do Recorrente pela alegada, prática de um, vários crimes, que este não praticou, e a medida da pena que lhe foi aplicada quer nas penas parcelares quer em cúmulo jurídico.
2. O Douto Acórdão recorrido, através do Julgamento da matéria que lhe foi dada a apreciar, deu por provados factos que, ainda que não totalmente incompatíveis entre si, se apresentam manifestamente inconciliáveis quer com a prova produzida em Audiência de Julgamento quer com a que se encontra a junta aos autos.
3. A condenação do Recorrente, no âmbito da factualidade dada como provada, emerge do que se encontra vertido nos pontos 10 a 77 dos factos dados como provados a saber:
10. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 11 de janeiro de 2024, os arguidos AA e EE, elaboraram um plano com vista a tirar a vida a BB, com quem este último se encontrava desavindo. 11. Para o efeito, os arguidos AA e EE muniram-se de duas armas de fogo de características não apuradas e aptas a disparar munições de calibre de 9 mm e combinaram surpreender BB, quando este se encontrasse no interior do seu veículo. 12. Na execução do referido plano e em comunhão de esforços, na madrugada do dia 11 de janeiro de 2024, os arguidos aperceberam-se que BB se deslocava no seu veículo de matrícula AJ-..-VI, na companhia de CC e de DD, e seguiram-no. 13. BB encontrava-se no lugar do condutor, DD no lugar do pendura, e CC no banco traseiro do lado direito. 14. Pelas 1h00m do dia 11 de janeiro de 2024, quando BB parqueou o referido veículo junto ao nº 18 da Rua 1, em …, arguidos AA e EE posicionaram o veículo no qual se faziam transportar de características não apuradas e com matrícula francesa, ao lado da do veículo de BB.
15. Nesse instante, enquanto o arguido AA permanecia na posição de con-dutor e o arguido EE do lado do passageiro, os mesmos, munidos das referidas armas de fogo, abriram o vidro do lado do passageiro. 16. Ato contínuo, os arguidos EE e AA empunhando as referidas armas de fogo efetuaram um número não concretamente determinado de disparos, mas não inferior a 7, para o interior do veículo conduzido por BB, que o atingiram, nomeadamente, na face e no membro superior esquerdo. 17. Como consequência direta dos disparos efetuados pelos arguidos AA e EE, BB sofreu ferimentos, nomeadamente, na face e no membro superior esquerdo. 18. Tais disparos apenas não lograram retirar a vida de BB, CC e DD, apesar de serem efetuados disparos a pouca distância, porque os ofendidos se baixaram, protegendo-se. 19. Ao efetuarem os disparos com as armas de fogo, os arguidos AA e EE atingiram, igualmente, o veículo de matrícula AJ-..-VI, propriedade de BB, que passou a ostentar, entre o mais, várias marcas de perfurações nas portas dianteira e traseira do lado esquerdo nos estofos dos bancos dianteiro e traseiro, tendo ainda ficado com os vidros das respetivas portas partidos. 20. Em seguida, os arguidos AA e EE abandonaram aquele local em fuga. 21. Em virtude dos ferimentos sofridos, o ofendido BB foi assistido no Hospital de …, para onde se dirigiu acompanhado de CC e DD, e apresentava, à entrada do serviço de urgência, as seguintes lesões: “traumatismo com arma de fogo com porta de entrada no membro superior esquerdo e face com laceração da língua”. 22. No dia 24 de março de 2024, pelas 12h20m, na Rua 2, …, Cacém, quando o arguido EE se preparava para entrar na viatura de marca WW, modelo T-Roc, com a matrícula AR-..-UR, encontrava-se na posse dos seguintes objetos que lhe foram apreendidos: - Uma (1) pistola, da marca SIG Sauer, modelo 911-22, com o nº de série ..., municiada e carregada com 10 munições de calibre .22., localizada no interior de uma bolsa, de cor preta, do tipo tira colo; - Um (1) porta chaves, contendo duas chaves de acesso à residência sita na Praceta 3; - A quantia total de € 705,00 (setecentos e cinco euros), designadamente cinco (5) notas de 100 € (cem euros), dez (10) notas de 20 € (vinte euros) e uma (1) nota de 5 € (cinco euros); - Um (1) telemóvel da marca i phone, modelo xs, de cor preta; - Um (1) telemóvel da marca i phone, modelo 14, de cor cin-zenta; e - Uma (1) chave, pertencente ao veículo automóvel da marca Volkswagen, modelo T– Roc, portador da matrícula AR-…-UR. 23. Nesse mesmo dia, o arguido EE tinha, na sua posse, no interior da sua residência, sita na Praceta 3, os seguintes objetos: - No quarto do lado direito, junto ao WC: a) sobre a cama foi localizada uma (1) caçadeira, da marca FABARM, modelo Brescia, com o nº de série ... e nº de cano ...; b) Na mesma cama, foram localizados sete (7) cartuchos de calibre 12, três (3) de cor verde, dois (2) de cor vermelha e um (1) de cor preta c) Um (1) saco de plástico contendo no seu interior MDMA, com o peso líquido global de 3,508 gr/l, com o grau de pureza de 92.2% e correspondente a 32 doses individuais; d) Um (1) saco de plástico contendo, no seu interior, MDMA, com o peso líquido global de 1,845 gr/l, com o grau de pureza de 39.0% e correspondente a 10 doses individuais; No quarto perten-cente a EE, este tinha, ainda: -Um (1) porta chaves contendo duas (2) chaves de um motociclo, com o logotipo da Yamaha, uma de cor vermelha e outra de cor preta; - Um (1) porta chaves contendo um (1) comando de garagem, uma (1) chave da marca Honda e uma (1) chave de cor preta; - Um (1) porta chaves com as inscrições “JB Motos ...” e “Yamaha Sesimbra“, contendo uma (1) chave pertencente a um veículo Smart, uma (1) chave pertencente a um veículo Peugeot, uma (1) chave pertencente a um veículo da marca Yamaha e duas (2) chaves azuis; - Um (1) telemóvel, da marca Blackberry, com o IMEI ..., sem cartão SIM; - Um (1) telemó-vel, da marca Blackberry, com o IMEI ..., sem cartão SIM; - Um (1) telemóvel, da marca Blackberry, com o IMEI ..., sem cartão SIM; - Um (1) Ipod, de cor branca; - Um (1) router, de cor branca, a operadora Vodafone com o SSID VodafoneMobileWiFi-… e WIFI KEY ...; - Uma (1) pen drive, de cor azul; - Um (1) cartão de multibanco, da Caixa Geral de Depósitos, com o nº ...; - Um (1) porta cartões, da operadora Vodafone, referente ao ICC ID ...; - Um (1) cartão, da operadora Vodafone, referente ao nº ...; - Um (1) micro cartão SIM, da operadora Vodafone, com o n.º ...; - Um (1) porta cartões, da operadora Moche, com micro SIM nº ..., referente ao nº ...; - Um (1) porta cartões, da operadora Vodafone, referente ao ICC ID ...; - Um (1) cartão SIM, da operadora Vodafone, com o nº ... e com respetivo porta cartões; - Um (1) porta cartões, da operadora MEO, referente ao SIM ...; - Um (1) micro SIM, com o nº ...; e - Um (1) cartão, da operadora LycaMobile, com o nº .... 24. Após a prática dos factos supra descritos, o arguido AA encetou fuga para Espanha, onde foi detido em cumprimento de mandados de detenção europeu, no dia 24 de março de 2024, pelas 2h22m, em Dos Hermanas, Sevilha. 24. No momento da sua detenção pelas autoridades policiais, o arguido AA tinha na sua posse e de sua pertença: - um telemóvel de marca Iphone, modelo X, cor azul, IMEI ...; - um telemóvel de marca Iphone, modelo 12, cor preta, IMEI desconhecido; - um telemóvel de marca Samsung, modelo A04, cor azul, IMEI .../9; - um telemóvel de marca Samsung, modelo A04, cor azul, IMEI...1. 26. O arguido AA, ao disparar com uma arma de fogo em direção ao corpo de KK, atingindo-o concretamente junto dos órgãos genitais e da perna direita, representou e quis agir com o propósito de lhe tirar a vida, bem sabendo que ao atuar como acuou, poderia atingir zonas vitais e vasos sanguíneos de médio e grande calibre, de modo adequado a provocar a morte do mesmo, o que apenas não se verificou, por motivos alheios à sua vontade. 25. Os arguidos AA e EE, ao dispararem as armas de fogo que empunhavam e de que previamente se muniram para o efeito, em direção ao interior do carro onde se encontrava BB, representaram e quiseram agir com o propósito de lhe tirar a vida, bem sabendo que ao atuar como atuaram, poderiam atingir zonas vitais, e que tal era adequado a provocar a morte do mesmo, o que apenas não lograram conseguir, por motivos alheios à sua vontade. 26. Os arguidos AA e EE, ao dispararem as referidas armas de fogo, em direção ao interior do carro, onde seguiam também CC e DD, representaram, como consequência necessária da sua conduta, que poderiam atingir zonas vitais do corpo destes, já que se encontravam na linha de fogo, porque tal era adequado a provocar-lhes a morte, o que apenas não se verificou, por motivos alheios à sua vontade. 27. Com as condutas supra descritas, os arguidos agiram, também, com o propósito concretizado de danificar o veículo de matrícula AJ-..-VI, propriedade de BB, conscientes de que atuavam sem autorização e contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que quiseram e conseguiram. 28. Os arguidos AA e EE conheciam as características e natureza das armas de fogo que detinham, bem sabendo que não as podiam possuir ou deter, e tinham consciência que não eram titulares de documento que os habilitasse a tê-las na sua posse e, ainda assim, não se coibiram de as deter e utilizar, o que quiseram e conseguiram. 29. Mais sabiam os arguidos que as referidas armas de fogo são adequadas a aumentar as lesões infligidas e a diminuir a capacidade de defesa dos ofendidos e, ainda assim, não se coibiram de as utilizar, o que quiseram e conseguiram. 30. Nas circunstâncias referidas em 10. a 20. e 27. a 31 os arguidos AA e LL atuaram por si e em comunhão de esforços. 32. O arguido EE sabia que não podia comprar, deter, oferecer, vender, proporcionar a outrem ou ceder a qualquer título, ainda que gratuito, produtos estupefacientes, por serem tais condutas proibidas e criminalmente punidas. 33 Ainda assim, quis e logrou deter no interior da sua residência o produto estupefaciente, conhecendo a natureza e características do mesmo, bem sabendo que tal conduta o fazia incorrer em responsabilidade criminal. 34. Mais sabia o arguido EE, que as armas que detinha no dia 24 de março de 2024 na sua posse e no interior da sua residência, apenas podem ser detidas por quem seja possuidor de licença de uso e porte de arma ou de detenção de arma no domicílio, o que não era o seu caso, encontrando-se fora das condições exigidas por lei, o que representou e logrou. 35. O arguido EE quis ainda deter as armas acima referidas, bem conhecendo as características e as qualidades das mesmas, sabendo que se tratavam de armas proibidas por lei, intento que logrou alcançar. 36. Os arguidos agiram em todas as circunstâncias supra descritas de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 37. O Hospital ..., que integra a Unidade Local de Saúde de ..., E.P.E, tem por missão prestar cuidados de saúde. 39. Na sua atividade e nas suas instalações, o demandante prestou cuidados de saúde a KK, no âmbito do episódio de urgência que se seguiu ao disparo efetuado, em … de 2023, pelo arguido AA. 40. Por estes cuidados médicos prestados a KK, foi emitida a fatura ...de 30 de setembro de 2024, no valor de € 345,96. 41. Este valor jamais foi satisfeito ao demandante. 42. No dia .../.../2023, pelas 02h30m, KK foi morto a tiro, aos 49 anos de idade 43. O KK viveu, até data não apurada, em condições análogas às dos cônjuges com FF, de 49 anos, com quem mantinha um relacionamento há sensivelmente 38 anos. 44. Deste relacionamento, teve quatro filhos: HH, nascido a … de 2000, II, nascido a … de 2004, JJ, nascida a 28 de julho de 2005 e GG, nascido a … de 2012. 45. KK era uma pessoa robusta e saudável, 48. Antes de … de 2024, o arguido EE mantinha residência no bairro social do ..., em quarto arrendado para o efeito, em moradia partilhada com outros 6 inquilinos, com quem não manteria relação de relevo. 49. Executava trabalhos temporários de …. 50. O arguido tinha como principal encargo fixo o pagamento da renda no valor de € 230,00. 51. Este arguido consumia esporadicamente haxixe, Mdma e álcool, com fins recreativos, saindo à noite, com alguma regularidade, frequentando além do mais, festas de afro-house. 52. Tem por hábito conviver com amigos e pares, um deles o coarguido AA, com quem convivia com regularidade. 53. Estes amigos são conotados com problemas com a justiça, situação que relativiza. 54. O processo de socialização de EE viria a ser marcado pela reclusão prolongada de ambos os progenitores, por crime de tráfico de estupefacientes. 55. A mãe deste arguido veio a ser presa quando o arguido tinha 15 dias de vida, pelo que esteve até ao 1 ano de idade, junto da mãe, no E.P de …. 56. Depois, integrou o agregado da avó paterna, no bairro do .... 57. Este arguido, EE, nunca aprofundou relação de relevo com os pais, vindo antes a crescer junto da avó paterna, sua figura de referência, em contexto de proximidade com outros familiares, tias e vários primos, residentes no Bairro do ..., bairro de realojamento conotado com várias problemáticas sociais. 58. Não obstante a ausência dos pais, este arguido terá beneficiado de condições minimamente adequadas ao seu desenvolvimento, tendo a avó e as tias assegurado os seus cuidados. 59. Carecendo da desejada supervisão, viria, na adolescência, a aprofundar relações de convivência de rua com pares de risco, em detrimento da frequência da escola (apenas concluiu o 6º ano) e da família, situação que viria a motivar a intervenção da família e da CPCPJ. 60. O arguido esteve cerca de um ano acolhido em equipamento social em Palmela – Questão de Equilíbrio. 61. Tendo saído deste contexto institucional onde não se adaptou, viria a ter apoio da família, ao ser enviado, aos 16 anos de idade, para o ..., para junto de uma tia, que o acolheu. 62. Ali, residiu cerca de sete anos, regressando, a espaços, nomeadamente nas férias, a Portugal. 63. O arguido teve dificuldade em se adaptar à vida no .... 64. Ali, estudou nos dois primeiros anos e permaneceria, depois, inativo, ocupando os seus tempos livres a jogar à bola e a conviver, procurando emprego sem sucesso. 65. Cerca dos 23 anos de idade, regressou a Portugal, contra o desejo da sua família, não tendo podido integrar o agregado da sua avó, doente de Alzheimer, passaria a residir no bairro do ..., arrendando quarto para o efeito. 66. Após regresso do ..., o arguido trabalhou durante um ano como empregado do …. 67. Frequentou curso de cabeleireiro do centro de emprego (que não chegou a concluir). 68. O arguido recorreu, a espaços, ao apoio de familiares, nomeadamente da tia residente na …. 69. EE viveu relacionamento amoroso com MM, entre os anos 2015 até 2022, tendo tido uma filha comum, NN, hoje com 6 anos de idade. 70. Entre os anos 2020 a 2022, no contexto do aprofundamento desta relação, optariam por viver em agregado próprio com a filha comum, na zona do …. 71. Separaram-se no final de 2022, alegadamente devido a conflitos derivados de dificuldades do próprio arguido em assumir um compromisso familiar mais sólido e abandonar as convivências sociais. 72. A sua companheira optou, depois, por regressar a casa da sua progenitora e o arguido por regressar ao bairro social do .... 73. O arguido, nos dois anos subsequentes, manteve um estilo de vida pouco estruturado, centrado em convívios com pares e na persecução de atividades recreativas. 74. No decurso das relações amorosas estabelecidas neste período, viria a ter mais dois filhos, de mulheres diferentes: OO (10 meses) e PP (1 ano de 2 meses), que viriam a nascer quando o arguido EE já estava preso. 75. No período anterior à presente prisão, o arguido viria a reaproximar-se e a reatar relacionamento amoroso com MM, sua companheira na presente data. 76. O arguido verbaliza pretender investir nesta relação, tendo intenção de voltar a emigrar para o ... com a companheira e com filha e de abrir o seu próprio salão. 77. MM verbaliza estar disposta em o apoiar no atual contexto, sendo sua única visita assídua em contexto prisional
4. Isto é, o Tribunal a quo considerou provado que…: Tendo, para o efeito, formado a sua convicção, apenas e só o depoimento do senhor BB.
5.Ora acontece que o Tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos no que respeita ao Recorrente, denotando uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova que lhe foi dada apreciar e que foi produzida em Audiência de Julgamento.
6. A prova junta aos Autos e produzida em Audiência de Julgamento jamais, no âmbito deste NUIPC, permitirá fundar um juízo condenatório do Recorrente.
7.Bem ao contrário disso, toda a prova caminha em sentido diametralmente oposto, na direcção de que, o Recorrente, nada teve a ver com a prática destes Ilícitos.
8.Certo é que, lançando mão de um raciocínio lógico, constata-se que da factualidade dada como provada e daquela considerada não provada, resulta claro que a fundamentação do Acórdão recorrido justifica, precisamente, uma decisão contrária àquela que foi proferida contra o Recorrente.
9.Daqui decorre que o mesmo, apreciou mal a matéria que lhe foi submetida julgar e encontra-se, por isso, inquinado de dois vícios que o afectam de morte e implicam que a sua Decisão tenha de ser rectificada e escrutinada por patamar Jurisdicional superior, a saber:
9.1 Insuficiência para a Decisão da Matéria de Facto Provada; e,
9.2 Erro Notório na Apreciação da Prova.
10. Como se referiu, o Tribunal a quo deu por provado, elencando desse modo no ponto 10 a 77 da factualidade provada, contraria a prova testemunhal e documental, apenas demonstra que foi feita apreciação da prova pelo tribunal de forma LIVRE mas tudo tem limites
11. Diga-se que nenhuma prova a este respeito foi produzida em Audiência de Julgamentos ou se encontra junta aos autos que permita sequer conjecturar acerca deste facto.
12. Da prova junta aos autos decorre que o Recorrente não disparou a arma ou armas que atingiram os ofendidos.
13. Decorre também que de toda a prova testemunhal produzida em Audiência em momento algum, no período referido, o Recorrente foi visto no local da prática dos factos. As testemunhas foram peremptórias a esse respeito a excepçao do senhor BB que prestou declarações para memoria futura alegando para tal factos que se vieram a comprovar não serem verdade
14. Relativamente ao facto de o Arguido ter sido ele o actor dessa conduta com o descrito propósito, não encontra fundamento em lado algum dos Autos nem da prova produzida no mesmo.
15. O contrário sim, bastaria para o efeito ter-se relevado, porque motivos inexistem para o inverso.
16. Como se infere do texto da motivação da decisão recorrida, não resulta, nem de um modo tácito ou expresso, que essa ordem tivesse efectivamente existido.
17. Pelo que não pode o Recorrente ser responsabilizado pelo que não conhece ou não fez.
18. Assim, e na medida em que a sua conduta não é susceptível de configurar os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de ilícito criminal em causa, entende-se por não verificado os mesmos, o que se extrai da leitura do texto da decisão recorrida, só de per si ou conjugado com as regras da experiência comum.
19. Donde resulta, com base nas razões acima aduzidas, que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta que os factos apurados são insuficientes para se decidir, tal qual se decidiu.
20. Razão pela qual os factos dados por provados não permitem, porque razoavelmente insuficientes, a imputação e aplicação das normas legais aplicadas ao caso sub júdice.
21. Para tanto, bastaria ter-se interpretado o que consta dos autos referentes às inter-cepções telefónicas efectuadas a todos os Arguidos, incluindo o Recorrente, para se atestar que o Recorrente nada teve que ver com estes Ilícitos.
22. Com efeito, e lançando mão das supra referidas transcrições das intercepções telefónicas utilizadas na fundamentação do Acórdão recorrido, o Tribunal a quo demonstra que não obstante as mesmas absolutamente nada demonstrarem, ainda assim, as utiliza num raciocínio ilógico que utilizou quer para condenar o Recorrente quer outros Arguidos.
23. E no que respeita a intercepções telefónicas nada mais diz o Acórdão recorrido, pois nada relevam para a apreciação do caso.
24. De tudo isto resulta, a bem de ver, que houve pela parte do Tribunal a quo uma omissão de pronúncia fundamentada sobre estes factos que deveriam ter sido apreciados como o senhor BB ter sido de novo baleado, não teria sido quem lhe tenha atingindo-o antes ?.- Nada foi ponderado.
25. Constata-se que o Tribunal a quo deixou de investigar matéria de facto com interesse para a decisão da causa.
26. Acresce que, a factualidade dada por provada no Acórdão recorrido foi feito à revelia da prova produzida em Audiência de Julgamento, prova que, diga-se, não consente, objetiva e subjectivamente, dar estes Ilícitos como praticados pelo Recorrente.
27. Calcorreada a Decisão recorrida verifica-se que existem elementos, que levariam a absolvição do arguido nos crimes de DANO e TRES TENTATIVAS DE HOMICIDIO
28. A factualidade dada por provada, que não se encontra inquinada, isolada ou em conjunto com aquela que não têm suporte probatório, é, manifestamente, insuficiente para a Decisão vertida no Acórdão condenatório.
29. E, como tal, traduz-se naquilo que a alínea a) do n.º 2 do Artigo 410.º do Código de Processo Penal denomina de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.”, e, desse modo, implica que o teor do Acórdão recorrido tenha necessariamente de ser revisto.
30. Pelo que, tal factualidade não pode deixar de se considerar incorrectamente jul-gada, nomeadamente, em face dos próprios meios de prova que se invocam na Decisão recorrida,
35. Acontece que, em primeiro lugar, das mencionadas escutas, não resulta provado a existência de qualquer autuação do recorrente, ou seja, combinação entre alguém com vista a tirar a vida de outrem.
36. Ademais, e em segundo lugar, é mencionado que os arguidos estavam juntos AA e EE, mas não é feita a prova sequer juntos naquela circunstância de tempo, modo e lugar.
37. Acresce que, em terceiro lugar, para que essa ordem fosse susceptível de ter relevância (na perspectiva lógica e da regras da experiencia comum), a mesma carecia de ser anterior ao facto ocorrido.
38. Pelo que, tal factualidade não pode deixar de se considerar incorrectamente julgada, nomeadamente, em face dos próprios meios de prova que se invocam na Decisão recorrida, não se transcreve o depoimento das testemunhas pois não FALAM sobre EE
39. Nestes termos, não existe qualquer meio de prova directo ou indirecto, produzido ou examinado em Audiência de Julgamento que permita dar por assente, para além de toda a dúvida razoável, que o arguido tenha atirado sobre qualquer Por conseguinte, não resultou dos autos nem da prova que foi produzida em Audiência de Julgamento, seja ela global ou individualmente considerada, que o Recorrente tivesse vigiado ou anunciado a chegada de quem quer que fosse nesse dia, menos ainda com os propósitos que lhe são imputados.
40. No entanto, a prova produzida em Audiência de Julgamento e toda aquela que se encontra junta a estes autos impunha uma decisão diversa daquela a que o Tribunal a quo chegou.
41. Deste modo, tal facto foi dado por provado em sentido contrário ao que a prova produzida impunha, contrariando, assim, as regras da lógica e da experiência comum.
42. De tudo isto, resulta que ocorreu uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova que foi submetida a apreciação do Tribunal a quo e que é demonstrativa de que no Acórdão recorrido se deram como provados factos que são inconciliáveis entre si.
43. Na verdade, o que se teve como provado está em manifesta desconformidade com o que realmente se provou.
44. Para além disso, as conclusões que o Tribunal a quo extraiu da matéria de facto considerada provada são ilógicas e inaceitáveis porque os factos provados e toda a prova que os suportam não permitem nem autorizam esse juízo.
45. Decorre da Decisão recorrida, seja por ela própria seja conjugada com o senso comum, que o Tribunal a quo violou, entre vários Princípios Processuais Penais e Constitucionais onde o Recorrente tem ancorado os seus Direitos, as regras da experiência e baseou-se em juízos ilógicos e arbitrários que fizeram com que tivesse desrespeitado as regras sobre o valor da prova.
46. O Acórdão recorrido apresenta uma patente desconformidade com a prova pro-duzida em Audiência de Julgamento e alinhou a sua Decisão contra tudo o que lá se provou.
47.Além disso, apresenta um vício de raciocínio na apreciação da prova que lhe foi submetida apreciar. Isto porque, em bom rigor, a prova produzida e junta aos Autos revela, ou permite extrair, um sentido e a Decisão retirou, consagrando no seu conteúdo, uma ilação contrária que acabou vertida nos factos dados por provados.
48.Deste modo, o Tribunal a quo, ao prolatar o Acórdão condenatório do Recorrente, nos termos e com os fundamentos em que o fez, violou também, entre outras normas que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, a alínea c) do N.º 2 do Arti-go 410.º do Código de Processo Penal.
49.A pena infligida ao Recorrente, quer as penas parcelares, quer a pena global, aplicada em cúmulo jurídico, é naturalmente desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que o caso de per si reclama.
50.O limite do necessário da Pena para assegurar a protecção as expectativas que a mesma comporta será encontrado de um modo mais justo e equitativo de molde a saciar por um lado o absolutamente imprescindível para realizar a necessidade de prevenção geral sob a forma de defesa da ordem jurídica, e por outro de modo a satisfazer as necessidades de prevenção especial.
51.Deste modo acreditamos que, outra pena, em concreto mais benévola, logo mais jus-ta, seria adequada a satisfazer as premissas de tutela acima indicadas, não se frustrando a justiça com isso, antes pelo contrário, sendo manifestamente a sua grande vencedora. Donde não se descortina a razão de ser de tão severa pena.
52.Razão pela qual, também neste campo, discordamos da dosimetria da pena aplicada, e pugnamos no essencial, por outra mais adequada aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama.
53. Pois o arguido esta a ser vitima de uma injustiça e por isso clama a justiça e que se aprecie a prova e não se faça juízos valorativos e que se aplique o IN DUBIO PRO REO
Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o Recorrente não praticou os 3 (três) Crimes de Homicidio Qualificado e Dano, em que foi condenado, como foi criada uma clara e razoável dúvida quanto a esses factos por que vinha acusado e em relação à sua Culpa nos mesmos, pelo que deve ser absolvido daqueles.
*
E recorreu o arguido AA, apresentando as seguintes conclusões:
1. Da matéria de facto assente como provada e não provada que decorre do texto do douto Acórdão em crise entendem os recorrentes que:
2. S. M. O., o Aresto recorrido padece de algumas inultrapassáveis e relevantes insuficiências quanto ao tratamento jurídico e valoração da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento.
3. O recorrente foi julgado e condenado por quatro crimes de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de detenção de arma proibida e um crime de dano, vindo, a final, a ser condenado, em cúmulo, na pena de 16 anos de prisão.
4. Incorreu, no entanto, o Douto Tribunal Colectivo, em Erro de Julgamento uma vez que a Decisão recorrida julgou incorrectamente provados os factos constantes nos art.ºs 1 a 6 e 9 (no segmento que refere “como pretendido por AA que se encontrava a poucos metros de distância daquele, por razões alheias à sua vontade” e 10 a 12, 14 a 17, 19 a 20 e 26 a 32 (nos segmentos que se referem a AA).
5. Isto porque, apesar de no Acórdão sob censura ser referido que a Decisão se sustentou na prova testemunhal e documental junta aos autos o que pressuporia uma corroboração entre estes dois meios de prova, certo é que, SMO, tal não se verifica.
6. De facto, o depoimento das testemunhas e a descrição que fazem dos factos, sendo certo que, na situação ocorrida no dia ... que se reporta a um tiro desferido sobre KK, a prova é indirecta e por ouvir dizer, o Tribunal avaliou os depoimentos como credíveis desconsiderando que a narrativa das testemunhas JJ e QQ contraria frontalmente as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
7. JJ, ouvida na sessão de julgamento do 2025-06-02, das 12:21:22 às 12:39:00, do minuto 00:00:15 ao minuto 00:05:35 vem dizer que o pai lhe terá dito que foi o arguido AA quem desferiu um tiro (embora não lhe explicasse a razão de tal ter acontecido), sustentando que está convencida ter sido o recorrente quem tirou a vida ao seu pai, numa clara atitude persecutória, reveladora de reserva mental, capaz de pôr em causa a credibilidade e veracidade do seu testemunho.
8. Aliás, nem se alcança por que razão KK teria “comunicado” à assistente quem teria sido o autor do disparo (sem adiantar as razões) quando esta nem sequer com ele vivia e pouco contactavam, conforme se alcança do depoimento gravado do minuto 00:15:22 ao minuto 00:16:37 e do minuto 00:17:09 ao minuto 00:17:22.
9. Resulta do depoimento da testemunha JJ que todo o seu discurso é direccionado para a incriminação do recorrente por estar convencida de que foi AA quem tirou a vida do seu pai, em momento posterior.
10. Não resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida que KK ocultasse tal informação à demais família com quem vivia (“seleccionando uma filha com quem não contactava regularmente).
11. De facto, KK nada disse à esposa de 30 anos, FF, (Ficheiro de origem: Diligência 1623-23.5PFAMD_2025-06-02_11-56-19), que ouvida das 11:56:19 às 12.21.00, do minuto 00:00:01 ao minuto 00:03:54 e do minuto 00:22:48 ao minuto 00:23:36 afirma que o ofendido esteve consigo, no dia do disparo, na casa de morada de família e este não indicou o nome da pessoa que o atingiu.
12. O mesmo aconteceu com os filhos com quem vivia, GG, HH e II, a quem KK não comunicou a identidade do autor do disparo sobre si perpetrado no dia ... de 2023.
13.GG, Ficheiro de origem: Diligência_1623-23.5PFAMD_2025-06-02_10-19-21, ouvido na sessão de julgamento do dia 02/06/2025, das 10:19:21 as 10:38:00, disse, do minuto 00:03:35 ao minuto 00:04:26 que o pai não identificou o atirador.
14.Também, HH, (Ficheiro de origem: Diligência_1623-23.5PFAMD_2025-06-02_10-53-11), que na sessão do dia 02/06/2025, ouvido das 10:53:11 às 11.01.00, referiu, do minuto 00:01:00 ao minuto 00:06:32 que o pai não o informou sobre a identidade do autor do tiro.
15. E, por fim, II, (Ficheiro de origem: Diligencia_1623-23.5PFAMD_2025-06-02_11-01-16), ouvido na sessão de julgamento do 02/06/2025 desde as 11:01:16 até às 11:11:00, esclarece, do minuto 00:03:06 ao minuto 00:06:55 que, apesar de ter falado com KK este nada referiu quanto ao autor do disparo.
16. Sendo certo que o arguido AA era o único que era conhecido no Bairro onde KK e a família residiam, não se mostra consentâneo com as regras da experiência comum e da normalidade da vida que o ofendido não tivesse transmitido à mulher com quem viveu trinta anos e os filhos, de quem era próximo, quem havia sido o autor do disparo e apenas o tivesse feito à filha com quem não vivia praticamente desde que esta nasceu.
17. Também não se mostra conforme às regras da experiência comum e da normalidade da vida que KK não tivesse identificado o autor dos disparos no momento em que foi Abordado pela PSP, ainda no hospital para onde foi transportado, conforme se alcança do teor do Auto de Notícia de fls. 3.
18. Atentos os princípios da imediação e oralidade, ouvindo as declarações supra indicadas da Assistente JJ, é facilmente perceptível que o seu discurso é persecutório, convencida, como demonstrou, de que foi o arguido/recorrente quem tirou a vida a KK, o que determina a falta de isenção e credibilidade do seu depoimento.
19. Aliás, tal postura e comportamento persecutório resulta, também, claramente, das declarações prestadas pela Testemunha QQ, (Ficheiro de origem: Diligencia_1623-23.5PFAMD_2025-06-26_10-13- 50), ouvida na sessão de 26/06/2025, das 10:13:50 às 10:55:00, que, num depoimento ensaiado e calculista, do minuto 00:00:00 ao minuto 00:02:18 começa logo por dizer que se sente intimidada, nitidamente com o objectivo de “incutir” sentimentos de “má vontade” contra o recorrente.
20. Esta testemunha, apesar de admitir que nem sequer estava em Portugal no dia ... e que também não regressou na sequência do disparo desferido contra KK (o que mal se compreende se a relação que disse com ele manter fosse verdadeira), do minuto 00:03:54 ao minuto 00:05:00 admite que foi um terceiro que lhe comunicou o sucedido e que “no Bairro toda a gente sabe” quem teria sido o autor do tiro.
21. Ora, é este convencimento decorrente de rumores que leva á manifesta construção do depoimento desta testemunha que, durante todas as declarações que prestou, deixou perpassar a ideia de que, convicta que está de que o autor da morte de KK era o recorrente, o que pretendia era alcançar uma qualquer punição.
22. E a falta de credibilidade desta testemunha é, ainda, visível na tentativa de explicação do motivo que poderia ter levado ao disparo, no dia .... A testemunha, do minuto 00:12:06 ao minuto 00:13:04 refere que KK lhe teria dito que tal se deveu a um furto de droga sem, contudo, indicar o dono do produto estupefaciente.
23. Ora, não corresponde àquela que é a normalidade da vida e do acontecer que alguém que indica o nome de quem o baleou e confessa um furto de droga “seccione” a informação e omita o “resto” da história, confiando só o segmento que se destina a imputar a responsabilidade do tiro ao recorrente.
24. Aliás, não tendo sido estabelecida qualquer relação entre o recorrente e o tráfico de produto estupefaciente, a testemunha QQ acaba por admitir que “sabe” ter sido o arguido quem foi contratado para recuperar a droga porque (minuto 00:13:46 do depoimento) toda a gente sabe.
25. Todas estas declarações prestadas com reserva mental, convencida que a morte de KK aconteceu às mãos do recorrente, como ficou claro, ao minuto 00:16:0, quando diz, referindo-se ao seu próprio filho “Mas acho que é… é normal ele estar da forma como ele está. O pai dele foi assassinado por essas duas criaturas que estão aqui atrás de mim.
26. E, ao minuto 00:23:44: Sim, sim, sim. As pessoas que estão nesse… no mundo do crime. Inclusive ele uma vez disse-me, se lhe acontecesse alguma coisa, para eu não… colaborar. Foi o que ele me disse. Mas eu estou aqui porque quero justiça, não quero que mais nenhuma outra família passe pelo que nós passámos. Essas… esses dois indivíduos, que para mim são dois sicários. Foram pagos para assassinar [falas sobrepostas]
27. O Tribunal, aquando da valoração das declarações de QQ, para além da reserva mental por ela demonstrada, não atendeu às discrepâncias e incongruências demonstradas que põem em causa, de forma manifesta, a credibilidade do que foi por esta dito.
28. O Tribunal não avaliou, como deveria, tais incongruências que descredibilizam o depoimento desta testemunha, mormente, as declarações por esta prestadas do minuto 00:28:02 ao minuto 00:39:56 em que, por um lado, diz que KK se envergonhava de ter praticado crimes e, por outro lado, lhe disse que havia roubado produto estupefaciente.
29. Também neste segmento do seu depoimento, a testemunha acaba por admitir que KK já havia sido ameaçado por outra pessoa que não o arguido/recorrente embora continue a dizer que foi AA quem, à queima roupa, desferiu um tiro no dito KK.
30. Ora, tal descrição contraria frontalmente o depoimento da testemunha RR ((Ficheiro de origem: Diligencia 1623-23.5PFAMD, ouvido na sessão de julgamento do dia 2025-06-26, das 09:58:01 às 10:13:40, do minuto 00:01:26 ao minuto 00:14:50), que refere que, na sequência da agressão, com arma de fogo, que KK sofreu, este lhe disse peremptoriamente que “passou um carro, e lhe deu um tiro” e que ”o tiro nem era para ele”.
31. O tribunal desconsiderou completamente o depoimento desta testemunha, amiga de KK, sendo das regras da experiência comum e da normalidade da vida que, não estando perante um desconhecido, na sequência de um acontecimento traumático, a vítima, espontaneamente, identifique o agressor a as circunstâncias da agressão.
32. Ora, a livre apreciação da prova pressupõe, pois, a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais.
33. Tendo a condenação do recorrente assentado somente em prova indirecta, a apreciação de tal prova importa especiais cautelas e deveria o Tribunal ter presente a presunção de inocência, o que, SMO, não aconteceu, porquanto, da prova produzida não resultou um forte juízo de certeza, atenta a posição processual e a postura das testemunhas JJ e QQ.
34. Atentas o exposto, mormente, a ausência de qualquer FACTO concreto (testemunha ocular, perícia ou apreensão da arma utilizada ou até declarações perante autoridade judiciária do próprio KK)
35. que sustentasse a prática do crime de homicídio na forma tentada, não poderia, pois, o Douto Acórdão em crise dar como provado os pontos 1 a 6 e 9 dos factos provados, impondo-se, pois, prolação de Decisão diversa, devendo o Colectivo apenas dar como assente que o vertido sob o n.ºs 1 a 6 e 9 integrariam o elenco dos factos não provados.
36. Ao não tê-lo feito, o Douto Tribunal “a quo” incorreu em Erro de Julgamento, o que expressamente se argui e que V. Exas., Venerandos Desembargadores suprirão.
37. O mesmo sucede no que tange aos factos dados como provados nos pontos 10 a 12, 14 a 17, 19 a 20 e 26 a 32 (nos segmentos que se referem a AA) do elenco dos factos provados, no que tange ao Erro de Julgamento, sendo que a prova produzida importa Decisão Diversa, passando tais factos a integrar o elenco dos factos não provados:
38. Comecemos por referir que o próprio Acórdão, no ponto 10 (in fine) dos factos provados, consigna que não existia qualquer “desavença” entre o recorrente e o ofendido BB.
39. Não foi feita qualquer prova de que o recorrente estivesse no local onde o ofendido BB foi baleado e, por consequência, no local onde também se encontravam os ofendidos CC e DD.
40. O Ofendido BB, Ficheiro de origem: Diligencia_1623-23.5PFAMD_2024-05-07_11-33-15, ouvido em Declarações para Memória Futura no dia 07/05/2024, desde as 1:33:15 até às 11.52.00, referiu peremptoriamente, do minuto 00:01:24 ao minuto 00:16:11 ao minuto 00:16:14 que não viu o recorrente no local.
41. Mais refere esta testemunha, (Ficheiro de origem: Diligencia_1623-23.5PFAMD_2024-05-07_12-12-57), em depoimento que prosseguiu no mesmo dia, a partir das 12:12:57 até às 12.35.00, do minuto 00:06:15 ao minuto 00:14:30 que apenas viu o arguido EE a disparar, a partir de um veículo, assumindo este outro arguido o lugar do “pendura”.
42. O ofendido nunca refere que o condutor, ou qualquer outro ocupante do carro, também disparou sobre si!
43. E a construção que o Tribunal faz, depois de concluir pela autoria do tiro que KK sofreu no dia ..., foi que, como as armas não andam de mão em mão, se foi o AA o autor do primeiro disparo também disparou contra BB, SS e CC.
44. Ora, uma vez mais e sem qualquer prova directa (desta vez com as testemunhas vivas e ouvidas em julgamento), o Tribunal conclui contrariando as regras da experiência comum e da normalidade da vida!
45. Ao contrário do que foi “percepcionado” pelo Tribunal de Julgamento, a verdade é que o ofendido BB não só não identifica o recorrente como explica que só viu uma arma na mão do arguido EE, sendo certo que não se conforma com as regras da experiência comum e da normalidade da vida que o condutor do veículo que transportava o “atirador” sobrepusesse a linha de tiro sobre este, correndo o risco de atingir quem disparava!
46. Para imputar a autoria destes 3 crimes ao recorrente, o Tribunal desconsiderou a normalidade do acontecer, mormente, que se a arma tivesse sido usada pelo recorrente para atingir KK (o que não se admite, conforme explanado supra), certamente o seu utilizador teria o maior interesse em “descartá-la”, entregando-a ou vendendo-a, por forma a não lhe ser apreendida no âmbito de uma investigação a esse crime!
47. Não tendo sido o arguido a disparar contra KK, também a arma que disparou contra os demais ofendidos não pode ser colocada “nas mãos” do recorrente.
48. Aliás, a arma utilizada nunca foi encontrada na posse de nenhum dos arguidos o que autoriza a convicção de que possa ter sido utilizada por terceiros que nada têm a ver com o arguido AA.
49. Como referido em sede de Motivação, o poder jurisdicional de livre apreciação da prova é um poder discricionário, mas não arbitrário, não se confunde com a mera impressão gerada no espírito dos julgadores pelos diversos meios de prova e aplica-se à apreciação da prova produzida e nunca à própria prova em si.
50. Em conformidade com tudo o supra alegado, devia o Tribunal apenas dar como assente que o vertido sob o n.ºs 10 a 12, 14 a 17, 19 a 20 e 26 a 32 do Acórdão, no segmento que se reporta ao recorrente, integrariam o elenco dos factos não provados, o que ora se requer seja corrigido por V. Exas, Venerandos Desembargadores.
51. Donde, e em consequência, e porque a prova produzida não é suficiente para sustentar e justificar a condenação do ora recorrente, por se mostrar violado o deposto no art.º 127º do CPP, deverá o arguido ter sido absolvido de todos os crimes. Sem conceder
52. Fazendo uso de toda a argumentação expendida em sede reexame da matéria de facto dada como provada, deveria ter criado no Douto Tribunal a dúvida quanto à participação do arguido nos factos.
53. O Principio do in dúbio pro reo pode ser aplicado, enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art.º 127.º do CPP.
54. Assim, o tribunal deveria razoavelmente ter permanecido em dúvida quanto à verificação dos factos que deu como provados.
55. SMO, do nosso ponto de vista, tal dúvida é insanável e impossível de remover pelos meios de prova valorados em audiência ou por outros de que ainda pudesse lançar mão, com vista a remover tais dúvidas ou a atingir a plena e justificada convicção de que tais dúvidas eram definitivamente inultrapassáveis.
56. Ao assim não entender, e demonstrando-se a existência de dúvidas, como se demonstrou, tal deveria ter beneficiado o arguido o que não aconteceu, mostrando-se, assim violado o princípio do in dúbio pro reo.
57. Assim, e nesta confluência, não restará a V. Exas., Venerandos Desembargadores, senão concluir pela violação do princípio do in dúbio pro reo e concluir, também, pela existência de dúvida razoável de que o arguido terá praticado os factos por que foi condenado, tendo, por isso que ser absolvido. Sem conceder
58. A manterem-se os factos dados como provados de 1 a 6 e 9, resulta demonstrado que o recorrente não agiu com dolo de homicídio, porquanto, se actuou à queima-roupa, como é referido no Aresto sob censura, não matou o ofendido KK porque não quis, porque não era essa a sua intenção.
59. De facto, o disparo visou a parte superior da perna do ofendido KK e não uma zona letal, como seja a cabeça ou o tórax onde se alojam órgãos vitais, nomeadamente, o coração.
60. Foi disparado um único tiro, sendo certo que, se a intenção fosse matar, teriam sido disparados vários projécteis por forma a que não houvesse dúvidas de que o resultado morte seria produzido.
61. A vítima não sofreu dano permanente ou irreversível tanto mais que abandonou a unidade hospitalar onde foi assistido por sua iniciativa e, no dia seguinte, já passeava num Centro Comercial sem que a lesão fosse impeditiva de fazer a sua vida normal.
62. A manterem-se tais factos como provados, estes devem ser subsumidos um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, p. e p. pelos arts. 144º al. b), 145º nº 1 al. c) e nº 2, e art.º 132º nº 2 al. h), todos do Código Penal, com todas as consequências legais daí adveniente, mormente, no que tange à determinação da medida concreta da pena, reduzindo-a, o que ora se requer. Caso assim se não entenda
63. O quadro acima descrito em matéria de culpa, reflectir-se-á, necessariamente na determinação da medida concreta da pena e modo de execução dessa mesma pena.
64. A aplicação de penas, conforme dispõe o art.º 40º do CP, visa não só a protecção de bens jurídicos mas também a reintegração do agente na sociedade, o que não se demonstrou não ser possível, até pela ausência de Relatório Social, certo que o tribunal não cuidou de ordenar a sua elaboração, sendo também certo que o silêncio dos arguidos não os pode desfavorecer.
65. O Douto Tribunal não levou em consideração como deveria que, a manter-se a condenação nos seus exactos termos – o que não podemos admitir- tal compromete irremediavelmente a reintegração e reabilitação do recorrente.
66. É certo que o arguido tem antecedentes criminais mas os factos que levaram à sua prévia condenação ocorreram há mais de 11 anos, sendo que, se reportam a crimes de roubo.
67. As penas aplicadas foram excessivas e o cúmulo realizado foi manifestamente exagerado.
68. Atento o exposto, o Douto Tribunal teria de ter fixado penas parcelares de um três anos por cada por cada um dos crimes de homicídio na forma tentada, um ano para a detenção de arma proibida e pena de multa para o crime de dano e, a final, numa pena única substancialmente mais baixa.
69. Tendo por base o supra alegado, a manter-se a condenação do arguido, as penas a aplicar deverão ser fixadas nos seus limites mínimos, o que ora ser requer.
70. Mostram-se assim, no total, violados os art.ºs 40º, 70º, 71º, 347, n.º 2 do CP e 127º e, ocorrendo errada interpretação da matéria de facto, o 365º e segs. do CPP.
71. Afastada que fosse a violação destes normativos o Douto Acórdão Decidiria conforme ora se peticiona.
*
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
Relativamente a EE:
1.O Recorrente EE foi condenado pela prática (…)
2. De acordo com o disposto no art.º 410.º, n.º 2 do CPP, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. Em qualquer das referidas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos estranhos àquela para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo, 2ª ed., pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e seguintes).
4. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão.
5. No que respeita ao erro notório na apreciação da prova, tal vício verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
6. Analisadas as conclusões e a respectiva motivação, afigura-se-nos que o Recorrente incorre numa confusão muito frequente ao confundir o âmbito dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2 do CPP, com o recurso versando a matéria de facto, isto é, com o chamado erro de julgamento, pois o que o Recorrente questiona é o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida, ou seja, o uso que o tribunal recorrido fez do princípio da livre apreciação da prova.
7. Existe erro de julgamento “quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que tivesse sido feita prova do mesmo e como tal deveria ter sido considerado como não provado; ou quando se dá como não provado um facto, que em face da prova produzida, deveria antes ter sido considerado provado”.
8. A divergência entre o que na sentença se deu como provado e aquilo que deveria ter sido dado como provado traduz erro de julgamento da matéria de facto, sindicável pelo tribunal superior se tiver havido documentação da prova produzida em audiência e o recorrente interessado na respectiva impugnação observar, em sede de recurso, o que dispõe o art.º 412.º do CPP
9. A arguição deste vício nos termos legalmente previstos desencadeia a reapreciação da matéria de facto à luz da prova produzida em audiência e pode conduzir à alteração da factualidade provada.
10. Já a arguição dos vícios previstos no art.º 410.º pressupõe que estes resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, portanto, sem recurso à reapreciação da prova produzida em audiência, não permitindo sindicar a matéria de facto nos termos amplos em que o consente a invocação de erro de julgamento mediante impugnação da matéria de facto provada, e conduzirá, normalmente, ao reenvio do processo para novo julgamento, total ou parcial.
11. O erro de julgamento, situando-se no âmbito da impugnação ampla (e já não da revista alargada, referente aos vícios da sentença elencados nas alíneas do nº 2 do 410.º do CPP) da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do art.º 412.º do mesmo diploma legal, nos quais é expressamente estabelecido:
“3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
12. No vertente caso constata-se que o Recorrente não deu cumprimento a tais exigências para que o tribunal ad quem possa vir sindicar a matéria de facto fixada na primeira instância, não indicando qualquer passagem do respectivo depoimento em que se funda a impugnação, quer no texto da motivação quer nas conclusões apresentadas, pelo que não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação.
13. (…)
14.(…)
16. Pelo que, perante a falta de concretização dos factos fixados pelo tribunal a quo e que o recorrente poderia considerar como não provados, coarctada ficou a possibilidade do tribunal ad quem sindicar a matéria de facto que foi fixada pelo tribunal a quo, matéria essa que, assim, se tem que dar por assente.
17. No entanto, sempre se dirá que vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do Código de Processo Penal, de acordo com o qual as provas são apreciadas pelo julgador segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção, não uma convicção subjetiva, baseada em impressões ou conjeturas de difícil objetivação, mas uma convicção racional e crítica, baseada nas regras da experiência comum, da lógica e nos critérios da normalidade da vida.
18. Também não se pode esquecer que o julgador pode recorrer a presunções naturais ou hominis no processo de formação da sua convicção, uma vez que se trata de um meio de prova admitido na lei (cfr. art.º 125.º do CPP), sendo que de acordo com o disposto no art.º 349.º Código Civil, presunções são as ilações que a lei ou julgador extrai de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido. Consistem, pois, em raciocínios lógico-dedutivos, ou demonstrativos, que o julgador elabora, a partir da prova indiciária, para alcançar a verificação dos “factos juridicamente relevantes”. Está consolidado o entendimento de que, para a prova dos factos em processo penal, é perfeitamente legítimo o recurso à prova indirecta (Cfr., entre muitos outros, os acórdãos do TRP, de 28.01.2009, do TRC, de 30.03.2010 e do STJ, de 11.07.2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt), também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial.
19. No vertente caso, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento e da prova documental e pericial constante dos autos, devidamente conjugada com as regras da experiência comum.
20. Sendo que o Recorrente fez uso do seu direito ao silêncio.
21. Não se compreende a afirmação do Recorrente de que as declarações prestadas pelo ofendido BB em declarações para memória futura constituem “prova indirecta e desprovida de qualquer base de credibilidade”, pois foram, desde logo, prestadas pela própria vítima.
22. De facto, prova indirecta (lógica, por presunção ou por indícios) consiste em dar como provado um facto sem que sobre ele exista qualquer meio (direto) de prova, chegando-se ao factum probandum a partir da prova de outros factos que a ele se ligam com segurança, segundo as regras da lógica e da experiência comum (neste sentido vd. Acórdão do TRE, de 12.01.2021, disponível em www.dgsi.pt).
23. Para além de que as referidas declarações, prestadas nos termos do art.º 271.º, do CPP, constituem prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos arts.º 355.º e 356.º, n.º 2, al. a), do mesmo Código (neste sentido vd. Acórdão do STJ, de 11.10.2017, disponível em www.dgsi.pt).
24. Verifica-se assim que, no caso em apreço, a motivação de facto revela uma avaliação objectiva, racional e ajuizada do conjunto da prova produzida.
25. Pelo que o tribunal ponderou todas as provas, segundo critérios de objectividade e à luz das regras da experiência comum e da normalidade, no pleno uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do Código Processo Penal.
26. Ora, tendo em conta o alegado pelo Recorrente na motivação e conclusões do recurso, constata-se, desde logo, que o mesmo ignora, em absoluto, a explicitação do raciocínio lógico do tribunal a quo contida na motivação do acórdão recorrido, sendo que a alegação do Recorrente traduz a seu pessoal e subjectiva valoração da prova produzida.
27. Não existindo razões para afastar o raciocínio lógico do tribunal a quo.
28. Consequentemente, o acórdão recorrido não padece dos vícios invocados pelo Recorrente.
29. O Recorrente confunde a situação que lhe foi imputada e ocorrida no dia 11.01.2024 com a situação imputada exclusivamente ao coarguido AA, designadamente sobre a pessoa da vítima KK.
30. Pois não resulta dos autos que o ofendido BB tivesse sido baleado em momento anterior ao do dia 11.01.2024.
31. No caso dos autos, basta uma simples leitura da Motivação da Decisão de Facto para se concluir que o tribunal a quo se pronunciou sobre todas as questões que devesse apreciar. 32. Pelo que o acórdão recorrido não padece de qualquer nulidade, designadamente por falta de pronuncia.
33. ↪ O crime de homicídio agravado na forma tentada, é punível com pena de 2 anos,1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias de prisão;
↪ O crime de dano é punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias; e ↪ O crime de detenção de arma proibida, é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
↪ O crime de tráfico de menor gravidade é punível com pena de prisão, de 1 a 5 anos.
34. Com relevância para a determinação da medida da pena há a considerar que:
▪ não se verificam causas de exclusão da ilicitude ou da culpa e inexistem obstáculos à punibilidade;
▪ são muito elevadas as necessidades de prevenção geral positiva;
▪ bem como as necessidades de prevenção especial, tendo em consideração que a conduta levada a cabo causa elevado alarme social e revela sentimentos de elevada antissociabilidade;
▪ é extremamente elevado o grau de ilicitude, tendo em consideração o uso de arma de fogo;
▪ agiu com dolo directo, logo bastante intenso;
▪ o facto de não ter mostrado arrependimento, demonstrando desprezo pelo bem jurídico mais valioso protegido por lei – a vida;
▪ que o Recorrente não regista antecedentes criminais.
35. Ponderando todos estes factores, entendeu o tribunal a quo por adequada aplicar:
A pena de: ▪ de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um dos 3 crimes de homicídio agravado, na forma tentada;
▪ de 9 (nove) meses de prisão pela prática, (em 11 de janeiro de 2024), de um crime de dano;
▪ de 2 (dois) anos de prisão por cada um dos dois crimes de detenção de arma proibida; e
▪ de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
36. E, em cúmulo destas penas, a pena única de 14 anos de prisão.
37. Pena que se revela inteiramente justa, equilibrada e não merece reparo, mostrando-se conforme aos parâmetros gerais e concretos de fixação, segundo os art.ºs 40.º e 71.º, respectivamente, do CP.
38. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.
39. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.
E apresentou resposta ao recurso de AA, concluindo nos seguintes termos:
1. Por Acórdão proferido no âmbito dos presentes autos foi o Recorrente AA condenado pela prática (…):
2. Estatui o artigo 129.º, n.º 1, do Código de Processo Penal “Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.”.
3. (..)
4. O que o legislador exige é que a testemunha-fonte seja chamada a depor (exceto nos casos de morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada), não exige que o depoimento desta seja efetivamente prestado, nem que esse depoimento de algum modo confirme o depoimento indireto. O que o legislador exige é que o juiz, por imperativo do princípio da imediação, faça o que está ao seu alcance para confrontar o depoimento indireto com o da testemunha-fonte, mas não que tal confronto ocorra efetivamente, o que já não dependerá do juiz e dependerá de outras contingências que serão alheias às necessidades de busca da verdade material. Estas necessidades de busca da verdade material não são, na ótica do legislador, em absoluto sacrificadas ao princípio da imediação
5. Não se trata de alargar, seguindo esta outra interpretação, o campo de aplicação da norma excecional que permite a valoração do depoimento indireto. Trata-se de nos cingirmos à própria letra do artigo 129.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sem ir além dela, sem exigir o que ela não exige (neste sentido vd. Ac. TRP, de 25.05.2022, disponível em www.dgsi.pt).
6. Ora, se não se exige que, uma vez chamada a depor a testemunha-fonte, as suas declarações sejam coincidentes com o declarado pela testemunha que fez o depoimento indirecto, por maioria de razão, quando a testemunha-fonte já faleceu, o seu depoimento terá de ser considerado válido e apreciado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
7. Efectivamente, há que realçar que vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do Código de Processo Penal, de acordo com o qual as provas são apreciadas pelo julgador segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção, não uma convicção subjetiva, baseada em impressões ou conjeturas de difícil objetivação, mas uma convicção racional e crítica, baseada nas regras da experiência comum, da lógica e nos critérios da normalidade da vida.
8. Também não se pode esquecer que o julgador pode recorrer a presunções naturais ou hominis no processo de formação da sua convicção, uma vez que se trata de um meio de prova admitido na lei (cf. art.º 125.º do Código de Processo Penal), sendo que de acordo com o disposto no art.º 349.º Código Civil, presunções são as ilações que a lei ou julgador extrai de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido. Consistem, pois, em raciocínios lógico-dedutivos, ou demonstrativos, que o julgador elabora, a partir da prova indiciária, para alcançar a verificação dos “factos juridicamente relevantes”.
Está consolidado o entendimento de que, para a prova dos factos em processo penal, é perfeitamente legítimo o recurso à prova indirecta (Cfr., entre muitos outros, os acórdãos do TRP, 18.03.2015, e 27.11.2024, do TRC, de 30.03.2010 e do STJ, de 11.07.2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt), também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial.
9. Quer a prova directa, quer a prova indirecta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum: pela primeira via ou método, “a percepção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal”, ao passo que na segunda “a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, 79).
10. No vertente caso, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento e da prova documental e pericial constante dos autos, devidamente conjugada com as regras da experiência comum.
11. De facto, pretendendo descredibilizar o depoimento de QQ e as declarações prestadas por JJ, o Recorrente afirma que estas tiveram “uma atitude manifestamente persecutória e sede de vingança”. Porém, não explicou cabalmente os motivos que o levaram a tal afirmação.
12. Dando-se por reproduzidas as transcrições efectuadas pelo próprio Recorrente temos que dos depoimentos de FF, mulher da vítima KK e dos seus filhos GG, HH e II resulta que este não teria grande intimidade com eles, ao ponto de lhes relatar factos relacionados com a sua vida “mais obscura”.
13. Efectivamente, para além da vítima - ao contrário do por eles alegados -, não viver/coabitar com eles habitualmente, indo a casa, casualmente, de madrugada, estes também não sabiam a razão pela qual KK havia estado preso, nem tão pouco que tinha furtado produto estupefaciente ao seu proprietário, razão que estará na origem da sua morte.
14. Nem, tão pouco, se tinham apercebido que a vítima tinha sido alvejada.
15. Porém, tudo leva a crer que, em relação à Assistente JJ, igualmente sua filha e a QQ, sua namorada/companheira à data dos factos, este relataria as suas preocupações e os acontecimentos, mais e menos felizes, ocorridos na sua vida.
16. Pelo que não é de estranhar que lhes tivesse confidenciado quem tinha sido o autor dos disparos de que foi vítima no dia ... de 2023.
17. Tanto mais que sendo do conhecimento destas que o Recorrente era – aparentemente – seu amigo, se aquele não o tivesse confidenciado, nunca aquelas teriam desconfiado dele e nunca se teria descoberto a autoria dos disparos.
18. Por outro lado, tendo a vítima acabado de ter sido vítima de tais disparos, com as consequentes dores e estado de estupefação, não é de estranhar que não tivesse relatado à testemunha RR quem tinha sido o autor dos mesmos. E, se calhar, nem lhe foi colocada a questão.
19. Assim como não é de estranhar que a vítima não tivesse identificado o autor dos disparos à testemunha TT, Agente da PSP. Pois se os motivos dos disparos estavam relacionados com factos ilícitos por si praticados – subtracção de produto estupefaciente – e tendo já sofrido pena de prisão efectiva, era normal ir relatar ao Agente da PSP quem tinha sido o autor e as razões de o ter feito?
20. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, tais comportamentos/omissões são consentâneos com as regras da experiência comum.
21. Face ao exposto, verifica-se que a argumentação avançada pelo Recorrente (ao contrário do por si afirmado) mais não traduz do que a sua discordância relativamente à avaliação que o tribunal a quo fez da prova produzida, valoração esta, porém devidamente fundamentada, e olvidando que a convicção do tribunal é a do julgador e não a das partes.
22. Por outro lado, verifica-se que as conclusões a que o Tribunal a quo chegou relativamente à situação ocorrida com a vítima BB são igualmente consentâneas com as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
23. As provas não podem ser apreciadas uma a uma, isoladamente, de forma segmentada, devendo ser analisadas e valoradas concatenadamente, conjugando-as e estabelecendo correlações internas entre elas, confrontando-as de forma a que, ainda que de sinal contrário, daí resulte uma decisão linear, fazendo inferências ou deduções de factos conhecidos desde que tal se justifique e tendo sempre presentes as regras da lógica e as máximas da experiência.
24. Ora, no caso em apreço, a motivação de facto revela uma avaliação objectiva, racional e ajuizada do conjunto da prova produzida.
25. Mostra-se estruturada a partir da análise das declarações prestadas pelo ofendido BB, conjugadas com os depoimentos das testemunhas UU, VV, WW, concatenadas com a documentação clínica junta a fls. 20 a 24 e 129 e 131 a 134 e 135 a 141, com o teor de fls. 46, 107 e 108 do NUIPC 32/24.3PALSB, anexo aos autos principais (de onde resulta que foram recuperadas 5 cápsulas deflagradas, além de outras peças como fragmentos de blindagem, uma camisa metálica, projéteis deformados e chumbo (num total de mais 5 vestígios balísticos), com o exame pericial com o n.º ...-CBA, junto a fls. 109 do apenso (que permite compreender que foram disparadas duas armas diferentes, o que corrobora o depoimento que veio a ser prestado por BB), com o relatório pericial de fls. 67 e ss., do apenso 32/24.3PALSB, em particular a documentação da trajetória provável das munições, considerando os orifícios de entrada na carroçaria da viatura, que não deixa dúvidas sobre a dinâmica de atuação, que se identifica com o depoimento de BB e das outras duas vítimas, com as declarações de XX, especialista em balística da Polícia Científica, que declarou em audiência que foram examinados invólucros de munições de 9 mm Parabella, tendo sido estabelecida correlação entre cinco invólucros deste processo e outros dois processos distintos (a análise balística confirmou a utilização da mesma arma em diferentes ocorrências, incluindo o disparo que vitimou KK em ...), com o aditamento de fls. 778 (que estabelece, com segurança, a ligação entre este invólucro e outro invólucro disparado pela mesma arma. Ali, com base em procedimentos de comparações microscópicas permite-se concluir que aquela peça de munição foi deflagrada na mesma arma responsável pela deflagração do invólucro, descrito no âmbito do Exame Pericial n.° ...-CBA (NUIPC 561/23.6PXLSB), a análise dos aparelhões de telemóvel, com as vigilâncias feitas pela Policia Judiciária (de fls. 660), relacionando uns e outros elementos de prova.
26. Assim, estabelecida a ligação entre os arguidos EE e AA e atentos todos os elementos constantes da motivação do acórdão recorrido, permitiu concluir que foi o Recorrente quem manipulou e disparou, a partir do Mini, tal como se deu por assente, um das pistolas de 9 mm que abriram fogo sobre BB, DD e CC.
27. Pelo que o tribunal ficou com a certeza de que foram os dois arguidos quem, juntos, em articulação de esforços e intentos, munido cada um de uma arma de calibre 9 mm, abriram fogo sobre o carro de BB, tentando matá-lo. Indiferentes a que, assim, poderiam causar, necessariamente, também, a morte dos outros dois passageiros.
28. Mostrando-se, assim, demonstrada a dinâmica dos factos conforme provado de 10 a 20.
29. Face ao exposto, há que concluir que o tribunal ponderou todas as provas, segundo critérios de objectividade e à luz das regras da experiência comum e da normalidade, no pleno uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal.
30. Ora, tendo em conta o alegado pelo Recorrente na motivação e conclusões do recurso, constata-se, desde logo, que o mesmo ignora, em absoluto, a explicitação do raciocínio lógico do tribunal a quo contida na motivação do acórdão recorrido, sendo que a alegação do recorrente traduz a sua pessoal e subjectiva valoração da prova produzida.
31. Não existindo razões para afastar o raciocínio lógico do tribunal a quo.
32. De salientar, ainda, que a prova indicada pelo Recorrente não impõe decisão diversa da tomada no acórdão recorrido.
33. Consequentemente, o acórdão recorrido não padece do vício de erro de julgamento, que não se confunde com o problema da livre convicção do tribunal na apreciação das provas a tal sujeitas ou com o da errada ou insuficiente apreciação do valor delas.
34. No caso em apreço, a prova foi apreciada segundo as regras do art.º 127.º do CPP, com respeito pelos limites ali impostos à livre convicção, não só de motivação objectiva segundo as regras da vida e da experiência, e sem que se vislumbre que na apreciação da prova o tribunal tenha incorrido em qualquer erro lógico, grosseiro ou ostensivo.
35. Resulta claro, em face do que o tribunal a quo deixou extravasado no acórdão, que logrou convencer-se da verdade dos factos, que deu como provados “para além de toda a dúvida razoável”.
36. A decisão em apreço baseia-se num juízo de certeza, não em qualquer juízo dubitativo.
37. Pelo que não tem base de sustentação a imputação de violação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo como pretende o recorrente.
38. Consta da factualidade dada como provada no ponto que “Nessa ocasião, quando o arguido AA avistou KK aproximou-se dele e empunhado aquela arma de fogo municiada com munições de calibre 9 mm, efetuou um disparo, em direção ao corpo do mesmo, que o atingiu junto dos órgãos genitais e no membro inferior direito”.
39. E da factualidade dada como provada no ponto 9 que “Tais disparos apenas não lograram retirar a vida do ofendido KK, como pretendido por AA que se encontrava a poucos metros de distância daquele, por razões alheias à sua vontade e dada a rápida deslocação do ofendido ao Hospital, para receber tratamento médico.”.
40. Temos assim que, como se refere no acórdão recorrido “o Recorrente, com intenção de matar KK, planeou e executou um ataque com uma pistola de calibre 9mm, disparando contra a vítima e causando-lhe ferimentos graves. A morte não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade.
41. Ou seja, o Recorrente encetou atos idóneos a produzir o resultado típico, pois que inicia, com a sua conduta voluntária, orientada para a produção da morte do ofendido, um processo causal que não se completa com a produção daquele evento por motivos alheios à sua vontade.
42. A curta distância a que estes disparos são feitos da vítima e a eleição de pistola de calibre 9 mm (reservada às forças militares e paramilitares) bem como a zona atingida eram de molde a causar-lhe perfuração de órgão ou artéria complexa e vital, o que iniciaria um processo causal inevitavelmente conducente à sua morte. Morte que também teria ocorrido caso a vítima não fosse conduzida ao hospital para estancar a hemorragia.”.
43. Resulta daqui a intenção de matar, com dolo directo.
44. Pelo que bem andou o tribunal a quo ao condená-lo pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos arts.º 22.º, 23.º, 73.º, nº 1 a) e b), 75.º, 76.º e 131.º, todos do Código Penal e art.º 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
45. No caso dos autos,
▪ O crime de homicídio agravado na forma tentada, é punível com pena de 2 anos, 1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias de prisão;
▪ O crime de dano é punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias; e ↪ O crime de detenção de arma proibida, é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
46.Com relevância para a determinação da medida da pena há a considerar que:
▪ não se verificam causas de exclusão da ilicitude ou da culpa e inexistem obstáculos à punibilidade;
▪ são muito elevadas as necessidades de prevenção geral positiva;
▪ bem como as necessidades de prevenção especial, tendo em consideração que o Recorrente já havia cumprido pena de prisão efectiva, que não lhe serviu como suficiente advertência contra o crime, tendo inclusivamente praticado os factos em causa no período em que se encontrava sujeito ao regime probatório da liberdade condicional;
▪ é extremamente elevado o grau de ilicitude, tendo em consideração o uso de arma
de fogo;
▪ agiu com dolo directo, logo bastante intenso;
▪ se encontra familiar e socialmente inserido;
▪ o facto de não ter mostrado arrependimento, demonstrando desprezo pelo bem jurídico mais valioso protegido por lei – a vida.
47. Ponderando todos estes factores, entendeu o tribunal a quo por adequada aplicar:
A pena de:
▪ de 9 (nove) anos de prisão pela prática, (na madrugada de ... de
2023), de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos
artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b), 75º, 76º e 131º, todos do Código Penal e artigo 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro,;
▪ de 9 (nove) anos de prisão pela prática, (em 11 de janeiro de 2024), de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b), 75º, 76º e 131.º, todos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (perpetrado contra BB);
▪ de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, (em 11 de janeiro de 2024), de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b), 75º, 76º e 131.º, todos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (perpetrado contra CC);
◾ de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, (em 11 de janeiro de 2024), de um crime de homicídio agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º, 73º, nº 1 a) e b), 75º, 76º e 131.º, todos do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (perpetrado contra DD);
▪ de 1 (um) ano de prisão pela prática, (em 11 de janeiro de 2024), de um crime de dano, previsto e punível pelos artigos 75º, 76º e 212º, n.º 1 do Código Penal;
▪ de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão pela prática, (na madrugada de ... de 2023 e em 11 de janeiro de 2024), de dois crimes de detenção de arma proibida, previstos e puníveis pelos artigos 75º e 76º, do Código Penal e 86º, nº 1 c) e e) e nº 2, do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
48. E, em cúmulo destas penas, a pena única de 16 anos de prisão.
49. Pena que se revela inteiramente justa, equilibrada e não merece reparo, mostrando-se conforme aos parâmetros gerais e concretos de fixação, segundo os art.ºs 40.º e 71.º, respectivamente, do CP.
50. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.
51. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.
Consequentemente, deve o Acórdão recorrido ser confirmado.
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Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer concordando com os fundamentos das respostas do Ministério Público junto da primeira instância, no sentido de que os recursos devem ser julgados improcedentes.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
*
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir. Objeto do recurso:
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
1. Recurso de AA
A- Erro de julgamento;
B- Aplicação do princípio in dubio pro reo, ou, caso assim não se entenda,
C- Erro na subsunção dos factos ao direito, no que tange à tentativa de homicídio perpetrada sobre KK, condenando-o pelo crime de ofensas à integridade física qualificadas, com todas as legais consequências
D- Medida da pena com redução substancial das medidas das penas parcelares para perto do seu limite mínimo, reformulando o cúmulo por via da requerida redução.
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2. Recurso de EE:
A – Insuficiência da prova para a matéria de facto provada – art.º 410.º, n.º 2, al. a) do CPP;
B – Erro notório na apreciação da prova – art.º 410.º, n.º 2, al. c) do CPP;
C – Omissão de pronúncia;
D – Da medida da pena.
* DO ACORDÃO RECORRIDO
Do acórdão recorrido consta a seguinte matéria de facto provada: «1. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia … de 2023, o arguido AA elaborou um plano com vista a tirar a vida de KK. 2. Na execução do plano previamente delineado, o arguido AA muniu-se de pistola de calibre 9mm, arma de fogo com demais características não apuradas, e tomou a resolução de abordar KK, nas imediações da residência do mesmo, sita na … 3. Assim, na execução do referido plano, no dia … de 2023, pelas 00h20m, o arguido AA deslocou-se num veículo com matrícula … de marca e modelo não concretamente apurados, à …, munido da referida arma de fogo, onde aguardou pela chegada de KK. 4. Nessa ocasião, quando o arguido AA avistou KK aproximou-se dele e empunhado aquela arma de fogo municiada com munições de calibre 9 mm, efetuou um disparo, em direção ao corpo do mesmo, que o atingiu junto dos órgãos genitais e no membro inferior direito. 5. Em consequência do disparo efetuado pelo arguido AA, KK sofreu ferimentos, nomeadamente, na região da virilha e no membro inferior direito. 6. Em seguida, o arguido AA abandonou aquele local em fuga no veículo em que se fez transportar. 7. Em virtude dos ferimentos sofridos, KK foi assistido no Hospital …, onde recebeu tratamento médico e para onde foi transportado por RR e YY, que acorreram ao local. 8. Mais, sofreu o ofendido KK uma hemorragia ativa e dor severa, tendo sido atendido como doente com prioridade de “muito urgente”. 9. Tais disparos apenas não lograram retirar a vida do ofendido KK, como pretendido por AA que se encontrava a poucos metros de distância daquele, por razões alheias à sua vontade e dada a rápida deslocação do ofendido ao Hospital, para receber tratamento médico. (NUIPC 32/24.3PALSB) 10. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia … de 2024, os arguidos AA e EE, elaboraram um plano com vista a tirar a vida a BB, com quem este último se encontrava desavindo. 11. Para o efeito, os arguidos AA e EE muniram-se de duas armas de fogo de características não apuradas e aptas a disparar munições de calibre de 9 mm e combinaram surpreender BB, quando este se encontrasse no interior do seu veículo. 12. Na execução do referido plano e em comunhão de esforços, na madrugada do dia …de 2024, os arguidos aperceberam-se que BB se deslocava no seu veículo de matrícula AJ-..-VI, na companhia de CC e de DD, e seguiram-no. 13. BB encontrava-se no lugar do condutor, DD no lugar do pendura, e CC no banco traseiro do lado direito. 14. Pelas 1h00m do dia … de 2024, quando BB parqueou o referido veículo junto ao nº … da Rua 1, em ..., os arguidos AA e EE posicionaram o veículo no qual se faziam transportar de características não apuradas e com matrícula …, ao lado da do veículo de BB. 15. Nesse instante, enquanto o arguido AA permanecia na posição de condutor e o arguido EE do lado do passageiro, os mesmos, munidos das referidas armas de fogo, abriram o vidro do lado do passageiro. 16. Ato contínuo, os arguidos EE e AA empunhando as referidas armas de fogo efetuaram um número não concretamente determinado de disparos, mas não inferior a 7, para o interior do veículo conduzido por BB, que o atingiram, nomeadamente, na face e no membro superior esquerdo. 17. Como consequência direta dos disparos efetuados pelos arguidos AA e EE, BB sofreu ferimentos, nomeadamente, na face e no membro superior esquerdo. 18. Tais disparos apenas não lograram retirar a vida de BB, CC e DD, apesar de serem efetuados disparos a pouca distância, porque os ofendidos se baixaram, protegendo-se. 19. Ao efetuarem os disparos com as armas de fogo, os arguidos AA e EE atingiram, igualmente, o veículo de matrícula AJ-..-VI, propriedade de BB, que passou a ostentar, entre o mais, várias marcas de perfurações nas portas dianteira e traseira do lado esquerdo nos estofos dos bancos dianteiro e traseiro, tendo ainda ficado com os vidros das respetivas portas partidos. 20. Em seguida, os arguidos AA e EE abandonaram aquele local em fuga. 21. Em virtude dos ferimentos sofridos, o ofendido BB foi assistido no Hospital de …, para onde se dirigiu acompanhado de CC e DD, e apresentava, à entrada do serviço de urgência, as seguintes lesões: “traumatismo com arma de fogo com porta de entrada no membro superior esquerdo e face com laceração da língua”. 22. No dia … de 2024, pelas 12h20m, na Rua 2, em frente ao nº …, quando o arguido EE se preparava para entrar na viatura de marca …, modelo T-Roc, com a matrícula AR-..-UR, encontrava-se na posse dos seguintes objetos que lhe foram apreendidos: - Uma (1) pistola, da marca SIG Sauer, modelo 911-22, com o nº de série T210016, municiada e carregada com 10 munições de calibre .22., localizada no interior de uma bolsa, de cor preta, do tipo tira colo; - Um (1) porta chaves, contendo duas chaves de acesso à residência sita na Praceta 3; - A quantia total de € 705,00 (setecentos e cinco euros), designadamente cinco (5) notas de 100 € (cem euros), dez (10) notas de 20 € (vinte euros) e uma (1) nota de 5 € (cinco euros); - Um (1) telemóvel da marca i phone, modelo xs, de cor preta; - Um (1) telemóvel da marca i phone, modelo 14, de cor cinzenta; e - Uma (1) chave, pertencente ao veículo automóvel da marca …, modelo …, portador da matrícula AR-..-UR. 23. Nesse mesmo dia, o arguido EE tinha, na sua posse, no interior da sua residência, sita na Praceta 3, os seguintes objetos: - No quarto do lado direito, junto ao WC: a) sobre a cama foi localizada uma (1) caçadeira, da marca FABARM, modelo Brescia, com o nº de série ... e nº de cano 298996; b) Na mesma cama, foram localizados sete (7) cartuchos de calibre 12, três (3) de cor verde, dois (2) de cor vermelha e um (1) de cor preta; c) Um (1) saco de plástico contendo no seu interior MDMA, com o peso líquido global de 3,508 gr/l, com o grau de pureza de 92.2% e correspondente a 32 doses individuais; d) Um (1) saco de plástico contendo, no seu interior, MDMA, com o peso líquido global de 1,845 gr/l, com o grau de pureza de 39.0% e correspondente a 10 doses individuais; No quarto pertencente a EE, este tinha, ainda: -Um (1) porta chaves contendo duas (2) chaves de um motociclo, com o logotipo da Yamaha, uma de cor vermelha e outra de cor preta; - Um (1) porta chaves contendo um (1) comando de garagem, uma (1) chave da marca Honda e uma (1) chave de cor preta; - Um (1) porta chaves com as inscrições “JB Motos ...” e “Yamaha Sesimbra“, contendo uma (1) chave pertencente a um veículo Smart, uma (1) chave pertencente a um veículo Peugeot, uma (1) chave pertencente a um veículo da marca Yamaha e duas (2) chaves azuis; - Um (1) telemóvel, da marca Blackberry, com o IMEI ..., sem cartão SIM; - Um (1) telemóvel, da marca Blackberry, com o IMEI ..., sem cartão SIM; - Um (1) telemóvel, da marca Blackberry, com o IMEI ..., sem cartão SIM; - Um (1) Ipod, de cor branca; - Um (1) router, de cor branca, a operadora Vodafone com o SSID VodafoneMobileWiFi...e WIFI KEY ...; - Uma (1) pen drive, de cor azul; - Um (1) cartão de multibanco, da Caixa Geral de Depósitos, com o nº ...; - Um (1) porta cartões, da operadora Vodafone, referente ao ICC ID ...; - Um (1) cartão, da operadora Vodafone, referente ao nº ...; - Um (1) micro cartão SIM, da operadora Vodafone, com o n.º ...; - Um (1) porta cartões, da operadora Moche, com micro SIM nº ..., referente ao nº ...; - Um (1) porta cartões, da operadora Vodafone, referente ao ICC ID ...; - Um (1) cartão SIM, da operadora Vodafone, com o nº ... e com respetivo porta cartões; - Um (1) porta cartões, da operadora MEO, referente ao SIM ...; - Um (1) micro SIM, com o nº ...; e - Um (1) cartão, da operadora LycaMobile, com o nº .... 24. Após a prática dos factos supra descritos, o arguido AA encetou fuga para Espanha, onde foi detido em cumprimento de mandados de detenção europeu, no dia 24 de março de 2024, pelas 2h22m, em Dos Hermanas, Sevilha. 25. No momento da sua detenção pelas autoridades policiais, o arguido AA tinha na sua posse e de sua pertença: - um telemóvel de marca Iphone, modelo X, cor azul, IMEI ...; - um telemóvel de marca Iphone, modelo 12, cor preta, IMEI desconhecido; - um telemóvel de marca Samsung, modelo A04, cor azul, IMEI .../9; - um telemóvel de marca Samsung, modelo A04, cor azul, IMEI .../1. 26. O arguido AA, ao disparar com uma arma de fogo em direção ao corpo de KK, atingindo-o concretamente junto dos órgãos genitais e da perna direita, representou e quis agir com o propósito de lhe tirar a vida, bem sabendo que ao atuar como acuou, poderia atingir zonas vitais e vasos sanguíneos de médio e grande calibre, de modo adequado a provocar a morte do mesmo, o que apenas não se verificou, por motivos alheios à sua vontade. 27. Os arguidos AA e EE, ao dispararem as armas de fogo que empunhavam e de que previamente se muniram para o efeito, em direção ao interior do carro onde se encontrava BB, representaram e quiseram agir com o propósito de lhe tirar a vida, bem sabendo que ao atuar como atuaram, poderiam atingir zonas vitais, e que tal era adequado a provocar a morte do mesmo, o que apenas não lograram conseguir, por motivos alheios à sua vontade. 28. Os arguidos AA e EE, ao dispararem as referidas armas de fogo, em direção ao interior do carro, onde seguiam também CC e DD, representaram, como consequência necessária da sua conduta, que poderiam atingir zonas vitais do corpo destes, já que se encontravam na linha de fogo, porque tal era adequado a provocar-lhes a morte, o que apenas não se verificou, por motivos alheios à sua vontade. 29. Com as condutas supra descritas, os arguidos agiram, também, com o propósito concretizado de danificar o veículo de matrícula AJ-..-VI, propriedade de BB, conscientes de que atuavam sem autorização e contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que quiseram e conseguiram. 30. Os arguidos AA e EE conheciam as características e natureza das armas de fogo que detinham, bem sabendo que não as podiam possuir ou deter, e tinham consciência que não eram titulares de documento que os habilitasse a tê-las na sua posse e, ainda assim, não se coibiram de as deter e utilizar, o que quiseram e conseguiram. 31. Mais sabiam os arguidos que as referidas armas de fogo são adequadas a aumentar as lesões infligidas e a diminuir a capacidade de defesa dos ofendidos e, ainda assim, não se coibiram de as utilizar, o que quiseram e conseguiram. 32. Nas circunstâncias referidas em 10. a 20. e 27. a 30., os arguidos AA e LL atuaram por si e em comunhão de esforços. 33. O arguido EE sabia que não podia comprar, deter, oferecer, vender, proporcionar a outrem ou ceder a qualquer título, ainda que gratuito, produtos estupefacientes, por serem tais condutas proibidas e criminalmente punidas. 34. Ainda assim, quis e logrou deter no interior da sua residência o produto estupefaciente, conhecendo a natureza e características do mesmo, bem sabendo que tal conduta o fazia incorrer em responsabilidade criminal. 35. Mais sabia o arguido EE, que as armas que detinha no dia … de 2024 na sua posse e no interior da sua residência, apenas podem ser detidas por quem seja possuidor de licença de uso e porte de arma ou de detenção de arma no domicílio, o que não era o seu caso, encontrando-se fora das condições exigidas por lei, o que representou e logrou. 36. O arguido EE quis ainda deter as armas acima referidas, bem conhecendo as características e as qualidades das mesmas, sabendo que se tratavam de armas proibidas por lei, intento que logrou alcançar. 37. Os arguidos agiram em todas as circunstâncias supra descritas de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 38. O Hospital ..., que integra a Unidade Local de Saúde de ..., E.P.E, tem por missão prestar cuidados de saúde. 39. Na sua atividade e nas suas instalações, o demandante prestou cuidados de saúde a KK, no âmbito do episódio de urgência que se seguiu ao disparo efetuado, em … de 2023, pelo arguido AA. 40. Por estes cuidados médicos prestados a KK, foi emitida a fatura 2024/2714 de 30 de setembro de 2024, no valor de € 345,96. 41. Este valor jamais foi satisfeito ao demandante. 42. No dia .../.../2023, pelas 02h30m, KK foi morto a tiro, aos 49 anos de idade. 43. O KK viveu, até data não apurada, em condições análogas às dos cônjuges com FF, de 49 anos, com quem mantinha um relacionamento há sensivelmente 38 anos. 44. Deste relacionamento, teve quatro filhos: HH, nascido a … de 2000, II, nascido a … de 2004, JJ, nascida a … de 2005 e GG, nascido a … de 2012. 45. KK era uma pessoa robusta e saudável, mas não lhe era conhecido trabalho à data dos factos supra referidos. * 46. O arguido AA sofreu, entre o mais, as seguintes condenações: - no processo n.º 449/14.1SFLSB, dos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, 2.º Juízo, 3.ª Secção, por decisão proferida em 15.05.14, transitada em julgado em 16 de junho de 2014, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na execução por igual período e acompanhada de regime de prova, pela prática em 27 de abril de 2014 de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º1, do CP. - no processo 436/14.0SELSB, dos Juízos Locais Criminais de Lisboa, Juiz 11, por decisão proferida em 30 de abril de 2015 e transitada em julgado em 29 de junho de 2015, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano e acompanhada de regime de prova, pela prática em 8 de maio de 2014 de um crime de passagem de moeda falsa, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 22.º, 23.º, 265.º, n.º1, al. a) e 255.º, al. d), do CP. - no processo n.º 882/14.9PEAMD, dos Juízos Centrais Criminais de Sintra, Juiz 6, por decisão proferida em 21 de outubro de 2015 e transitada em julgado - em 4 de fevereiro de 2016, na pena única de 6 anos de prisão efetiva, pela prática, em 12 de dezembro de 2014 de 3 crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º1, do CP e de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º1 e n.º2, al. b), do CP. - no processo n.º 209/14.0SELSB, dos Juízos Centrais Criminais de Lisboa, Juiz 6, por decisão proferida em 31 de março de 2016 e transitada em julgado em 2 de maio de 2016, na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão efetiva, pela prática, em 15 de janeiro de 2014, de 4 crimes de roubo, um deles na forma tentada, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º1 do CP e 210.º, n.º1 e 22.º, 23.º e 73.º do CP. - no processo n.º 508/14.0PCOER, dos Juízos Locais Criminais de Oeiras, juiz 2, por decisão proferida em 15 de abril de 2016 e transitada em julgado em 16 de maio de 2016, na pena de 2 anos de prisão efetiva pela prática, em 18.06.14 de um crime de roubo. - Por Acórdão de Cúmulo jurídico proferido no Processo n.º 209/14.00SELSB-A pelo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 13, datado de 25.05.2017, transitado em julgado em 27.06.2017, foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, que englobou as penas em que foi condenado nesses autos e nos processos 436/14.0SELSB, 508/14.0PCOER, 449/14.1SFLSB e 882/14.9PEAMD. 47. O arguido AA esteve em reclusão, em cumprimento destas penas, entre 18 de março de 2015 e 21 de outubro de 2022, data em que foi libertado, em liberdade condicional a que deveria estar sujeito até 16 de janeiro 2025. 48. Antes de 11 de janeiro de 2024, o arguido EE mantinha residência no bairro social do ..., em quarto arrendado para o efeito, em moradia partilhada com outros 6 inquilinos, com quem não manteria relação de relevo. 49. Executava trabalhos temporários de …. 50. O arguido tinha como principal encargo fixo o pagamento da renda no valor de € 230,00. 51. Este arguido consumia esporadicamente haxixe, Mdma e álcool, com fins recreativos, saindo à noite, com alguma regularidade, frequentando além do mais, festas de afro-house. 52. Tem por hábito conviver com amigos e pares, um deles o coarguido AA, com quem convivia com regularidade. 53. Estes amigos são conotados com problemas com a justiça, situação que relativiza. 54. O processo de socialização de EE viria a ser marcado pela reclusão prolongada de ambos os progenitores, por crime de tráfico de estupefacientes. 55. A mãe deste arguido veio a ser presa quando o arguido tinha 15 dias de vida, pelo que esteve até ao 1 ano de idade, junto da mãe, no E.P de …. 56. Depois, integrou o agregado da avó paterna, no bairro do .... 57. Este arguido, EE, nunca aprofundou relação de relevo com os pais, vindo antes a crescer junto da avó paterna, sua figura de referência, em contexto de proximidade com outros familiares, tias e vários primos, residentes no Bairro do ..., bairro de realojamento conotado com várias problemáticas sociais. 58. Não obstante a ausência dos pais, este arguido terá beneficiado de condições minimamente adequadas ao seu desenvolvimento, tendo a avó e as tias assegurado os seus cuidados. 59. Carecendo da desejada supervisão, viria, na adolescência, a aprofundar relações de convivência de rua com pares de risco, em detrimento da frequência da escola (apenas concluiu o 6º ano) e da família, situação que viria a motivar a intervenção da família e da CPCPJ. 60. O arguido esteve cerca de um ano acolhido em equipamento social em … 61. Tendo saído deste contexto institucional onde não se adaptou, viria a ter apoio da família, ao ser enviado, aos 16 anos de idade, para o ..., para junto de uma tia, que o acolheu. 62. Ali, residiu cerca de sete anos, regressando, a espaços, nomeadamente nas férias, a Portugal. 63. O arguido teve dificuldade em se adaptar à vida no .... 64. Ali, estudou nos dois primeiros anos e permaneceria, depois, inativo, ocupando os seus tempos livres a jogar à bola e a conviver, procurando emprego sem sucesso. 65. Cerca dos 23 anos de idade, regressou a Portugal, contra o desejo da sua família, não tendo podido integrar o agregado da sua avó, doente de Alzheimeir, passaria a residir no bairro do ..., arrendando quarto para o efeito. 66. Após regresso do ..., o arguido trabalhou durante um ano como empregado do …. 67. Frequentou curso de cabeleireiro do centro de emprego (que não chegou a concluir). 68. O arguido recorreu, a espaços, ao apoio de familiares, nomeadamente da tia residente na …. 69. EE viveu relacionamento amoroso com MM, entre os anos 2015 até 2022, tendo tido uma filha comum, NN, hoje com 6 anos de idade. 70. Entre os anos 2020 a 2022, no contexto do aprofundamento desta relação, optariam por viver em agregado próprio com a filha comum, na zona do …. 71. Separaram-se no final de 2022, alegadamente devido a conflitos derivados de dificuldades do próprio arguido em assumir um compromisso familiar mais sólido e abandonar as convivências sociais. 72. A sua companheira optou, depois, por regressar a casa da sua progenitora e o arguido por regressar ao bairro social do .... 73. O arguido, nos dois anos subsequentes, manteve um estilo de vida pouco estruturado, centrado em convívios com pares e na persecução de atividades recreativas. 74. No decurso das relações amorosas estabelecidas neste período, viria a ter mais dois filhos, de mulheres diferentes: ZZ (10 meses) e PP (1 ano de 2 meses), que viriam a nascer quando o arguido EE já estava preso. 75. No período anterior à presente prisão, o arguido viria a reaproximar-se e a reatar relacionamento amoroso com MM, sua companheira na presente data. 76. O arguido verbaliza pretender investir nesta relação, tendo intenção de voltar a emigrar para o ... com a companheira e com filha e de abrir o seu próprio salão. 77. MM verbaliza estar disposta em o apoiar no atual contexto, sendo sua única visita assídua em contexto prisional. 78. EE encontra-se preso preventivamente desde ... de ... de 2024, estando presentemente no Estabelecimento Prisional de … 79. Mantém, em meio prisional, uma rotina / conduta marcada por alguns incumprimentos das normas e regras prisionais, salientando-se nomeadamente dois registos disciplinares por conflitos com outros reclusos e um por posse / uso de telemóvel, tendo sido alvo de punições. 80. Na data dos factos supra referidos, AA mantinha residência na habitação da avó materna, na morada supracitada, agregado constituído pela avó e um tio materno do arguido. 81. O companheiro da avó encontra-se emigrado em …, contribuindo para as despesas do agregado em Portugal. 82. A relação deste arguido com os familiares é descrita como de proximidade afetiva. 83. Nesse período acima mencionado, o arguido encontrava-se laboralmente inativo, sem manter qualquer atividade estruturada. 84. Posteriormente a … de 2024 o arguido AA deslocou-se a …. 85. Quando foi restituído à liberdade condicional, em … de 2022, o arguido AA reintegrou o lar da avó materna, constituído pela avó e por um dos seus tios, num enquadramento familiar avaliado como coeso. 86. O quadro económico do lar familiar seria modesto, mas equilibrado, contando com o apoio financeiro do tio residente, trabalhador no setor da construção civil. 87. Nesse período, o arguido foi auxiliando a avó em trabalhos de limpezas na zona de …, sendo que, mais recentemente, essa familiar viria a suspender a sua atividade por fragilidades ao nível da saúde. 88. Os tempos livres do arguido seriam ocupados na prática de Kickboxing e Muay Thay, em ginásio, na Localização 4. 89. No âmbito do acompanhamento da sua liberdade condicional, o arguido compareceu à entrevista agendada pela equipa da DGRSP em julho de 2023, tendo, depois, registado algumas falhas às entrevistas seguintes. 90. No dia 21 de novembro de 2023, o arguido estabeleceu o contacto com a técnica de reinserção social responsável, tendo afirmado que se encontrava a trabalhar em empresa de um familiar seu, cuja atividade seria ligada à …. 91. Assumiu o compromisso de se apresentar nos serviços da DGRSP no dia seguinte, o que não se verificou. 92. Descendente de uma família … residente em Portugal há longos anos, AA é fruto de uma relação breve entre os progenitores, (não tendo a paternidade sido reconhecida). 93. A avó materna viria a assumir-se como figura parental substituta, mantendo-se os laços de forte proximidade afetiva. 94. Este arguido também identifica a avó como sua referência, já que dele cuidou desde a primeira infância. 95. O arguido AA concluiu o 7º ano de escolaridade, tendo registado duas retenções no 6º ano, pela desmotivação sentida que se traduziu em absentismo. 96. Por forma a reverter essa situação, a avó matriculou-o numa das escolas da …, ainda que sem sucesso, apesar do arguido ser referenciado como um aluno inteligente. 97. Posteriormente, frequentou o 8º ano de escolaridade por via profissional, mantendo, contudo, o padrão absentista, optando pelo convívio com grupo de pares conotados como desorganizados e pró-delinquenciais. 98. Preso pela primeira vez em... de ... de 2015 no Estabelecimento Prisional de …, então com dezassete anos, viria a ser transferido para o EP de … em ... de ... de 2016, onde veio a completar o terceiro ciclo do ensino básico nesse Estabelecimento Prisional, tendo inclusivamente trabalhado como faxina. 99. Em contexto prisional, registou sanções disciplinares entre 2015 a 2019, sendo que, em 19 de junho de 2019, foi transferido para o EP de …, onde permaneceu até ... de ... de 2019. 100. Foi, depois, transferido para o EP do …, onde permaneceu até ... de ... de 2022. 101. Neste último contexto prisional, registou duas sanções disciplinares e uma repreensão escrita. 102. No plano afetivo, o arguido é pai de uma criança menor de idade, fruto de uma relação breve já terminada. 103. O filho nasceu nos …, país de residência da respetiva progenitora. 104. Segundo o arguido, o relacionamento entre ele e a mãe do seu filho será assente numa amizade sólida, que perdura apesar do distanciamento. 105. Na presente data, o arguido mantém uma relação amorosa com outra jovem, que o visita regularmente no presente contexto prisional. 106. Não são conhecidos hábitos aditivos, seja do consumo de substâncias estupefacientes, seja de álcool. 107. AA encontra-se preso preventivamente desde 9 de abril de 2024, à ordem do presente processo judicial. 108. Este arguido tem beneficiado de visitas regulares por parte da avó e da namorada, suporte manifestamente valorado pelo próprio. 109. A mãe do arguido mantém residência em …. 110. No presente contexto prisional, tem mantido um comportamento institucional mais ajustado, ainda que averbe duas sanções disciplinares em 18 de setembro de 2024, e 8 de outubro de 2024, a primeira punida com 8 dias de permanência obrigatória no alojamento (POA) e a segunda com 13 dias no mesmo regime em POA. 111. O arguido não solicitou, ainda, nenhuma atividade laboral. * 112. O arguido AA foi ainda condenado, por sentença de 3 de maio de 2023, transitada em julgado em 2 de junho de 2023, no processo nº 159/23.9PEAMD, do Juiz 3, do Juízo Local Criminal da Amadora, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática, em 17 de fevereiro de 2023, de um crime de condução sem habilitação legal. A pena substituída veio a ser declarada perdoada. 113. E foi condenado por sentença de 7 de junho de 2023, transitada em julgado em 7 de julho de 2023, no processo nº 1177/22.0PVLSB, do Juiz 5, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, na pena de 1 ano de prisão, suspensa por 2 anos com regime de prova, pela prática, em 28 de dezembro de 2022, de um crime de condução sem habilitação legal. 114. O arguido EE não tem condenações averbadas no seu registo criminal. * Factos não provados, com relevância para a causa: a. Que o agregado familiar de KK, à data dos factos, fosse composto por cinco adultos (o falecido KK, a demandante FF e os filhos HH, II e JJ) e uma criança (o demandante GG), que residiam todos na mesma casa, sita na Rua 5. b. Que KK auferisse, em trabalhos temporários, qualquer valor, numa média de € 820,00 por mês. c. E que mercê da atuação de AA descrita de 3. a 9. (e até ao seu falecimento causado por pessoa não concretamente apurada) se visse privado de continuar a ganhar para o sustento dos demandantes. Motivação da Decisão de Facto A convicção do tribunal, relativamente à matéria de facto descrita na douta acusação que ora se deu por assente, resultou do confronto crítico das declarações de assistentes, depoimentos de testemunhas e da prova documental e pericial carreada para os autos. Os arguidos optam, no exercício de um direito que lhes assiste, por não prestar declarações. Ao arguido AA eram concretamente imputados dois episódios de violência com utilização de arma de fogo, que vieram a culminar em ferimentos em KK, conhecido por AAA” e em BB. Este arguido mantém uma postura fria em audiência, reagindo contidamente e sem emoção às declarações de assistentes, aos depoimentos e prestação de esclarecimentos pelo Exmº Perito. Depois do depoimento de BBB e depois desta se sentar na assistência, o arguido AA virou-se para trás e comunica com esta em crioulo, de forma igualmente contida, levando a uma reação imediata e emocionada da testemunha e das pessoas que a acompanham, que rapidamente alegaram terem sido ameaçadas. Esta sua postura, para a qual não atravessa qualquer justificação, não permite afastar a ideia que se constrói sobre a sua personalidade refletida nos factos apurados. O objeto dos presentes autos foi limitado pela douta pronúncia que despronunciou os dois arguidos da morte causada a KK poucos dias depois deste ter sido baleado em ... de 2023. Assim, os presentes autos iniciam-se com o auto de notícia lavrado a fls. 3, em … de 2023, pelo Agente da PSP TT, que dá conta que, no Hospital …, onde desempenhava funções, deu entrada um indivíduo baleado, de nome KK. No aditamento de fls. 6, agente da PSP faz consignar que efetuou contato com os serviços da Polícia Judiciária e que encontrou, na Avenida 6, na …, em frente ao n.º 9, um invólucro de calibre 9 × 19 e, a fls. 7, é elaborado o respetivo auto de apreensão pela mesma Polícia de Segurança Pública. Esta apreensão é acompanhada, de fls. 9 a 11, de reportagem fotográfica que ilustra o local onde o invólucro foi encontrado. Esta diligência e atuação da PSP vem a mostrar-se, assim, decisiva para se poder ancorar a certeza do local onde KK veio a ser baleado, nesse dia .... A convicção do tribunal, relativamente à matéria de facto descrita na douta acusação que ora se deu por assente, resultou do confronto crítico das declarações de assistentes, depoimentos de testemunhas e da prova documental e pericial carreada para os autos. Os arguidos optam, no exercício de um direito que lhes assiste, por não prestar declarações. A cortina de silêncio que envolve as testemunhas que desfilaram presencialmente em tribunal, a que BB, que depôs perante Juiz de Instrução Criminal, não é exceção, estendeu-se, igualmente a KK, homem com percurso pessoal relacionado com o crime e que, no dizer dos próprios filhos, amigos e companheira de 38 anos de vida era um homem muito reservado. Pelo que o desinteresse deste em colaborar com a denúncia dos factos ocorridos no dia ... de 2023 parece transversal ao curto período em que durou a investigação desde então até ao seu falecimento ocorrido em .../.../2023. Efetivamente, a fls. 19, encontra-se já auto notícia elaborado em .../.../2023, em que se dá conta que RR e CCC transportaram, neste dia, o mesmo KK ao Hospital da …, vítima de disparos. O agente da PSP que elabora esse auto de notícia declara, nesse auto, que verificou que a vítima apresentava ferimentos visíveis, concretamente 2 perfurações nas costas, 2 perfurações do lado esquerdo da zona do peito e uma perfuração na região da linha axilar média esquerda aparentemente causada por disparo de arma de fogo, bem como vários ferimentos no braço esquerdo, aparentemente causados por disparos de arma de fogo, encontrando-se já falecida. Este documento, em conjugação, além do mais, com a certidão de assento de óbito de fls. 2040, permite confirmar o facto que se deu por assento em 42., relativo ao falecimento e causa da morte de KK. A fls. 74, a Polícia Judiciária da Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo elabora auto de diligências iniciais na sequência da comunicação da PSP, de … de 2023, e a fls. 105, encontramos relatório de inspeção judiciária elaborado no dia … de 2022 pela Polícia Judiciária já na sequência do falecimento de KK. Esta diligência acaba por relevar para o apuramento dos factos subjudice, ocorridos no dia ... de 2023, na medida em que, a fls. 140, é fotografado, na zona púbica direita, ferimento causado por disparo que a vítima tinha sofrido neste dia, como veio a resultar da documentação clínica de fls. 1863. Nestes registos do episódio de atendimento hospitalar de urgência iniciado no dia … de 2023, no Hospital ..., verifica-se que KK foi atendido pelas 00h46m, apresentando hemorragia ativa e dor severa. Ali, é descrita porta de entrada de projétil na região inguinal direita com profundidade superior a 5 cm, sem orifício de saída posterior. Os clínicos mencionam que não foi possível palpar o projétil e relatam a continuação de hemorragia ligeira ativa. Foi observado um ligeiro edema escotral à direita, testículos palpáveis sem dores, intatos. Foi realizado, então, pedido transfusão de sangue e foi atribuído a este episódio a “prioridade muito urgente”, com o paciente a ser reconduzido à sala de reanimação, o que permite concluir que, não fora a rápida assistência e poderia, mercê do ferimento, ter-se iniciado um processo causal que desembocaria na sua morte. O episódio de urgência terminou às 16:24., mantendo-se KK, até então, em vigilância. A fls. 141, no mesmo relatório de inspeção judiciária elaborado no dia 28 de outubro de 2022 pela Polícia Judiciária, encontra-se fotografia com o número 79, em que é documentado o local onde foi extraído o projétil que se manteve alojado no corpo da vítima desde esse dia … Efetivamente, a fls. 362, visualiza-se penso cirúrgico sobre essa zona. No relatório pericial, de fls. 476, procedeu-se a reportagem fotográfica e recolha de vestígios no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses durante a autópsia de KK, exibindo-se, a folhas 487, o pormenor da lesão da virilha, produzida – conclui-se pela documentação clínica já mencionada - no dia … de 2023. Nesse relatório pericial de fls. 476, fez-se consignar que o vestígio projétil de arma de fogo deformado recolhido no interior da vítima KK, nomeadamente na nádega esquerda, passou a corresponder ao vestígio número C 0008-9198, tendo sido enviado para exame pericial de balística. A fls. 493, foi apresentado, na fotografia 44 e 45, o pormenor do projétil recolhido no interior do cadáver. A fls. 1439 destes autos principais, veio a ser junto o relatório da autópsia Médico-Legal realizada a KK, sendo observada, no membro inferior direito, ferida na região inguinal à direita da região púbica, com bordos regulares com sinais de regeneração em vida, medindo 2 X 1 cm de maior eixo inferomedial, com trajeto no tecido celular subcutâneo sem infiltração sanguínea. Inserido nesta ferida, observa-se dreno parcialmente coberto por penso. Esta é, pois, conclui-se, uma lesão preexistente, como se faz observar no ponto 2.8. da discussão deste relatório pericial de tanatalogia. Este relatório confirma a fase de regeneração, que teria que ocorrer antes do estado mórbido que conduziu à morte nos termos assentes em 42.. Pelo que se assentam certezas de que KK foi atingido a tiro no dia ... de 2023, naquelaLocalização 7, .... A fls. 775 e ss., encontra-se relatório de exame pericial n.° ...-CBA, que identifica o invólucro remetido pelo Comando Metropolitano da PSP, apreendido nos termos de fls. 7, como correspondendo a munição 9 mm Parabellum (9 americana) - (9 mm Luger na designação anglo-americana), pelo que não se suscitam dúvidas quanto à utilização de arma com as caraterísticas assentes em 2. e em 4. A falta de auréola na pela, a localização e os traços caraterísticos da perfuração exclui a possibilidade do ferimento ter sido auto infligido. Pelo que, assente que dispararam um projétil sobre o corpo de KK no local descrito a fls. 6, restava assentar certezas quanto ao autor e dinâmica dos factos, certos de que nenhuma outra testemunha inquirida em audiência revelou ter assistido ao episódio. Ora, o artigo 129º, n.º 1, do Código de Processo Penal prevê que “Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas”. Esta disposição regula, assim, a utilização e valoração do depoimento indireto, que ocorre quando uma testemunha relata em tribunal factos que ouviu de outra pessoa e não por ser testemunha direta desses factos. O juiz, em processo penal, deve chamar a depor a pessoa que relatou o facto à testemunha indireta, sempre que possível, o que fica inviabilizado no caso de morte da testemunha – fonte. Assim, estando esta falecida, a lei processual admite, de forma excecional, (a par do que acontece com as pessoas afetadas por anomalia psíquica superveniente e das que não podem ser encontradas) que o depoimento indireto possa ser valorado, por essa inquirição da fonte não ser possível. Este depoimento indireto do que se ouviu dizer a uma pessoa falecida (no caso a KK) é admissível e pode ser valorado como meio de prova, desde que a testemunha identifique concretamente a testemunha-fonte. Apesar de KK ser pessoa reservada, que se associa, além do mais, à vida associada a comportamentos delinquentes –mantinha-se, aliás, em liberdade condicional como resulta de fls. 2205 – aquele veio a relatar o sucedido no dia ... à assistente JJ, sua filha, bem como à assistente BBB, sua namorada. As declarações e depoimentos por estas produzidos são espontâneos, em especial no que tange à testemunha QQ. A assertividade do depoimento desta testemunha e a coerência do seu discurso não deixam dúvidas quanto à sua genuinidade, nem à autenticidade do relato que lhe foi transmitido por KK. Não se descortina qualquer outra razão para esta testemunha, que não tem qualquer relação com a filha de KK (antes se antevendo uma relação hostil devido ao relacionamento paralelo que este mantinha com a mãe desta) apresentar um depoimento parcialmente coincidente. O propósito da testemunha QQ até é transmitido de forma emotiva, quando invoca a necessidade de haver justiça para KK, para romper a lógica do silêncio que norteava, também, a vida deste e das pessoas com quem se relacionava no Bairro que frequentava. Afirma, de forma esclarecedora, que as pessoas que “estão neste mundo do crime, têm a cultura de não chibar”. Mas atalha que depõe para que ninguém tenha que passar por “isto outra vez”. Assim, BBB declarou que, à data destes disparos ocorridos no dia ... de 2023, se encontrava temporariamente no …, mas vinha permanecendo na …, onde o KK pernoitava consigo. A testemunha declara que tem um filho de 19 anos fruto de uma relação inicial com este e que após um hiato no relacionamento e após a libertação de KK passaram a viver juntos. Aliás, na assertividade que pauta o seu discurso, anuncia que a família de KK sabia deste facto e se quisessem ser “honestos” teriam que reconhecer que ela estava junta com este. A depoente explica que tinha estado em constante contacto telefónico com o KK no dia … Ainda na madrugada do dia 19, foi informada por uma comadre, de nome DDD, de que o AAA” havia sido baleado, sendo-lhe de imediato indicado que o autor teria sido o arguido AA. No dia seguinte, KK confirmou-lhe telefonicamente que se encontrava no Hospital Amadora-Sintra e que o autor do disparo fora, de facto, o KK confidenciou-lhe que tinha saído com um amigo e quando chegou ao …, viu o AA e começaram a falar. E disse-lhe, não tem dúvidas, de que o arguido disparou sobre ele quando estavam frente a frente. Mais tarde, após a alta, a vítima KK relatou-lhe que viu o arguido AA no …, acompanhado de duas mulheres, o que lhe causou a perceção de estar a ser seguido. QQ, que se identifica como tendo o curso de técnica de reinserção no Reino Unido, ainda que não exercesse, presentemente, essa atividade, referiu que o AAA”, nome pelo qual era conhecido a vítima, pretendia mudar de vida e juntar-se a ela em …, mas que, devido ao seu estado de saúde debilitado por este disparo no dia ..., tal acabou por não se concretizar. A depoente acrescentou aquilo que se perceciona ter sido o móbil do crime, dizendo que o AAA” a informara que tinha roubado droga, o que motivou a retaliação por parte dos arguidos, contratados pelo dono do estupefaciente para recuperar o produto. A testemunha não tem qualquer dúvida de que o seu namorado se reportava ao arguido AA, que também chamava de “EEE”. Este era um conhecimento de KK desde pequeno. Esta versão acaba por ser credenciada pela análise de objetos que foram apreendidos ao arguido AA no momento da sua detenção. É que este veio a ser capturado em …, no dia … de 2024, no seguimento da emissão de Diretiva Europeia de Investigação (DEI) cfr. fls 1036, 1101, 1293 e 1297. No âmbito dos mesmos mecanismos de cooperação internacional (informação da Polícia …) já se havia detetado a presença do arguido AA em …, no início do mês – cfr. a fls 795. O arguido AA foi detido, além do mais, com um colete balístico na sua posse, o que sugere de que atuava por conta de traficantes, na execução de cobranças difíceis e na atemorização de quem incumprisse esses negócios de droga. Convicção reforçada e alavancada pela apreensão, a fls 1601, de 4 telemóveis em … e que foram entregues de acordo com o termo de entrega de fls. 1735. A extração do conteúdo dos telemóveis, feita por especialistas da Interpol encontra-se plasmada a fls. 1756 e ss. O segundo Samsung ... que lhe foi apreendido contém fotografias obtidas por acionamento do motor de busca da internet, resultando do historial de partilha, o interesse pelo utilizador do telemóvel em adquirir um silenciador para uma Glock (de calibre 9mm) - cfr. fls 1817 a 1881 – idêntica à que foi usada para disparar, em ... de 2023, sobre KK. As mensagens de Telegram num dos aparelhos Samsung – cfr. fls. 1766 – referem-se, manifestamente, a cobranças difíceis, que se crê estarem relacionadas com negócios de droga, atendendo aos valores que são mencionados como estando em dívida (ex: € 120 000,00) E são usadas, nestes aparelhos, contas de Signal, Telegram e Whatsapp, aplicações que asseguram confidencialidade nas comunicações e que dificultam o rastreamento das mensagens pelas autoridades. Para além destes telemóveis terem sido apreendidos ao arguido AA, o seu conteúdo e metadados relacionam-se com o encontrado nos aparelhos apreendidos à sua namorada FFF e ao arguido EE. Efetivamente, a fls. 1590, encontramos auto de abertura de correspondência contida nesses suportes informáticos extraídos de 3 aparelhos apreendidos ao arguido EE e de um apreendido a FFF. A fls. 1607, foi junto auto de análise de prova digital aos telemóveis do arguido EE. E são extraídas conversas entre a conta de whatsapp usada num dos aparelhos e correspondente ao nº ..., que se percebe que é usada pelo arguido EE e a conta de alguém identificado como “GGG”. Este número associado a “GGG” é o mesmo que se encontra no aparelho Samsung ...F apreendido ao arguido AA – ... – assim se estabelecendo a ligação deste a esta alcunha. São extraídas, de telemóvel do arguido EE, várias fotografias relacionadas com produto estupefaciente – cfr. fls 1614 e conversas, com o GGG” e outras pessoas em que se perceciona que se fala de produto estupefaciente – cfr. fls.1612 e 1613. E doutro aparelho de marca Iphone apreendido ao arguido EE - cfr. fls 1620 e ss - são extraídas fotografias em que são vistos o arguido EE e o arguido AA em convívio entre o fim de 2023 e 21 de março de 2024. O exame do conteúdo das mensagens extraídas do telemóvel de FFF não revela nada de muito comprometedor, para além de uma conversa desta com a mãe em que afirma que vai receber dinheiro do AA, numa altura em que este já estava em Espanha. Também as declarações da assistente JJ, filha da vítima, convencem o tribunal da identidade do autor do disparo do dia .... Esta declarou que o pai era muito próximo de si, ainda que a assistente reconheça que vive com a avó materna desde pequena. Este relativo distanciamento em relação ao agregado da sua mãe permite compreender que declare que não tinha conhecimento de que pai não andava a pernoitar em casa, ainda que tenha a perceção de que este, após ter sido atingido pelo disparo no dia 19, passasse a evitar ir a casa. Esta assistente confirma que o pai lhe comunicou, por telefone, quando por si questionado, que o autor do disparo teria sido o arguido AA. O pai prestou-lhe essa informação um ou dois dias após o ocorrido e após ter saído do hospital. E confirma que o pai tinha a alcunha de AAA” e que o AA era conhecido por “EEE”, pessoa que também conhece do Bairro da …. A depoente tinha o AA por amigo do pai, já que os via a andar juntos de mota. Ainda assim, não questionou o pai do porquê da atuação do AA. Apesar de revelar que sofreu muito com o falecimento do pai, (a declarante afirma que “nunca se está à espera de perder o pai”), JJ admite que não constituiu grande surpresa o facto deste ter sido morto a tiro, reconhecimento de que tinha a noção, como anui, que este teria problemas relacionados com o mundo do tráfico de estupefacientes. Nenhuma dúvida se coloca quanto ao facto da assistente estar bem ciente de quem o pai falava, já que era pessoa que ambos conheciam, como o auto de reconhecimento de fls. 2183 comprova. E não se vislumbra qualquer razão para KK ter imputado falsamente a ação do dia ... a AA. Ora, estas declarações de JJ e o depoimento de QQ permitem assentar certezas sobre a dinâmica da ação de dia ... e sobre a sua autoria. Efetivamente, resulta da valoração deste depoimento indireto a certeza de que AA se aproximou de KK e, munido de uma pistola apta a deflagrar munições 9mm, disparou um tiro, a curta distância, para a zona do abdómen, ferindo-o na virilha. Atenta a zona visada, que alberga órgãos vitais, bem como vasos sanguíneos de grande dimensão, inexistem dúvidas de que, para além de passar mensagem, o arguido AA bem representou que podia tirar a vida a KK, como quis e desejou. As declarações dos demais assistentes e demandantes não infirmam esta convicção. GG, menor de 12 anos, filho da vítima KK, declarou que mantinha uma relação próxima com o pai, com quem partilhava momentos de lazer, nomeadamente passeios de motociclo. Referiu sentir-se seguro na sua companhia. No dia do falecimento do pai, encontrava-se em casa com a mãe quando foi informado por um vizinho de que o pai havia sido alvejado. Recorda que, anteriormente, o pai já teria sido atingido por um disparo, embora não tenha sido hospitalizado, tendo permanecido ausente de casa por mais de uma semana, o que considerou incomum. Demonstrou tristeza com o falecimento do pai, mas afirmou não ter sentido receio após o ocorrido. Referiu ainda, de forma escorreita e genuína, que acha que o arguido AA era conhecido pela alcunha de “GGG”. FF, que se declara companheira de KK durante mais de 30 anos, assevera que conhecia o arguido AA, cuja mãe residiu em sua casa. Esta assistente relatou que, após o primeiro episódio de disparos, o KK apenas apareceu furtivamente em sua residência durante a madrugada. A relação entre a testemunha e esta vítima encontrava-se, reconhece, fragilizada, em virtude de um envolvimento extraconjugal deste com uma mulher de nome QQ. E afirma que o KK já não pernoitava em casa há cerca de um mês e esclarece que apenas depois do falecimento de KK é que teve conhecimento, pela mãe deste, de que este tinha sido anteriormente baleado. A assistente conta-nos que após o seu companheiro ter saído do Estabelecimento Prisional, a própria foi alvo de uma tentativa de rapto, o que poderá justificar a intenção de KK a querer salvaguardar. Em situações que saiu com o KK ficou com a perceção de que o AA passava por eles, no que lhe pareceu estar numa postura de perseguição e vigilância. A assistente deixa claro que já depois da morte de KK é que veio a ter conhecimento de que este dissera à filha JJ quem o tinha baleado dias antes da sua morte. Apesar da qualidade de assistente, é notório que estas declarações são produzidas de forma credível, revelando honestidade intelectual em admitir que nada sabia sobre esse primeiro disparo. O assistente HH, filho da vítima KK declarou que mantinha uma boa relação com o pai, embora não residisse com ele. Ainda assim, afirma, comunicavam com frequência. E, ao tomar conhecimento de que o pai havia sido alvejado, temeu pela sua vida, embora não o tenha visitado no hospital. Sem conhecimento de factos que possam relevar para a descoberta da verdade sobre os factos ocorridos no dia ..., referiu que esse primeiro episódio não lhe causou medo ou alteração significativa no seu quotidiano. II, também filho de KK, declarou que residia com o pai. Este declarante estava sujeito a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica à data dos factos. E soube do primeiro disparo apenas após o falecimento do pai, por intermédio de um familiar. Descreveu o pai como reservado e fundamental para o sustento da família, embora não tenha concretizado factos que evidenciem um vínculo afetivo profundo. HHH, inspetor da Polícia Judiciária, declarou que interveio nos autos na qualidade de elemento da secção de homicídios. Esta foi acionada pela PSP na sequência do segundo episódio de disparos, de que resultou a morte da vítima KK. Participou, também, na investigação do processo 32/24.3PALSB, referente a BB. Explica que, no local onde KK veio a ser atingido mortalmente, foi apreendido um veículo Range Rover e foram recolhidos vestígios diversos. E declara que os factos ocorreram perante mais de “100 pessoas”, mas não logrou identificar ninguém que afirmasse que tinha visto os factos, ainda que o informassem de que a vítima tinha sido atingida dias antes. Confirma que se apreenderam os telemóveis da vítima e, no decurso da autópsia, foi recolhido um projétil compatível com o ferimento preexistente na virilha. E, descrevendo os passos dados pela investigação e confirmando a autenticidade dos autos em que interveio, declara que a Polícia Judiciária ficou convencida do envolvimento do arguido AA, conhecido como “EEE”. Quanto à situação dos disparos sobre a testemunha BB, em ..., a testemunha dirigiu-se para o hospital, não se tendo deslocado com os membros do piquete que foram efetuar a inspeção judiciária ao local. III, inspetor da Polícia Judiciária, corroborou a sua intervenção nos autos, tendo acompanhado o inspetor HHH em diligências diversas, incluindo inspeções judiciárias e buscas. Recolheram vestígios balísticos e fotográficos no local do crime. Refere que informações recolhidas informalmente junto de transeuntes indicaram o nome “EEE” como possível autor. Também esta testemunha confirmou que não participou na inspeção relativa ao ferimento na virilha, mas esteve presente em diligências na zona de ..., onde BB foi atingido. Aí, foram apreendidas cápsulas de 9 mm e encontraram, no veículo, vestígios compatíveis com disparos de armas de fogo. Foi, tem ideia, na sequência dessa recolha, estabelecida correspondência entre a arma utilizada e outras situações criminais. A testemunha confirma ter participado na abordagem ao arguido EE. Declara que o abordaram junto do VW cinzento T-ROC. O EE tinha uma bolsa onde tinha uma arma estava municiada, para além de telemóveis e de uma quantia apreciável de dinheiro. E declara que interveio na busca domiciliária, encontrando produto estupefaciente, em cima da cama, próximo da caçadeira. Pelo que contribui para a prova da matéria assente em 22 e 23, também demonstrada à saciedade pelos documentos que abaixo se comentarão. O depoente afirma não se recordar se interveio na busca a casa do arguido AA. JJJ, igualmente inspetor da PJ, declarou que, após a situação do primeiro disparo sobre o KK, tentaram contactar a vítima, sem sucesso. Esta não demonstrou disponibilidade para ser ouvida, tendo-se ausentado após receber alta hospitalar, o que corrobora o que acima fica expresso sobre “a cortina de silêncio”. KKK, agente da PSP, declarou que exercia funções no Hospital …, e que tomou conhecimento da entrada de um indivíduo baleado, deixado por um veículo em frente à unidade hospitalar. Confirmou a informação constante nos autos, pelo que permite ajudar a ancorar certezas quando ao alvejamento no dia ... de 2023. LLL, inspetor da Polícia Judiciária, declara que interveio numa fase mais avançada da investigação, tendo executado o mandado de detenção do arguido EE. E explica que procedeu à análise dos telemóveis apreendidos ao arguido AA, nos quais foram detetados mensagens e conteúdos que indiciavam o envolvimento deste no tráfico de estupefacientes, bem como fotografias de armas de fogo, como já se aludiu. E conta que um dos dispositivos continha ainda um vídeo em que era exigida a entrega de uma caçadeira, desconhecendo, com certezas, que fosse a mesma que viria a ser apreendida. A testemunha confirma que foram realizadas buscas domiciliárias nas residências dos arguidos AA e EE, sem que se encontrassem elementos relevantes ligados com os tiroteios. A prova pericial balística permitiu estabelecer correlação entre o projétil recolhido do corpo da vítima e outros processos, nomeadamente o processo NUIPC 32/24.3PALSB, relativo a disparos sobre BB. MMM, inspetora da PJ, declarou que participou em buscas domiciliárias nas residências das companheiras dos arguidos AA e EE. A depoente confirma, ainda, a apreensão da viatura T-Roc e a recolha de vestígios no âmbito da inspeção judiciária, em colaboração com o inspetor NNN. RR, amigo da vítima KK, declara que conhece, também, os dois arguidos. Responde que socorreu o mesmo em duas ocasiões. No primeiro episódio, ocorrido no …, a testemunha estava no Bairro do …, no estabelecimento DJ …, num bar de “…” quando ouviu tiros. Veio ao exterior e encontrou a vítima com a mão na virilha. A vítima recusou-se inicialmente a ir ao hospital, afirmando que os disparos não eram dirigidos a si. Foi transportado ao hospital com o auxílio de um terceiro, de nome OOO, pessoa que não se logrou encontrar para que efetuasse o seu depoimento. A testemunha ficou com a perceção de que o KK tinha chegado ao local onde foi alvejado, de carro, com outra pessoa, não resultando seguro do seu depoimento, muito hesitante, de que se trataria do OOO. O depoente confirmou que a vítima era conhecida por AAA” e que permaneceu consciente durante o trajeto até ao Hospital de …. Dias depois, o depoente encontrou o AAA no Centro de Saúde …, onde este foi mudar o penso. PPP declarou que conhecia KK (o AAA) como cliente do café “…”, no .... Confirmou que o arguido EE também frequentava o local e que arguido AA o fazia raramente. No dia do primeiro disparo, o café encontrava-se encerrado, tendo apenas tido conhecimento do ocorrido no dia seguinte. No dia da morte da vítima, a testemunha encontrava-se no estabelecimento e ouviu gritos, sendo-lhe dito que alguém havia sido alvejado. Reconheceu a vítima como sendo o AAA”, mas afirmou que este era reservado e nunca lhe confidenciou qualquer informação. A testemunha era a proprietária da viatura de matrícula ..-TA-.. junto à qual o KK veio a ser assassinado – conforme resulta dos detalhes do contrato de seguro de fls. 204. QQQ, gerente de restaurante e irmã de PPP, declarou que presenciou a vítima KK prostrada no chão, nas imediações do café “…”, no dia em que veio a falecer. Já tinha ouvido que a vítima fora anteriormente alvejada. Por conversas informais, soube que o autor do disparo que mataria ao KK teria sido o arguido EE. UU, assistente de alimentação, declarou ser amiga do arguido AA, não conhecendo o KK ou o BB. Referiu que, após a detenção do arguido EE, falou com a companheira deste, que pediu para contactar a companheira do AA, a QQ. E confirmou que o arguido AA se encontrava em Espanha à data dessa detenção. Esta testemunha deixa cair que conhecia o arguido AA por “GGG”, o que confirma que este dava, além do mais, por esta alcunha. Aliás, note-se que a fls. 1362 se encontra página de perfil de Instagram, obtida em fonte aberta, da conta “…”. E visualiza-se fotografia que nos parece corresponder ao mesmo arguido AA. O que associado à análise dos telemóveis a que já se aludiu, não permite alimentar qualquer dúvida de que o arguido AA dava, também, pela alcunha de “RRR” ou “GGG”. VV afirmou conhecer o arguido EE e que este apareceu com o AA numa ocasião em que se encontrava com QQ. Referiu que frequentava o Bairro da … devido a uma relação com CCC e afirmou que, embora falasse frequentemente com QQ pelo telefone, encontravam-se mais raramente (cerca de 4 vezes por mês). E também esta testemunha confirmou que o AA era conhecido por “EEE”, o que fortalece, além do mais, as declarações produzidas pela assistente JJ. Num depoimento muito evasivo, a depoente rejeita que tenha ido buscar as coisas do AA, nem a QQ falou sobre isso. Questionada sobre SSS, declara que o conhece através do AA. WW, amigo do arguido AA, declarou também ter mantido relação de amizade com a vítima, KK (AAA”). E afirmou desconhecer qualquer conflito entre ambos. Este depoente afirma que soube do disparo através de HH, filho da vítima. Também esta testemunha confirmou que o AA era conhecido por “EEE”, ainda que nunca ouvisse ser tratado pela alcunha “GGG”. O NUIPC 32/24.3PALSB, que corresponde ao apenso C, inicia-se com o auto de notícia e com o auto de inspeção judiciária de fls. 7, na sequência do relato de disparos no Bairro …, em .... A notícia do crime é trazida pelo auto de notícia de fls. 52 (desse apenso). Sobre esta matéria fatual que o auto de notícia elaborado neste apenso nos dá conta, em sede de declarações para memória futura, BB afirma que estava a chegar a casa e, no caminho do local onde ia deixar uns amigos, já tinha passado por um rapaz (o EE) com o qual tinha problemas por ter intervindo (separando) numa luta, em Almada entre ele e outro indivíduo. Na sequência dessa intervenção, o arguido EE, que bem conhece, confrontou-o mais tarde. Nesse dia dos tiros — 11 de janeiro — o depoente tinha vindo a Portugal por causa do filho. E esclarece que, por causa do seu trabalho, passa a maior parte do tempo em …. A testemunha conduzia um Golf preto, matrícula AJ-..-VI, nela transportando dois amigos: DD, que ia à frente, e outro indivíduo que conhece por "Rasta", que ia atrás, atrás do pendura. Em ..., no Bairro …, preparou-se para deixar um amigo à porta da casa deste. Permaneceu na rua, com as luzes ligadas e não reparou, inicialmente, que havia um carro atrás. Este era um veículo … com matrícula … e com vidros escuros. Este carro passou, depois, ao seu lado, do lado do condutor. Passaram lado a lado. Depois, o carro fez inversão de marcha e voltou colocando-se quase lado a lado. Abriram o vidro aberto do lado do pendura, o que ficava mais próximo da sua janela e que estava, agora, ao seu lado, e viu o cano da arma. A testemunha afirma que só teve tempo de se baixar, mas percecionou que a pessoa que se encontrava no lado do pendura e que disparou sobre si era, sem dúvida, o EE. O depoente, ainda que no fim demonstre excesso de à vontade – a que lhe foi permitida – mostra-se muito expressivo e espontâneo na descrição da dinâmica dos factos e na identificação do autor. Não expressa qualquer hesitação, em qualquer momento, ao definir um dos atiradores como sendo o arguido EE, ainda que se percecione que desconversa quando se procure esclarecer quem era o segundo. De forma impressiva, declara que teve medo e que “foi o pior dia da sua vida”. Ora, observa-se que, estando a testemunha em condições de ver o atirador que estava mais perto de si, não teria qualquer interesse razoável em indicar um terceiro. Questionada a testemunha sobre quantos disparos foram efetuados, responde que foram “vários” estimando que foram 12, pelo número de buracos e pela quebra dos vidros. E aponta para o cotovelo esquerdo e para a sua cara, locais onde foi atingido, replicando o gesto defensivo que então encetou (ao colocar o braço em 90º à frente do rosto). A testemunha, quando deu por si, estava sozinha no carro, percebendo que os seus passageiros conseguiram sair do mesmo. Estes estavam, ambos, do lado direito do carro, logo do oposto àquele pelo qual surgiram os atiradores. Depois dos tiros cessarem e do veículo … sair do local, o depoente apeou-se a cuspir sangue. E confrontada com as fotografias do carro, a testemunha confirma que este ficou naquele estado. Referindo-se às lesões que sofreu, afirma que ficou “com a boca completamente estragada” com dentes para dentro. Ainda na sua viatura, o depoente e os seus companheiros de ocasião dirigiram-se para a CUF de …. Sendo-lhe perguntado, afirma não ter outra explicação para o sucedido e assevera que, dentro do Mini, estavam pelo menos duas pessoas, não conseguindo perceber se havia mais, porque os vidros não eram translúcidos. Apesar de ser noite, o local onde a sua viatura estava estacionada tem “luz por todo o lado”. É uma zona de prédios novos e bem iluminada. O depoente começou a ter medo de andar na rua e a temer pela sua segurança, referindo que o EE está preso e manda recados por outras pessoas, que decide não nomear, dizendo que o vai matar. O declarante esclarece que já tinha visto o EE naquele carro, noutras ocasiões e assevera que já o tinha visto, com um capuz, na mesma viatura ainda naquele dia e que o viu junto ao carro, cinco minutos antes, na … Pelo que perpassa deste depoimento a identificação segura e assente em prova direta, de um dos atiradores, o arguido EE. O auto de inspeção judiciária supra referido, junto ao NUIPC 32/24.3PALSB, é acompanhado da reportagem fotográfica de fls. 15 a 18 e deu origem ao auto de apreensão de fls. 46, tudo peças que aqui se consideram reproduzidas, que ajudam a percecionar as caraterísticas do local onde BB foi emboscado. Para além deste depoimento de BB, os depoimentos prestados pelas testemunhas DD e CC, vertidos em autos de depoimento de fls. 27 e 30 deste mesmo apenso, foram reproduzidos em audiência ao abrigo do disposto no artigo 357º, nº 2 e 5 do CPP. Embora não consigam identificar os atiradores, as testemunhas confirmam, de forma segura, a dinâmica. Resulta claro destes depoimentos e da documentação clínica junta a fls. 20 a 24 e 129 e 131 a 134 e 135 a 141, que BB recebeu tratamento hospitalar Hospital de … em virtude dos disparos efetuados junto ao nº …da Rua 1, em .... Esta documentação clínica permite concluir que este, após ser reencaminhado pelo Hospital … apresentava as lesões descritas e assentes em 21.. A fls. 1964, encontramos a fatura ..., de …/2024, emitida pela unidade Local de Saúde …, que discrimina uma série de tratamentos hospitalares prestados na sequência de atendimento de urgência a BB. TTT, agente da PSP, confirmou a entrada de um indivíduo baleado nos serviços de urgência do Hospital de …, proveniente da unidade …, conforme participação por si elaborada, que confirma. Conforme resulta de fls. 46, 107 e 108 deste NUIPC 32/24.3PALSB, anexo aos autos principais, foram recuperadas 5 cápsulas deflagradas, além de outras peças como fragmentos de blindagem, uma camisa metálica, projéteis deformados e chumbo (num total de mais 5 vestígios balísticos). O exame pericial com o n.º ...-CBA – cfr. fls. 109 do apenso - permite compreender que foram disparadas duas armas diferentes, o que corrobora o depoimento que veio a ser prestado por BB. Dos vestígios recolhidos, nomeadamente os vestígios de blindagem encontrados no banco traseiro da viatura que era conduzida por BB (vestígios 7 e 8) permitem concluir que o CC, que era transportado no banco de trás, à semelhança do que aconteceu com o passageiro da frente, apenas não foi atingido por mera sorte. O relatório pericial de fls. 67 e ss., deste apenso 32/24.3PALSB, em particular a documentação da trajetória provável das munições, considerando os orifícios de entrada na carroçaria da viatura, não deixa dúvidas sobre a dinâmica de atuação, que se identifica com o depoimento de BB e das outras duas vítimas. Tudo sugere, nessa trajetória, que os autores do disparo estavam ao mesmo nível das vítimas e de passagem, o que é compatível tiros disparados através de uma janela de um veículo que passa. Mais, existem tiros com uma trajetória ascendente, o que se coaduna com a circunstância do arguido EE disparar a partir de um …, veículo com caraterísticas muito próprias, como um diâmetro de roda menor, suspensão mais baixa e um chassis e assentos, em consequência, posicionados mais abaixo do que a maior parte dos carros entre os quais, seguramente, o conduzido por BB. Dois fragmentos dos projéteis foram recolhidos em meio hospitalar, sendo retirados do corpo da vítima BB e foram colocados em frasco, o que aumenta a certeza de que este foi atingido por projéteis disparados dessas armas. Ainda que o relatório pericial ao blusão envergado por BB não permitisse concluir, com base em marcadores químicos, que as perfurações foram causadas por projéteis e balas, a localização das lesões em confronto com o visionamento de tais vestígios permite corroborar a versão de BB. XX, especialista em balística da Polícia Científica, declarou em audiência que foram examinados invólucros de munições de 9 mm Parabella, tendo sido estabelecida correlação entre cinco invólucros deste processo e outros dois processos distintos. A análise balística confirmou a utilização da mesma arma em diferentes ocorrências, incluindo o disparo que vitimou KK em .... Para tanto, consultou aditamentos e relatórios por si lavrados e confirma o teor do relatório de fls. 2218. Ora, a este propósito importa considerar que para além do relatório pericial ...-CBA, o aditamento de fls. 778 estabelece, com segurança, a ligação entre este invólucro e outro invólucro disparado pela mesma arma. Ali, com base em procedimentos de comparações microscópicas permite-se concluir que aquela peça de munição foi deflagrada na mesma arma responsável pela deflagração do invólucro, descrito no âmbito do Exame Pericial n.° ...-CBA (NUIPC 561/23.6PXLSB.) Ainda que tenha sido decidido não se proceder à incorporação dos dois inquéritos, os factos denunciados neste processo ocorreram no dia 15 de outubro de 2023. Posteriormente, a fls. 109, do anexo C (inquérito NUIPC 32/24.3PALSB) do relatório n.º ...-CLC, da PJ consta o seguinte: “os frascos de uso hospitalar contendo fragmentos de projécteis de arma de fogo e os vestígios referenciados como 5A, 6A, 7A,8A , 12,13,14,15, 16,17 e 18, foram entregues no sector de Balística e Marcas da Área de Criminalística do Laboratório de Polícia científica, tendo dada origem ao Exame ...-CBA” A fls. 969 e 970, do processo principal, UUU, o perito do LPC envia a VVV, coordenador da investigação criminal e ao Inspetor HHH, mail´s, datados de 25 de março de 24, em que afirma: “Venho por este meio informar que, no decorrer da perícia realizada aos 5 invólucros de calibre 9 mm, descritos no âmbito do nosso exame pericial com o n.º ...-CBA (nuipc 32/24.3PALSB), (…) foram deflagrados na mesma arma responsável pela deflagração do invólucro descrito em 1, no âmbito do exame pericial n.º ...-CBA (nuipc 1623/23.5PFAMD)”. Este relatório pericial n.º ...-CBA é, depois, junto a fls. 2218, sobre o qual o Exmº perito prestou esclarecimentos em audiência. Este relatório analisa as peças de munição encontradas no interior da viatura conduzida por BB - cfr. fls.16 a 18, 76, 77, 81, 82, 85 a 91, 95 e 106 a 109 do apenso 32/24.3PALSB - estabelecendo o correlacionamento entre a arma que as deflagrou e a que disparou o invólucro apreendido a fls. 7, junto do local onde KK foi atingido. Ou seja, certos de que a arma que deflagrou a munição que atingiu KK na madrugada de ... de 2023 é a mesma que foi usada para disparar sobre BB e seus acompanhantes, no dia 11 de janeiro de 2024, temos também por certo, da conjugação dos demais elementos de prova, que o arguido AA disparou, a partir do Mini Cooper de matrícula francesa esta mesma arma. Efetivamente, nada permite concluir que o arguido AA se descartou, após o dia ... de 2023, daquela arma de fogo apta a disparar munições 9mm. A ligação entre o arguido EE e o arguido AA, para além do que já tinha sido ouvido à testemunha VV resulta evidente da análise dos aparelhos de telemóvel já comentada. E essa ligação resulta evidente, ainda, das vigilâncias feitas pela Polícia Judiciária – a fls. 660 e ss., o Inspetor da Polícia Judiciária HHH faz consignar que participou, no dia 23 de fevereiro de 2024 em vigilância, na qual observou o arguido EE. e o AA a deslocarem-se ao Bairro do …, na viatura AF-..-HN. A fls. 699, o mesmo Inspetor HHH em auto, fez consignar que, no dia 3 de março de 2024, pelas 16 horas e 30 minutos, visualizou a sair dum prédio sito na Praceta 8, caminhando sempre em posição de alerta até a viatura de marca Volkswagen, modelo t rock, de matrícula AR-..-UR, o arguido, EE e o arguido AA. E a fls. 700, encontra-se fotografia relativa a essa vigilância. A ligação entre o arguido AA e o arguido EE resulta ainda clara da sessão 8117, correspondente a interceção de conversa telefónica ocorrida às 17:37 do dia 24 de março de 2024, ocorrida entre a utilizadora do número ... (WWW) e a utilizadora do número ... (a FFF), namorada do arguido AA. Neste telefonema, transcrito a fls.1381, a WWW diz à QQ que a XXX, namorada do EE, lhe ligou a dizer que este tinha sido preso e que tinham revistado a casa toda. A QQ responde que o AA não está em casa, tendo a outra respondido “Então menos mal”. E a QQ informa que vai avisar o AA e que ele tinha estado a tentar ligar ao EE. Desta conversa decorre que estas associam detenção do EE a factos perpetrados conjuntamente com o arguido AA. Na sessão 8161, referente à conversa telefónica ocorrida às 18:03 do dia 25 de março de 2024, transcrita a fls. 1382 dos autos principais, a FFF, através do número ..., liga para o número ... (telefone da WWW) a dizer-lhe que o YYY foi buscar as coisas lá casa do AA, ao que a WWW responde “menos mal”. Na sequência da conversa, a QQ diz que o ZZZ estava a perguntar quem tinha alugado o carro naquele dia. Acresce que das interceções telefónicas e, em especial, da análise da correspondente à sessão 2424, referente ao alvo ... produzida no dia 10/01/2024, pelas 00h51 minutos, relativa a conversa entre a FFF que utiliza o telemóvel ... e que liga à sua amiga AAAA, que utiliza o número ..., compreende-se que o arguido AA guardava objetos comprometedores em casa da namorada. Efetivamente, nesta conversa transcrita em auto de fls. 1374, a QQ comenta que está chateada com o AA e que ele só vai a casa dela por causa das “cenas do carro dele” e do dinheiro que tem lá guardado e que ele vai lá buscar. E comenta que o arguido AA lhe entrega dinheiro. A folhas 1373, foi junto auto de apreensão de telemóvel de marca iPhone, modelo 13, com IMEI ... aprendido a FFF, tendo sido determinada a realização de exame policial este aparelho. O facto assente em 30 resulta, além do mais, do documento de folhas 192, em que o Departamento de Armas e Explosivos da Polícia de Segurança Pública confirma que não existem registos ou manifestos de arma de fogo nem licenciamentos emitidos pela Direção Nacional da PSP em nome de AA. Ora estabelecida esta ligação entre os arguidos EE e AA e visto tudo o que se deixa dito, permite-se concluir que foi este último quem manipulou e disparou, a partir do Mini, tal como se deu por assente, um das pistolas de 9 mm que abriram fogo sobre BB, DD e CC. Pelo que fica a certeza de que foram os dois arguidos quem, juntos, em articulação de esforços e intentos, munido cada um de uma arma de calibre 9 mm, abriu fogo sobre o carro de BB, tentando matá-lo. Indiferentes a que, assim, poderiam causar, necessariamente, também, a morte dos outros dois passageiros. Mostrando-se, assim, demonstrada a dinâmica dos factos conforme provado de 10 a 20. As consequências físicas assentes em 21. resultam da documentação clínica coligida no NUIPC 32/24.3PALSB, já comentada. A fatualidade assenta a 22. e 23. resulta, para além dos depoimentos dos Inspetores da Polícia Judiciária que participaram na abordagem e detenção do arguido EE, bem como na busca domiciliária a sua casa, do auto de apreensão de fls. 909. Assim, na sequência da abordagem ao arguido EE, foi verificado que este se fazia acompanhar de uma bolsa de cor preta a tiracolos. No interior da mala, tinha uma pistola de marca SEG Sauer, bem como um porta chaves com 2 chaves de acesso à residência sita na Praceta 3. E tinha, ainda, a quantia a quantia total de € 705,00, distribuídos em 5 notas de € 100,00, 10 notas de € 20,00 e uma nota de € 5,00. O arguido trazia, na rua, consigo, um telemóvel de marca iPhone modelo xs de cor preta, um telemóvel marca iPhone modelo 14 cores cinzenta e uma chave pertencente ao veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo T-Roc, de matrícula AR-..-UR. A fls. 910, visualiza-se a bolsa e, no interior desta, a pistola. A fls. 911 e 912, são retratados pormenores da mesma pistola e carregador municiado. E folhas 916, encontramos o auto de busca e de apreensão realizado na Praceta 3, residência de EE. Ali, foram encontrados os objetos descritos em 23. Este auto de apreensão é acompanhado, a fls. 919, pela reportagem fotográfica. De realçar que, a fls. 922 e 923, é fotografada a caçadeira que se encontrava depositada sobre a cama. Ou seja, esta arma estava em posição de poder ser utilizada a qualquer momento. E ao seu lado, encontram-se os cartuchos aptos a municiar aquela espingarda. O que é revelador do grau de perigosidade desta posse. E a fls. 1855, foi junto aditamento ao relatório de exame pericial ...-BTX elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, que determina a qualidade, peso e concentração da substância ativa do MDMA que foi apreendido a EE. A fls. 1354, encontra-se livrete de manifesto de arma - Pistola marca CEG Sauer, modelo 911-22 - apreendida ao arguido EE, que estava licenciada a …, donde se depreende que esta arma não estava manifestada em seu nome. Também a caçadeira que veio a ser apreendida ao arguido EE estava registada em nome de BBBB desde 2/09/1999, como resulta da informação prestada pela Direção Nacional da PSP, a fls. 940. Pelo que se conclui que as armas não estavam manifestadas em nome do arguido EE que não estava, igualmente, autorizado a possuir armas. CCCC declarou que uma caçadeira foi guardada em sua casa a pedido de DDDD, namorado da sua neta. Este, o filho da pessoa em nome de quem a caçadeira estava manifestada, teria solicitado a arma para dar tiros no Ano Novo, tendo-a posteriormente devolvido. A testemunha desconhece como a arma foi parar à posse do arguido EE. Ainda que não seja imputada ao arguido EE outra atividade que não seja a de detenção de produto estupefacientes, o certo é que a análise do auto de transcrição de fls. 1380, relativo ao alvo ..., sessão 1791, permite compreender que o arguido EE fala ao telefone com o possuidor do telemóvel nº ..., pedindo que este desse o recado ao EEEE de que apenas há dinheiro de seis placas e não de sete, conversa comprometedora e que o relaciona com o mundo do estupefacientes, numa relação que excede, manifestamente a de mero consumidor. O arguido não verbalizou nem demonstrou ser consumidor e a apresentação e quantidade do produto que lhe foi apreendido não se compadece com o do consumo recreativo e esporádico a que o relatório social alude, ainda que com base, essencialmente, no seu contributo. Aliás, igualmente nebulosa é a questão do rendimento do arguido EE, até porque os relatórios das vigilâncias efetuadas pela PSP, as interceções telefónicas e as mensagens conservadas nos seus telemóveis, apontam para um estilo de vida pouco apoiado no trabalho. A fls. 1985, foi junta a fatura 2024/2714 de 30/09/2024, emitida pela Unidade Local de Saúde … que permite comprovar o facto assente em 40. A fls. 2045, 2047, 2049, 2092 e 2115, encontramos certidões de assento de nascimento de FFFF, JJ, FF, HH e GG, que permitem comprovar as relações de filiação que se consideram assentes. A fls. 2205, alcança-se da decisão do TEP que KK alegou, para efeitos de concessão de liberdade condicional, que mantinha relacionamento análogo aos dos cônjuges com a assistente FF, mas o certo é que passou a viver em casa da sua namorada QQ como já se descortinou do depoimento de ambas. O que se reflete na resposta negativa à matéria de facto. GGGG, num depoimento de escassa relevância, declara que não tem conhecimento direto sobre os disparos efetuados sobre o seu vizinho KK (AAA), apenas sabendo que este tinha problemas com muita gente. A testemunha via o arguido EE, amigo do seu marido, EEEE, a circular em dois ou três carros, desconhecendo se este e o primeiro combinaram o que quer que seja para trocarem de veículo. HHHH amigo do II, filho do AAA, conhece o arguido EE por ser amigo do companheiro da mãe, a testemunha que o antecedeu. A testemunha chegou a ser transportada, à boleia, no carro do EE, mas não sabe de que veículo se tratava, desconhecendo se alguém falou com o EEEE a propósito de troca de carros. IIII, testemunha arrolada pelos assistentes tem um depoimento de reduzida importância, na medida em que afirma que KK contribuía para o sustento da família, embora não lhe conhecesse atividade lícita, afirmando ainda que os assistentes estavam com medo quando este levou o primeiro tiro, mas o certo é que se apurou que a própria assistente FF apenas teve conhecimento deste facto após a morte daquele que tinha sido o seu companheiro. Para mais do que fica dito, as regras de experiência comum permitem concluir que esta vontade interior do arguido, refletida nos factos assentes em 26 a 37 projeta-se nos comportamentos exteriores adotados pelos arguidos que ora consideraram provados. Estes têm capacidade de discernir que as condutas que adotaram e exigiram reflexão eram proibidas por lei penal, o que resulta, além do mais, da atuação furtivas e das conversas codificadas e através de aplicações que lhes garantiam confidencialidade e resguardo. As condições económicas e sociais, à falta de outros meios de prova, assentam no relatório social juntos aos autos, interpretado com as reservas a que já se fez menção. Os antecedentes criminais resultam comprovados com base análise do certificado de registo criminal que antecede. E consideraram-se, ainda, as certidões, com nota de trânsito em julgado, das condenações sofridas por AA. Em especial, a fls. 2308 dos autos principais foi junta certidão de condenação de AA no âmbito do processo nº 882/14.9PEAMD, com liquidação de pena a fls. 2325 ali realizada. E a fls. 2330, foi apresentada certidão da sentença proferida no processo nº 508/14.0PCOER. A fls. 1844, encontramos o registo Biográfico da Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais relativo ao arguido AA, confirmando-se, ali, o período de reclusão a que esteve sujeito. Os factos não provados resultaram do que se disse e da falta de meios de prova que os corroborassem. Expurgou-se da matéria de facto sob resposta, os factos exclusivamente alegados a propósito da dinâmica e consequências da atuação sobre KK no dia .../.../2023, fixando-se a resposta do tribunal, dentro de uma solução plausível de direito, nos factos aludidos no pedido de indemnização de fls. 2028 e ss. que pudessem relevar para aquilatar da responsabilidade civil pela atuação de ... de 2023 (ainda que restrita ao arguido AA). » (…) «Dos crimes de homicídio na forma tentada. O arguido AA está pronunciado por 1 (um) crime de homicídio qualificado, na forma tentada, em autoria singular, previsto e punível pelo artigo 131.º, do CP, 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro e 22.º e 23.º do CP, perpetrado contra KK e por 3 (três) crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, e em coautoria com o arguido EE, previstos e puníveis pelo artigo 131.º, do CP, 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro e 22.º e 23.º do CP, perpetrados contra BB, CC e DD, enquanto EE foi pronunciado “tão somente” pela prática, em coautoria material, destes três últimos crimes (perpetrados em 11 de janeiro de 2024). Ora, dispõe o artigo 131.º do Código Penal que “Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”. O nº 1 do artigo 22º prevê que “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se” E o nº 2 define como “actos de execução: a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.” O artigo 23º, nº 1 coloca no elenco dos crimes puníveis a título de tentativa, o homicídio, atenta a moldura penal, com uma pena de prisão superior a 3 anos. O nº 2 do artigo 23º, prevê que a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado em apreço, que é especialmente atenuada. Assim, é o artigo 73º do Código Penal que empresta o critério para o cômputo da pena abstratamente aplicável. O artigo 86º, nº 3 do Regime Jurídico das Armas e das Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e alterado pela Lei n.º 17/2009, de 06/05 dispõe que “As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma”. Ora, o crime em apreço protege o bem jurídico mais precioso e inalienável, a vida humana, ou seja, a vida de outra pessoa nascida. Os elementos objetivos essenciais são de fácil apreensão: é punido a título de homicídio quem matar outra pessoa. Deste modo, estamos perante um crime de resultado. Este tipo de crime é punível a título doloso, em qualquer uma das suas formas previstas no artigo 14º do Código Penal, sendo que o homicídio praticado a título de negligência merece autonomização do tipo. Distinguindo-se, na matéria imputada aos arguidos, dois momentos de atuação, um deles com atuação exclusiva do arguido AA, e revertendo à matéria de facto assente referente ao dia ... de 2023, temos que este, com intenção de matar KK, planeou e executou um ataque com uma pistola de calibre 9mm, disparando contra a vítima e causando-lhe ferimentos graves. A morte não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade. O arguido agiu de forma livre, consciente e com pleno conhecimento da ilicitude da sua conduta. O arguido usou este instrumento – arma de fogo - com a intenção de produzir a morte do indivíduo, o que apenas não conseguiu por questões alheia à sua vontade. E ficou assente que o arguido atuou de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei. Assim, o arguido AA encetou atos idóneos a produzir o resultado típico, pois que inicia, com a sua conduta voluntária, orientada para a produção da morte do ofendido, um processo causal que não se completa com a produção daquele evento por motivos alheios à sua vontade. A curta distância a que estes disparos são feitos da vítima e a eleição de pistola de calibre 9 mm (reservada às forças militares e paramilitares) bem como a zona atingida eram de molde a causar-lhe perfuração de órgão ou artéria complexa e vital, o que iniciaria um processo causal inevitavelmente conducente à sua morte. Morte que também teria ocorrido caso a vítima não fosse conduzida ao hospital para estancar a hemorragia. Resulta evidente que o arguido AA praticou atos de execução do tipo criminal em apreço (cfr. artigo 22º b) do Código Penal). Esta atuação tem lugar com uso de arma de fogo, na definição legal conferida pelo artigo 2º, nº 1, alínea p) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro. Segundo a alínea p) «Arma de fogo» é: “i) A arma portátil, com cano ou canos, concebida para disparar, apta a disparar ou suscetível de ser modificada para disparar projétil ou múltiplos projéteis, através da ação de uma carga propulsora combustível, considerando-se suscetível de ser modificada para este fim se tiver a aparência de uma arma de fogo e, devido à sua construção ou ao material a partir do qual é fabricado, puder ser modificada para esse efeito; e ii) O dispositivo com carregador ou depósito, destinado ao disparo de munições sem projéteis, de substâncias irritantes, outras substâncias ativas ou munições de pirotecnia, e que possa ser convertido para disparar munição ou projétil através da ação de uma carga propulsora combustível”. Ora, o instrumento com as caraterísticas apuradas, que foi usado, integraria, assim, a definição de arma de fogo prevista naquele Regime Jurídico das Armas e suas Munições. E também aqui se verifica preenchido o elemento subjetivo do tipo de crime de homicídio agravado, na forma tentada, já descrito, sendo que o tipo-de-dolo, reveste a sua forma direta (art. 14º n.º 1 do C.P). Desta forma e por todo o exposto, o arguido AA não pode deixar de estar comprometido, nesta primeira hipótese, com o crime de homicídio na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º todos do Código Penal e artigos 86.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro. Efetivamente, e quanto à agravação, temos por certo que não existe qualquer fundamento para afastar a agravação prevista neste nº 3 do art. 86.º do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23.02. Destarte, e inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa que se tenha demonstrado, o arguido AA não pode deixar de ser condenado, em autoria material– cfr. artigo 26º do Código Penal - por um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º todos do Código Penal e 86.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, praticado na madrugada de ... de 2023. No que tange à segunda situação, temos por assente que em momento anterior ao dia 11 de janeiro de 2024, os dois arguidos, AA e EE, atuando em conjugação de esforços e vontades, delinearam um plano com o propósito de atentar contra a vida de BB. Para a concretização desse plano, muniram-se de armas de fogo aptas a disparar munições de calibre 9 mm e decidiram surpreender a vítima. Na madrugada do referido dia, ao aperceberem-se de que BB circulava no seu veículo, acompanhado de CC e DD, seguiram-no até à Rua 1, em ..., onde, pelas 01h00, o intercetaram. Posicionando-se ao lado do veículo da vítima, os arguidos, a partir do interior do automóvel em que se faziam transportar, abriram o vidro do lado do passageiro e, empunhando as armas de fogo, efetuaram diversos disparos — em número não inferior a sete — na direção do interior do veículo de BB. Os disparos atingiram este último na face e no membro superior esquerdo, provocando-lhe ferimentos graves, incluindo laceração da língua, tendo sido posteriormente assistido no Hospital de …. Os disparos, efetuados a curta distância, colocaram igualmente em risco a vida dos demais ocupantes do veículo, o que os arguidos representaram como sendo resultado necessário da sua conduta, os quais apenas não foram atingidos por se terem abrigado em reação ao ataque. Neste caso em apreço, resultou provado que os arguidos AA e EE, munidos de armas de fogo aptas a disparar munição de 9 mm, atuaram com o propósito deliberado de tirar a vida de BB, o que apenas não lograram por circunstâncias alheias à sua vontade, nomeadamente a reação defensiva das vítimas e a assistência médica célere prestada ao ofendido. Os dois arguidos utilizaram armas de fogo — instrumentos que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea p), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, integram a definição legal de arma de fogo — com a intenção clara de produzirem a morte da vítima. A curta distância a que os disparos foram efetuados, a escolha de munições de calibre 9 mm e a direção dos tiros para zonas potencialmente vitais do corpo da vítima (face e membro superior) revelam a idoneidade objetiva dos atos para a produção do resultado morte. Ficou igualmente assente que os arguidos atuaram de forma livre, deliberada e consciente, com plena consciência da ilicitude das suas condutas, preenchendo-se, assim, o elemento subjetivo do tipo legal de crime, na forma de dolo direto, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal. Os disparos efetuados iniciaram, pois, também aqui, um processo causal orientado para a eliminação da vida das vítimas, que não se consumou por razões externas à vontade dos arguidos, designadamente desvio de apontaria, a reação das vítimas e o socorro hospitalar. Tal circunstância configura a prática de atos de execução do tipo legal de crime de homicídio, nos termos do artigo 22.º, alínea b), do Código Penal, não se tendo verificado a consumação do resultado por motivos alheios à vontade dos agentes, o que preenche os pressupostos da tentativa, conforme previsto no artigo 23.º do mesmo diploma. Deste modo, a conduta dos arguidos integra a prática, em coautoria material (artigo 26.º do Código Penal), de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º do Código Penal, agravado pelo uso de arma de fogo, nos termos do artigo 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pessoa de BB. Os arguidos atuaram com dolo direto, representando e querendo o resultado morte de BB, bem como assumindo o risco de causarem a morte dos demais ocupantes do veículo, o que apenas não se concretizou por circunstâncias alheias à sua vontade e ligadas ao acaso e à capacidade de reação das vítimas, pelo que atuaram, quando a estas outras duas vítimas, com dolo necessário – cfr. artigo 14º, nº 2 do Código Penal. Agiram de forma livre, voluntária e consciente, plenamente cientes da ilicitude e censurabilidade das suas condutas, as quais são puníveis nos termos da lei penal, pelo que estão igualmente, comprometidos com os elementos subjetivos. Inexistindo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, não podem deixar de ser condenados por tantos os crimes quanto as vidas visadas. Pelo que os arguidos são, ambos, condenados, pela prática, em 11 de janeiro de 2024, em coautoria material, de 3 (três) crimes de homicídio agravado, na forma tentada, previstos e puníveis pelo artigo 131.º, do CP, 86.º, n.º3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro e 22.º e 23.º do CP, perpetrado contra BB, CC e DD.»
Medida das Penas: «Os arguidos sãos condenados, como se viu, pela prática de crime de homicídio agravado na forma tentada, incorrendo na pena mínima de 2 anos, 1 mês e 18 dias e máxima de 14 anos, 2 meses e 20 dias. São condenados pelo crime de detenção de arma proibida, previsto e punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. São condenados por um crime de dano, previsto e punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias. E o arguido EE é condenado por crime de tráfico de menor gravidade punível apenas com pena de prisão, de 1 a 5 anos. Em sede de determinação das consequências jurídicas do crime e da reação criminal adequada, a culpa e a prevenção funcionam como critérios gerais orientadores da medida da pena, tendo esta, sempre, como limite, aquela, que é justamente o seu suporte. Relevantes para encontrar a "medida da culpa", são os próprios ilícitos típicos, enquanto apreciados nas suas consequências típicas, que lhes conferem uma certa "imagem" ou sentido social. Posta a aplicação de duas penas em alternativa no que diz respeito ao crime detenção de arma proibida e ao crime de dano, haverá, pois, e antes de mais, que proceder à escolha da pena a aplicar aos arguidos. De acordo com o art. 70º do CP (com referência ao art. 40º), a alternativa entre a pena privativa e a pena não privativa da liberdade resolve-se em favor da segunda, sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do agente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime. Ora, os arguidos, especialmente o arguido AA, não estão integrados socialmente, sendo que os seus relatórios sociais apontam fragilidades e perigos para a respetiva reinserção. Ressaltando além do mais, essas dificuldades dos antecedentes criminais do arguido AA. Os arguidos não elaboram um juízo de autocensura. As exigências especiais são muito elevadas. Os factos praticados, panoramicamente tomados, são muito graves. Assim, a pena de multa seria completamente desadequada à situação pessoal dos arguidos e à imagem global dos seus comportamentos. A opção pela pena de prisão é, pois, necessária, adequada e proporcionada, à luz dos objetivos da prevenção geral e especial. Para mais, sempre que na pena conjunta deva de ser incluída uma pena de prisão, tem a Jurisprudência do STJ – cfr. v.g., Ac. de 5/2/2004 - proc. 151/04, Ac. STJ 12/02/2009 – processo 090110 e Ac. 10/1/2003, processo nº 507/05.3GAER.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt –entendido que se impõe, “na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa”. É que “uma tal pena «mista» é profundamente dessocializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: este quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando com a pena «mista» aquele já as perde na prisão!” (cfr. Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – II – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 154). Assim, limitados, por esta escolha, à aplicação de penas de prisão por cada crime cometido, importa, assim, determinar a medida da pena de prisão aplicável a cada crime, sendo sempre a medida da culpa e as exigências de prevenção a marcar o limite da pena (cfr. art. 71º do CP). O artigo 71º, nº 2 do Código Penal, manda atender, para a determinação concreta da pena, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”. * Da reincidência. Nos termos do artigo 75º, nº 1 do Código Penal “É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”. E prevê o nº 2 que “O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade” Nos termos do nº 1 do artº 76º do C.P. “Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores”. O Prof. Cavaleiro Ferreira, in Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, págs. 151/2, refere que a “fundamentação da agravação está na falta de eficácia da pena aplicada pelo primeiro crime e que a nova condenação é o indício relevante da falta de efectiva adesão do delinquente às injunções da lei”. Já o Prof. Figueiredo Dias, em Direito Penal Português em “As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 268, entendia que: “É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e, portanto, para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material - no sentido de «substancial», mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático” - da reincidência”. Este juízo tem de ser alavancado, em concreto, nos factos. “O elemento subjectivo essencial para a verificação da reincidência – de a condenação anterior não ter servido a arguido de suficiente advertência contra o crime – tem de ser averiguado em sede de matéria de facto” (cfr. Ac. STJ de 03/07/1997, in Col. de Jur., 1997, 2, 258). A douta acusação e, depois dela, a pronúncia, verteu para o libelo acusatório a condenação do arguido AA nos processos nº 449/14.1SFLSB, 436/14.0SELSB, 882/14.9PEAMD, 209/14.0SELSB e 508/14.0PCOER em penas de prisão superiores a 6 meses de prisão pela prática de crimes contra de roubo e de passagem de moeda falsa. Por Acórdão de Cúmulo jurídico proferido no Processo n.º 209/14.00SELSB-A pelo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 13, datado de 25.05.2017, transitado em julgado em 27.06.2017, este arguido AA foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, (que englobou as penas em que foi condenado nesses autos e nos processos 436/14.0SELSB, 508/14.0PCOER, 449/14.1SFLSB e 882/14.9PEAMD). O arguido este ininterruptamente preso à ordem destes processos entre 18 de março de 2015 e 21 de outubro de 2022, data em que foi libertado, em liberdade condicional a que deveria estar sujeito até 16 de janeiro 2025. Mais, fica demonstrado que, apesar do arguido ter sido condenado em pena de prisão efetiva, as finalidades de prevenção que presidiram à aplicação das penas de prisão aplicadas nesses processos não foram atingidas, porquanto não serviram para o arguido de suficiente advertência contra o crime. O arguido, aliás, pratica estes factos no período em que se encontrava sujeito ao regime probatório da liberdade condicional, o que reforça este juízo. Está em causa condenação anterior deste arguido em pena de prisão efetiva superior a seis meses. Ora, a situação dos autos justificará, ainda – até pela moldura abstrata da pena – a graduação, em concreto, da pena de prisão superior a 6 meses. Efetivamente, a pena mínima prevista para o crime de homicídio agravado tentado ultrapassa, desde logo, essa duração, pelo que se torna despiciendo, calcular, em concreto, cada pena parcial a aplicar a este arguido para, depois, concluir pela necessidade de aplicar o regime da reincidência, que se antecipa como óbvio, face ao preenchimento dos demais pressupostos. E entre a data dos factos que mereceram as condenações chamadas à colação pela acusação e a prática dos factos ora em apreciação não estão decorridos mais de 5 anos – salvaguardado o período de reclusão a que esteve sujeito. Verifica-se estarem preenchidos, assim, os pressupostos formais do tipo de crime, como também estão preenchidos os pressupostos materiais. Esta agravante não sendo de aplicação automática, é concretamente demonstrada pelos factos que se deram por assentes. O arguido não assumiu o comportamento ora em apreciação e a sua atuação demonstra desprezo pelo bem jurídico mais valioso protegido pelo nosso Código Penal, quando anteriormente, foi condenado por tipo de crime que também protege, ainda que de forma mista, bens pessoais A indiferença ao cumprimento efetivo e ininterrupto de pena de prisão já relativamente longa permitem concluir que, para além da habitualidade, é possível fazer um juízo de culpa agravada em relação aos concretos factos subjudice que integram, como se viu, 4 crimes de homicídio na forma tentada, um crime de dano e dois crimes de detenção de arma proibida. Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerandos, a pena mínima abstratamente aplicável referente a cada crime em concurso, em virtude do disposto nos artigos 75º e 76º, nº 1 do Código Penal, é aumentada, no que diz respeito ao arguido AA, JJJJ, em um terço: - Ou seja, para 2 anos, 10 meses e 7 dias, no que diz respeito aos crimes de homicídio agravado, na forma tentada; - 1 ano e 4 meses, quanto ao crime de detenção de arma proibida; - 40 dias, quanto ao crime de dano. * Da concreta graduação das penas referentes aos crimes pelos quais os arguidos são condenados: Dos crimes de homicídio na forma tentada. Visto o critério legal para a determinação da pena e a matéria que se deu por assente, entende-se que a intensidade dos ilícitos perpetrados sobre KK e BB é relativamente idêntica, considerando as consequências pessoais. Nas duas situações, os arguidos disparam à queima roupa, inexistindo dúvidas de que o dano físico na primeira situação é inteiramente imputável ao arguido AA, o único executor. Os arguidos atuam, nas duas situações, de noite, ainda que na primeira situação, AA atuasse isoladamente e, na segunda, em conjugação de esforços e intentos com EE. A intensidade do dolo, atenta a reflexão necessária aos atos, é média, sem se descurar que na segunda situação são disparados mais projéteis.Os arguidos não demonstram, em momento nenhum, genuíno constrangimento dos atos que encetam. A conduta de AA, anterior aos factos, vistos os seus antecedentes, é censurável, ainda que jamais tenha sido condenado por crime desta natureza. Já a conduta do arguido EE, ainda que a sua integração social espelhada no relatório social não seja das melhores, era isenta de condenações em processo penal. A conduta dos arguidos causa elevado alarme social e revela sentimentos de elevada antissociabilidade, pelo que as exigências de prevenção especial são muito elevadas. As exigências de prevenção geral são, igualmente, enormes, atento o aumento da insegurança nas ruas desta Comarca e em toda a zona metropolitana de Lisboa. Desta forma, tudo conjugado, entende-se ser de graduar a medida da pena destes crimes de homicídio na forma tentada acima do meio da moldura penal. Assim, tudo exposto, pela prática destes crimes que tiveram como vítimas KK e BB, entendemos ser justa e proporcional a graduação das penas parciais a aplicar ao arguido AA em 9 (nove) anos de prisão. Já a conduta do arguido EE, ainda que a sua integração social espelhada no relatório social não seja das melhores, era isenta de condenações em processo penal. A conduta dos arguidos causa elevado alarme social e revela sentimentos de elevada antissociabilidade, pelo que as exigências de prevenção especial são muito elevadas. As exigências de prevenção geral são, igualmente, enormes, atento o aumento da insegurança nas ruas desta Comarca e em toda a zona metropolitana de Lisboa. Desta forma, tudo conjugado, entende-se ser de graduar a medida da pena destes crimes de homicídio na forma tentada acima do meio da moldura penal. Assim, tudo exposto, pela prática destes crimes que tiveram como vítimas KK e BB, entendemos ser justa e proporcional a graduação das penas parciais a aplicar ao arguido AA em 9 (nove) anos de prisão. E, refletindo a diferença de antecedentes, entendemos ser justo e adequado graduar as penas parciais em 8 (oito) anos, no que tange ao crime de homicídio agravado na forma tentada, perpetrado por EE na pessoa de BB. Quanto aos crimes da mesma natureza que tiveram por vítimas CC e DD, praticados em coautoria por ambos os arguidos, pondera-se a elevada antisociabilidade da conduta de ambos, atenta a forma de execução, ínvia. Tal como imputado, apurou-se que os arguidos atuaram com dolo necessário, no que tange à realização do evento danoso nestas vítimas, que não registaram qualquer dano pessoal. Por todo o exposto, entendemos justo fixar as penas parciais, no que diz respeito aos dois crimes de homicídio agravado na forma tentada de que CC e DD foram vítimas, em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses no que tange ao arguido AA eem 6 (seis) anos e 6 (seis) meses no que diz respeito a EE (refletindo a diferença das penas, a diferença da medida da culpa atinente aos diferentes percursos criminosos). * Do crime de dano. Quanto ao crime de dano, há que reproduzir as circunstâncias ora atendidas para a graduação da pena de prisão pelos crimes de homicídio agravado na forma tentada praticados em 11 de janeiro de 2024. A intensidade do ilícito é, pela forma como os factos são praticados, e por se tratarem de objetos particularmente expostos, moderada, não se tendo apurado estarmos perante valores patrimonialmente muito elevados. A intensidade do dolo é média, considerando o dolo necessário e a concomitância do resultado danoso. Valoram-se, também aqui, os antecedentes criminais já sublinhados. Entendemos, assim, ser adequado e proporcional graduar a medida de pena, em relação junto ao terço da moldura penal, condenando o arguido AA na pena parcelar de 1 (um) ano de prisão e o arguidoEE na pena de 9 (nove) meses de prisão. Dos crimes de detenção de arma proibida. Quanto a este tipo de crime, prévio dos demais, valem as considerações que ora ficam expostas e, muito concretamente, quanto aos antecedentes. A intensidade do ilícito é, no caso, medido pela perigosidade das armas (curtas de fogo) e caçadeira que o arguido EE acumulava, em 24 de março de 2024, com outra pistola de 9 mm. Valora-se, negativamente, a concreta utilização de armas deste tipo pelo arguido AA nos dias ... de 2023 e 11 de janeiro de 2024 e neste último dia pelo arguido EE. E valoram-se as circunstâncias da detenção de cada arma, no dia 24 de março de 2024, pelo arguido EE. A intensidade do ilícito é, pois, já muito significativa, não sendo Pelo que analisando os factos objetivos dos quais resulta a intenção de matar, o Tribunal a quão fez uma correta interpretação dos mesmos e destes retirou a intenção de matar, nada havendo a apontar à qualificação jurídica dos mesmos. despicienda a posse, na sua casa, ainda, de uma caçadeira e de munições e na sua posse de 10 munições 9 mm, juntamente com a pistola. A intensidade do dolo é, também ela, atenta a reflexão necessária a perpetrar os crimes, média/elevada. Pelo exposto, entende-se, também aqui, distinguir a medida das penas em função dos anteriores antecedentes dos arguidos, para além da agravação concreta que resulta da aplicação do regime da reincidência. Assim, entendemos ser adequado graduar cada uma das penas parcelares a aplicar, por cada um dos dois crimes de detenção de arma proibida em que o arguido AA vai condenado, em 2 anos e 9 meses. E entendemos ser de graduar as duas penas em 2 (dois) anos no que tange a cada um dos crimes de detenção de arma proibida pelos quais o arguido EE vai condenado. * Do crime de tráfico de estupefacientes. A intensidade do ilícito exclusivamente praticado pelo arguido EE é relativamente reduzida, considerando as condições e local da posse, quantidades e qualidade do produto estupefaciente. Não se comprovou, dos factos assentes, que o enriquecimento do arguido seja significativo, ainda que fosse encontrado com quantia já significativa em dinheiro. Quantia que não justificou. O dolo, direto, assume intensidade média. Valora-se a falta de antecedentes. Pelo exposto, entende-se justa a aplicação ao arguido de uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pela prática deste crime, abaixo do terço da moldura penal. Do cúmulo jurídico de penas a aplicar ao arguido AA. Ora, este arguido é julgado e condenado, neste acórdão, por 7 crimes, que estão, assim, numa relação de concurso. Pelo que importa fixar ao arguido uma pena única. Assim, operando o cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artigo 77º do Código Penal, há que aplicar uma pena unitária ao arguido, que pode ser fixada entre a maior das 7 penas concretamente aplicadas – 9 (nove) anos – e 25 (vinte e cinco) anos, que corresponde à pena máxima aplicável prevista pelo nº 2 daquela disposição (já que a soma de todas as penas equivale a 36 anos e 9 meses de prisão). De acordo com os traços de personalidade demonstrados (nomeadamente pelos antecedentes), que apontam para uma situação de pluriocasionalidade, e as circunstâncias em que foram cometidos os crimes, vista a relativa homogeneidade da conduta, analisada a imagem global da ação delinquente, causadora de elevado alarme social, julga-se adequado condenar o arguido AA na pena única global de 16 (onze) anos de prisão, correspondente a um pouco mais de um quarto da diferença da soma das penas e da pena mais elevada. * Do cúmulo jurídico de penas a aplicar ao arguido EE. Também este arguido é condenado por sete crimes e em sete penas que estão, entre si, em concurso, pelo que há que graduar a pena única de acordo com o critério já exposto e dentro dos limites previstos pelos artigos 77º e 78º do Código Penal. Assim, a pena única a aplicar a EE deverá situar-se entre 8 anos e 25 anos de prisão (já que a soma das sete penas equivale a 27 anos e 3 meses). A imagem global dos factos é, igualmente, muito negativa. Também este arguido não elabora qualquer juízo de autocensura. Os factos por si praticados são relativamente heterógenos. Valora-se a falta de antecedentes criminais deste arguido. Assim, entende-se ser justa e adequada a aplicação a este arguido EE da pena única de 14 anos de prisão.»
*
2.Fundamentação:
2.1. 2.1 Recurso de AA:
a) erro de julgamento;
b) aplicação do princípio in dubio pro reo,
c) ou, caso assim não se entenda, que decida verificar-se erro na subsunção dos factos ao direito, no que tange à tentativa de homicídio perpetrada sobre KK, condenando-o pelo crime de ofensas à integridade física qualificadas, com todas as legais consequências.
d) Medida da pena: redução das penas parcelares para perto do seu limite mínimo, reformulando o cúmulo por via da requerida redução.
a) Erro de julgamento:
Em sede de recurso pode o Tribunal da Relação ser chamado a pronunciar-se no âmbito de uma impugnação ampla da matéria de facto, feita nos termos do art.º 412.º/3, 4 e 6 do Código de Processo Penal, caso em que a apreciação versará a prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente.
Neste caso, o recurso não corresponde a um segundo julgamento para produzir uma nova resposta sobre a matéria de facto, com audição das gravações do julgamento da primeira instância e reavaliação da prova pré-constituída, mas sim um mero remédio corretivo para ultrapassar eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida. Tais erros emergirão como resultado de uma deficiente apreciação da prova e terão sempre de corresponder aos concretos pontos de facto identificados no recurso.
Impõe-se, então, ao Recorrente que indique os factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados bem como os meios de prova e respetiva interpretação, avaliação, que imponham decisão diversa daquela produzida em primeira instância.
O Tribunal de recurso só poderá alterar a decisão se as provas indicadas obrigarem a uma decisão diversa da proferida. Caso tais provas não imponham essa decisão diversa, mas apenas a permitam, paralelamente àquela que foi a decisão da primeira instância, deverá ser esta última a prevalecer, não havendo lugar a qualquer correção da decisão recorrida, desde que se mostre devidamente fundamentada e, face às regras da experiência comum, couber dentro de uma das possíveis soluções [vd., Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.2021, Desembargador Jorge Gonçalves - ECLI:PT:TRL:2021:477.20.8PDAMD.L1.5.A4].
Decorre dos princípios norteadores da valoração de prova – livre apreciação, imediação e oralidade– que o Tribunal de recurso não deverá alterar a matéria de facto fixada pelo juiz do julgamento, se a livre convicção se encontrar devidamente fundamentada, e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum.
Conforme se lê no Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo 1142/22.7JACBR.C1, de 9/10/2024 (IGFEJ, Bases Jurídico documentais) precisamente a propósito de um caso de homicídio, , «(…)O que significa que, havendo prova produzida em audiência que consinta duas ou mais decisões de facto, e o julgador, fundamentadamente optar por uma delas em detrimento de outra ou de outras, a decisão que proferir sobre a matéria de facto é, em principio inatacável, ainda que o recorrente faça uma leitura diversa, a não ser que, as provas produzidas imponham uma decisão diferente da do tribunal recorrido, o que acontecerá, nomeadamente, «sem preocupação de enunciação exaustiva, designadamente, quando o julgador decidiu a apreciação dos meios de prova ou de obtenção de prova ao arrepio e contra a prova produzida (v.g. dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição constata-se que a testemunha disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ou nem se pronunciou sobre aquele facto, ou quando o tribunal valorou meios de prova ou de obtenção de prova proibidos, ou apreciou prova produzida desrespeitando as regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis, ou quando a apreciação da prova produzida contraria as regras da lógica, princípios da experiência, ou ainda, quando a apreciação se revela ilógica, arbitrária e valorada do favor rei).»
Entende o recorrente existir erro de julgamento quanto aos provados os factos constantes nos art.ºs 1 a 6 e 9 (no segmento que refere “como pretendido por AA que se encontrava a poucos metros de distância daquele, por razões alheias à sua vontade” e 10 a 12, 14 a 17, 19 a 20 e 26 a 32 (nos segmentos que se referem a AA). Isto porque, apesar de no Acórdão sob censura ser referido que a Decisão se sustentou na prova testemunhal e documental junta aos autos o que pressuporia uma corroboração entre estes dois meios de prova, certo é que, SMO, tal não se verifica. Na situação ocorrida no dia ….2023 que se reporta a um tiro desferido sobre KK, a prova é indirecta e por ouvir dizer, o tribunal avaliou os depoimentos como credíveis desconsiderando que a narrativa das testemunhas JJ e QQ contraria frontalmente as regras da experiência comum e da normalidade da vida e indica as passagens dos depoimentos das duas testemunhas. Resulta do depoimento da testemunha JJ que todo o seu discurso é direccionado para a incriminação do recorrente por estar convencida de que foi AA quem tirou a vida do seu pai, em momento posterior. Não resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida que KK ocultasse tal informação à demais família com quem vivia (“seleccionando uma filha com quem não contactava regularmente). De facto, KK nada disse à esposa de 30 anos, FF, (Ficheiro de origem: Diligência 1623-23.5PFAMD_2025-06-02_11-56-19), que ouvida das 11:56:19 às 12.21.00, do minuto 00:00:01 ao minuto 00:03:54 e do minuto 00:22:48 ao minuto 00:23:36 afirma que o ofendido esteve consigo, no dia do disparo, na casa de morada de família e este não indicou o nome da pessoa que o atingiu. O mesmo aconteceu com os filhos com quem vivia, GG, HH e II, a quem KK não comunicou a identidade do autor do disparo sobre si perpetrado no dia ... de 2023. GG, Ficheiro de origem: Diligência_1623-23.5PFAMD_2025-06-02_10-19-21, ouvido na sessão de julgamento do dia 02/06/2025, das 10:19:21 as 10:38:00, disse, do minuto 00:03:35 ao minuto 00:04:26 que o pai não identificou o atirador. Também, HH, (Ficheiro de origem: Diligência_1623-23.5PFAMD_2025-06-02_10-53-11), que na sessão do dia 02/06/2025, ouvido das 10:53:11 às 11.01.00, referiu, do minuto 00:01:00 ao minuto 00:06:32 que o pai não o informou sobre a identidade do autor do tiro. E, por fim, II, (Ficheiro de origem: Diligencia_1623-23.5PFAMD_2025-06-02_11-01-16), ouvido na sessão de julgamento do 02/06/2025 desde as 11:01:16 até às 11:11:00, esclarece, do minuto 00:03:06 ao minuto 00:06:55 que, apesar de ter falado com KK este nada referiu quanto ao autor do disparo. Sendo certo que o arguido AA era o único que era conhecido no Bairro onde KK e a família residiam, não se mostra consentâneo com as regras da experiência comum e da normalidade da vida que o ofendido não tivesse transmitido à mulher com quem viveu trinta anos e os filhos, de quem era próximo, quem havia sido o autor do disparo e apenas o tivesse feito à filha com quem não vivia praticamente desde que esta nasceu. Também não se mostra conforme às regras da experiência comum e da normalidade da vida que KK não tivesse identificado o autor dos disparos no momento em que foi Abordado pela PSP, ainda no hospital para onde foi transportado, conforme se alcança do teor do Auto de Notícia de fls. 3. Tal postura e comportamento persecutório resulta, também, claramente, das declarações prestadas pela Testemunha QQ, (Ficheiro de origem: Diligencia_1623-23.5PFAMD_2025-06-26_10-13- 50), ouvida na sessão de 26/06/2025, das 10:13:50 às 10:55:00, que, num depoimento ensaiado e calculista, do minuto 00:00:00 ao minuto 00:02:18 começa logo por dizer que se sente intimidada, nitidamente com o objectivo de “incutir” sentimentos de “má vontade” contra o recorrente. Esta testemunha, apesar de admitir que nem sequer estava em Portugal no dia ... e que também não regressou na sequência do disparo desferido contra KK (o que mal se compreende se a relação que disse com ele manter fosse verdadeira), do minuto 00:03:54 ao minuto 00:05:00 admite que foi um terceiro que lhe comunicou o sucedido e que “no Bairro toda a gente sabe” quem teria sido o autor do tiro. Ora, é este convencimento decorrente de rumores que leva á manifesta construção do depoimento desta testemunha que, durante todas as declarações que prestou, deixou perpassar a ideia de que, convicta que está de que o autor da morte de KK era o recorrente, o que pretendia era alcançar uma qualquer punição. E a falta de credibilidade desta testemunha é, ainda, visível na tentativa de explicação do motivo que poderia ter levado ao disparo, no dia .... A testemunha, do minuto 00:12:06 ao minuto 00:13:04 refere que KK lhe teria dito que tal se deveu a um furto de droga sem, contudo, indicar o dono do produto estupefaciente. Ora, não corresponde àquela que é a normalidade da vida e do acontecer que alguém que indica o nome de quem o baleou e confessa um furto de droga “seccione” a informação e omita o “resto” da história, confiando só o segmento que se destina a imputar a responsabilidade do tiro ao recorrente. Aliás, não tendo sido estabelecida qualquer relação entre o recorrente e o tráfico de produto estupefaciente, a testemunha QQ acaba por admitir que “sabe” ter sido o arguido quem foi contratado para recuperar a droga porque (minuto 00:13:46 do depoimento) toda a gente sabe. Todas estas declarações prestadas com reserva mental, convencida que a morte de KK aconteceu às mãos do recorrente, como ficou claro, ao minuto 00:16:0, quando diz, referindo-se ao seu próprio filho “Mas acho que é… é normal ele estar da forma como ele está. O pai dele foi assassinado por essas duas criaturas que estão aqui atrás de mim. E, ao minuto 00:23:44: Sim, sim, sim. As pessoas que estão nesse… no mundo do crime. Inclusive ele uma vez disse-me, se lhe acontecesse alguma coisa, para eu não… colaborar. Foi o que ele me disse. Mas eu estou aqui porque quero justiça, não quero que mais nenhuma outra família passe pelo que nós passámos. Essas… esses dois indivíduos, que para mim são dois sicários. Foram pagos para assassinar [falas sobrepostas] O mesmo sucede no que tange aos factos dados como provados nos pontos 10 a 12, 14 a 17, 19 a 20 e 26 a 32 (nos segmentos que se referem a AA) do elenco dos factos provados, no que tange ao Erro de Julgamento, sendo que a prova produzida importa Decisão Diversa, passando tais factos a integrar o elenco dos factos não provados: Comecemos por referir que o próprio Acórdão, no ponto 10 (in fine) dos factos provados, consigna que não existia qualquer “desavença” entre o recorrente e o ofendido BB. Não foi feita qualquer prova de que o recorrente estivesse no local onde o ofendido BB foi baleado e, por consequência, no local onde também se encontravam os ofendidos CC e DD. O Ofendido BB, Ficheiro de origem: Diligencia_1623-23.5PFAMD_2024-05-07_11-33-15, ouvido em Declarações para Memória Futura no dia 07/05/2024, desde as 1:33:15 até às 11.52.00, referiu peremptoriamente, do minuto 00:01:24 ao minuto 00:16:11 ao minuto 00:16:14 que não viu o recorrente no local. Mais refere esta testemunha, (Ficheiro de origem: Diligencia_1623-23.5PFAMD_2024-05-07_12-12-57), em depoimento que prosseguiu no mesmo dia, a partir das 12:12:57 até às 12.35.00, do minuto 00:06:15 ao minuto 00:14:30 que apenas viu o arguido EE a disparar, a partir de um veículo, assumindo este outro arguido o lugar do “pendura”. O ofendido nunca refere que o condutor, ou qualquer outro ocupante do carro, também disparou sobre si! E a construção que o Tribunal faz, depois de concluir pela autoria do tiro que KK sofreu no dia ..., foi que, como as armas não andam de mão em mão, se foi o AA o autor do primeiro disparo também disparou contra BB, SS e CC. Ora, uma vez mais e sem qualquer prova directa (desta vez com as testemunhas vivas e ouvidas em julgamento), o Tribunal conclui contrariando as regras da experiência comum e da normalidade da vida! Ao contrário do que foi “percpcionado” pelo Tribunal de Julgamento, a verdade é que o ofendido BB não só não identifica o recorrente como explica que só viu uma arma na mão do arguido EE, sendo certo que não se conforma com as regras da experiência comum e da normalidade da vida que o condutor do veículo que transportava o “atirador” sobrepusesse a linha de tiro sobre este, correndo o risco de atingir quem disparava! Para imputar a autoria destes 3 crimes ao recorrente, o Tribunal desconsiderou a normalidade do acontecer, mormente, que se a arma tivesse sido usada pelo recorrente para atingir KK (o que não se admite, conforme explanado supra), certamente o seu utilizador teria o maior interesse em “descartá-la”, entregando-a ou vendendo-a, por forma a não lhe ser apreendida no âmbito de uma investigação a esse crime! Não tendo sido o arguido a disparar contra KK, também a arma que disparou contra os demais ofendidos não pode ser colocada “nas mãos” do recorrente. Aliás, a arma utilizada nunca foi encontrada na posse de nenhum dos arguidos o que autoriza a convicção de que possa ter sido utilizada por terceiros que nada têm a ver com o arguido AA.
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Antes de entrarmos na análise feita pelo Tribunal a quo convém referir que no primeiro grupo de factos impugnados, ambas as testemunhas foram ouvidas, porque o relator dos factos/vitima faleceu e alegadamente lhes contou quem disparou sobre ele no dia ..., bem como que o fez em virtude de uma dívida do falecido relacionada com o tráfico de estupefacientes. Ora, o artigo 129º, n.º 1, do Código de Processo Penal prevê que “Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas”. Esta disposição regula, assim, a utilização e valoração do depoimento indireto, que ocorre quando uma testemunha relata em tribunal factos que ouviu de outra pessoa e não por ser testemunha direta desses factos. O juiz, em processo penal, deve chamar a depor a pessoa que relatou o facto à testemunha indireta, sempre que possível, o que fica inviabilizado no caso de morte da testemunha – fonte. Assim, estando esta falecida, a lei processual admite, de forma excecional, (a par do que acontece com as pessoas afetadas por anomalia psíquica superveniente e das que não podem ser encontradas) que o depoimento indireto possa ser valorado, por essa inquirição da fonte não ser possível.
Conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 3202/17.7TGMRG1.S1, de 12/12/2028, relatado por Pires da Graça (IGFEJ- bases jurídico-documentais) «…As testemunhas são inquiridas sobre factos de que tenham “conhecimento directo e que constituam objecto de prova”. É a regra estabelecida no artigo 128º nº 1 do Código de Processo Penal (CPP). Mas esta regra tem excepções. Sob a epígrafe “depoimento indirectos”, estatui o artigo 129º do CPP: «1- Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas. 2 - O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha. 3 - Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos». A distinção entre depoimento directo e indirecto nem sempre é realizada da melhor forma. A testemunha tem conhecimento directo dos factos, quando os percepcionou de forma imediata e não intermediada, através dos seus próprios sentidos. Já no âmbito do testemunho indirecto, segundo a lição do Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit., II, 4ª edª., pág. 180, “a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos”(…) “é o vulgarmente designado testemunho de ouvir dizer Também o Prof. Costa Pinto (Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa, in Estudos e homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. III, Coimbra editora, 2010, págs. 1047-1048), nos elucida no sentido de que “O depoimento indirecto consiste na revelação processual de factos que não foram objecto do conhecimento directo da testemunha que os descreve, tendo antes origem numa informação que lhe foi transmitida por outra pessoa”. Ainda segundo o acórdão do STJ, de 3 de Março de 2010, processo 886/07.8 PSLSB.L1.S1., rel. Cons.º Santos Cabral, “ O depoimento indirecto refere-se a um meio de prova, e não aos factos objecto de prova, pois que o que está em causa não é o que a testemunha percepcionou mas sim o que lhe foi transmitido por quem percepcionou os factos. Assim, o depoimento indirecto não incide sobre os factos que constituem objecto de prova, mas sim sobre algo de diferente, ou seja, sobre um depoimento»
O ocorrido no domínio da prova em observação, transporta-nos, igualmente para a temática da prova indireta.
A propósito da prova indireta convocamos um escrito de Susana Aires de Sousa, porque simultaneamente refere os pontos essenciais e a maior exigência com este tipo de prova, analisada por diversos autores.
« Na medida em que o facto conhecido (base da presunção) não prova mas antes indicia o facto presumido, a convicção probatória do julgador, admitida pelo artigo 127.º, está sujeita ao dever acrescido de fundamentação nos termos do artigo 374.º, n.º 2. O juiz é livre de decidir por determinada convicção probatória, mas não é livre de não a justificar (destacado nosso). Trata-se, nas palavras de Castanheira Neves de uma liberdade para a objetividade (divorciada da mera intuição), que se comunica e impõe aos outros. Ou, agora com Figueiredo Dias, uma convicção objetivável, motivável e «capaz de se impor aos outros”. Da nossa perspetiva, esta objetividade ganha contornos precisos e concretos quando esteja em causa a prova indireta do facto condenatório, sendo exigível a enumeração dos factos indiciantes e indiciados (dever de enunciação), e o exame crítico da prova que os suporta e do juízo de inferência inerente à presunção factual (dever de motivação). Esta exigência de objetividade (a que nos referimos e procurámos concretizar no número anterior) constitui em si mesmo, como salienta Castanheira Neves, um princípio de objetividade – «um princípio jurídico que não deixará de ser controlável mesmo pelos tribunais de recurso com competência apenas “de direito”». A realização deste percurso de fundamentação e motivação é, na verdade, uma exigência legal, nos termos do artigo 374.º, n.º 2, e é, outrossim, uma condição necessária para que a decisão de dar como provado um facto, não existindo qualquer prova direta que o suporte, possa ser controlável e sindicável pelo tribunal superior à luz das regras processuais e dos princípios gerais do processo penal. Por esta razão, o cumprimento dos deveres acrescidos de fundamentação e motivação no uso da prova indireta do facto é essencial ao exercício do direito de defesa, isto é, à possibilidade de, em recurso, o arguido poder reagir contra a prova daquele facto. O controlo de valoração da prova indireta passa ainda por outros parâmetros processuais (gerais), para além do princípio da objetividade. A convicção sobre a presunção há de ser objetivada e racionalizada para que, desse modo, o tribunal possa mostrar-se convencido para além de toda a dúvida razoável e, com isso, comunicar o seu juízo a terceiros. Tal grau de convencimento não se basta com a mera probabilidade e é exigível quer quanto aos factos-indícios (devidamente enumerados), quer quanto à regra da experiência invocada e aplicada para sustentar a presunção. Deste modo, a dúvida sobre o facto essencial à presunção constitui um obstáculo à prova indireta do facto. Persistindo dúvidas sobre os factos indiciantes ou sobre o concreto juízo de inferência que deles se pode retirar, o juiz tem de aplicar o princípio in dubio pro reo, dando como não provado o indício ou como não provado o facto presumido, respetivamente. E deve ser assim ainda que o juiz tenha uma convicção subjetiva, moral, íntima sobre a verificação da presunção que, porém, não é objetivável, por isso, «não pode ser completada por uma via racionalizável» a posteriori na fundamentação e motivação da decisão (por exemplo, em virtude da existência de contraindícios). A solução não poderá ser outra que não a de dar como não provado o facto. Constituindo o princípio in dubio por reo um princípio geral do processo penal a «sua violação conforma uma autêntica questão-de-direito» sindicável em recurso. Por último, mas com decisiva importância: interpretar o artigo 127.º do CPP no sentido de por via dele se admitir a prova indiciária de um facto sem se exigir um acrescido dever de fundamentação e motivação da decisão, com fundamento legal no artigo 374.º, n.º 2, para além de determinar a nulidade da sentença de acordo com o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), constitui uma violação do dever constitucionalmente imposto de fundamentar as decisões judiciais nos termos legais a que se refere o artigo 205.º, n.º 1, da CRP. Estudos de Homenagem ao Professor Dr. Germano Marque da Silva, Universidade Católica Editora, Prova indireta e dever acrescido de fundamentação da sentença penal Susana Aires de Sousa* pag 2771 e ss.» Vertendo ao caso que nos ocupa, consta da fundamentação da decisão do Tribunal a quo o seguinte: «Apesar de KK ser pessoa reservada, que se associa, além do mais, à vida associada a comportamentos delinquentes –mantinha-se, aliás, em liberdade condicional como resulta de fls. 2205 – aquele veio a relatar o sucedido no dia ... à assistente JJ, sua filha, bem como à assistente BBB, sua namorada. As declarações e depoimentos por estas produzidos são espontâneos, em especial no que tange à testemunha QQ. A assertividade do depoimento desta testemunha e a coerência do seu discurso não deixam dúvidas quanto à sua genuinidade, nem à autenticidade do relato que lhe foi transmitido por KK. Não se descortina qualquer outra razão para esta testemunha, que não tem qualquer relação com a filha de KK (antes se antevendo uma relação hostil devido ao relacionamento paralelo que este mantinha com a mãe desta) apresentar um depoimento parcialmente coincidente -destacado nosso. O propósito da testemunha QQ até é transmitido de forma emotiva, quando invoca a necessidade de haver justiça para KK, para romper a lógica do silêncio que norteava, também, a vida deste e das pessoas com quem se relacionava no Bairro que frequentava. Afirma, de forma esclarecedora, que as pessoas que “estão neste mundo do crime, têm a cultura de não chibar”. Mas atalha que depõe para que ninguém tenha que passar por “isto outra vez”. Assim, BBB declarou que, à data destes disparos ocorridos no dia ... de 2023, se encontrava temporariamente no …, mas vinha permanecendo na …, onde o KK pernoitava consigo. A testemunha declara que tem um filho de 19 anos fruto de uma relação inicial com este e que após um hiato no relacionamento e após a libertação de KK passaram a viver juntos. Aliás, na assertividade que pauta o seu discurso, anuncia que a família de KK sabia deste facto e se quisessem ser “honestos” teriam que reconhecer que ela estava junta com este. A depoente explica que tinha estado em constante contacto telefónico com o KK no dia … Ainda na madrugada do dia 19, foi informada por uma comadre, de nome DDD, de que o AAA” havia sido baleado, sendo-lhe de imediato indicado que o autor teria sido o arguido AA. No dia seguinte, KK confirmou-lhe telefonicamente que se encontrava no Hospital … e que o autor do disparo fora, de facto, o AA. KK confidenciou-lhe que tinha saído com um amigo e quando chegou ao ..., viu o AA e começaram a falar. E disse-lhe, não tem dúvidas, de que o arguido disparou sobre ele quando estavam frente a frente. Mais tarde, após a alta, a vítima KK relatou-lhe que viu o arguido AA no …, acompanhado de duas mulheres, o que lhe causou a perceção de estar a ser seguido. QQ, que se identifica como tendo o curso de técnica de reinserção no …, ainda que não exercesse, presentemente, essa atividade, referiu que o AAA”, nome pelo qual era conhecido a vítima, pretendia mudar de vida e juntar-se a ela em …, mas que, devido ao seu estado de saúde debilitado por este disparo no dia ..., tal acabou por não se concretizar. A depoente acrescentou aquilo que se perceciona ter sido o móbil do crime, dizendo que o AAA” a informara que tinha roubado droga, o que motivou a retaliação por parte dos arguidos, contratados pelo dono do estupefaciente para recuperar o produto- destacado nosso. A testemunha não tem qualquer dúvida de que o seu namorado se reportava ao arguido AA, que também chamava de “EEE”. Este era um conhecimento de KK desde pequeno. Esta versão acaba por ser credenciada pela análise de objetos que foram apreendidos ao arguido AA no momento da sua detenção. É que este veio a ser capturado em …, no dia 24 de março de 2024, no seguimento da emissão de Diretiva Europeia de Investigação (DEI) cfr. fls 1036, 1101, 1293 e 1297. No âmbito dos mesmos mecanismos de cooperação internacional (informação da Polícia …) já se havia detetado a presença do arguido AA em …, no início do mês – cfr. a fls 795. O arguido AA foi detido, além do mais, com um colete balístico na sua posse, o que sugere de que atuava por conta de traficantes, na execução de cobranças difíceis e na atemorização de quem incumprisse esses negócios de droga. Convicção reforçada e alavancada pela apreensão, a fls 1601, de 4 telemóveis em … e que foram entregues de acordo com o termo de entrega de fls. 1735. A extração do conteúdo dos telemóveis, feita por especialistas da Interpol encontra-se plasmada a fls. 1756 e ss. O segundo Samsung ... que lhe foi apreendido contém fotografias obtidas por acionamento do motor de busca da internet, resultando do historial de partilha, o interesse pelo utilizador do telemóvel em adquirir um silenciador para uma Glock (de calibre 9mm) - cfr. fls 1817 a 1881 – idêntica à que foi usada para disparar, em ... de 2023, sobre KK. As mensagens de Telegram num dos aparelhos Samsung – cfr. fls. 1766 – referem-se, manifestamente, a cobranças difíceis, que se crê estarem relacionadas com negócios de droga, atendendo aos valores que são mencionados como estando em dívida (ex: € 120 000,00) E são usadas, nestes aparelhos, contas de Signal, Telegram e Whatsapp, aplicações que asseguram confidencialidade nas comunicações e que dificultam o rastreamento das mensagens pelas autoridades. Para além destes telemóveis terem sido apreendidos ao arguido AA, o seu conteúdo e metadados relacionam-se com o encontrado nos aparelhos apreendidos à sua namorada FFF e ao arguido EE. Efetivamente, a fls. 1590, encontramos auto de abertura de correspondência contida nesses suportes informáticos extraídos de 3 aparelhos apreendidos ao arguido EE e de um apreendido a FFF. A fls. 1607, foi junto auto de análise de prova digital aos telemóveis do arguido EE. E são extraídas conversas entre a conta de whatsapp usada num dos aparelhos e correspondente ao nº ..., que se percebe que é usada pelo arguido EE e a conta de alguém identificado como “GGG”. Este número associado a “GGG” é o mesmo que se encontra no aparelho Samsung SM-A042F apreendido ao arguido AA – ... – assim se estabelecendo a ligação deste a esta alcunha. São extraídas, de telemóvel do arguido EE, várias fotografias relacionadas com produto estupefaciente – cfr. fls 1614 e conversas, com o GGG” e outras pessoas em que se perceciona que se fala de produto estupefaciente – cfr. fls.1612 e 1613. E doutro aparelho de marca Iphone apreendido ao arguido EE - cfr. fls 1620 e ss - são extraídas fotografias em que são vistos o arguido EE e o arguido AA em convívio entre o fim de 2023 e 21 de março de 2024. O exame do conteúdo das mensagens extraídas do telemóvel de FFF não revela nada de muito comprometedor, para além de uma conversa desta com a mãe em que afirma que vai receber dinheiro do AA, numa altura em que este já estava em Espanha. Também as declarações da assistente JJ, filha da vítima, convencem o tribunal da identidade do autor do disparo do dia .... Esta declarou que o pai era muito próximo de si, ainda que a assistente reconheça que vive com a avó materna desde pequena. Este relativo distanciamento em relação ao agregado da sua mãe permite compreender que declare que não tinha conhecimento de que pai não andava a pernoitar em casa, ainda que tenha a perceção de que este, após ter sido atingido pelo disparo no dia 19, passasse a evitar ir a casa. Esta assistente confirma que o pai lhe comunicou, por telefone, quando por si questionado, que o autor do disparo teria sido o arguido AA. O pai prestou-lhe essa informação um ou dois dias após o ocorrido e após ter saído do hospital. E confirma que o pai tinha a alcunha de AAA” e que o AA era conhecido por “EEE”, pessoa que também conhece do Bairro …. A depoente tinha o AA por amigo do pai, já que os via a andar juntos de mota. Ainda assim, não questionou o pai do porquê da atuação do AA. Apesar de revelar que sofreu muito com o falecimento do pai, (a declarante afirma que “nunca se está à espera de perder o pai”), JJ admite que não constituiu grande surpresa o facto deste ter sido morto a tiro, reconhecimento de que tinha a noção, como anui, que este teria problemas relacionados com o mundo do tráfico de estupefacientes. Nenhuma dúvida se coloca quanto ao facto da assistente estar bem ciente de quem o pai falava, já que era pessoa que ambos conheciam, como o auto de reconhecimento de fls. 2183 comprova. E não se vislumbra qualquer razão para KK ter imputado falsamente a ação do dia ... a AA. Ora, estas declarações de JJ e o depoimento de QQ permitem assentar certezas sobre a dinâmica da ação de dia ... e sobre a sua autoria. Efetivamente, resulta da valoração deste depoimento indireto a certeza de que AA se aproximou de KK e, munido de uma pistola apta a deflagrar munições 9mm, disparou um tiro, a curta distância, para a zona do abdómen, ferindo-o na virilha. Atenta a zona visada, que alberga órgãos vitais, bem como vasos sanguíneos de grande dimensão, inexistem dúvidas de que, para além de passar mensagem, o arguido AA bem representou que podia tirar a vida a KK, como quis e desejou. As declarações dos demais assistentes e demandantes não infirmam esta convicção – destacado nosso GG, menor de 12 anos, filho da vítima KK, declarou que mantinha uma relação próxima com o pai, com quem partilhava momentos de lazer, nomeadamente passeios de motociclo. Referiu sentir-se seguro na sua companhia. No dia do falecimento do pai, encontrava-se em casa com a mãe quando foi informado por um vizinho de que o pai havia sido alvejado. Recorda que, anteriormente, o pai já teria sido atingido por um disparo, embora não tenha sido hospitalizado, tendo permanecido ausente de casa por mais de uma semana, o que considerou incomum. Demonstrou tristeza com o falecimento do pai, mas afirmou não ter sentido receio após o ocorrido. Referiu ainda, de forma escorreita e genuína, que acha que o arguido AA era conhecido pela alcunha de “GGG”. FF, que se declara companheira de KK durante mais de 30 anos, assevera que conhecia o arguido AA, cuja mãe residiu em sua casa. Esta assistente relatou que, após o primeiro episódio de disparos, o KK apenas apareceu furtivamente em sua residência durante a madrugada. A relação entre a testemunha e esta vítima encontrava-se, reconhece, fragilizada, em virtude de um envolvimento extraconjugal deste com uma mulher de nome QQ. E afirma que o KK já não pernoitava em casa há cerca de um mês e esclarece que apenas depois do falecimento de KK é que teve conhecimento, pela mãe deste, de que este tinha sido anteriormente baleado. A assistente conta-nos que após o seu companheiro ter saído do Estabelecimento Prisional, a própria foi alvo de uma tentativa de rapto, o que poderá justificar a intenção de KK a querer salvaguardar. Em situações que saiu com o KK ficou com a perceção de que o AA passava por eles, no que lhe pareceu estar numa postura de perseguição e vigilância. A assistente deixa claro que já depois da morte de KK é que veio a ter conhecimento de que este dissera à filha JJ quem o tinha baleado dias antes da sua morte. Apesar da qualidade de assistente, é notório que estas declarações são produzidas de forma credível, revelando honestidade intelectual em admitir que nada sabia sobre esse primeiro disparo. O assistente HH, filho da vítima KK declarou que mantinha uma boa relação com o pai, embora não residisse com ele. Ainda assim, afirma, comunicavam com frequência. E, ao tomar conhecimento de que o pai havia sido alvejado, temeu pela sua vida, embora não o tenha visitado no hospital. Sem conhecimento de factos que possam relevar para a descoberta da verdade sobre os factos ocorridos no dia ..., referiu que esse primeiro episódio não lhe causou medo ou alteração significativa no seu quotidiano. II, também filho de KK, declarou que residia com o pai. Este declarante estava sujeito a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica à data dos factos. E soube do primeiro disparo apenas após o falecimento do pai, por intermédio de um familiar. Descreveu o pai como reservado e fundamental para o sustento da família, embora não tenha concretizado factos que evidenciem um vínculo afetivo profundo.
Tendo o falecido apontado como causa do comportamento do arguido AA uma dívida sua relativa à atividade de tráfico de estupefacientes, por isto mesmo, não lhe conviria contar o que relatou - a não ser a pessoas com as quais tivesse proximidade e confiança - quem lhe desferiu o disparo. E neste sentido se orienta a convicção do Tribunal para dar credibilidade a estes depoimentos.
Quando ao segundo grupo de factos impugnados em que a vítima foi BB: A motivação do Tribunal a quo, parte da análise das declarações prestadas pelo ofendido BB, conjugadas com os depoimentos das testemunhas UU, VV, WW, concatenadas com a documentação clínica junta a fls. 20 a 24 e 129 e 131 a 134 e 135 a 141, com o teor de fls. 46, 107 e 108 do NUIPC 32/24.3PALSB, anexo aos autos principais (de onde resulta que foram recuperadas 5 cápsulas deflagradas, além de outras peças como fragmentos de blindagem, uma camisa metálica, projéteis deformados e chumbo (num total de mais 5 vestígios balísticos), com o exame pericial com o n.º ...-CBA, junto a fls. 109 do apenso (que permite compreender que foram disparadas duas armas diferentes, o que corrobora o depoimento que veio a ser prestado por BB), com o relatório pericial de fls. 67 e ss., do apenso 32/24.3PALSB, em particular a documentação da trajetória provável das munições, considerando os orifícios de entrada na carroçaria da viatura, que não deixa dúvidas sobre a dinâmica de atuação, que se identifica com o depoimento de BB e das outras duas vítimas, com as declarações de XX, especialista em balística da Polícia Científica, que declarou em audiência que foram examinados invólucros de munições de 9 mm Parabella, tendo sido estabelecida correlação entre cinco invólucros deste processo e outros dois processos distintos (a análise balística confirmou a utilização da mesma arma em diferentes ocorrências, incluindo o disparo que vitimou KK em ...), com o aditamento de fls. 778 (que estabelece, com segurança, a ligação entre este invólucro e outro invólucro disparado pela mesma arma. Ali, com base em procedimentos de comparações microscópicas permite-se concluir que aquela peça de munição foi deflagrada na mesma arma responsável pela deflagração do invólucro, descrito no âmbito do Exame Pericial n.° ...-CBA (NUIPC 561/23.6PXLSB), a análise dos aparelhões de telemóvel, com as vigilâncias feitas pela Polícia Judiciária (de fls. 660), relacionando uns e outros elementos de prova.
Assim, estabelecida a ligação entre os arguidos EE e AA (incluindo a atividade de tráfico) e atentos todos os elementos constantes da motivação do acórdão concluiu-se que foi o Recorrente quem manipulou e disparou, a partir do Mini, tal como se deu por assente, uma das pistolas de 9 mm que abriram fogo sobre BB, DD e CC.
Pelo que o tribunal conclui que foram os dois arguidos quem, juntos, em articulação de esforços e intentos, munido cada um de uma arma de calibre 9 mm, abriram fogo sobre o carro de BB, tentando matá-lo. Indiferentes a que, assim, poderiam causar, necessariamente, também, a morte dos outros dois passageiros.
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Nesta conformidade, as análises dos depoimentos postos em crise pelo recorrente conjugados com a outra prova descrita e analisada criticamente, explicam perfeitamente convicção probatória adquirida, justificada com um raciocínio linear que nos permite verificar as conclusões a que chegou o Tribunal a quo. Fomos ouvir as passagens indicadas pelo recorrente e nada encontramos em desabono do processo de formação da convicção do julgador. As conclusões do Tribunal a quo relativas à matéria de facto estão em consonância com a prova produzida e a sua convicção está devidamente fundamentada, com enquadramento legal no art. 127.º CPP.
Face ao supra exposto e analisado, imbuído da imediação, explicitou o Tribunal a quo, de forma lógica, ponderada e bastante, as razões da sua convicção, explicou a formulação do juízo que formou sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sendo que da respetiva fundamentação decorre que não ficou com dúvidas sérias, no que respeita à prova efetuada.
Acresce que esta instância, pese embora possa ouvir os registos áudio indicados, está privada da imediação típica do momento do julgamento - vide, a este propósito, o acórdão desta 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.7.2023, Relatora Alda Casimiro, processo nº1074/21.6JAPDL.L1-5 (IGFEJ, Bases jurídico documentais), «A ausência de imediação determina que o Tribunal superior, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida, nos termos previstos pelo art.º 412º, n.º 3, al. b) do Cód. Proc. Penal, mas já não quando permitirem outra decisão. Ou seja, a convicção da primeira instância, só pode ser posta em causa quando se demonstrar ser a mesma inadmissível em face das regras da lógica e da experiência comum. Significa isto que o recorrente não pode pretender substituir a convicção alcançada pelo Tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas impõem uma outra convicção» - destacado nosso.
Em conclusão, não basta que as provas indicadas pelo recorrente permitam outra leitura e outra decisão, mas antes que imponham uma outra decisão, só assim escapando à latitude decisória conferida pelo princípio da livre apreciação da prova, o que não sucede no caso em apreciação.
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b) Violação do princípio do in dubio pro reo:
Este princípio tem consagração constitucional no art. 32º/2 da CRP, sendo um corolário lógico do princípio da presunção da inocência. Ademais, afirmam os professores Gomes Canotilho E Vital Moreira que “além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” isto é num estado de conservação da incerteza quanto à prova do ilícito típico, não só ao réu incumbe invocar essa garantia a seu favor; o juiz, vinculado a tomar uma decisão, deve, conquanto que a título oficioso, pronunciar-se pela absolvição do arguido - J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 519.
Como refere esta Relação, no acórdão de 01.02.2011, processo n.º 153/08.0PEALM.L1-5, dgsi.pt, “ o princípio in dubio pro reo, é um princípio probatório que procura solucionar um problema de dúvida em relação à matéria de facto e não ao sentido de uma norma jurídica, traduz o correspectivo do princípio da culpa em Direito Penal, ao garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos típicos, é um corolário lógico do princípio da presunção de inocência do arguido, mas não tem quaisquer reflexos ao nível da interpretação das normas penais, pois em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance das normas penais, deve o aplicador do direito recorrer às regras de interpretação, entre as quais o princípio in dubio pro reo não se inclui”.
A circunstância de haver versões opostas, não significa que o tribunal, sem mais, decida pro reo, pois o aqui se exige é uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal …” - Cf. Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, página 166.
Não é, assim, toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio. Mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada (…) e acrescenta “O princípio in dubio pro reo pretende responder ao problema da dúvida na apreciação judicial dos casos criminais. Não da dúvida interpretativa, na aferição do sentido da norma (que aliás pode surgir e surge independentemente da atividade jurisdicional), mas da dúvida sobre o facto tipicamente forense” “Cristina Líbano Monteiro, op. cit., p. 13.
A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio – Acórdão do STJ de 4.11.1998, in BMJ n.º 481, pág. 265, citado no Ac. do TRC de 09.03.2016, processo n.º 436/14.0GBFND.
Já acima expusemos os alicerces probatórios em que o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção, sem qualquer dúvida que atenta a prova produzida, imponha a absolvição do arguido, posto que mediante a prova produzida, o Tribunal explica, sem dúvida, e mediante um raciocínio logico-dedutivo porquê que entendeu que o arguido praticou os factos pelos quais se encontrava acusado não se verificando um non liquet probatório.
Pelo que improcede, também, nesta parte, o recurso.
c) Da qualificação jurídica dos factos:
72. O arguido insurge-se quanto à qualificação jurídica porque no seu entender, por falta de dolo de homicídio, devem ser subsumidos um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, p. e p. pelos arts. 144º al. b), 145º nº 1 al. c) e nº 2, e art.º 132º nº 2 al. h), todos do Código Penal, com todas as consequências legais daí adveniente, mormente, no que tange à determinação da medida concreta da pena, reduzindo-a, o que ora se requer. O dolo de homicídio ou intenção de matar é algo do foro subjetivo e íntimo que na ausência de uma confissão, só pode ser inferida a partir de fatos objetivos, evidenciados principalmente pelas circunstâncias que envolveram os acontecimentos, pelas lesões apresentadas pela vítima, pelos instrumentos utilizados na agressão e pelo modo de agir do arguido.
Refere o Tribunal a quo: «A curta distância a que estes disparos são feitos da vítima e a eleição de pistola de calibre 9 mm (reservada às forças militares e paramilitares) bem como a zona atingida eram de molde a causar-lhe perfuração de órgão ou artéria complexa e vital, o que iniciaria um processo causal inevitavelmente conducente à sua morte. Morte que também teria ocorrido caso a vítima não fosse conduzida ao hospital para estancar a hemorragia. No que tange à segunda situação, temos por assente que em momento anterior ao dia 11 de janeiro de 2024, os dois arguidos, AA e EE, atuando em conjugação de esforços e vontades, delinearam um plano com o propósito de atentar contra a vida de BB. Para a concretização desse plano, muniram-se de armas de fogo aptas a disparar munições de calibre 9 mm e decidiram surpreender a vítima. Na madrugada do referido dia, ao aperceberem-se de que BB circulava no seu veículo, acompanhado de CC e DD, seguiram-no até à Rua 1, em ..., onde, pelas 01h00, o intercetaram. Posicionando-se ao lado do veículo da vítima, os arguidos, a partir do interior do automóvel em que se faziam transportar, abriram o vidro do lado do passageiro e, empunhando as armas de fogo, efetuaram diversos disparos — em número não inferior a sete — na direção do interior do veículo de BB. Os disparos atingiram este último na face e no membro superior esquerdo, provocando-lhe ferimentos graves, incluindo laceração da língua, tendo sido posteriormente assistido no Hospital de …. (destacado nosso) Os disparos, efetuados a curta distância, colocaram igualmente em risco a vida dos demais ocupantes do veículo, o que os arguidos representaram como sendo resultado necessário da sua conduta, os quais apenas não foram atingidos por se terem abrigado em reação ao ataque. (destacado nosso) Neste caso em apreço, resultou provado que os arguidos AA e EE, munidos de armas de fogo aptas a disparar munição de 9 mm, atuaram com o propósito deliberado de tirar a vida de BB, o que apenas não lograram por circunstâncias alheias à sua vontade, nomeadamente a reação defensiva das vítimas e a assistência médica célere prestada ao ofendido. Os dois arguidos utilizaram armas de fogo — instrumentos que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea p), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, integram a definição legal de arma de fogo — com a intenção clara de produzirem a morte da vítima. A curta distância a que os disparos foram efetuados, a escolha de munições de calibre 9 mm e a direção dos tiros para zonas potencialmente vitais do corpo da vítima (face e membro superior) revelam a idoneidade objetiva dos atos para a produção do resultado morte. (destacado nosso)
Pelo que ponderados estes elementos, nada existe a apontar à qualificação jurídica efetuada pelo Tribunal a quo e que conduzem claramente ao dolo de homicídio.
d) Da medida da pena:
Pretende o recorrente que se reduzam substancialmente as penas parcelares para perto do seu limite mínimo, reformulando o cúmulo por via da requerida redução.
O ponto de partida da tarefa a efetuar não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40º do Cód. Penal, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Com este preceito fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, a ter lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade.
Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido.
Com este entendimento tem-se visto, aliás, uma consonância com o imperativo constitucional do nº 2 do art. 18º da Constituição da República, de acordo com o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, sendo certo que se não divisa, no texto fundamental, a eleição de um imperativo ético-penal da retribuição ou expiação da culpa, como direito ou interesse protegido constitucionalmente.
Assim, quando o art. 71º do Cód. Penal nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art. 40º.
Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo através de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar refletirá, de um modo geral, a seguinte lógica:
A partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma “sub- moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (cfr. obra citada, pág. 229).
Será, pois, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico - normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.
Resta dizer que a “defesa de bens jurídicos”, mencionada no referido art. 40º, deve ser entendida como propósito de prevenção geral positiva ou de integração, com o fim de “estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida e, portanto, como modelo de orientação para os contactos sociais, ou ainda como réplica perante a fração da norma, executada à custa do seu infrator. A defesa de bens jurídico-penais é, ela mesma, em geral, o desiderato de todo o sistema penal globalmente considerado, e não um fim que se possa considerar privativo das penas.
Quanto à prevenção especial, sabe-se como pode ela operar através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida, e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa. Esta, tanto quanto sabemos, a orientação quase unânime do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria.
Já o nº 2 do art. 71º do Cód. Penal manda atender, na determinação concreta da pena, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.
No caminho da concretização da pena a aplicar tomar-se-ão pois em conta os critérios consignados no citado artigo 71º do Cód. Penal e, assim a culpa do agente, as necessidades de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Da decisão sob recurso consta o seguinte: «Os arguidos sãos condenados, como se viu, pela prática de crime de homicídio agravado na forma tentada, incorrendo na pena mínima de 2 anos, 1 mês e 18 dias e máxima de 14 anos, 2 meses e 20 dias. São condenados pelo crime de detenção de arma proibida, previsto e punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. São condenados por um crime de dano, previsto e punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias.» Ora, os arguidos, especialmente o arguido AA, não estão integrados socialmente, sendo que os seus relatórios sociais apontam fragilidades e perigos para a respetiva reinserção (destacado nosso) Ressaltando além do mais, essas dificuldades dos antecedentes criminais do arguido AA. (destacado nosso) Os arguidos não elaboram um juízo de autocensura. As exigências especiais são muito elevadas (querendo-se referir às exigências de prevenção especial). Os factos praticados, panoramicamente tomados, são muito graves. Assim, a pena de multa seria completamente desadequada à situação pessoal dos arguidos e à imagem global dos seus comportamentos. A opção pela pena de prisão é, pois, necessária, adequada e proporcionada, à luz dos objetivos da prevenção geral e especial. Para mais, sempre que na pena conjunta deva de ser incluída uma pena de prisão, tem a Jurisprudência do STJ – cfr. v.g., Ac. de 5/2/2004 - proc. 151/04, Ac. STJ 12/02/2009 – processo 090110 e Ac. 10/1/2003, processo nº 507/05.3GAER.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt –entendido que se impõe, “na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa”. É que “uma tal pena «mista» é profundamente dessocializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: este quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando com a pena «mista» aquele já as perde na prisão!” (cfr. Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – II – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 154). Assim, limitados, por esta escolha, à aplicação de penas de prisão por cada crime cometido, importa, assim, determinar a medida da pena de prisão aplicável a cada crime, sendo sempre a medida da culpa e as exigências de prevenção a marcar o limite da pena (cfr. art. 71º do CP). O artigo 71º, nº 2 do Código Penal, manda atender, para a determinação concreta da pena, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”. * Da reincidência. Nos termos do artigo 75º, nº 1 do Código Penal “É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”. E prevê o nº 2 que “O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade” Nos termos do nº 1 do artº 76º do C.P. “Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores”. O Prof. Cavaleiro Ferreira, in Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, págs. 151/2, refere que a “fundamentação da agravação está na falta de eficácia da pena aplicada pelo primeiro crime e que a nova condenação é o indício relevante da falta de efectiva adesão do delinquente às injunções da lei”. Já o Prof. Figueiredo Dias, em Direito Penal Português em “As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 268, entendia que: “É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material - no sentido de «substancial», mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático” - da reincidência”. Este juízo tem de ser alavancado, em concreto, nos factos. “O elemento subjectivo essencial para a verificação da reincidência – de a condenação anterior não ter servido ao arguido de suficiente advertência contra o crime – tem de ser averiguado em sede de matéria de facto” (cfr. Ac. STJ de 03/07/1997, in Col. de Jur., 1997, 2, 258). A douta acusação e, depois dela, a pronúncia, verteu para o libelo acusatório a condenação do arguido AA nos processos nº 449/14.1SFLSB, 436/14.0SELSB, 882/14.9PEAMD, 209/14.0SELSB e 508/14.0PCOER em penas de prisão superiores a 6 meses de prisão pela prática de crimes contra de roubo e de passagem de moeda falsa. Por Acórdão de Cúmulo jurídico proferido no Processo n.º 209/14.00SELSB-A pelo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 13, datado de 25.05.2017, transitado em julgado em 27.06.2017, este arguido AA foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, (que englobou as penas em que foi condenado nesses autos e nos processos 436/14.0SELSB, 508/14.0PCOER, 449/14.1SFLSB e 882/14.9PEAMD). O arguido este ininterruptamente preso à ordem destes processos entre 18 de março de 2015 e 21 de outubro de 2022, data em que foi libertado, em liberdade condicional a que deveria estar sujeito até 16 de janeiro 2025. Mais, fica demonstrado que, apesar do arguido ter sido condenado em pena de prisão efetiva, as finalidades de prevenção que presidiram à aplicação das penas de prisão aplicadas nesses processos não foram atingidas, porquanto não serviram para o arguido de suficiente advertência contra o crime. O arguido, aliás, pratica estes factos no período em que se encontrava sujeito ao regime probatório da liberdade condicional, o que reforça este juízo. Está em causa condenação anterior deste arguido em pena de prisão efetiva superior a seis meses. Ora, a situação dos autos justificará, ainda – até pela moldura abstrata da pena – a graduação, em concreto, da pena de prisão superior a 6 meses. Efetivamente, a pena mínima prevista para o crime de homicídio agravado tentado ultrapassa, desde logo, essa duração, pelo que se torna despiciendo, calcular, em concreto, cada pena parcial a aplicar a este arguido para, depois, concluir pela necessidade de aplicar o regime da reincidência, que se antecipa como óbvio, face ao preenchimento dos demais pressupostos. E entre a data dos factos que mereceram as condenações chamadas à colação pela acusação e a prática dos factos ora em apreciação não estão decorridos mais de 5 anos – salvaguardado o período de reclusão a que esteve sujeito. Verifica-se estarem preenchidos, assim, os pressupostos formais do tipo de crime, como também estão preenchidos os pressupostos materiais. Esta agravante não sendo de aplicação automática, é concretamente demonstrada pelos factos que se deram por assentes. O arguido não assumiu o comportamento ora em apreciação e a sua atuação demonstra desprezo pelo bem jurídico mais valioso protegido pelo nosso Código Penal, quando anteriormente, foi condenado por tipo de crime que também protege, ainda que de forma mista, bens pessoais A indiferença ao cumprimento efetivo e ininterrupto de pena de prisão já relativamente longa permitem concluir que, para além da habitualidade, é possível fazer um juízo de culpa agravada em relação aos concretos factos subjudice que integram, como se viu, 4 crimes de homicídio na forma tentada, um crime de dano e dois crimes de detenção de arma proibida. Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerandos, a pena mínima abstratamente aplicável referente a cada crime em concurso, em virtude do disposto nos artigos 75º e 76º, nº 1 do Código Penal, é aumentada, no que diz respeito ao arguido AA, JJJJ, em um terço: - ou seja, para 2 anos, 10 meses e 7 dias, no que diz respeito aos crimes de homicídio agravado, na forma tentada; - 1 ano e 4 meses, quanto ao crime de detenção de arma proibida; - 40 dias, quanto ao crime de dano. Visto o critério legal para a determinação da pena e a matéria que se deu por assente, entende-se que a intensidade dos ilícitos perpetrados sobre KK e BB é relativamente idêntica, considerando as consequências pessoais. Nas duas situações, os arguidos disparam à queima roupa, inexistindo dúvidas de que o dano físico na primeira situação é inteiramente imputável ao arguido AA, o único executor. Os arguidos atuam, nas duas situações, de noite, ainda que na primeira situação, AA atuasse isoladamente e, na segunda, em conjugação de esforços e intentos com EE. A intensidade do dolo, atenta a reflexão necessária aos atos, é média, sem se descurar que na segunda situação são disparados mais projéteis. Os arguidos não demonstram, em momento nenhum, genuíno constrangimento dos atos que encetam. A conduta de AA, anterior aos factos, vistos os seus antecedentes, é censurável, ainda que jamais tenha sido condenado por crime desta natureza. A conduta dos arguidos causa elevado alarme social e revela sentimentos de elevada antissociabilidade, pelo que as exigências de prevenção especial são muito elevadas. As exigências de prevenção geral são, igualmente, enormes, atento o aumento da insegurança nas ruas desta Comarca e em toda a zona metropolitana de Lisboa. Desta forma, tudo conjugado, entende-se ser de graduar a medida da pena destes crimes de homicídio na forma tentada acima do meio da moldura penal. Assim, tudo exposto, pela prática destes crimes que tiveram como vítimas KK e BB, entendemos ser justa e proporcional a graduação das penas parciais a aplicar ao arguido AA em 9 (nove) anos de prisão. Quanto aos crimes da mesma natureza que tiveram por vítimas CC e DD, praticados em coautoria por ambos os arguidos, pondera-se a elevada antisociabilidade da conduta de ambos, atenta a forma de execução, ínvia. Tal como imputado, apurou-se que os arguidos atuaram com dolo necessário, no que tange à realização do evento danoso nestas vítimas, que não registaram qualquer dano pessoal. Por todo o exposto, entendemos justo fixar as penas parciais, no que diz respeito aos dois crimes de homicídio agravado na forma tentada de que CC e DD foram vítimas, em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses no que tange ao arguido AA. Do crime de dano. Quanto ao crime de dano, há que reproduzir as circunstâncias ora atendidas para a graduação da pena de prisão pelos crimes de homicídio agravado na forma tentada praticados em 11 de janeiro de 2024. A intensidade do ilícito é, pela forma como os factos são praticados, e por se tratarem de objetos particularmente expostos, moderada, não se tendo apurado estarmos perante valores patrimonialmente muito elevados. A intensidade do dolo é média, considerando o dolo necessário e a concomitância do resultado danoso. Valoram-se, também aqui, os antecedentes criminais já sublinhados. Entendemos, assim, ser adequado e proporcional graduar a medida de pena, em relação junto ao terço da moldura penal, condenando o arguido AA na pena parcelar de 1 (um) ano de prisão e o arguido EE na pena de 9 (nove) meses de prisão. Dos crimes de detenção de arma proibida. Quanto a este tipo de crime, prévio dos demais, valem as considerações que ora ficam expostas e, muito concretamente, quanto aos antecedentes. A intensidade do ilícito é, no caso, medido pela perigosidade das armas (curtas de fogo) e caçadeira que o arguido EE acumulava, em 24 de março de 2024, com outra pistola de 9 mm. Valora-se, negativamente, a concreta utilização de armas deste tipo pelo arguido AA nos dias ... de 2023 e 11 de janeiro de 2024 e neste último dia pelo arguido EE. E valoram-se as circunstâncias da detenção de cada arma, no dia 24 de março de 2024, pelo arguido EE. A intensidade do ilícito é, pois, já muito significativa, não sendo Pelo que analisando os factos objetivos dos quais resulta a intenção de matar, o Tribunal a quão fez uma correta interpretação dos mesmos e destes retirou a intenção de matar, nada havendo a apontar à qualificação jurídica dos mesmos. despicienda a posse, na sua casa, ainda, de uma caçadeira e de munições e na sua posse de 10 munições 9 mm, juntamente com a pistola. A intensidade do dolo é, também ela, atenta a reflexão necessária a perpetrar os crimes, média/elevada. Pelo exposto, entende-se, também aqui, distinguir a medida das penas em função dos anteriores antecedentes dos arguidos, para além da agravação concreta que resulta da aplicação do regime da reincidência. Assim, entendemos ser adequado graduar cada uma das penas parcelares a aplicar, por cada um dos dois crimes de detenção de arma proibida em que o arguido AA vai condenado, em 2 anos e 9 meses.»
No Ac. nº 632/2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93): «O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: - Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); - Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); - Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).» A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exato a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «trata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação 'calibrada' - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis». Sempre que tiver de convocar-se o princípio da «justa medida», impõe-se fundamentar o procedimento que conduziu à obtenção do juízo da desproporcionalidade da pena conjunta e da dimensão do correspondente excesso, enunciando o procedimento comparativo efetuado, demonstrar as razões convincentes e o suporte normativo que podem justificar a intervenção corretiva e respetiva amplitude – art. 205º n.º 1 da Constituição da República. Intervenção corretiva necessariamente limitada pela evidência de que, em muitas situações, as variáveis a ponderar se repetem ou apresentam grande similitude. Justificando-se somente perante uma análise da jurisprudência tirada em situações idênticas ou próximas daquela que estiver em julgamento no caso concreto, habilitante da formulação de um juízo onde a justa medida da pena se afirme com mais objetividade e nitidez e se possam medir e descartar diferenciações de tratamento com casos similares -TC > Jurisprudência > Acordãos > .
Vertendo ao caso:
Estão assinalados em relação ao arguido AA vários fatores que agravam a sua responsabilidade criminal, com consequente resultado nas penas parciais aplicadas, entre os quais se destacam a falta de integração social, antecedentes criminais, a reincidência, a ocorrência dos factos durante o período em que se encontrava em liberdade condicional, intensidade do dolo, sentimentos de anti sociabilidade, que correspondem a elevadas exigências de prevenção especial positiva.
O tipo de bens atingidos – em especial a vida, a perigosidade das armas detidas e a forma do seu manuseamento, a insegurança provocada que abalam de forma considerável as necessidades de prevenção geral positiva.
A culpa refletida nos factos e a demonstração de sentimentos de indiferença.
Pelo que as penas parcelares – sobretudo relativamente aos homicídios na forma tentada mostram-se justas adequadas e proporcionais às necessidades que o caso requer na proteção dos bens jurídicos postos em causa, culpa, necessidades de prevenção geral e especial.
Do cúmulo jurídico de penas:
Conforme pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 5420/20.3T8LRS, S1 de 15/12/2021 (IGFEJ- Bases jurídico-documentais)
«O cúmulo jurídico de penas rege-se pelo disposto no art. 77º (Regras da punição do concurso), n.º 2, do Código Penal, que estabelece: “2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
O legislador instituiu, assim, um regime especial para a determinação da medida da pena conjunta do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir pelo juiz na respetiva quantificação.
Um concurso de crimes, por opção de política criminal, é punido com uma pena única, obtida através da ponderação dos factos cometidos e da personalidade do agente. Doutrina e jurisprudência coincidem em que nos termos da lei, na fixação do quantum da pena conjunta a aplicar ao concurso de crimes essencial é o grau da gravidade dos factos e as tendências da personalidade que o agente neles revela.
Ainda assim, não raramente, recorrentes exasperando na parametrização daqueles vetores pretendem que a punição do concurso de crimes ignore a condenação por cada crime e as penas parcelares aplicadas, acabando a pugnar por um sistema de pena unitária. Neste, a totalidade dos factos cometidos, formam uma só entidade, como se fosse um único crime para efeitos punitivos. Não existe, em regra, decisão judicial intermédia a fixar a consequência jurídica de cada crime do concurso. A pena unitária não está condicionada ou balizada por penas parcelares, inexistentes, em regra.
Não é assim no sistema da pena conjunta adotado pelo nosso legislador. O que realmente o distingue daquele não é, propriamente, o resultado final, traduzido, em ambos numa só pena para sancionar o concurso de crimes. Traço distintivo marcante é que ali a pena é realmente única e determina-se numa só operação, através da consideração unitária do conjunto dos crimes do concurso como comportamento global unificado na mesma entidade punitiva. Enquanto aqui os crimes do concurso são primeiramente tratados na sua singularidade punitiva, determinando-se-lhes uma pena própria. Seguidamente, a totalidade das penas ditas parcelares fundem-se numa pena conjunta, determinada pelo critério especial acima apontado. Aqui, a avaliação do comportamento global assenta na ponderação conjugada do número e da gravidade dos crimes e das penas parcelares englobadas, da concreta medida destas, da sua relação de grandeza com a moldura penal do concurso e da interconexão que se deve estabelecer entre os crimes do concurso e as propensões da personalidade do agente revelada no cometimento dos factos.
Na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.”
Contudo, como sustentado no Acórdão 14-09-2016, deste Supremo Tribunal: “na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele "pedaço" de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua atividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respetiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade. É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da atividade criminosa do agente permite”.
Não podendo considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71º n.º 2 do Código Penal), nem tampouco aquelas que já tenham sido determinantes na fixação de cada pena parcelar.
A doutrina maioritária] e a jurisprudência defendem nada obstar a que a pena única se determina pela ponderação conjunta de fatores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).
Sustentando que “à visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”. “Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita»
No caso que nos ocupa e relativamente ao arguido AA foi ponderado: Assim, operando o cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artigo 77º do Código Penal, há que aplicar uma pena unitária ao arguido, que pode ser fixada entre a maior das 7 penas concretamente aplicadas – 9 (nove) anos – e 25 (vinte e cinco) anos, que corresponde à pena máxima aplicável prevista pelo nº 2 daquela disposição (já que a soma de todas as penas equivale a 36 anos e 9 meses de prisão). De acordo com os traços de personalidade demonstrados (nomeadamente pelos antecedentes), que apontam para uma situação de pluriocasionalidade, e as circunstâncias em que foram cometidos os crimes, vista a relativa homogeneidade da conduta, analisada a imagem global da ação delinquente, causadora de elevado alarme social, julga-se adequado condenar o arguido AA na pena única global de 16 (onze) anos de prisão, correspondente a um pouco mais de um quarto da diferença da soma das penas e da pena mais elevada.
O quarto situar-se ia nos 13 anos de prisão, elevando-se em três anos para além do quarto, uma vez que a personalidade do arguido é bem demonstrativa das necessidades de prevenção especial.
Ou seja, foi avaliado o comportamento global, a imagem global do facto, onde predominam os crimes contra vida e a personalidade do agente revelada no cometimento dos factos a que se associam os seus antecedentes criminais, situando-se a pena única em 16 anos.
Acresce uma nota, porquanto contrariamente ao alegado, mostra-se junto o Relatório social – ref.28001951.
Pelo que a pena única encontrada não merece qualquer censura.
Improcede, assim, na totalidade o recurso de AA.
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2. Recurso de EE:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada: «1. Os vícios decisórios – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum. O seu regime legal não prevê a reapreciação da prova – contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto –, limitando-se a atuação do tribunal de recurso à detecção do defeito presente na sentença e, não podendo saná-lo, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art. 426º, nº 1 do C. Processo Penal). Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69) – Tribunal da Relação de Coimbra, processo 1/19.5GPCBR.C1, de 12/06/2019 – IGFEJ- Bases Jurídico-documentais»
Assim, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a eventual insuficiência da prova para a decisão proferida (questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, enquadrado nos termos do art. 127º do Cód. Proc. Penal, e insindicável em reexame da matéria de direito), sendo que o vício em questão só pode ter-se como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão final.
Não se deteta tal vicio na matéria de facto referida e elencada pelo Tribunal a quo. Os factos estão ordenados, com indicação do lugar e tempo, da conduta assumida pelo arguido, com os elementos do tipo jurídico-penal pelo qual o arguido foi condenado e analisando criticamente as provas que determinaram a factualidade provada, e todas as condições pessoais para a determinação da pena em concreto. Pelo que improcede, nesta parte o recurso, na medida em que confunde um vício decisório com a convicção alcançada pelo Tribunal a quo.
b) (da contradição insanável da fundamentação e fundamentação em oposição com a decisão – 410º, º 2, al. b), do CPP)
Como refere Sérgio Gonçalves Poças (Recurso da matéria de facto, Revista “Julgar”, nº 10, 2010, pag. 28: Parece claro que há contradição na motivação (fundamentação, nas palavras da lei) quando para a decisão de um determinado ponto de facto são invocados meios probatórios totalmente incompatíveis entre si; como também parece haver clara contradição quando a motivação num raciocínio lógico conduz precisamente ao contrário do que se decidiu; como resulta da norma, para que o vício se verifique, a contradição tem que ser contradição, perdoe-se a redundância e tem de ser insanável, isto é, não ser ultrapassável pelo tribunal de recurso com eventual recurso às regras da experiência ou elementos dos autos; ou seja, o facto de se verificar uma contradição no texto da decisão não quer dizer que se esteja necessariamente logo em presença do vício previsto no artº 410º, nº 2, al. b).
Vertendo ao texto da decisão recorrida, a mesma contem os factos relevantes para o objeto do processo, a motivação para a determinação da matéria de facto e as provas consideradas para prosseguir para a qualificação jurídico-penal dos factos assim apurados. Pelo que não se verifica, igualmente este vício decisório.
c) Erro notório na apreciação da prova.
Tendo em consideração a matéria de facto tida como assente e, bem assim, a motivação da decisão, não nos deparamos com qualquer erro notório na apreciação da prova, porquanto do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não resulta com toda a evidência, a conclusão contrária à que chegou o tribunal, ou seja, inexistem factos provados que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou que sejam contraditados por documentos que façam prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, nem se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.
No erro notório na apreciação da prova, estamos perante uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, em clara violação das regras probatórias ou das legis artis, que conduz a retirar-se de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
É dizer, constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou entre cada um desses, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, e por isso incorreta, incongruência esta que resulta duma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revela, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas e apreciada não por simples projeções de probabilidade, mas segundo as regras da “experiência comum” e da lógica normal da vida, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. p. 341).
A decisão em causa, como resulta do encadeamento dos factos provados e sua fundamentação- que acabaram de se expor- contém a enumeração dos factos, a sua motivação, alicerçada nos meios de prova criticamente analisados de forma lógica e coerente. Pelo que não estamos no âmbito do erro notório na apreciação da prova de conhecimento oficioso por este Tribunal da Relação, nos termos do artº 410º, nº1, al. c) do C.P.P.
Acresce que o recorrente alude aos vícios suprarreferidos de forma conclusiva e sem os especificar.
c) Da impugnação da matéria de facto - nos termos do art. º412.º, n.º3 e n.º4 do CPP – O recorrente pretende, antes, impugnar a matéria de facto dada como provada e por si indicada.
A decisão sobre a matéria de facto pode ser impugnada por duas vias:
- com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o art. 410.º, n.º 2 do CPP (impugnação em sentido estrito, no que se denomina de «revista alargada»);
- ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP (impugnação em sentido lato).
Quanto à segunda modalidade (impugnação em sentido lato), impõe-se, conforme resulta da análise do preceito correspondente (n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP), que o recorrente enumere/especifique os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como que indique as provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, e não apenas a permitam, assim como que especifique, com referência aos suportes técnicos, a prova gravada.
Tal delimitação decorre da circunstância de a reapreciação da matéria de facto não se traduzir num novo julgamento, mas antes num “remédio jurídico”, destinado a colmatar erros de procedimento ou de julgamento.
Se a decisão proferida for uma das soluções plausíveis segundo o princípio da livre apreciação e as regras de experiência, a mesma será inatacável, pelo que importa que o recorrente na indicação das concretas provas torne percetível a razão da divergência quanto aos factos, dando a conhecer a razão pela qual as provas que indica impõem decisão diversa da recorrida.
Ora, no caso concreto o recorrente não dá integral cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, pelo que desde logo seria de rejeitar a impugnação ampla da matéria de facto. Pelo que se impõe a rejeição do recurso quanto ao erro de julgamento, por não cumprimento das exigências legais.
Refere o recorrente que as declarações prestadas pelo ofendido BB em declarações para memória futura constituem “prova indirecta e desprovida de qualquer base de credibilidade”
As declarações para memória futura em causa - Referência: ... - foram prestadas nos termos do art.º 271.º, do CPP, constituem prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos arts.º 355.º e 356.º, n.º 2, al. a), do mesmo Código.
Em resumo das mesmas refere o Tribunal a quo o seguinte:
«(…) Não expressa qualquer hesitação, em qualquer momento, ao definir um dos atiradores como sendo o arguido EE - -destacado nosso -ainda que se percecione que desconversa quando se procure esclarecer quem era o segundo. De forma impressiva, declara que teve medo e que “foi o pior dia da sua vida”. Ora, observa-se que, estando a testemunha em condições de ver o atirador que estava mais perto de si, não teria qualquer interesse razoável em indicar um terceiro. Questionada a testemunha sobre quantos disparos foram efetuados, responde que foram “vários” estimando que foram 12, pelo número de buracos e pela quebra dos vidros. E aponta para o cotovelo esquerdo e para a sua cara, locais onde foi atingido, replicando o gesto defensivo que então encetou (ao colocar o braço em 90º à frente do rosto). A testemunha, quando deu por si, estava sozinha no carro, percebendo que os seus passageiros conseguiram sair do mesmo. Estes estavam, ambos, do lado direito do carro, logo do oposto àquele pelo qual surgiram os atiradores. Depois dos tiros cessarem e do veículo Mini sair do local, o depoente apeou-se a cuspir sangue. E confrontada com as fotografias do carro, a testemunha confirma que este ficou naquele estado. Referindo-se às lesões que sofreu, afirma que ficou “com a boca completamente estragada” com dentes para dentro. Ainda na sua viatura, o depoente e os seus companheiros de ocasião dirigiram-se para a CUF de …. Sendo-lhe perguntado, afirma não ter outra explicação para o sucedido e assevera que, dentro do Mini, estavam pelo menos duas pessoas, não conseguindo perceber se havia mais, porque os vidros não eram translúcidos. Apesar de ser noite, o local onde a sua viatura estava estacionada tem “luz por todo o lado”. É uma zona de prédios novos e bem iluminada. O depoente começou a ter medo de andar na rua e a temer pela sua segurança, referindo que o EE está preso e manda recados por outras pessoas, que decide não nomear, dizendo que o vai matar. O declarante esclarece que já tinha visto o EE naquele carro, noutras ocasiões e assevera que já o tinha visto, com um capuz, na mesma viatura ainda naquele dia e que o viu junto ao carro, cinco minutos antes, na Portela de .... Pelo que perpassa deste depoimento a identificação segura e assente em prova direta, de um dos atiradores, o arguido EE. (…)»
Ou seja tratam-se de declarações da própria vítima que não teve qualquer dúvida na identificação do arguido e de prova direta, ao contrário do que pretende o recorrente.
Relativamente à parte das escutas telefónicas e como resulta da motivação do Tribunal a quo pretendeu-se através destas e dos restantes elementos referidos estabelecer a relação entre os dois arguidos recorrentes. Refere o Tribunal a quo a propósito deste meio de obtenção de prova: A ligação entre o arguido AA e o arguido EE resulta ainda clara da sessão 8117, correspondente a interceção de conversa telefónica ocorrida às 17:37 do dia 24 de março de 2024, ocorrida entre a utilizadora do número ... (WWW) e a utilizadora do número ... (a FFF), namorada do arguido AA. Neste telefonema, transcrito a fls.1381, a WWW diz à QQ que a XXX, namorada do EE, lhe ligou a dizer que este tinha sido preso e que tinham revistado a casa toda. A QQ responde que o AA não está em casa, tendo a outra respondido “Então menos mal”. E a QQ informa que vai avisar o AA e que ele tinha estado a tentar ligar ao EE. Desta conversa decorre que estas associam detenção do EE a factos perpetrados conjuntamente com o arguido AA. Na sessão 8161, referente à conversa telefónica ocorrida às 18:03 do dia 25 de março de 2024, transcrita a fls. 1382 dos autos principais, a FFF, através do número ..., liga para o número ... (telefone da WWW) a dizer-lhe que o YYY foi buscar as coisas lá casa do AA, ao que a WWW responde “menos mal”. Na sequência da conversa, a QQ diz que o ZZZ estava a perguntar quem tinha alugado o carro naquele dia. Acresce que das interceções telefónicas e, em especial, da análise da correspondente à sessão 2424, referente ao alvo ... produzida no dia 10/01/2024, pelas 00h51 minutos, relativa a conversa entre a FFF que utiliza o telemóvel ... e que liga à sua amiga AAAA, que utiliza o número ..., compreende-se que o arguido AA guardava objetos comprometedores em casa da namorada. Efetivamente, nesta conversa transcrita em auto de fls. 1374, a QQ comenta que está chateada com o AA e que ele só vai a casa dela por causa das “cenas do carro dele” e do dinheiro que tem lá guardado e que ele vai lá buscar. E comenta que o arguido AA lhe entrega dinheiro. A folhas 1373, foi junto auto de apreensão de telemóvel de marca iPhone, modelo 13, com IMEI ... aprendido a FFF, tendo sido determinada a realização de exame policial este aparelho.
Pelo que não se entende, a este propósito a alegada omissão de pronuncia.
No, mais, o tribunal a quo refere perfeitamente na motivação as provas que vão no sentido inverso do pretendido pelo recorrente.
e) medida da pena.
Já atras referimos o percurso a seguir para a determinação da pena, que nos escusamos de repetir:
Conforme se escreve na decisão sob recurso as molduras penais a aplicar ao recorrente EE: Os arguidos sãos condenados, como se viu, pela prática de crime de homicídio agravado na forma tentada, incorrendo na pena mínima de 2 anos, 1 mês e 18 dias e máxima de 14 anos, 2 meses e 20 dias. São condenados pelo crime de detenção de arma proibida, previsto e punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. São condenados por um crime de dano, previsto e punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias. E o arguido EE é condenado por crime de tráfico de menor gravidade punível apenas com pena de prisão, de 1 a 5 anos. Homicídio tentado Nas duas situações, os arguidos disparam à queima roupa, inexistindo dúvidas de que o dano físico na primeira situação é inteiramente imputável ao arguido AA, o único executor. Os arguidos atuam, nas duas situações, de noite. Os arguidos não demonstram, em momento nenhum, genuíno constrangimento dos atos que encetam. Já a conduta do arguido EE, ainda que a sua integração social espelhada no relatório social não seja das melhores, era isenta de condenações em processo penal. A conduta dos arguidos causa elevado alarme social e revela sentimentos de elevada antissociabilidade, pelo que as exigências de prevenção especial são muito elevadas. As exigências de prevenção geral são, igualmente, enormes, atento o aumento da insegurança nas ruas desta Comarca e em toda a zona metropolitana de Lisboa. Desta forma, tudo conjugado, entende-se ser de graduar a medida da pena destes crimes de homicídio na forma tentada acima do meio da moldura penal. E, refletindo a diferença de antecedentes, entendemos ser justo e adequado graduar as penas parciais em 8 (oito) anos, no que tange ao crime de homicídio agravado na forma tentada, perpetrado por EE na pessoa de BB. Quanto aos crimes da mesma natureza que tiveram por vítimas CC e DD, praticados em coautoria por ambos os arguidos, pondera-se a elevada antisociabilidade da conduta de ambos, atenta a forma de execução, ínvia. Tal como imputado, apurou-se que os arguidos atuaram com dolo necessário, no que tange à realização do evento danoso nestas vítimas, que não registaram qualquer dano pessoal. Por todo o exposto, entendemos justo fixar as penas parciais, no que diz respeito aos dois crimes de homicídio agravado na forma tentada de que CC e DD em 6 (seis) anos e 6 (seis) meses no que diz respeito a EE (refletindo a diferença das penas, a diferença da medida da culpa atinente aos diferentes percursos criminosos). Para o crime de dano: A intensidade do ilícito é, pela forma como os factos são praticados, e por se tratarem de objetos particularmente expostos, moderada, não se tendo apurado estarmos perante valores patrimonialmente muito elevados. A intensidade do dolo é média, considerando o dolo necessário e a concomitância do resultado danoso. EE na pena de 9 (nove) meses de prisão Dos crimes de detenção de arma proibida. A intensidade do ilícito é, no caso, medido pela perigosidade das armas (curtas de fogo) e caçadeira que o arguido EE acumulava, em 24 de março de 2024, com outra pistola de 9 mm. Valora-se, negativamente, a concreta utilização de armas deste tipo pelo arguido EE. E valoram-se as circunstâncias da detenção de cada arma, no dia 24 de março de 2024, pelo arguido EE. A intensidade do ilícito é, pois, já muito significativa. A intensidade do dolo é, também ela, atenta a reflexão necessária a perpetrar os crimes, média/elevada. …entendemos ser de graduar as duas penas em 2 (dois) anos no que tange a cada um dos crimes de detenção de arma proibida pelos quais o arguido EE vai condenado. * Do crime de tráfico de estupefacientes. A intensidade do ilícito exclusivamente praticado pelo arguido EE é relativamente reduzida, considerando as condições e local da posse, quantidades e qualidade do produto estupefaciente. Não se comprovou, dos factos assentes, que o enriquecimento do arguido seja significativo, ainda que fosse encontrado com quantia já significativa em dinheiro. Quantia que não justificou. O dolo, direto, assume intensidade média. Valora-se a falta de antecedentes. Pelo exposto, entende-se justa a aplicação ao arguido de uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pela prática deste crime, abaixo do terço da moldura penal.
Assim, para cada um dos crimes cometidos foi tido em consideração o disposto no artº 40º do C.P. e do artº 71º, sem que nos mereçam qualquer reparo as circunstâncias analisadas, sendo cada uma das penas parcelares justa adequada e proporcional ao caso concreto. Do cúmulo jurídico de penas a aplicar ao arguido EE. Também este arguido é condenado por sete crimes e em sete penas que estão, entre si, em concurso, pelo que há que graduar a pena única de acordo com o critério já exposto e dentro dos limites previstos pelos artigos 77º e 78º do Código Penal. Assim, a pena única a aplicar a EE deverá situar-se entre 8 anos e 25 anos de prisão (já que a soma das sete penas equivale a 27 anos e 3 meses). A imagem global dos factos é, igualmente, muito negativa. Também este arguido não elabora qualquer juízo de autocensura. Os factos por si praticados são relativamente heterógenos. Valora-se a falta de antecedentes criminais deste arguido.
Assim, entende-se ser justa e adequada a aplicação a este arguido EE da pena única de 14 anos de prisão, ou seja, fixada um ano acima do quarto e espelhando a imagem global do facto e a personalidade do arguido.
Pelo que o recurso improcede, na totalidade.
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3. Decisão:
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos por AA e EE e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelos Recorrentes, fixando-se em 4 UC a respetiva taxa de justiça.
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Lisboa, 18 de novembro de 2025
Alexandra Veiga
Alda Tomé Casimiro
Rui Coelho