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DOLO
ELEMENTO VOLITIVO
ELEMENTO INTELECTUAL
ELEMENTO EMOCIONAL
DOLO DA CULPA
Sumário
Sumário: I. De acordo com a jurisprudência e doutrina mais recentes, o dolo desdobra-se em três elementos: - elemento volitivo, o qual se relaciona com a vontade de realizar um ilícito-típico, por acção ou omissão, podendo assumir as várias formas do dolo. - elemento intelectual, que se traduz no conhecimento (enquanto previsão ou representação), pelo agente, das circunstâncias do facto, ou seja, dos elementos materiais (descritivos e normativos) constitutivos do tipo objetivo do ilícito. - elemento emocional, traduzido na consciência, por parte do agente, de que realiza um tipo objetivo de ilícito e que tal supõe a sobreposição dos seus interesses aos valores tutelados pela lei, ou seja, uma posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma, revelada pelo agente no facto e que justifica a punição a título de dolo. II. É imperativo a assunção de um paradigma que não há “fórmulas sacramentais”, sendo possível transmitir o “dolo do tipo” e “dolo da culpa» de diferentes formas. III. O Ministério Público é livre de escolher os enunciados linguísticos de que faz utilização, na acusação, desde que descreva plenamente o objecto do processo, desde que esgote factualmente a descrição dos tipos objectivo e subjectivo do crime imputado. IV. No que se refere ao “dolo da culpa”, desde que as situações em apreço se enquadrem enquanto crimes do chamado direito penal clássico, a consciência da ilicitude decorrerá da própria representação e vontade de praticar os factos que preenchem objectivamente o tipo penal, ou seja, do preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico (dolo do tipo), não tendo de constar da acusação, nem de ser alegado e provado.
Texto Integral
Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum colectivo n.º1272/19.2PULSB.L1, que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 9, em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferido acórdão, no qual se decidiu [transcrição]: “(…) os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo julgam a acusação pública deduzida totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, decidem absolver o arguido AA da prática, como autor material e em concurso efectivo, de: - um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º1 e 2, e 204.º, n.º1, als. d), f) e h) do Código Penal; (NUIPC 1272/19.2PULSB); - dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º e 204.º, n.º1, als. e) e h) do Código Penal; (APENSO 419/20.0PCSTB, 267/20.8 PFAMD); - dois crimes de furto, p. e p. pelo artigo 203.º e 204.º, n.º1, als. f) e h) e n.º4 do Código Penal; (APENSO 110/20.8PVLSB, 948/20.6PAALM); - sete crimes de falsificação de documento agravada, p.p. pelo artigo 256.º, n.º1, als. b) e e), n.º 3, e 255.º, al. a), todos do Código Penal; (APENSOS 419/20.0 PCSTB, 56/20.0PKLRS, 274/20.0SILSB, 267/20.8 PFAMD, 453/20.0PZLSB, 171/20.0PAPBL, 1232/20.0PCSTB); - um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º e 204.º, n.º1, als. a) e h) do Código Penal; (APENSO 56/20.0PKLRS); - um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º e 204.º, n.º1, als. e) e h) e n.º4 do Código Penal; (APENSO 417/20.4PCSTB); - sete crimes de furto, p. e p. pelo artigo 203.º e 204.º, n.º1, al. h) e n.º4 do Código Penal; (APENSOS 274/20.0SILSB, 273/20.2PGLRS, 363/20.1SKLSB, 483/20.2PFSXL, 395/20.0GEALM, 581/20.2PELSB, 461/20.1GBMFR); - quatro crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º e 204.º, n.º1, als.e) e h) do Código Penal; (APENSOS 653/20.3PCSTB, 654/20.1 PCSTB incorporado no APENSO 417/20.4PCSTB, 171/20.0PAPBL, 1232/20.0PCSTB); - cinco crimes de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º1 do Código Penal; (APENSOS 677/20.0PULSB, 453/20.0PZLSB, 754/20.8POLSB (dois ofendidos), 850/20.1S6LSB); - um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º e 204.º, n.º1, als. h) do Código Penal (APENSO 749/20.1SFLSB) e - quinze crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo art. 3.º, ns.º 1 e 2 do D.L. 2/98, de 3 de Janeiro (APENSOS 419/20.0PCSTB, 56/20.0PKLRS, 417/20.4PCSTB, 274/20.0SILSB, 653/20.3PCSTB, 267/20.8PFAMD, 677/20.0PULSB, 453/20.0PZLSB, 826/20.9PAALM, 171/20.0PAPBL, 1232/20.PCSTB, 948/20.6PAALM, 749/20.1SFLSB, 754/20.8POLSB, 850/20.1S6LSB). * Não são devidas custas criminais por banda do arguido - artºs 513º, nº 1 e 514º, nº 1, al. a) a contrario, ambos do CPPenal. (…)”
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I.2 Recurso da decisão final
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: (…) 1) Por acórdão proferido nos autos acima identificados foi o arguido AA absolvido da prática, como autor material e em concurso efetivo, de: (…) 2) E para assim decidir o tribunal a quo, não obstante ter dado como provados praticamente todos os factos constantes da douta acusação pública, concluiu que: “(…) não constando do despacho de acusação a factualidade relativa ao elemento subjectivo de cada um dos ilícitos criminais cuja prática se imputa aos arguidos e mostrando-se-nos absolutamente vedado acrescentá-los por força do AUJ nº 1/15 (publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 18, de 27.01.2015) forçoso é que se conclua que a factualidade apurada e vertida em 3.1.1. se não mostra suficiente para que possamos concluir que se mostram preenchidos os elementos subjectivos daqueles e, consequentemente, pela responsabilização criminal do arguido pela prática daqueles sendo forçoso concluir pela sua total absolvição.” 3) Trazemos tal decisão à apreciação de V. Exªs porque ela merece a nossa discordância no que tange ao modo como foi efetuada a interpretação da prova produzida em audiência, pois se nos afigura que, em decorrência da interpretação conjugada de toda a prova produzida, antes haveria de ser dado como provado que foi o próprio arguido quem reconheceu ser o autor daqueles factos e bem assim o elemento subjetivo dos crimes, nomeadamente que agiu sempre, nas respetivas atuações, de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas supra descritas eram proibidas e criminalmente punidas por lei e isto o tribunal deveria ter dado como provado. 4) Sempre sob o devido respeito, afigura-se-nos que a absolvição do arguido ditada pelo douto acórdão impugnado resulta de patente erro na apreciação da prova, revelando-se-nos não conforme com o raciocínio interpretativo que, ditado por critérios de lógica e de senso, deve traduzir uma decisão sem margem que acolha ou reflita uma resolução sem inteiro apoio em tais critérios. 5) Refere o tribunal a quo, no que respeita à matéria de facto dada como provada, a sua convicção se formou com base nas declarações do arguido, o qual confessou parcialmente os factos que lhe vinham imputados. 6) Na realidade, como resulta patente da motivação da decisão de facto, foram dados como provados factos, além daqueles que resulta das próprias declarações do arguido, que permitiam concluir pela verificação de estar preenchido o elemento subjetivo dos crimes que foram considerados provados pelo tribunal a quo. 7) Procuremos, então, explicitar os segmentos da fundamentação de facto que, a nosso ver, colidem com os critérios de apreciação lógica e experimentada da prova produzida em audiência e ao alcance do decisor. 8) Resulta do disposto no art.º 358.º, n.º 2, do CPP, que caso a alteração resulte de factos alegados pela própria defesa, se exclui a aplicação do disposto no n.º 1 do ora citado artigo. 9) E das declarações prestadas pelo próprio do arguido, resulta que: “em sede de audiência de julgamento efectuou uma confissão parcial da factualidade que nos presentes autos se lhe mostra imputada. Concretizando, o arguido confessou integralmente a factualidade respeitante aos NUIPC’s nºs 419/20.0 PCSTB esclarecendo que, relativamente a todas as situações dos presentes autos em que assim procedia, era-lhe pago, por quem lhe solicitava que assim procedesse - cuja identidade não esclareceu - pois que se havia separado da sua mulher e recaído no consumo de produtos estupefacientes, metade do valor do combustível que furtava e que apunha as chapas de matrícula falsas com fita cola dupla face; 56/20.0 PKLRS; 417/20.4 PCSTB; 653/20.3 PCSTB; 654/20.1 PCSTB; 267/20.8 PFAMD; 826/20.9 PAALM; 453/20.0 PZLSB esclarecendo apenas que os factos sucederam todos no mesmo dia 09.06.2020; 1232/20.0 PCSTB e 948/20.6 PAALM. E, quanto aos demais NUIPC’s referiu: - NUIPC nº 1272/19.2 PULSB admitiu ter trabalhado, por cerca de 6/7 anos no estabelecimento comercial a que se alude em 2. da factualidade considerada como provada mas negou, peremptoriamente, ter perpetrado tais factos e afirmando desconhecer a ofendida; - NUIPC nº 110/20.8 PVLSB negou ter praticado tais factos esclarecendo que as chaves do ... a que ali se alude foram por si apanhadas num amigo que se encontra preso no EP de ... que lhe havia pedido para ir furtar tal veículo, o que jamais veio a suceder. - NUIPC nº 274/20.0 SILSB negou ter sido ele próprio a furtar as chapas de matrícula a que ali se alude embora tenha admitido a demais factualidade respeitante que ali se imputa. - NUIPC nº 273/20.2 PGLRS negou ter sido ele próprio a furtar as chapas de matrícula a que ali se alude. - NUIPC nº 677/20.0 PULSB negou a prática de tais factos referindo que, ao ser abordado pelas autoridades policiais ao lado do motociclo em causa tal foi mero acaso sendo que não o tripulou, nem o furtou sendo que aquele nem 50 cc tinha. - NUIPC nº 363/20.1 SKLSB negou ter sido ele próprio a furtar as chapas de matrícula a que ali se alude. - NUIPC nº 483/20.2 PFSXL negou ter sido ele próprio a furtar as chapas de matrícula a que ali se alude. - NUIPC nº 171/20.0 PAPBL negou peremptoriamente ser ele o autor de tais factos até porque jamais se deslocou até à cidade de .... - NUIPC nº 395/20.0 GEALM negou ter sido ele próprio a furtar as chapas de matrícula a que ali se alude. - NUIPC nº 581/20.2 PEALM negou ter sido ele próprio a furtar as chapas de matrícula a que ali se alude esclarecendo que uso tal veículo duas ou três semanas e que depois o deixou nas terras da ... para o seu primo BB a usar. - NUIPC nº 749/20.1 SFLSB negou a prática de tal factualidade. - NUIPC nº 461/20.1 GBMFR negou ter sido ele próprio a furtar as chapas de matrícula a que ali se alude. - NUIPC nº 754/20.8 POLSB negou a prática de tal factualidade. - NUIPC nº 850/20.1 S6LSB negou a prática de tal factualidade. No mais, aquando da exibição em sede de audiência de julgamento das imagens respeitantes aos postos de abastecimento de combustíveis o arguido reconheceu-se a si próprio em todos elas com excepção daquelas que dizem respeito ao abastecimento efectuado na cidade de ... conforme se extrai das suas declarações prestadas na sessão de audiência de julgamento de 22.05.2025. Por fim, confirmou o teor do relatório social elaborado.” 10) Com exceção dos factos que o tribunal a quo deu como não provados e que o Ministério Público concorda (APENSOS 274/20.0SILSB; 273/20.2PGLRS; 453/20.0PZLSB; 363/20.1SKLSB; 483/20.2PFSXL; 171/20.0 PAPBL; 395/20.0GEALM; 581/20.2PELSB e 461/20.1 GBMFR), todos os demais dados como provados, também deveria acrescer o elemento subjetivo de cada um dos crimes pelos quais vinha acusado, até porque tal já constava da acusação conjugado com as declarações do arguido, não deixavam quaisquer dúvidas que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, querendo agir como agiu, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas. 11) E na realidade, a língua portuguesa não se cinge a chavões, mas sim a interpretações daquilo que foi, no caso concreto, o que decorreu do próprio julgamento. 12) Não pode dizer, no caso concreto, que o arguido não agiu de forma livre, deliberada e consciente, querendo agir como agiu, bem sabendo que as suas condutas não eram proibidas por lei e criminalmente punidas. 13) Isto não resulta do julgamento, muito pelo contrário. 14) Age com dolo quem: - representando um facto que preenche um tipo de crime (elemento intelectual), - atuar com intenção de o realizar (elemento volitivo). 15) Conforme supra se enunciou, das próprias declarações do arguido retira-se o elemento intelectual uma vez que este representou um facto que preenche um tipo de crime em cada uma das situações que foram dadas como provadas. 16) Já quanto ao elemento volitivo, o mesmo já resultava à saciedade da acusação, conforme se transcreveu supra, e que o tribunal a quo, não poderia ter ignorado. 17) Volvendo ao caso concreto, quer isto dizer, que uma vez que o elemento subjetivo do crime, além dos factos dados como provados e que já resultavam da própria acusação, resulta também das próprias declarações do arguido, deveria o tribunal a quo, em todas as situações supra elencadas e que deu como provados os factos, ter dado também como provado o elemento subjetivo do crime, sem necessidade de qualquer comunicação nos termos e para os efeitos constantes do art.º 358.º, n.º 1, do CPP, uma vez que resulta claro das próprias declarações do arguido que agiu de forma livre, deliberada e consciente, querendo agir como agiu, bem sabendo que as suas condutas são proibidas por lei e criminalmente punidas, o que se requer e consequentemente condenado pelos referidos crimes. 18) Mas ainda que o tribunal assim não entendesse, e na sequência da tese seguida, então sempre teria que notificar o arguido e o Ministério Público nos termos e para os efeitos constantes do art.º 359.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, valendo, em caso de não concordância do arguido, essa comunicação como denúncia para o Ministério Público, nos do n.º 2 da ora referida disposição legal mencionada, ao invés de absolver o arguido e desta forma impossibilitar que contra o mesmo se prossiga com a ação penal. Porém, VOSSAS EXCELÊNCIAS, decidindo, farão como sempre a costumada JUSTIÇA! (…)
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O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido em 06/09/2025, com os efeitos de subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo.
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I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o arguido AA respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição] (…) A - O Tribunal a quo aplicou corretamente o direito ao caso em apreço. B - Sem elemento subjetivo descrito, não há acusação válida. C - A acusação padecia de nulidade por falta do elemento subjetivo. D - A confissão havida só teria relevância face a factos imputados na acusação de forma válida. E - Nenhum Tribunal pode susbstituir-se ao MP para "corrigir" a acusação. (AUJ do Supremo Tribunal de Justiça n" 1/2015 de 27-01-2015). F - Consequentemente, não há fundamento para revogar a absolvição. G - Pelo exposto, não assiste razão ao Ministério Público, decidindo bem o Tribunal a quo, absolvendo o arguido. TERMOS EM QUE, DEVE O ACÓRDÃO, OBJETO DE RECURSO SER CONFIRMADO, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, Fazendo-se, assim, justiça. (…)
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, aduzindo (…) Toma-se como seguro que a absolvição do arguido pelo acórdão recorrido se deve à considerada falta de alegação expressa dos elementos subjectivos dos tipos legais de crimes imputados e não da falta de referência à consciência da ilicitude. Por elementos subjectivos há-de reportar-se aos elementos típicos em sentido estrito (“tipo de ilícito”), ficando excluída a omissão de declaração da consciência de ilicitude. Relativamente a esta tem sido recorrente a interpretação jurisprudencial de que a mesma se pode extrair dos demais elementos descritos e caracterizadores da conduta do agente − a consumação do crime exige a prova da consciência da ilicitude, porém, esta não tem de resultar da mera indicação de fórmula, designadamente nos ilícitos axiologicamente não neutros (cfr. Ac. da RE 25.6.2025 in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2025:214.23.5T9EVR.E1.40 e Acórdão de Uniformizador de Jurisprudência 1/2015), apenas havendo que apreciar esta matéria se for concretamente suscitada a questão. Sendo a questão relevante a de se dar como provada o chamado elemento intelectual do dolo por parte do agente, a sua condenação criminal pressupõe a inerente factualidade de que resulte deve constar do texto da acusação. Em boa verdade do texto acusatório, em boa técnica devam constar, de forma clara e cristalina, a menção de todos os elementos que doutrinaria e jurisprudencialmente sejam convocados para se poder afirmar a verificação inequívoca de um crime, qualquer que seja o registo escrito que se concretamente se adopte. Também se dirá que não sendo imprescindíveis fórmulas sacrossantas correspondentes a um determinado código de estilo, não deixa de ser verdade que o uso de expressões comummente aceites doutrinaria e jurisprudencialmente tem, desde logo, a virtualidade de evitar querelas estéreis. Não obstante, cremos que da acusação deduzida nos autos, se pode ainda retirar o razoável entendimento de que, no caso dos autos, o arguido quis agir consciente das circunstâncias integradoras dos tipos objectivos imputados – sabia e quis. Como nos demais ilícitos, mas designadamente quanto aos crimes de roubo e de furto, afigura-se-nos razoável, em termos de normalidade na expressão corrente e de entendimento incontroverso que afirmar que quem actua com intenção subtrair e apropriar-se de combustível sem efectuar o correspondente pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário, fá-lo com a consciência ou conhecimento de aquele lhe não pertencia. Como nos crimes de abuso de confiança ao referir-se, por exemplo “actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se do motociclo (...) que lhe foi entregue pelo ofendido para experimentar(...), bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário”. Com o enquadramento efectuado, acrescido da verificação do “plus” que representa o dolo específico (característico dos chamados “crimes de intenção”), não se levantando obviamente questões ao nível do erro do agente, crê-se que se retira suficientemente do texto a enunciação dos elementos tipo subjectivo. Também quanto aos imputados crimes de condução sem habilitação legal se nos afigura suficiente a mera indicação de que “(...) conhecia as características do veículo e dos locais onde conduziu, sabendo que não era titular de carta, licença de condução ou qualquer outro título que o habilitasse a conduzir, e, não obstante, quis conduzir (...).”. Razoavelmente não se vê que pela expressão adoptada não se possa minimamente concluir que o arguido quis conduzir sabendo que não era titular de carta ou título válido de condução de que depende a possibilidade de conduzir na via pública. Não se trata de fazer apelo aos artigos 358º ou 359º do CPP. Cremos que o Tribunal pode, ao abrigo do artigo 410º e 431º do CPP, alterar a matéria de facto dada como provada e, em face da prova globalmente produzida, dar como provados crimes imputados, ressalvados os referidos (com excepção dos factos que o tribunal a quo deu como não provados, decisão com a qual, de resto, o Ministério Público recorrente concorda (APENSOS 274/20.0SILSB; 273/20.2PGLRS; 453/20.0PZLSB; 363/20.1SKLSB; 483/20.2PFSXL; 171/20.0 PAPBL; 395/20.0GEALM; 581/20.2PELSB e 461/20.1 GBMFR), nos termos pugnados, julgando-se procedente o recurso. (…)
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I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer.
* I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3.
*
II.2- Apreciação do recurso
Assim, face às “conclusões” apresentadas, as questões decidendas que dela se retiram são as seguintes:
a) Saber se a materialidade dada como provada na sentença recorrida é ou não suficiente para caracterizar a actuação dolosa do arguido na condução do veículo automóvel sem habilitação legal.
Vejamos.
II.3 - Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso]:
a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal singular em 1ª Instância : (…) 3.1. FACTUALIDADE CONSIDERADA COMO PROVADA (dela expurgando factualidade conclusiva e/ou de direito, despicienda e os advérbios de modo): 3.1.1. No que concerne à culpabilidade (dela expurgando expressões conclusivas e advérbios de modo): NUIPC 1272/19.2PULSB
1. No dia ........2019, pelas 11 horas e 30 minutos, o arguido deslocou-se à ..., onde sabia ali residir a ofendida CC, à data com 80 anos de idade, com o objectivo de subtrair e apropriar-se de objectos de valor que a mesma tivesse na sua posse;
2. O arguido havia trabalhado no estabelecimento comercial “...”, sito em ..., tendo efectuado a entrega de bens de mercearia à ofendida, na residência a que se alude em 1., conhecendo-a, bem como às debilidades da ofendida, em razão da idade, as quais lhe permitiam fácil acesso ao interior daquela;
3. Uma vez ali, o arguido tocou, por diversas vezes, à campainha da residência a que se alude em 1. tendo-se identificado, através do intercomunicador, como sendo o “DD”, o que fez com que a ofendida procedesse à abertura da porta que franqueia a entrada no prédio e, após, a da sua residência não só porque o conhecia mas também porque este alegou ter compras para lhe entregar;
4. Enquanto se dirigia para a porta da residência da ofendida o arguido cruzou-se, nas escadas, com EE a qual, após entrar no interior da sua residência, permaneceu a observar o arguido através do óculo aposto na porta que franqueia a entrada na sua residência;
5. Quando a ofendida abriu a porta da sua residência o arguido colocou o pé entre a porta e a ombreira que a sustenta por forma a impedir que aquela fosse fechada e, acto contínuo, empurrou-a tendo aquela sido projectada para o interior da residência e, de seguida, nela entrou o arguido;
6. Uma vez no interior da residência a que se alude em 1., o arguido abriu a mala da ofendida que se encontrava no hall de entrada, em cima de um móvel e retirou, do seu interior, € 120 e a caderneta da ... pertença daquela e, após, na posse daquelas, colocou-se em fuga para parte incerta;
7. Ao agir da forma descrita em 1 a 6 o arguido bem sabia que a ofendida era pessoa especialmente vulnerável em razão da sua idade e debilidade física tendo-se aproveitado de tal para lograr levar a cabo os seus intentos apropriativos tendo agido com a intenção de subtrair e apropriar-se de valores e objectos pertença daquela não se inibindo de, para tal, utilizar de violência contra aquela, introduzindo-se no interior da habitação da mesma sem o seu consentimento e bem sabendo que o fazia contra a sua vontade; APENSO 419/20.0 PCSTB
8. No dia ........2019, pelas 12 horas e 34 minutos, o arguido deslocou-se ao ..., sito na ..., em ..., tripulando a viatura de marca ..., modelo..., com o propósito de ali a abastecer com combustível sem proceder ao respectivo pagamento;
9. Para tal, o arguido trocou as chapas de matrícula originais da viatura a que se alude em 8., de matrícula não concretamente apurada, pelas chapas de matrícula ..-MQ-.., respeitantes a um veículo de marca ..., modelo ..., as quais haviam sido subtraídas em ........2019 (NUIPC 2190/19.0 PULSB);
10. Uma vez ali, o arguido colocou a viatura que tripulava no posto de abastecimento n.º 2 e abasteceu um recipiente que transportava no banco traseiro daquela, com 94,17 litros de gasóleo, no valor total de € 124,21 (cento e vinte e quatro euros e vinte e um cêntimos) e, após, efectuou marcha atrás no veículo e colocou-se em fuga sem efetuar o respectivo pagamento;
11. Na actuação descrita em 8. a 10. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se de combustível, sem efetuar o correspondente pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário e, bem assim, que as chapas de matrícula que apôs no veículo a que se alude em 8 não eram as respeitantes àquele tendo, ainda assim, feito uso das mesmas;
12. Com a aposição das matrículas a que se alude em 9. o arguido pretendia obstar à verdadeira identificação do veículo a que se alude em 8 para o poder utilizar, assim obtendo para si benefício ilegítimo, o que conseguir, bem sabendo que colocava em causa a fé pública que evola das chapas de matrícula apostas nos veículos;
13. Na data a que se alude em 8. o arguido não era titular de documento que o habilitasse a tripular o veículo ali referido na via pública, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde a tripulou e, não obstante, quis conduzi-lo nas referidas circunstâncias a que se alude em 8. a 10.; APENSO 110/20.8 PVLSB
14. No dia ........2020, pelas 13 horas e 30 minutos, o arguido deslocou-se à ..., sita em ..., propriedade de FF, com o objectivo de subtrair e apropriar-se de objectos de valor que a mesma tivesse na sua posse;
15. Na prossecução de tal desiderato, dirigiu-se ao prédio nº 18, sito na mesma artéria e, solicitou a GG que lhe franqueasse a entrada no prédio dando nota de que se encontrava a realizar obras numa habitação na ..., nesta cidade, ao que aquele acedeu;
16. Após, o arguido dirigiu-se para 1º andar do mesmo prédio e contactou com HH, ali residente, dando conta de que se encontrava a realizar obras numa habitação sita na ... e que a proprietária da mesma havia deixado a chave no interior da fechadura pelo que, teria que aceder ao seu interior a partir do exterior, fazendo-o através do quintal da residência daquela, ao que esta acedeu;
17. Nessa sequência, o arguido logrou aceder ao quintal da residência a que se alude em 14. e, após partir o vidro da porta de entrada, introduziu no interior daquela de onde subtraiu as chaves da residência e a chave suplente do veículo de marca ..., com a matrícula ..-VL-.. propriedade de FF;
18. De seguida, o arguido abandonou o interior de tal residência sendo surpreendido por II, residente na ..., colocando-se em fuga do local através dos quintais vizinhos;
19. As chaves da viatura a que se alude em 17. foram encontradas e apreendidas na posse do arguido em ........2020, na sequência da detenção no âmbito do NUIPC nº 677/20.0 PULSB;
20. Em toda a actuação descrita em 14. a 18. o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se dos objectos de valor que a ofendida tinha no interior da residência, introduzindo-se no interior daquela mediante arrombamento, sem o consentimento e contra a vontade da ofendida; APENSO 56/20.0PKLRS
21. No dia ........2020, pelas 10 horas e 30 minutos, o arguido dirigiu-se ao ..., sito na ..., com o propósito de subtrair e apropriar-se de viatura que ali se encontrasse;
22. Uma vez ali, contactou com o funcionário JJ, o qual lhe facultou as chaves do veículo de Marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-DA-.., avaliada em € 5 900 (cinco mil e novecentos euros) o qual se encontrava estacionado no interior daquele;
23. Após, enquanto o funcionário a que se alude em 22. atendia clientes, o arguido referiu pretender tirar fotos ao interior do aludido veículo tendo-se, para tal, introduzido no interior daquele e, após, ligou-o e colocou-se em fuga para lugar incerto tripulando-o;
24. O veículo a que se alude em 22. foi localizado e apreendido em ........2020, ostentando as chapas de matrícula ..-..-VH as quais correspondem a veículo ..., modelo ..., as quais haviam sido subtraídas, em ........2020, na ..., em... (NUIPC 274/20.0 SILSB);
25. As chaves do veículo a que se alude em 22. foram apreendidas na posse do arguido em ........2020, aquando da sua detenção;
26. Em toda a actuação descrita em 20. a 25. o arguido agiu com a intenção de subtrair e apropriar-se do veículo a que se alude em 22., sem efectuar o correspondente pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legítimo proprietário;
27. E, bem assim, que as chapas de matrícula que nele apôs não eram verdadeiras e, não obstante, pretendeu fazer uso daquele com as aquelas nele apostas, com intenção de ocultar a verdadeira identidade do aludido veículo para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si benefício a que sabia não ter direito, o que logrou conseguir, assim colocando em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula apostas nos veículos;
28. Nas circunstâncias a que se alude em 20. a 23. o arguido não era titular de documento que o habilitasse a tripular veículos na via pública, bem conhecendo as características daquele e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, quis conduzi-lo nas referidas circunstâncias; APENSO 417/20.4 PCSTB
29. No dia ........2020, pelas 12 horas e 34 minutos, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível ..., sito na ..., com a intenção de abastecer o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-DA-.., sem proceder ao respectivo pagamento;
30. Na prossecução de tal intento o arguido dirigiu-se ao posto de abastecimento n.º 2 e, uma vez ali, abasteceu recipientes que se encontravam no porta bagagens do veículo a que se alude em 29., com 71,25 litros de gasóleo, no valor de € 92.55 (noventa e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) e, após, efectuou marcha atrás com o veículo e colocou-se em fuga sem passar pelo pórtico com cancela e sem efectuar o respectivo pagamento;
31. Em toda a actuação descrita em 29. e 30. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se de combustível, sem efectuar o respectivo pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário;
32. Nas circunstâncias a que se alude em 29 e 30 o arguido não era titular de documento que o habilitasse a tripular tal veículo na via pública, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, quis conduzi-lo nas mencionadas circunstâncias; APENSO 274/20.0 SILSB
33. No dia ........2020, a hora não concretamente apurada mas situada entre as 08 horas e as 16 horas, um indivíduo de identidade não concretamente apurada deslocou-se junto ao nº ...da ..., em ..., onde se encontrava estacionado o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-VH, propriedade de KK;
34. E, uma vez junto do mesmo, retirou-lhe as duas chapas de matrícula ..-..-VH, no valor total de € 25,00, as quais fez suas;
35. No dia ........2020, pelas 21 horas e 57 minutos, o arguido tripulava o veículo de marca ..., modelo ..., na ..., sentido ... em direcção à rotunda ..., quando foi abordado pelo agente da PSP LL, que se encontrava a zelar pelo cumprimento das directrizes de combate à propagação do vírus SARS – COV, o qual lhe deu ordem de paragem, sendo que aquele ostentava as chapas de matrícula a que se alude em 34. e não as chapas de matrícula originais ..-DA-..;
36. Na sequência da ordem a que se alude em 35. o arguido aumentou a velocidade que imprimia ao veículo que tripulava guinou em sentido contrário e colocou-se em fuga para local incerto na direcção de ... ou ...;
37. O arguido sabia que as chapas de matrícula que apôs e a que se alude em 35. não eram as verdadeiras e, não obstante, pretendeu fazer uso das mesmas com intenção de ocultar a verdadeira identidade do veículo para, em prejuízo do Estado, o poder fruir e assim obtendo para si benefício que sabia não ter direito, o que logrou conseguir;
38. Com tal conduta o arguido pôs em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula apostas nos veículos.
39. O arguido não era titular de qualquer documento que o habilitasse a conduzir tal viatura.
40. O arguido conhecia as características do veículo e dos locais onde conduziu, sabendo que não era titular de carta, licença de condução ou qualquer outro título que o habilitasse a conduzir, e, não obstante, quis conduzir a viatura acima mencionada nas referidas circunstâncias. APENSO 653/20.3 PCSTB
41. No dia ........2020, pelas 14 horas, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível ..., sito na ..., com a intenção de abastecer a viatura ..., matrícula ..-SQ-..;
42. Uma vez ali, deslocou-se para a bomba de abastecimento n.º 1 e abasteceu o veículo com 59,19 litros de gasóleo, no valor total de € 70,97 (setenta euros e noventa e sete cêntimos); NUIPC 654/20.1 PCSTB (incorporado no APENSO 417/20.4 PCSTB)
43. No mesmo local a que se alude em 41., pelas 14 horas e 08 minutos, o arguido abasteceu recipientes que se encontravam no porta bagagens do veículo ali mencionado, com 78,35 litros de gasóleo, no valor de € 93,94 (noventa e três euros e noventa e quatro cêntimos);
44. No final dos abastecimentos a eu se alude em 42. e 43. o arguido efectuou marcha atrás com o veículo que tripulava e colocou-se em fuga sem passar pelo pórtico com cancela sem efectuar os respectivos pagamentos;
45. Em ambas as situações a que se alude em 41. a 44. o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se de combustível, sem efectuar o respectivo pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário; APENSO 273/20.2 PGLRS
46. Em dia e hora não concretamente apurados mas que se situarão entre as 17 horas e 30 minutos do dia ........2020 e as 17 horas do dia ........2020, um indivíduo de identidade não concretamente apurada deslocou-se junto do nº ... da ..., sita em ..., onde se encontrava estacionado o veículo a viatura de marca Opel, de matrícula ..-BE-.., propriedade de MM;
47. E, uma vez ali, retirou-lhe as duas chapas de matrícula ..-BE-.., no valor de € 25,00, fazendo-as suas; APENSO 267/20.8 PFAMD
48. No dia ........2020, pelas 13 horas, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível ..., sita na ..., na ..., com a intenção de abastecer o veículo de marca ..., modelo ..., encontrando-se apostas naquele as chapas de matrícula falsas ..-SJ-.. (as quais correspondem a um veículo de marca ...);
49. Uma vez ali, deslocou-se para o posto de abastecimento n.º 5 e abasteceu recipientes que se encontravam no interior do porta bagagens do aludido veículo, com 153,66 litros de gasóleo, no valor total de € 184,24 (cento e oitenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos) e, após, efectuou marcha atrás, colocou-se em fuga sem passar pelo pórtico com cancela e sem efectuar o respectivo pagamento;
50. Em toda a actuação descrita em 48. e 49. o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se de combustível sem efectuar o respectivo pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário;
51. Bem sabendo que as chapas de matrícula que se encontravam apostas no veículo a que se alude em 48. não eram verdadeiras e, não obstante, assim actuou com intenção de ocultar a verdadeira identificação daquele para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si benefício ilegítimo que logrou alcançar tendo, com tal conduta, colocado em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula apostas nos veículos.
52. O arguido não era titular de qualquer documento que o habilitasse a conduzir tal viatura.
53. O arguido conhecia as características do veículo e dos locais onde conduziu, sabendo que não era titular de carta, licença de condução ou qualquer outro título que o habilitasse a conduzir, e, não obstante, quis conduzir a viatura acima mencionada nas referidas circunstâncias. APENSO 677/20.0 PULSB
54. No dia ........2020, pelas 12 horas e 16 minutos, o arguido contactou NN, através do n.º ..., manifestando interesse em adquirir o motociclo ..., com a matrícula ..-..-RU, de cor cinzenta, o qual se encontrava à venda e cujo anúncio estava publicitado na plataforma ..., registado com o ID:...;
55. Nessa sequência, acordaram marcar um encontro nesse mesmo dia, pelas 21 horas e 30 minutos, na ..., em ..., a fim de firmar a compra e venda daquele;
56. Assim, pelas 21 horas e 30 minutos, o arguido encontrou-se com NN e, após ter observado o motociclo por alguns instantes, solicitou-lhe que lhe facultasse as chaves daquele para o experimentar, ao que aquele acedeu entregando-lhas;
57. Na posse das chaves e com o motociclo ligado o arguido deu algumas voltas naquela rua e, de seguida, colocou- se em fuga para local incerto;
58. No dia ........2025, pelas 13 horas e 05 miutos, o Agente da PSP OO, acompanhado pelos Agentes da ... PP, QQ e RR, detectaram o arguido a circular com o motociclo a que se alude em 54. na ..., na ... e, nessa sequência, abordaram-no e detiveram-no;
59. O arguido procedeu a alterações no motociclo a que se alude em 54. de molde a evitar que se soubesse que o mesmo havia sido furtado, nomeadamente, alterou-lhe a cor para preta;
60. O motociclo a que se alude em 54 estava, em tal data, avaliado em €2 000 (dois mil euros) e, quando interceptado pelas autoridades policiais o mesmo tinha sido alvo de alterações nas suas características as quais causaram prejuízo a NN de € 1 000 (mil euros);
61. Em toda a actuação descrita em 54. a 60. o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se do motociclo a que ali se alude, o qual lhe foi entregue pelo ofendido apenas para que o pudesse experimentar, bem sabendo que ao assim actuar o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário;
62. Nas datas a que se alude em 54. e 58. o arguido não era titular de documento que o habilitasse a tripular o aludido motociclo na via pública, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde o conduziu e, não obstante, quis actuar conforme ali descrito; APENSO 453/20.0 PZLSB
63. No dia 09.06.2020, o ofendido SS encontrava-se no ..., em ..., a trocar um dos pneumáticos do veículo de que é proprietário, da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-PB-.., que havia sofrido um furo, quando o arguido ali surgiu e se disponibilizou para o ajudar;
64. O arguido, ao verificar que o espelho retrovisor daquele se encontrava danificado, prontificou-se, de igual modo, a repará-lo acordando-a com o ofendido para o dia seguinte;
65. Nessa sequência, no dia ........2020, pelas 11 horas, SS encontrou-se com o arguido no local a que se alude em 63. e este solicitou-lhe para tripular o veículo a que ali se alude de molde a verificar se a direcção do mesmo se encontrava em boas condições ao que aquele acedeu;
66. Após, o arguido colocou-se ao volante do aludido veículo, colocou-o em marcha e, percorridos alguns metros, encostou-o e solicitou ao ofendido que lhe fizesse o favor de recolher uma mercadoria que necessitava de levar para a oficina, ao que este concordou e, ao sair do veículo, o arguido arrancou com o veículo a alta velocidade colocando-se em fuga para parte incerta;
67. Na data a que se alude em 65 o veículo ali referido encontrava-se avaliado em € 13 000 (treze mil euros);
68. Em toda a actuação descrita em 63. a 67. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se do veículo ali referido, o qual lhe foi entregue apenas para o experimentar, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário;
69. O arguido, na posse do veículo a que se alude em 63. e por forma a conseguir com ele circular sem que as autoridades o detectassem, substituiu as chapas de matrícula do mesmo por outras;
70. No dia ........2020 o veículo a que se alude em 63. foi recuperado por militares da GNR enquanto ostentava as chapas de matrícula ..-RB-.. que correspondiam a um veículo marca ..., modelo ..., furtadas no dia ........2020 e, no interior daquele, foram apreendidos diversos recipientes e sete chapas de matrícula, a saber: - Chapa de matrícula ..-QM-.., pertença de um veículo de marca ..., modelo ..., furtada entre os dias 14 e ........2020 (factos referidos no Apenso 363/20.1SKLSB); - Chapa de matrícula ..-XJ-.., pertença de um veícuclo ..., modeo ..., furtada entre os dias ... e ........2020; - Chapas de matricula ..-BN-.., pertença de um veículo ..., furtadas em ........2020 (factos referidos no Apenso 363/20.1SKLSB); - Chapas de matrícula ..-XR-.., pertença de um veículo ..., furtadas em ........2020 (factos referidos no Apenso 171/20.0 PAPBL); - Chapas de matrícula ..-QU-.., pertença de um veículo ..., modelo ... furtadas em ........2020 (factos referidos no Apenso NUIPC:395/20.0 GEALM) e com as quais foi interveniente em dois abastecimentos sem pagamento (factos referidos nos Apensos NUIPC:948/20.6 PAALM e NUIPC: 1232/20.0PCSTB); - Chapa de matrícula ..-JH-.., pertença de um veículo de marca ..., modelo ..., furtada em ........2020 (factos referidos no Apenso 581/20.2 PELSB); - Chapa de matrícula ..-UP-.., pertença de um veiculo ..., modelo ..., furtadas em ........2020;
71. O arguido sabia que as chapas de matrícula que apôs no veículo a que se alude em 63. não eram verdadeiras tendo agido com intenção de ocultar a verdadeira identificação daquele para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si um benefício ilegítimo, o qual logrou alcançar assim colocando a fé pública emanada daquelas;
72. Nas datas a que se alude em 63. e 65. o arguido não era titular de documento que o habilitasse a conduzir tal veículo, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, conduziu-o nas mencionadas circunstâncias; APENSO 826/20.9 PAALM (tomando em consideração a desistência de queixa já homologada)
73. No dia ........2020, pelas 15 horas e 07 minutos, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento da ..., sita na ..., em ..., tripulando o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-PB-.. sem ser titular de documento que o habilite a tripula-lo;
74. O arguido conhecia as características do veículo a que se alude em 73. e dos locais por onde o conduziu, bem sabendo que não era titular de título que o habilitasse a tal e, não obstante, tripulou-o nas referidas circunstâncias; APENSO 363/20.1 SKLSB
75. Em dia e hora não concretamente apurados mas que se situará entre as 20 horas do dia ........2020 e as 12 horas e 40 minutos do dia ........2020, um indivíduo de identidade não concretamente apurada, deslocou-se à ..., na ..., onde se encontrava estacionado o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-QM-.., pertença do ofendido TT, aproximou-se daquele e retirou-lhe as duas chapas de matrícula, no valor de € 25 (vinte e cinco euros);
76. Após, as chapas de matrícula a que se alude em 75 vieram a ser recuperadas por militares da GNR, no dia ........2020, pelas 19 horas e 05 minutos, no veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-PB-..; APENSO 483/20.2 PFSXL
77. No dia ........2020, a hora não concretamente apurada mas que se situará entre as 09 horas e 30 minutos e as 12 horas e 40 minutos, um indivíduo de identidade não concretamente apurada deslocou-se à ..., sita na ..., onde se encontrava estacionado o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-BN-.., propriedade da ofendida UU e, após, retirou-as;
78. As duas chapas de matrícula a que se alude em 77. tinham o valor de € 10 (dez euros);
79. As duas chapas de matrícula a que se alude em 77. foram recuperadas por militares da GNR no dia ........2020, pelas 19 horas e 05 minutos; APENSO 171/20.0 PAPBL
80. No dia ........2020, pelas 16 horas e 05 minutos, um individuo de identidade não concretamente apurada, deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível do ..., sito na ..., em ..., a fim de abastecer o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-PB-.. o qual ostentava as matrículas ..-XR-..;
81. Uma vez ali, aquele deslocou-se para o posto de abastecimento e encheu recipientes que tina no interior do porta bagagens com 132,66 litros de gasóleo, no valor de € 143,54 (cento e quarenta e três euros e cinquenta e quatro cêntimos) e, após, colocou-se em fuga sem proceder ao respectivo pagamento; APENSO 395/20.0GEALM
82. No dia ........2020, a hora não concretamente apurada mas que se situará entre as 10 horas e 30 minutos e as 17 horas, um indivíduo de identidade não concretamente apurada, deslocou-se à ..., sita na ..., onde se encontrava estacionado o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-QU-.., pertença do ofendido VV e, uma vez junto àquele, retirou-lhe as duas chapas de matrícula ..-BN-.., no valor de € 20 (vinte euros), as quais fez suas; APENSO 1232/20.0 PCSTB
83. No dia ........2020, pelas 20 horas e 25 minutos, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível ..., sito na ..., com o intuito de abastecer o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-PB-.., o qual ostentava as matrículas ..-XR-..;
84. Uma vez ali, o arguido deslocou-se para o posto de abastecimento e encheu recipientes que tinha no porta bagagens daquele, com 109,38 litros de gasóleo, no valor de € 130,05 (cento e trinta euros e cinco cêntimos) e, após, fez marcha atrás no veículo para evitar o pórtico de pagamento e colocou-se em fuga sem efectuar o respectivo pagamento;
85. Em toda a actuação descrita em 83. e 84. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se de combustível, sem efectuar o correspondente pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário;
86. E mais sabia o arguido que as chapas de matrícula que apôs no aludido veículo não eram as verdadeiras e, não obstante, fez uso das mesmas com intenção de ocultar a verdadeira identidade daquele para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si benefício ilegítimo, o que logrou conseguir e colocando em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula apostas nos veículos;
87. Na data, hora e local a que se alude em 83. e 84. o arguido não era titular de qualquer documento que o habilitasse a tripular tal veículo na via pública, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, tripulou-o nas referidas circunstâncias; APENSO 948/20.6 PAALM (tomando em consideração a desistência de queixa já homologada)
88. No dia ........2020, pelas 18 horas e 45 minutos, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível do ..., sita na ..., com o intuito de abastecer o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-PB- .. e que ostentava matrículas pertencentes a outro veículo ..-QU-..;
89. Em tais circunstâncias de tempo, modo e lugar bem sabia o arguido que as chapas de matrícula que apôs no veículo a que se alude em 88. não eram verdadeiras e, não obstante, pretendeu fazer uso das mesmas com intenção de ocultar a verdadeira identificação daquele para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si um benefício ilegítimo, o que logrou alcançar assim colocando em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula por aquele emitidas;
90. E, bem assim, não era o arguido titular de documento que o habilitasse a tripular tal veículo na via pública, bem conhecendo as características do mesmos e dos locais onde o tripulou e, não obstante, quis conduzi-lo nas mencionadas circunstâncias; APENSO 581/20.2PELSB
91. No dia ........2020, a hora não concretamente apurada mas que se situará entre as 14 horas e 30 minutos e as 16 horas e 30 minutos, um indivíduo de identidade não concretamente apurada deslocou-se à ..., sita na ..., onde se encontrava estacionado o veículo de marca ..., com a matrícula ..-JH-.., pertença da ofendida WW e, uma vez junto ao mesmo, retirou-lhe as duas chapas de matrícula ..-JH-.., no valor de cerca de € 20 (vinte euros), fazendo-as suas;
92. No dia ........2020, pelas 19 horas e 05 minutos, as chapas de matrícula a que se alude em 91. vieram a ser recuperadas por militares da GNR quando se encontravam apostas no veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-PB-..; APENSO 749/20.1SFLSB
93. No dia ........2020 a ofendida XX colocou o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-TP, de que era proprietária à venda na plataforma “...”, pelo valor de € 1 800 (mil e oitocentos euros);
94. No dia ........2020, pelas 15 horas, o arguido contactou-a, através do nº ..., identificando-se como “YY” e mostrando-se interessado em adquirir o veículo a que se alude em 93.;
95. Nessa sequência, marcaram encontro na ..., junto à capela, em ..., para esse mesmo dia, pelas 19 horas e 30 minutos;
96. Pelas 20 horas, quando XX ali chegou tripulando o veículo a que se alude em 93. o arguido já ali se encontrava e, após este ver o exterior e o interior daquele, solicitou-lhe para abrir o capot e coloca-lo em funcionamento;
97. Acto contínuo, sem que a ofendida se apercebesse, o arguido introduziu-se no interior do veículo a que se alude em 93. e, tripulando-o, encetou fuga para parte incerta, fazendo-o seu;
98. O veículo a que se alude em 93. encontrava-se avaliado em €1 800 (mil e oitocentos euros);
99. Em toda a actuação descrita em 93. a 97. o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se do veículo pertença da ofendida, bem sabendo que o fazia contra a vontade da sua legitima proprietária;
100. E, bem assim, de que não era titular de documento que o habilitasse a conduzi-lo na via pública, bem conhecendo as características daquele e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, quis conduzi-lo nas referidas circunstâncias; APENSO 461/20.1 GBMFR
101. A hora não concretamente apurada mas que se situará entre as 17 horas e 30 minutos do dia ........2020 e as 04 horas do dia ........2020, um indivíduo de identidade não concretamente apurada deslocou-se à ..., sita na ..., onde se encontrava estacionado o veículo de marca ... modelo ..., com a matrícula ..-..-QM, pertença do ofendido ZZ e, uma vez junto do mesmo retirou-lhe as duas chapas de matrícula ..-..-QM, no valor aproximado de € 20 (vinte euros);
102. No dia ........2020, pelas 19 horas e 05 minutos, as chapas de matrícula a que se alude em 101. foram recuperadas por miliares da GNR;
103. No dia ........2020, pelas 01 horas e 15 minutos, o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-TP (749/20.1SFLSB) foi recuperado pelo Guarda Principal da GNR ... na ..., na ..., apresentando danos nas portas laterais, na parte da frente do lado esquerdo, no retrovisor do lado direito, no seu interior e ostentando as chapas de matrícula ..-..-QM, pertença do veículo de marca ..., modelo ... (NUIPC 461/20.1GBMFR);
104. E mais ali foram encontradas as chapas de matrícula ..-..-TP, correspondentes à viatura furtada, as chapas de matrícula ..-..-ZI, pertencentes a uma viatura de marca ..., modelo ... (não existe denúncia); APENSO 754/20.8POLSB
105. No dia ........2020 o ofendido AAA colocou à venda na plataforma “...” o motociclo de marca ..., com a matrícula ..-UT-..;
106. Pelas 20 horas o arguido que se identificou como “BBB” contactou por mensagem aquele e mostrou interesse em adquirir o aludido motociclo, combinando encontrarem-se pelas 21 horas junto ao ...;
107. Pelas 21 horas quando o ofendido AAA chegou ao local combinado, nas proximidades do ..., o arguido já ali se encontrava à sua espera e, após diálogo sobre o motociclo a que se alude em 105., o arguido solicitou àquele experimentá-lo, ao que este anuiu entregando-lhe as chaves daquele;
108. Nessa sequência, o arguido colocou o motociclo em funcionamento, iniciou a marcha e colocou-se em fuga, fazendo-o seu;
109. O motociclo a que se alude em 105. encontrava-se avaliado em € 2 150 (dois mil cento e cinquenta euros);
110. Ao actuar conforme descrito em 105. a 109. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se do motociclo a que se alude em 105. o qual lhe foi entregue pelo ofendido apenas para o experimentar e dar uma volta, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário;
111. Na mesma data a que se alude em 105. o ofendido CCC colocou à venda na plataforma “...”, o seu motociclo de marca ..., com a matrícula ..-..-SI e, após, foi contactado, através de mensagens, pelo arguido que se identificou como “BBB, tendo combinado encontrarem-se para ver o motociclo, pelas 21 horas e 30 minutos, em frente ao ..., em ...;
112. Pelas 21 horas e 30 minutos, o arguido transportando-se no motociclo a que se alude em 105., o qual havia subtraído minutos antes, encontrou-se com o ofendido CCC, no local aprazado e, após algum diálogo sobre as condições do motociclo a que se alude em 111. o arguido demonstrou interesse em adquiri-lo e solicitou autorização ao ofendido para o experimentar;
113. Em resposta, o ofendido referiu-lhe que o motociclo não tinha seguro, pelo que, apenas o poderia experimentar num parque de estacionamento tendo-se ambos deslocado até ao parque de estacionamento do ..., em ...;
114. Uma vez ali, o ofendido autorizou o arguido a experimentar o motociclo a que se alude em 115. solicitando-lhe as chaves da scooter que em que aquele se deslocara para ir ter consigo a que se alude em 105. como forma de garantia e desconhecendo que aquele havia sido subtraído ao seu legítimo proprietário;
115. Após, o arguido montou-se no motociclo a que se alude em 111. e, após algumas voltas ao estacionamento, subiu o passeio que dá para um jardim, transpôs o mesmo, acedeu à ... e colocou-se em fuga para parte incerta tripulando-o;
116. O motociclo a que se alude em 111. encontrava-se avaliado em € 2 700 (dois mil e setecentos euros) e, quando recuperado, apresentava danos elétricos e no canhão da ignição, avaliados em € 1000 (mil euros);
117. Em toda a acuação descrita em 105. a 115. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se dos motociclos ali referidos, os quais lhe foram entregues pelos respectivos proprietários apenas para serem experimentados e com eles dar uma volta, bem sabendo que o fazia contra a vontade daqueles;
118. Na data a que se alude em 105. o arguido não era titular de qualquer documento que o habilitasse a conduzir tais motociclos na via pública, bem conhecendo as dos mesmos e dos locais por onde os tripulou e, não obstante, quis tripula-los nas referidas circunstâncias; APENSO 850/20.1S6LSB
119. No dia ........2020, o ofendido DDD colocou à venda na plataforma “...”, o seu motociclo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-XX, pelo valor de € 3 000 (três mil euros);
120. No dia ........2020, pelas 12 horas, o arguido que se identificou como “EEE” contactou aquele por mensagem, através do nº ..., mostrando interesse em adquirir o motociclo a que se alude em 119. e, para o efeito, combinaram encontrarem-se pelas 15 horas e 15 minutos, junto à área comercial do ..., no ..., em ...;
121. Pelas 15 horas e 15 minutos, o arguido compareceu junto do ofendido DDD, o qual já se encontrava à sua espera e, após breve diálogo sobre o motociclo a que se alude em 119., o arguido solicitou ao ofendido autorização para o experimentar, ao que este acedeu entregando-lhe as chaves;
122. Após, o arguido colocou o motociclo a que se alude em 119. em funcionamento, iniciou a marcha e colocou-se em fuga para parte incerta, fazendo-o seu;
123. O motociclo a que se alude em 119. encontrava-se avaliado em € 3 000 (três mil euros);
124. Em ........2020, pelas 09 horas, o motociclo a que se alude em 119. foi recuperado na ..., junto ao nº 721, em Lisboa;
125. Em toda a actuação descrita em 119. a 124. o arguido atuou com intenção de subtrair e apropriar-se do motociclo a que ali se alude, o qual lhe foi entregue pelo ofendido apenas para o experimentar e dar uma volta, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário sendo que o mesmo não era titular de documento que o habilitasse a tripular aquele, apesar de o arguido bem conhecer as características daquele e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, quis conduzir a viatura acima mencionada nas referidas circunstâncias; 3.1.2. Da contestação:
126. O arguido mostra-se a cumprir pena no ... onde exerce actividade laboral, sendo pessoa educada, obediente e simpática para todos quantos o rodeiam; 3.1.3. Quanto à determinação da sanção:
127. À data dos factos objecto dos presentes autos AA residia com os progenitores e irmãos, num contexto intrafamiliar funcional e pautado por laços de afetividade e interajuda numa moradia de arrendamento social com condições de habitabilidade, sita em zona pautada por problemáticas sociais e de delinquência;
128. O arguido mantinha rotina, sem actividade laboral estruturada, de precariedade económica, consumindo estupefacientes (haxixe) e mantendo ligação a grupos de pares, com o mesmo estilo de vida da sua área de residência;
129. No domínio escolar o arguido manteve um percurso pouco investido, tendo abandonado a escolaridade aos 16 anos de idade após a conclusão de curso profissional de carpintaria, o qual lhe deu a equivalência ao 9º ano de escolaridade, passando a adoptar comportamentos disruptivos;
130. Com cerca de 21 anos de idade autonomizou-se e desenvolveu diversas experiências profissionais descontínuas, com instabilidade laboral e económica, sempre de curta duração na área da serralharia, construção civil, oficina automóvel e tendo trabalhado durante alguns anos na frutaria “...”;
131. O arguido, por força da sua desocupação laboral e deficit de competências pessoais e sociais, tem dificuldade de se demarcar da prática de ilícitos criminais e de antever as consequências dos seus actos;
132. Entre ... e ... manteve uma relação de namoro, pautado pela conflitualidade e disfuncionalidade, tendo o mesmo sido condenado pela prática de crime de violência doméstica contra aquela;
133. O arguido centra o impacto do presente processo, no eventual agravamento da sua situação jurídica e nas consequências negativas, quer a nível pessoal, quer familiar;
134. Em ambiente prisional mantem comportamento conforme os normativos prisionais, sendo acompanhado pelos Serviços Clínicos em consulta de psicologia;
135. O arguido revela mostrar-se abstinente do consumo de produtos estupefacientes, encontrando-se laboralmente enquadrado desde ... e revelando sentido de responsabilidade no desenvolvimento de acções de valorização do seu perfil de competências profissionais;
136. Em liberdade, perspectiva integrar o agregado familiar dos seus progenitores e irmão, os quais se mostram disponíveis para o receber e colaborar no seu processo de reintegração social;
137. Por Acórdão proferido em 18.12.2024, transitado em julgado em 30.01.2025, proferido no âmbito do PCC nº º 779/19.6 PFAMD, o qual correu termos no JCCriminal de Sintra – J1 – do TJCLisboa, foi efectuado cúmulo jurídico das penas aplicadas em tais autos com aqueloutras aplicadas no âmbito dos processos nºs 1/20.2SVLSB; 735/20.1PFLRS e 631/19.5PGLRS e decidido cumular juridicamente as penas aplicadas ao arguido nos processos n.ºs 1/20.2SVLSB, 631/19.5PGLRS e 779/19.6PFAMD, pelos correspondentes catorze crimes praticados em 08.01.2020, 11.01.2020, 12.08.2019, 08.12.2020 e 08.06.2020 e, em consequência, condená-lo na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e cumular juridicamente as penas aplicadas no processo n.º 779/19.6PFAMD, pelos correspondentes três crimes praticados em 22.01.2021 e, em consequência, condená-lo na pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, efectiva, nessas penas únicas de prisão se descontando os períodos de privação de liberdade pelo condenado sofridos à ordem dos processos nos quais lhe foram aplicadas as penas parcelares que integram os referidos cúmulos – art. 80.º, n.º 1, do Código Penal (cfr. ref.ªs. Citius 26450334, de 04.10.2024, e 26463119, de 07.10.2024) e, bem assim, declarar perdoado 1 (um) ano da pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, 3.º, n.ºs 1 e 4, e 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, sendo tal perdão concedido sob a condição resolutiva de o beneficiário não ter praticado infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08 (ocorrida em 01.09.2023), caso em que à pena aplicada à infracção superveniente acresce o cumprimento da parte da pena perdoada e mais declarar perdoado 1 (um) ano da pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, 3.º, n.ºs 1 e 4, e 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, sendo efectiva a pena a cumprir e sendo tal perdão concedido sob a condição resolutiva de o beneficiário não ter praticado infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º 779/19.6PFAMD 24 38-A/2023, de 02.08, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente acresce o cumprimento da parte da pena perdoada. * (…)
*
b. São os seguintes os factos dados como não provados pelo tribunal de 1ª Instância: (…) 3.2.FACTUALIDADE CONSIDERADA COMO NÃO PROVADA: Da discussão da causa e demais prova junta aos autos não resultou provado que: APENSO 274/20.0SILSB
a. O arguido fosse o indivíduo que no local a que se alude em 33. da factualidade considerada como provada, dali tenha retirado as chapas de matrícula a que se alude em 34. daquela e que tenha agido com a intenção de as subtrair e apropriar-se das mesmas, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário; APENSO 273/20.2PGLRS
b. O arguido fosse o indivíduo que no local a que se alude em 46. da factualidade considerada como provada, dali tenha retirado as chapas de matrícula a que se alude em 47. daquela e que tenha agido com a intenção de as subtrair e apropriar-se das mesmas, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário; APENSO 453/20.0PZLSB
c. O arguido, nas circunstâncias a que se alude em 69. da factualidade considerada como provada, ao substituir as chapas de matrícula do veículo a que ali se alude por outras que não correspondiam àquela viatura, as tivesse previamente subtraído; APENSO 363/20.1 SKLSB
d. O arguido fosse o indivíduo que no local a que se alude em 59. da factualidade considerada como provada, dali tenha retirado as chapas de matrícula a que se alude em 60. daquela e que tenha agido com a intenção de as subtrair e apropriar-se das mesmas, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário; APENSO 483/20.2PFSXL
e. O arguido fosse o indivíduo que no local a que se alude em 77. da factualidade considerada como provada, dali tenha retirado as chapas de matrícula a que se alude em 78. daquela e que tenha agido com a intenção de as subtrair e apropriar-se das mesmas, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário; APENSO 171/20.0 PAPBL
f. O arguido fosse o indivíduo que se deslocou ao local a que se alude em 80. da factualidade considerada como provada, com a intenção de abastecer o veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-PB-.., ostentando as matrículas ..-XR-..;
g. Uma vez aí, tenha abastecido recipientes localizados no porta malas daquele com 132,66 litros de gasóleo, no valor de € 143,54 (cento e quarenta e três euros e cinquenta e quatro cêntimos) e, após, se tenha colocado em fuga do local sem efectuar o respectivo pagamento;
h. O arguido tenha actuado com a intenção de subtrair e apropriar-se de combustível sem efectuar o respectivo pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legítimo proprietário;
i. O arguido soubesse que as chapas de matrícula a que se alude em g. não eram verdadeiras, que as mesmas tenham sido por si apostas e, não obstante, tenha feito uso das mesmas com intenção de ocultar a verdadeira identificação veículo em causa para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si um benefício ilegítimo e que tenha logrado atingi-lo, assim colocando em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula;
j. O arguido não fosse titular de documento que o habilitasse a conduzir o veículo a que se alude em g. na via pública, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, tenha querido tripula-lo nas referidas circunstâncias; APENSO 395/20.0 GEALM
k. O arguido fosse o indivíduo que no local a que se alude em 82. da factualidade considerada como provada dali tenha retirado as chapas de matrícula a que se alude em 83. daquela e que tenha agido com a intenção de as subtrair e apropriar-se das mesmas, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário; APENSO 581/20.2PELSB
l. O arguido fosse o indivíduo que no local a que se alude em 91. da factualidade considerada como provada dali tenha retirado as chapas de matrícula a que se alude em 92. daquela e que tenha agido com a intenção de as subtrair e apropriar-se das mesmas, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário; APENSO 461/20.1 GBMFR
m. O arguido fosse o indivíduo que no local a que se alude em 101. da factualidade considerada como provada dali tenha retirado as chapas de matrícula a que se alude em 102. daquela e que tenha agido com a intenção de as subtrair e apropriar-se das mesmas, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário.” (…)
c. É como segue o enquadramento jurídico–penal dos factos que vem efectuado pelo tribunal singular em 1.ª Instância : (…) Aqui chegados cumpre referir que, atenta a factualidade considerada como provada, haveria que comunicar ao arguido, nos termos do disposto no artº 358º, nº 3 do CPPenal, não só a prática de outros ilícitos criminais, mas também a prática de mais ilícitos criminais. Assim, tal sucederia relativamente aos factos respeitantes aos NUIPC’s: - 749/20.1 SFLSB em que seria de lhe imputar a prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº 205º, nº 1 do CPenal e não de um crime de furto qualificado; - 754/20.8 POLSB em que seria de lhe imputar a prática de mais um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º, nºs 1 e 2 do Dec-Lei nº 2/98, de 03.01, na medida em que forçoso é que se conclua que, ao fazer seu o segundo dos motociclos, renovou a sua resolução criminosa, nesse dia, de conduzir veículos motorizados na via pública sem ser titular de documento que legalmente o habilite para tal. Todavia, não se mostrará possível cumprir o disposto no artº 358º, nº 1 do CPPenal por força de deficiência do despacho de acusação que nos mostramos legalmente impedidos de suprir. Tecidas estas considerações coloca-se-nos a questão de cuidar de apurar se a factualidade considerada como provada em 3.1.1. (e que mais não é do que aquela que se apurou em sede de julgamento por referência àquela que constava do despacho de acusação oportunamente proferido) se mostra suficiente para que possamos concluir se mostra preenchido (numa perspetiva finalista da teoria da infração penal) o elemento subjectivo dos tipos de ilícito, designadamente, quanto ao seu segmento intelectual. Estamos em crer que não pelas razões que passamos a aduzir. Seguiremos de perto o Ac. do TRL de 12.01.2023, disponível in www.dgsi.pt, onde se pode ler, no que ora releva: “A este respeito, dispõe o Código Penal o seguinte: Título II Do facto CAPÍTULO I Pressupostos da punição. (…) Artigo 14.º Dolo 1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar. 2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta. 3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização. Resulta assim da lei que o dolo é um dos pressupostos da punição, ou, mais rigorosamente “(…) um dos fundamentos possíveis da imputação” – cfr. Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, II Vol., pag. 161, AAFDL. “Dolo quer dizer, como aqui o entendemos, o elemento subjetivo do tipo de crime que consiste no conhecimento dos elementos objetivos desse tipo e na vontade de praticar um certo ato ou de atingir um certo resultado (…) dolo corresponde ao conhecimento e à vontade de praticar um certo ato que é tipificado na lei como crime.” – cfr. ob. cit., loc. cit., pag. 166. “É vulgar distinguir, dentro do dolo, para efeitos de análise e de entendimento, fundamentalmente, dois elementos: o chamado elemento intelectual e o chamado elemento volitivo. O elemento volitivo corresponde ao elemento querer a prática de um certo facto ou querer a produção de um certo resultado.” – cfr. ob. cit., loc. cit., pag. 166. “Para se poder dizer que há dolo em relação a um certo crime, é necessário, em primeiro lugar, que o agente tenha conhecimento dos elementos desse mesmo crime. Por exemplo, (…) para se poder dizer que alguém tem dolo de passagem de moeda falsa, esse alguém tem de saber que a moeda que lhe entregam para passar é falsa (..). Todos os elementos essenciais do facto típico, da parte objetiva do tipo de crime tem de ser conhecidos pelo agente para se poder dizer que ele atuou dolosamente e, portanto, preencheu, nesse aspeto subjetivo, o tipo legal e crime.” – cfr. ob.cit., loc. cit, pag. 167. O elemento intelectual, ou seja, o conhecimento, desdobra-se em dois vetores, quais sejam, o descritivo e o normativo. Os elementos descritivos do facto típico correspondem a conceitos da linguagem comum, vulgar, como, por exemplo, pessoa para o crime de homicídio e coisa para os crimes de furto ou dano. Os elementos normativos do facto típico são aqueles que, constando do tipo, não são reconduzíveis à linguagem comum, consistindo em conceitos jurídicos derivados de regras legais: por exemplo, o caráter alheio da coisa subtraída no crime de furto, que resulta das disposições legais sobre o direito de propriedade – cfr. ainda ob. cit., loc. cit, pag. 170, e Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pag. 349 e segs., em especial, pag. 351. A disposição legal do Código Penal acima transcrita contém, evidentemente, estes dois elementos na sua previsão: Age com dolo quem: - representando um facto que preenche um tipo de crime (elemento intelectual), - actuar com intenção de o realizar (elemento volitivo). Assim, em todos os tipos de dolo, é necessário, em primeiro lugar, tal como ensina a autora que se tem citado, e como diz a lei, representar um facto que preenche um tipo de crime. Representar é um vocábulo com imensos significados, mas o que para aqui importa é o de “trazer à memória” – cfr. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, das Verbo, Vol. II pag. 3204. Assim, representar é ter presente no intelecto, na memória, um determinado cenário (palavra também intimamente ligada à representação), por assim dizer, que corresponde a um (tipo de) crime previsto na lei. Só depois de realizar esta operação intelectual, racional, é possível então atuar com o intuito de levar a cabo a cena que se representou no intelecto. (…) Ora, temos então, aqui, os elementos descritivos e normativos do tipo objetivo de crime. E note-se que “arma branca” é um elemento normativo, pois a sua definição consta da lei, como acima se viu: todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante, ou corto-contundente, de comprimento igual ou superior a 10 cm. É verdade que autores há que usam a palavra consciência também para se referirem ao elemento intelectual do dolo – cfr. Teresa Beleza, ob. ct., pag. 169, e nota 97, mas o termo conscientemente usado de modo formatado nas acusações e decisões não quer normalmente referir-se ao elemento intelectual do dolo, mas antes ao estado de domínio comportamental do agente, com relevância para o juízo de culpa. Para assim concluir basta pensar que em todas, ou quase todas, as acusações em que se encontra corretamente articulado o elemento intelectual do dolo também constatamos a articulação de que o agente agiu livre, deliberada e conscientemente, o que, não fora como acima se afirmou, constituiria tão recorrente quanto inútil redundância. E nestas coisas tão fulcrais do direito penal não pode nem deve haver necessidade de interpretações ou de afirmações implícitas. Tudo deve ser simples, claro e objetivo. E muito menos se poder inferir ou deduzir ou concluir o preenchimento do elemento intelectual do dolo através do segmento final: sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei, elementos que têm que ver com a culpa. Na verdade, esta também usual fórmula tem que ver, dentro da culpa, sobretudo com a consciência da ilicitude e não com o dolo, sendo até mais rigoroso alegar que o agente conhecia a proibição e punição legais daquela conduta em vez da sua conduta – efetivamente, não fora o caráter padronizado e quase robotizado deste procedimentos, poderia até dizer-se que decisão seria nula, por contradição insanável entre os factos dados como provados, pois, por um lado, segundo a própria decisão, não existem factos para o elemento intelectual do dolo (portanto, não sabemos se o agente sabia, em concreto, o que tinha), e, por outro, dá-se como provado que ele sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei! A este respeito, ensina Teresa Beleza, ob. cit., loc. cit, pag. 292, em relação ao homicídio, que “(…) para que esse facto seja culposo é preciso que a pessoa que mate tenha consciência (…) de que é ilícito matar (…)”. Na verdade, se assim não for, por exemplo, no caso de se provar que A pegou e meteu ao bolso (subtração) uma caneta que estava numa mesa, que depois ofereceu a um amigo (apropriação-disposição), e que agiu livre, deliberada e conscientemente e que conhecia a proibição e punição legal da sua conduta, podemos afirmar, como faz o recorrente, que estão reunidos os pressupostos para a condenação por crime de furto – ora, aqui falta, pelo menos, alegar e provar que a coisa não era do agente e que este conhecia o carácter alheio da coisa subtraída, o que pode ser conseguido, por exemplo, com a simples expressão “sabia que lhe não pertencia”. Não esqueçamos que a ilegitimidade da intenção de apropriação constitui um elemento especial subjetivo da ilicitude, não integrando o dolo, sendo hoje pacífico que não constitui qualquer dolo específico, figura que se encontra completamente arredada da dogmática penal. Assim, muito mais do que expressões pré-fabricadas, formatadas, sacramentais, ou como se lhe queira chamar, é deveras importante individualizar todos os elementos descritivos e normativos do tipo de crime que estiver em causa e escrever na acusação e na decisão de modo simples e claro esses factos, sejam eles provados ou não provados. (…) Ora, em primeiro lugar, o conhecimento/representação dos elementos descritivos e normativos do tipo objetivo de crime, que não vem afirmado na acusação, como já se disse, tem que ver com o ilícito-típico doloso, e não se confunde com o elemento emocional do dolo que tem que ver com a culpa, ou, mais rigorosamente, com o tipo de culpa, e nos transporta para a “ (…) atitude íntima do agente contrária ou indiferente ao direito.” – cfr. Prof. Figueiredo Dias. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pag. 259/530, 2.ª Edição, Coimbra Editora. Ora, o que aqui está tão-só em causa é saber se o arguido sabia/representava os elementos descritivos e normativos do tipo e (ainda) não a valoração da natureza da sua íntima atitude. Em segundo lugar, não existe em processo penal a figura do ónus, muito menos para o Ministério Público, sobre o qual impendem deveres, designadamente de legalidade e objetividade, sendo seu dever jurídico, portanto, e não apenas ónus, articular no libelo acusatório todos os factos necessários para a subsunção de um determinado comportamento humano a um tipo legal de crime – sobre a distinção técnica entre ónus e dever, cfr., v.g, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, pag. 180. (…) Defende ainda o recorrente que: m) A assim se não entender, o vício formal de falta de narração na acusação de factos relativos aos elementos subjetivos do tipo pode ser suprido mediante o procedimento previsto no art. 358.º do CPP, por razões que se prendem com o princípio ou regra da conservação dos atos processuais inválidos. Esta afirmação pressupõe, como é consabido, que se divirja fundamentadamente do AUJ do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 18, de 27.01.2015, que é do seguinte teor: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º do Código de Processo Penal.” Ora, independentemente do acerto ou desacerto dessa orientação, é de todo aconselhável, mais não seja por uma questão de segurança e previsibilidade das decisões judiciais, segui-la, até porque é fortemente disciplinadora, do ponto de vista intelectual, naturalmente, daqueles que têm obrigação legal de proferir decisões que levem cidadãos a julgamento, sejam juízes ou magistrados do Ministério Público, tendo os seus erros e omissões nesta sede consequências processualmente catastróficas, como está bom de ver”. Cotejada a factualidade considerada como provada em 3.1.1., somos de entendimento que nela não se surpreende factualidade bastante para que possamos considerar preenchido o elemento subjectivo dos tipos de ilícito cuja prática se imputa ao arguido na medida em que jamais os mesmos foram alegados. De notar que, para que se possa considerar que a conduta imputada a um arguido é dolosa forçoso se mostra que seja, primeiramente, articulado e, posteriormente, considerado como provado o elemento subjectivo do ilícito ou ilícitos criminais cuja prática se lhe imputa, ou seja, que o arguido representou o facto descrito na lei como crime(s) - elemento intelectual do dolo - em face do qual escolhe - elemento volitivo - actuar com o intuito de o(s) realizar. Ora, o despacho de acusação proferido nos presentes autos é, quanto a tal, absolutamente omisso. Que consequências extrair de tal omissão? Assente está que não se pode inferir ou deduzir ou concluir o preenchimento do elemento intelectual do dolo através do segmento final: sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei, elementos que têm que ver com a culpa. A este respeito, ensina Teresa Beleza, ob. cit., loc. cit, pag. 292, em relação ao homicídio: “(…) para que esse facto seja culposo é preciso que a pessoa que mate tenha consciência (…) de que é ilícito matar (…)”. O agente que age livre fá-lo sem qualquer espécie de coação ou condicionamentos, ao passo que quando age de modo deliberado, fá-lo de forma decidida, determinada, e fazê-lo conscientemente quer dizer que não estava tolhido por qualquer contingência que lhe impedisse o normal pensamento (v.g. embriaguez, surto psicótico). É verdade que autores há que usam a palavra consciência também para se referirem ao elemento intelectual do dolo – cfr. Teresa Beleza, ob. ct., pag. 169, e nota 97, mas o termo conscientemente usado de modo formatado nas acusações e decisões não quer normalmente referir-se ao elemento intelectual do dolo mas antes ao estado de domínio comportamental do agente com relevância para o juízo de culpa daquele. Assim, muito mais do que expressões pré-fabricadas, formatadas ou sacramentais mostra-se imperativo individualizar todos os elementos descritivos e normativos do tipo de ilícito cuja prática se imputa a um arguido e fazê-los constar do despacho de acusação (ou de pronúncia, se for o caso) a saber, em primeiro lugar, o conhecimento/representação dos elementos descritivos e normativos do tipo objetivo de crime – o qual não vem afirmado no despacho de acusação – o qual diz respeito ao ilícito-típico doloso e não se confunde com o elemento emocional do dolo que diz respeito ao tipo de culpa e nos transporta para a “(…) atitude íntima do agente contrária ou indiferente ao direito” – cfr. Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pag. 259/530, 2.ª Edição, Coimbra Editora. Acresce que, como se refere no arresto supra o Ministério Público tem o dever de legalidade e objectividade sendo seu dever jurídico e não um mero ónus, articular no despacho de acusação a factualidade necessária para a (eventual, caso se prove em sede de audiência de julgamento) subsunção de um determinado comportamento humano a um ou vários tipo(s) legal(is) de crime – sobre a distinção técnica entre ónus e dever cfr., Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, pág. 180. Acresce que, por força do AUJ do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 18, de 27.01.2015, o qual fixou jurisprudência no sentido de que “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º do Código de Processo Penal” inexiste, por questão de segurança e previsibilidade das decisões jurídicas, qualquer fundamento para dele divergirmos (independentemente das consequências jurídicas, de maior ou menor escala, decorrentes do respeito pelo mesmo). No sentido da posição que defendemos cfr., a título meramente exemplificativo, os Acs. do TRC de 25.02.2015 onde se pode ler: “Num crime doloso – só esse está aqui em causa – da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo). Quanto ao elemento volitivo não se basta com a alegação isolada de uma actuação deliberada, mas antes com a descrição do que efectivamente foi querido pelo agente, ou seja, que a arguida quis ofender a honra e consideração do assistente ou que sabiam que as expressões utilizadas eram susceptíveis de ofender, nisso se traduzindo querer praticar um facto criminoso”; Ac. do TRL de 18.09.2018 onde se pode ler: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP” e Ac. TRL de 11.09.2018 onde se pode ler: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP, sendo necessária a narração, na acusação, dos factos conformadores da consciência da ilicitude, enquanto elemento do dolo da culpa e, consequentemente, da sua comprovação (ou não) em julgamento” todos eles disponíveis in www.dgsi.pt. À guisa de conclusão, não constando do despacho de acusação a factualidade relativa ao elemento subjectivo de cada um dos ilícitos criminais cuja prática se imputa aos arguidos e mostrando-se-nos absolutamente vedado acrescentá-los por força do AUJ nº 1/15 (publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 18, de 27.01.2015) forçoso é que se conclua que a factualidade apurada e vertida em 3.1.1. se não mostra suficiente para que possamos concluir que se mostram preenchidos os elementos subjectivos daqueles e, consequentemente, pela responsabilização criminal do arguido pela prática daqueles sendo forçoso concluir pela sua total absolvição. (…)
»
II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir.
a) Saber se a materialidade dada como provada na sentença recorrida é ou não suficiente para caracterizar a actuação dolosa do arguido na condução do veículo automóvel sem habilitação legal.
O tribunal a quo absolveu o arguido, considerando que:
“À guisa de conclusão, não constando do despacho de acusação a factualidade relativa ao elemento subjectivo de cada um dos ilícitos criminais cuja prática se imputa aos arguidos e mostrando-se-nos absolutamente vedado acrescentá-los por força do AUJ nº 1/15 (publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 18, de 27.01.2015) forçoso é que se conclua que a factualidade apurada e vertida em 3.1.1. se não mostra suficiente para que possamos concluir que se mostram preenchidos os elementos subjectivos daqueles e, consequentemente, pela responsabilização criminal do arguido pela prática daqueles sendo forçoso concluir pela sua total absolvição.”
Efectivamente o acórdão do STJ n.º 1/2015, de 20.11.2014 (publicado no D.R. n.º 18, Série I, de 27.01.2015) fixou a seguinte jurisprudência uniformizadora: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.° do Código de Processo Penal.”.
Vejamos antes de mais os conceitos base:
O artigo 14º do Cód.Penal dispõe que: “1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar. 2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta. 3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.”
Deste normativo não resulta a definição do dolo, tendo o legislador optado por fazê-lo corresponder, basicamente, ao conhecimento e vontade de realização do facto, assim se preenchendo os elementos típicos objetivos do crime.
Afigura-se que com tal opção pretendeu o legislador afastar-se das teorias do dolo e do causalismo clássico, em contraponto com as teorias da culpa enquanto derivação da dogmática moderna pos-finalista (vd.Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, 2ºvol., pag.345).
Assim, numa concepção clássica, radicada nas teorias do dolo (defendida entre nós por Eduardo Correia), o dolo seria composto por um elemento intelectual e um volitivo:
- o elemento intelectual do dolo consiste na necessidade de que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência (consciência psicológica, ou consciência intencional) das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objectivo, visando que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito.
- o elemento volitivo supõe uma decisão de vontade do agente para a realização de um ilícito-típico, por via de uma acção ou omissão, sendo que é, especialmente, através do grau de intensidade desta relação de vontade que se diferenciam as várias formas de dolo.
De acordo com esta doutrina a culpa será um pressuposto da infracção mas não um elemento do tipo. A tipicidade subjectiva inclui o dolo ou a negligência, isto é a representação e vontade do agente quando actua de modo a preencher os elementos objectivos típicos, sendo a culpabilidade uma questão puramente normativa, que tem a ver com as questões da imputabilidade, da consciência da ilicitude e da exigibilidade de conduta diversa.
Já para uma corrente mais recente, apelando às teorias da culpa, finalistas (preconizada por Figueiredo Dias) o dolo desdobra-se em três elementos: o intelectual, o volitivo e o emocional (correspondente ao agente conhecer o desvalor da sua conduta contra o direito – o chamado dolo da culpa). Esta doutrina entende a consciência da ilicitude como um pressuposto subjectivo da responsabilidade criminal, consubstanciando o chamado “dolo da culpa”, que constitui uma categoria autónoma em relação ao “dolo do tipo”.
A posição defendida por Figueiredo Dias distingue entre dolo do tipo (de ilícito) e o dolo enquanto pertencente ao tipo de culpa. Segundo esta concepção, «o dolo não pode esgotar-se no tipo de ilícito (por consequência, não é igual ao dolo do tipo), mas exige do agente um qualquer momento emocional que se adiciona ao elemento intelectual e volitivo contidos no “conhecimento e vontade de realização”. (…); antes se torna indispensável um elemento que já não pertence ao tipo de ilícito, mas à culpa ou ao tipo de culpa. Com esse elemento se depara quando se atente em que a punição por facto doloso só se justifica quando o agente revele no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal», ou seja, uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas, revelada pelo agente no facto e que justifica a punição a título de dolo. (Figueiredo Dias, in Direito Penal - Parte Geral, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Tomo 1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2007, pág-350 e ss. - vd. Ac.RP de 21/06/2023, proc.82/22.4GCVFR-A.P1, Ac.RC de 13/09/2017, proc.146/16.3 PCCBR.C1, Ac.RE de 06/02/2018, proc. 54/16.8T9CBA.E1, Ac.RG de 19/06/2017, proc. 430/15.3GEGMR.G1).
Este é o entendimento que melhor se harmoniza quer com a disciplina do art. 17º do Cód. Penal, quer a citada noção legal de dolo contida no seu art. 14º, “pois o doutrinariamente chamado erro sobre a proibição ou erro sobre a licitude (designação acolhida na epígrafe do art. 17º do C. Penal) não podia excluir o dolo, contrariamente à conclusão lógica a que chegava o causalismo clássico, mas antes a culpa, como é próprio das teorias da culpa sustentadas no finalismo, pelo que pode afirmar-se que a colocação da consciência da ilicitude no dolo (ou dolo do tipo) não é compatível com o direito penal português atual”. (Ac.RE de 06/02/2018, proc. 54/16.8T9CBA.E1).
Em suma, de acordo com esta posição que se afigura dominante ao nível da doutrina e da jurisprudência, necessário se torna a existência de:
- elemento volitivo, o qual se relaciona com a vontade de realizar um ilícito-típico, por acção ou omissão, podendo assumir as várias formas do dolo.
- elemento intelectual, que se traduz no conhecimento (enquanto previsão ou representação), pelo agente, das circunstâncias do facto, ou seja, dos elementos materiais (descritivos e normativos) constitutivos do tipo objetivo do ilícito.4
- elemento emocional, traduzido na consciência, por parte do agente, de que realiza um tipo objetivo de ilícito e que tal supõe a sobreposição dos seus interesses aos valores tutelados pela lei, ou seja, uma posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma, revelada pelo agente no facto e que justifica a punição a título de dolo.
O tribunal recorrido refere em determinado momento que:
“Tecidas estas considerações coloca-se-nos a questão de cuidar de apurar se a factualidade considerada como provada em 3.1.1. (e que mais não é do que aquela que se apurou em sede de julgamento por referência àquela que constava do despacho de acusação oportunamente proferido) se mostra suficiente para que possamos concluir se mostra preenchido (numa perspetiva finalista da teoria da infração penal) o elemento subjectivo dos tipos de ilícito, designadamente, quanto ao seu segmento intelectual.”
Apelando às teorias finalistas, afigura-se por este segmento que o tribunal a quo entendeu que a acusação submetida a julgamento seria omissa quanto à imputação do elemento intelectual do dolo, ou seja, a representação por parte do arguido dos vários elementos constitutivos dos tipos legais pelos quais se mostrava acusado.
De seguida, o tribunal recorrido sustenta:
“Cotejada a factualidade considerada como provada em 3.1.1., somos de entendimento que nela não se surpreende factualidade bastante para que possamos considerar preenchido o elemento subjectivo dos tipos de ilícito cuja prática se imputa ao arguido na medida em que jamais os mesmos foram alegados. De notar que, para que se possa considerar que a conduta imputada a um arguido é dolosa forçoso se mostra que seja, primeiramente, articulado e, posteriormente, considerado como provado o elemento subjectivo do ilícito ou ilícitos criminais cuja prática se lhe imputa, ou seja, que o arguido representou o facto descrito na lei como crime(s) - elemento intelectual do dolo - em face do qual escolhe - elemento volitivo - actuar com o intuito de o(s) realizar. Ora, o despacho de acusação proferido nos presentes autos é, quanto a tal, absolutamente omisso. Assente está que não se pode inferir ou deduzir ou concluir o preenchimento do elemento intelectual do dolo através do segmento final: sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei, elementos que têm que ver com a culpa.”
Aqui aparenta que o tribunal a quo na primeira expressão sublinhada entende que o elemento intelectual integra o elemento emocional (escola de Eduardo Correia), mas no segundo segmento sublinhado afasta tal ideia.
Decisivo é para nós quando termina afirmando:
“Assim, muito mais do que expressões pré-fabricadas, formatadas ou sacramentais mostra-se imperativo individualizar todos os elementos descritivos e normativos do tipo de ilícito cuja prática se imputa a um arguido e fazê-los constar do despacho de acusação (ou de pronúncia, se for o caso) a saber, em primeiro lugar, o conhecimento/representação dos elementos descritivos e normativos do tipo objetivo de crime – o qual não vem afirmado no despacho de acusação – o qual diz respeito ao ilícito-típico doloso e não se confunde com o elemento emocional do dolo que diz respeito ao tipo de culpa e nos transporta para a “(…) atitude íntima do agente contrária ou indiferente ao direito” – cfr. Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pag. 259/530, 2.ª Edição, Coimbra Editora.” (sublinhados nossos).
Assim, tal como igualmente o Exmª Procurador Geral Adjunto, dúvidas não parecem existir que o tribunal a quo absolveu o arguido porque entendeu que não se mostraria alegado o elemento intelectual do dolo em relação aos vários episódios descritos, enquanto conhecimento dos elementos típicos dos tipos objectivos de ilícito em causa e não por falta do elemento emocional (falta de consciência da ilicitude), que igualmente se não mostra alegado.
Sobre a falta deste último mais tarde voltaremos.
Primeiramente, vejamos os factos dados como provados, no que a tal diz respeito, já que ao contrário do que afirma o tribunal recorrido, o elemento subjectivo não se mostra totalmente omisso.
Aliás, não se pode deixar de estranhar, face ao que a seguir se transcreve, que o tribunal a quo aglutine todos os casos numa simples proposição, afirmando que o despacho de acusação é totalmente omisso quanto ao elemento subjectivo, apenas concretizando que se pretende referir ao elemento intelectual do dolo.
No entanto, face às dezenas de crimes pelos quais o arguido vinha acusado, à extensão da acusação, ao modo não tradicional como vem enunciado o elemento subjectivo (que a seguir se transcreve), a verdade é que existe por parte do tribunal a quo uma total falta de concretização sobre os enunciados fácticos que entendeu que a acusação deveria conter e não contém.
Vejamos o que é referido relativamente ao elemento subjectivo por cada um dos episódios, agrupados por apensos:
NUIPC 1272/19.2PULSB – “7. Ao agir da forma descrita em 1 a 6 o arguido bem sabia que a ofendida era pessoa especialmente vulnerável em razão da sua idade e debilidade física tendo-se aproveitado de tal para lograr levar a cabo os seus intentos apropriativos tendo agido com a intenção de subtrair e apropriar-se de valores e objectos pertença daquela não se inibindo de, para tal, utilizar de violência contra aquela, introduzindo-se no interior da habitação da mesma sem o seu consentimento e bem sabendo que o fazia contra a sua vontade”.
- APENSO 419/20.0 PCSTB – “11. Na actuação descrita em 8. a 10. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se de combustível, sem efetuar o correspondente pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário e, bem assim, que as chapas de matrícula que apôs no veículo a que se alude em 8 não eram as respeitantes àquele tendo, ainda assim, feito uso das mesmas;
12. Com a aposição das matrículas a que se alude em 9. o arguido pretendia obstar à verdadeira identificação do veículo a que se alude em 8 para o poder utilizar, assim obtendo para si benefício ilegítimo, o que conseguir, bem sabendo que colocava em causa a fé pública que evola das chapas de matrícula apostas nos veículos;
13. Na data a que se alude em 8. o arguido não era titular de documento que o habilitasse a tripular o veículo ali referido na via pública, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde a tripulou e, não obstante, quis conduzi-lo nas referidas circunstâncias a que se alude em 8. a 10.;”
APENSO 110/20.8 PVLSB – “20. Em toda a actuação descrita em 14. a 18. o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se dos objectos de valor que a ofendida tinha no interior da residência, introduzindo-se no interior daquela mediante arrombamento, sem o consentimento e contra a vontade da ofendida;”
APENSO 56/20.0PKLRS – “26. Em toda a actuação descrita em 20. a 25. o arguido agiu com a intenção de subtrair e apropriar-se do veículo a que se alude em 22., sem efectuar o correspondente pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legítimo proprietário;
27. E, bem assim, que as chapas de matrícula que nele apôs não eram verdadeiras e, não obstante, pretendeu fazer uso daquele com as aquelas nele apostas, com intenção de ocultar a verdadeira identidade do aludido veículo para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si benefício a que sabia não ter direito, o que logrou conseguir, assim colocando em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula apostas nos veículos;
28. Nas circunstâncias a que se alude em 20. a 23. o arguido não era titular de documento que o habilitasse a tripular veículos na via pública, bem conhecendo as características daquele e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, quis conduzi-lo nas referidas circunstâncias;”
APENSO 417/20.4 PCSTB – “31. Em toda a actuação descrita em 29. e 30. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se de combustível, sem efectuar o respectivo pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário;
32. Nas circunstâncias a que se alude em 29 e 30 o arguido não era titular de documento que o habilitasse a tripular tal veículo na via pública, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, quis conduzi-lo nas mencionadas circunstâncias;”
APENSO 274/20.0 SILSB - 37. O arguido sabia que as chapas de matrícula que apôs e a que se alude em 35. não eram as verdadeiras e, não obstante, pretendeu fazer uso das mesmas com intenção de ocultar a verdadeira identidade do veículo para, em prejuízo do Estado, o poder fruir e assim obtendo para si benefício que sabia não ter direito, o que logrou conseguir;
38. Com tal conduta o arguido pôs em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula apostas nos veículos.
39. O arguido não era titular de qualquer documento que o habilitasse a conduzir tal viatura.
40. O arguido conhecia as características do veículo e dos locais onde conduziu, sabendo que não era titular de carta, licença de condução ou qualquer outro título que o habilitasse a conduzir, e, não obstante, quis conduzir a viatura acima mencionada nas referidas circunstâncias.
APENSO 653/20.3 PCSTB e NUIPC 654/20.1 PCSTB (incorporado no APENSO 417/20.4 PCSTB) – “45. Em ambas as situações a que se alude em 41. a 44. o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se de combustível, sem efectuar o respectivo pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário;”
APENSO 267/20.8 PFAMD – “50. Em toda a actuação descrita em 48. e 49. o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se de combustível sem efectuar o respectivo pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário;
51. Bem sabendo que as chapas de matrícula que se encontravam apostas no veículo a que se alude em 48. não eram verdadeiras e, não obstante, assim actuou com intenção de ocultar a verdadeira identificação daquele para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si benefício ilegítimo que logrou alcançar tendo, com tal conduta, colocado em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula apostas nos veículos.
52. O arguido não era titular de qualquer documento que o habilitasse a conduzir tal viatura.
53. O arguido conhecia as características do veículo e dos locais onde conduziu, sabendo que não era titular de carta, licença de condução ou qualquer outro título que o habilitasse a conduzir, e, não obstante, quis conduzir a viatura acima mencionada nas referidas circunstâncias.”
APENSO 677/20.0 PULSB – “61. Em toda a actuação descrita em 54. a 60. o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se do motociclo a que ali se alude, o qual lhe foi entregue pelo ofendido apenas para que o pudesse experimentar, bem sabendo que ao assim actuar o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário;
62. Nas datas a que se alude em 54. e 58. o arguido não era titular de documento que o habilitasse a tripular o aludido motociclo na via pública, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde o conduziu e, não obstante, quis actuar conforme ali descrito;”
APENSO 453/20.0 PZLSB – “63. Em toda a actuação descrita em 63. a 67. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se do veículo ali referido, o qual lhe foi entregue apenas para o experimentar, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário;”
71. O arguido sabia que as chapas de matrícula que apôs no veículo a que se alude em 63. não eram verdadeiras tendo agido com intenção de ocultar a verdadeira identificação daquele para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si um benefício ilegítimo, o qual logrou alcançar assim colocando a fé pública emanada daquelas;
72. Nas datas a que se alude em 63. e 65. o arguido não era titular de documento que o habilitasse a conduzir tal veículo, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, conduziu-o nas mencionadas circunstâncias;
APENSO 826/20.9 PAALM – “74. O arguido conhecia as características do veículo a que se alude em 73. e dos locais por onde o conduziu, bem sabendo que não era titular de título que o habilitasse a tal e, não obstante, tripulou-o nas referidas circunstâncias;”
APENSO 1232/20.0 PCSTB – “85. Em toda a actuação descrita em 83. e 84. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se de combustível, sem efectuar o correspondente pagamento, bem sabendo que o fazia contra a vontade do legitimo proprietário;
86. E mais sabia o arguido que as chapas de matrícula que apôs no aludido veículo não eram as verdadeiras e, não obstante, fez uso das mesmas com intenção de ocultar a verdadeira identidade daquele para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si benefício ilegítimo, o que logrou conseguir e colocando em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula apostas nos veículos;
87. Na data, hora e local a que se alude em 83. e 84. o arguido não era titular de qualquer documento que o habilitasse a tripular tal veículo na via pública, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, tripulou-o nas referidas circunstâncias;”
APENSO 948/20.6 PAALM – “89. Em tais circunstâncias de tempo, modo e lugar bem sabia o arguido que as chapas de matrícula que apôs no veículo a que se alude em 88. não eram verdadeiras e, não obstante, pretendeu fazer uso das mesmas com intenção de ocultar a verdadeira identificação daquele para, em prejuízo do Estado, o poder fruir, obtendo para si um benefício ilegítimo, o que logrou alcançar assim colocando em causa a fé pública emanada das chapas de matrícula por aquele emitidas;
90. E, bem assim, não era o arguido titular de documento que o habilitasse a tripular tal veículo na via pública, bem conhecendo as características do mesmos e dos locais onde o tripulou e, não obstante, quis conduzi-lo nas mencionadas circunstâncias;
APENSO 749/20.1SFLSB – “99. Em toda a actuação descrita em 93. a 97. o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se do veículo pertença da ofendida, bem sabendo que o fazia contra a vontade da sua legitima proprietária;
100. E, bem assim, de que não era titular de documento que o habilitasse a conduzi-lo na via pública, bem conhecendo as características daquele e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, quis conduzi-lo nas referidas circunstâncias;”
APENSO 754/20.8POLSB – “110. Ao actuar conforme descrito em 105. a 109. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se do motociclo a que se alude em 105. o qual lhe foi entregue pelo ofendido apenas para o experimentar e dar uma volta, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário;
117. Em toda a acuação descrita em 105. a 115. o arguido actuou com a intenção de subtrair e apropriar-se dos motociclos ali referidos, os quais lhe foram entregues pelos respectivos proprietários apenas para serem experimentados e com eles dar uma volta, bem sabendo que o fazia contra a vontade daqueles;
118. Na data a que se alude em 105. o arguido não era titular de qualquer documento que o habilitasse a conduzir tais motociclos na via pública, bem conhecendo as dos mesmos e dos locais por onde os tripulou e, não obstante, quis tripula-los nas referidas circunstâncias;”
APENSO 850/20.1S6LSB – “125. Em toda a actuação descrita em 119. a 124. o arguido atuou com intenção de subtrair e apropriar-se do motociclo a que ali se alude, o qual lhe foi entregue pelo ofendido apenas para o experimentar e dar uma volta, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário sendo que o mesmo não era titular de documento que o habilitasse a tripular aquele, apesar de o arguido bem conhecer as características daquele e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, quis conduzir a viatura acima mencionada nas referidas circunstâncias;”
Subscrevemos a posição exarada pelo Exmº Procurador Geral Adjunto quando refere: “Em boa verdade do texto acusatório, em boa técnica devam constar, de forma clara e cristalina, a menção de todos os elementos que doutrinaria e jurisprudencialmente sejam convocados para se poder afirmar a verificação inequívoca de um crime, qualquer que seja o registo escrito que se concretamente se adopte. Também se dirá que não sendo imprescindíveis fórmulas sacrossantas correspondentes a um determinado código de estilo, não deixa de ser verdade que o uso de expressões comummente aceites doutrinaria e jurisprudencialmente tem, desde logo, a virtualidade de evitar querelas estéreis. Não obstante, cremos que da acusação deduzida nos autos, se pode ainda retirar o razoável entendimento de que, no caso dos autos, o arguido quis agir consciente das circunstâncias integradoras dos tipos objectivos imputados – sabia e quis.”.
Efectivamente, é imperativo a assunção de um paradigma de enorme importância “pois que não há “fórmulas sacramentais”, sendo possível transmitir o “dolo do tipo” e o “dolo de culpa” de diferentes formas (Ac.STJ de 28/03/2019, proc.373/15.0JACBR.C1.S1).
Como refere o Ac.RE de 27/06/2017, proc.171/14.9GDEVR.E1, “Os factos – da acusação e da sentença – são sempre “enunciados linguísticos descritivos de acções” (na expressão de Perfecto Ibanez): da acção executada – factos externos – e da acção projectada na vontade – factos internos. O Ministério Público é livre de escolher os enunciados linguísticos de que faz utilização, na acusação, desde que descreva plenamente o objecto do processo, desde que esgote factualmente a descrição dos tipos objectivo e subjectivo do crime imputado. Assim, inexiste uma fórmula única para a descrição factual do dolo, não só porque essa redacção é livre, mas, sobretudo, porque as exigências de concretização factual do dolo dependerão sempre do concreto crime em apreciação.”
Ora, da análise da descrição do elemento subjectivo constante do acórdão recorrido, que transcreve a acusação, pese embora a não utilização de modelos mais tradicionais, não se vislumbra qualquer omissão relativamente aos enunciados fácticos relativos ao conhecimento/representação dos elementos descritivos e normativos do tipo objetivo de que consubstanciam os crimes matriciais (não curando aqui de quaisquer qualificativas) de roubo (NUIPC 1272/19.2PULSB), furto (APENSOS 419/20.0PCSTB, 267/20.8 PFAMD, 110/20.8PVLSB, 56/20.0PKLRS, 417/20.4PCSTB, 653/20.3PCSTB, 654/20.1 PCSTB incorporado no APENSO 417/20.4PCSTB, 1232/20.0PCSTB e 749/20.1SFLSB), e falsificação5 (APENSOS 419/20.0 PCSTB, 56/20.0PKLRS, 274/20.0SILSB, 267/20.8 PFAMD, 453/20.0PZLSB, 1232/20.0PCSTB e 948/20.6PAALM), sendo inequívoca a sua correcta descrição.
Mesmo nos crimes de abuso de confiança (APENSOS 677/20.0PULSB, 453/20.0PZLSB, 754/20.8POLSB, 850/20.1S6LSB), pese embora o modo sucinto como o elemento subjectivo se mostra descrito, ainda assim afigura-se que do mesmo se retiram o conhecimento por parte do agente de todos os elementos de facto constitutivos do tipo de ilícito.
Em relação a tal crime para além dolo genérico, isto é, o conhecimento e vontade de praticar o facto, é necessário um o dolo específico, qual seja, o de o agente saber que o dinheiro ou a coisa móvel, apesar de estar à sua guarda, confiança ou sob a sua alçada a qualquer título de detenção, não é sua pertença; que está ao seu cuidado em razão das razões pelas quais lhe foi confiado, e que, no entanto, quer apropriar-se dela para proveito próprio ou de terceiro ou onerá-los. Quer assim inverter o título da posse do dinheiro ou coisas, em seu proveito ou de terceiros.
Da acusação resulta “Em toda a actuação descrita em (remete para os elementos objetivos) o arguido actuou com intenção de subtrair e apropriar-se do (bem descrito) a que ali se alude, o qual lhe foi entregue pelo ofendido apenas para que o pudesse experimentar, bem sabendo que ao assim actuar o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário.
Está assim suficientemente demonstrado a entrega a título devolutivo de algo pertença de outra pessoa, e a apropriação da mesma em virtude da inversão do título de posse.
Por último, deveremos ainda referir o crime de condução sem carta (APENSOS 419/20.0PCSTB, 56/20.0PKLRS, 417/20.4PCSTB, 274/20.0SILSB, 267/20.8PFAMD, 677/20.0PULSB, 453/20.0PZLSB, 826/20.9PAALM, 1232/20.PCSTB, 948/20.6PAALM, 749/20.1SFLSB, 754/20.8POLSB, 850/20.1S6LSB), o qual apresenta duas formulações:
Uma primeira onde é referido “ O arguido conhecia as características do veículo e dos locais onde conduziu, sabendo que não era titular de carta, licença de condução ou qualquer outro título que o habilitasse a conduzir, e, não obstante, quis conduzir a viatura acima mencionada nas referidas circunstâncias”, que é inequívoco que tem todos os elementos necessário ao preenchimento do elemento subjectivo e uma “versão” diversa que refere “Na data, hora e local a que se alude em 83. e 84. o arguido não era titular de qualquer documento que o habilitasse a tripular tal veículo na via pública, bem conhecendo as características do mesmo e dos locais por onde o tripulou e, não obstante, tripulou-o nas referidas circunstâncias;”
É evidente que esta segunda é uma descrição anómala, mais aparentado tratar-se de algum erro informático, dado que parece referir-se à cognoscibilidade por parte do arguido dos locais por onde circulou com o veículo e do conhecimento deste (veículo).
Ainda assim a expressão “tripulou-o nas referidas circunstâncias”, refere-se à ausência da titularidade de documento que o habilitasse a tripular o veiculo em causa, ou seja, que pretendia circular, sabendo que não era portador do referido documento, assim se preenchendo o elemento intelectual do dolo no crime em apreço - o a agente age, sabendo que não é titular de habilitação legal para condução de veículos com motor na via pública. Face ao exposto, considera-se que os elementos subjectivos (volitivo e intelectual) dos crimes em causa se encontram perfectibilizados ou integrados na materialidade vertida no acórdão recorrido nos segmentos acima transcritos.
É certo que, como fomos já adiantando, a acusação era omissa relativamente ao elemento emocional, ou seja, nada é referido quanto à falta de consciência da ilicitude por parte do arguido.
Mas importa precisar que, em primeiro lugar, não foi esse o motivo que levou ao tribunal recorrido ter entendido que não se encontrava descrita factualidade relativa ao elemento subjectivo relativamente a cada um dos ilícitos criminais imputados ao arguido, mas sim, como acima se explicitou, pela pretensa falta do elemento intelectual.
Em segundo lugar, porquanto segundo uma corrente jurisprudencial que acompanhamos e que se afigura maioritária, tal omissão, em determinadas circunstâncias é irrelevante, não necessitando de alegação, não contrariando a jurisprudência fixada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, de 20-11-20141 acima referido.
Conforme se refere no Ac.RP de 26/04/2017, proc.8473/16.3T9PRT.P1, “A questão controversa que deu origem à rejeição do requerimento da assistente tem a ver com a falta da imputação ao arguido do facto de ter atuado com consciência da ilicitude. Quer dizer, se em tal requerimento consta perguntamos agora nós se a imputação de tal facto é essencial e se dessa essencialidade resulta que a atividade probatória em julgamento tem de incluir especificamente esse facto, o que é que o Ministério Público terá de provar em julgamento aditando-se essa imputação que não tivesse já de o fazer sem ela? É que estamos claramente num daqueles casos em que o próprio acórdão de fixação de jurisprudência [Acórdão do STJ nº 1/2015] reconhece que o conhecimento da ilicitude promana da realização do próprio facto, dada a relevância axiológica do ato ser significativa e estar enraizada nas práticas sociais, sendo desnecessária a prova do conhecimento da proibição para se saber que o ato é ilícito. Não existindo qualquer causa extraordinária que exclua esse conhecimento, é óbvio que qualquer pessoa sabe que burlar outra é ilícito e proibido. Para nós, não é totalmente claro que a jurisprudência fixada no referido acórdão se refira também ao conhecimento da ilicitude. (…) Parece-nos que em bom rigor a demonstração positiva da consciência da ilicitude, para ter conteúdo substancial e não ser apenas um formalismo destituído de utilidade, só será relevante como objeto autónomo de prova em julgamento quando se tratar de um caso em que a proibição seja axiologicamente neutra ou pouco evidente e o seu conhecimento seja essencial para que se possa dizer que o agente sabia que praticava um crime; ou quando existam indícios de inimputabilidade ou de verificação de quaisquer causas de exclusão da culpa que a acusação deva afastar com prova positiva.».
No mesmo sentido Ac.RP de 12/07/2017, proc. 833/15.3SMPRT.P1, Ac.RE de 06/02/2018, proc. 54/16.8T9CBA.E1, Ac.RP de 13/06/2018, proc.333/16.4T9VFR.P2, Ac.RE de 26/06/2018, proc. 8001/15.8TDLSB.E1, Ac.RE de 12/03/2019, proc. 251/15.3GESTB.E1, Ac.RE de 19/12/2019, proc. 219/18.8GCSLV.E1, Ac.RP de 26/05/2021, proc. 46/19.5PEMTS.P1, Ac.RE de 26/10/2021, proc. 89/98.0TBELV.E1, Ac.RE de 22/02/2022, proc.11/21.2PBFAR.E1, Ac.RE de 14/05/2022, proc.1194/20.4T9STR.E1, Ac.RE de 28/02/2023, proc. 630/18.4GFSTB.E1, Ac.RE de 14/03/2023, proc. 49/21.0GTEVR-D.E1, Ac.RP de 21/06/2023, proc.82/22.4GCVFR-A.P1, Ac.RG de 30/10/2023, proc. 941/21.1T9BGC.G1, Ac.RE de 05/03/2024, proc.197/22.9T9LLE.E1, Ac.RE de 18/06/2024, proc.509/24.0T8STR.E15; Ac.RL de 21/01/2025, proc. 700/22.4PSLSB.L1, Ac.RL de 08/05/2025, proc. 3335/19.5T9OER.L1-9, Ac.RE de 25/06/2025, proc.214/23.5T9EVR.E1, Ac.RL de 09/09/2025, proc. 138/21.0PDCSC.L1-5..
Assim, desde que nas várias situações em apreço as mesmas se enquadrem enquanto crimes do chamado direito penal clássico, a consciência da ilicitude decorrerá da própria representação e vontade de praticar os factos que preenchem objectivamente o tipo penal, ou seja, do preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico (dolo do tipo), não tendo de constar da acusação, nem de ser alegado e provado.
Ora, não se afigura minimamente duvidoso que se possam integrar os concretos crimes imputados – roubo, furto, falsificação, abuso de confiança e mesmo da condução sem habilitação legal - no denominado direito penal clássico.
Mas mesmo que assim se não entendesse relativamente ao último ilícito, a solução atingida seria igual. Como refere Figueiredo Dias, “Estreitamente relacionada com o problema agora abordado está a questão da falta de consciência do ilícito no direito penal secundário. Parece prevalecer na doutrina a ideia de que a solução das «teorias da culpa» deve valer só para o direito penal clássico, enquanto para o direito das contra-ordenações valeria a solução das «teorias do dolo». Questão seria saber-se, para estes efeitos, o direito penal secundário deveria equiparar-se àquele ou antes a este. É inútil e equívoco, porém, colocar a questão nestes termos. Quem conheça o estudo que dediquei ao problema da falta de consciência do ilícito em direito penal recordará que advoguei aí uma solução unitária, aplicável inclusivamente ao direito das contra-ordenações. Não se trata de valer para certos âmbitos a solução das teorias da culpa, para outros a das teorias do dolo: em matéria de verdadeira falta de consciência do ilícito vale sempre a solução das teorias da culpa. O que sucede é simplesmente que o erro sobre a proibição nem sempre se reconduz a uma tal falta: quando ele releva autonomamente — e isto sucederá, sempre e só, quando a conduta, em si mesma considerada, é axiologicamente neutra — é porque ainda é imputável a uma falta de ciência ou de conhecimento, determinante de uma insuficiente orientação do agente para o problema da ilicitude; por isso o erro sobre a proibição relevante equipara-se ao erro sobre a factualidade típica no sentido de excluir o dolo, valendo pois quanto a ele, sempre, a solução das teorias do dolo. Nestes termos, o mais que poderá notar-se é que no direito penal secundário, sendo as condutas de que nele se trata axiologicamente relevantes, o erro sobre a proibição será, por princípio, em si mesmo insignificativo, não excluindo o dolo; desde que conforme, porém, autêntica falta de consciência do ilícito, esta determinará a exclusão da culpa quando for incensurável. Não haverá, pois, aqui qualquer especialidade relativamente ao direito penal clássico”6.
Aqui chegados, caberia agora extrair as consequências do supra exposto, procedendo-se à condenação e determinação das penas a aplicar ao arguido, atento o Ac.Fixação de Jurisprudência nº 4/2016 (Diário da República n.º 36/2016, Série I de 2016-02-22).
Sucede que do acórdão recorrido consta uma questão que estamos em crer, obsta a tal.
Assim, ali é referida a pags.89 e 90 que:
“Aqui chegados cumpre referir que, atenta a factualidade considerada como provada, haveria que comunicar ao arguido, nos termos do disposto no artº 358º, nº 3 do CPPenal, não só a prática de outros ilícitos criminais, mas também a prática de mais ilícitos criminais.
Assim, tal sucederia relativamente aos factos respeitantes aos NUIPC’s:
- 749/20.1 SFLSB em que seria de lhe imputar a prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº 205º, nº 1 do CPenal e não de um crime de furto qualificado;
- 754/20.8 POLSB em que seria de lhe imputar a prática de mais um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º, nºs 1 e 2 do Dec-Lei nº 2/98, de 03.01, na medida em que forçoso é que se conclua que, ao fazer seu o segundo dos motociclos, renovou a sua resolução criminosa, nesse dia, de conduzir veículos motorizados na via pública sem ser titular de documento que legalmente o habilite para tal.
Todavia, não se mostrará possível cumprir o disposto no artº 358º, nº 1 do CPPenal por força de deficiência do despacho de acusação que nos mostramos legalmente impedidos de suprir.”
Daqui se constata que o tribunal a quo, apesar de ter constatado que seria necessário levar a cabo o disposto no art.358º do C.P.P., não o fez pelos motivos ali expostos e que entroncam na invocada inexistência do elemento subjectivo, na vertente do elemento intelectual, que como acima se decidiu não se verifica.
Pese embora o disposto no art.424º nº3 do Cód.Processo Penal, a comunicação a que aí se alude decorre do próprio julgamento efectuado pelo Tribunal da Relação, e não da que é sufragada pelo tribunal recorrido, mas ainda não efectuada, não podendo, assim, ser aqui colmatada, tanto mais que tal sempre impediria o direito ao recurso e à garantia de duplo grau de jurisdição.
Como tal, competirá ao tribunal recorrido, proceder à diligência que entendeu não ser de realizar por prejudicada pelo entendimento assumido, prosseguindo para a condenação do arguido, salvo se outras circunstâncias, que não as analisadas a tal obstarem.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o acórdão absolutório proferido e determinar que seja proferido novo acórdão a condenar o arguido AA, salvo se outras circunstâncias, que não as analisadas a tal obstarem, sendo cumprido previamente o disposto no art.358º do Cód.Processo Penal.
Sem custas.
Notifique nos termos legais.
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Lisboa, 02 de Dezembro de 2025 (O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
João Grilo Amaral
Paulo Barreto
Rui Coelho
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1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. Relativamente a elementos normativos do tipo [caso, nomeadamente, do carácter “alheio” da coisa nos crimes contra o património; a qualidade de “funcionário” nos crimes cometidos no exercício de funções públicas e, das noções de “documento”, “documento autêntico” e “vale do correio”, “letra de câmbio” e “cheque” nos crimes de falsificação], o conhecimento que se exige é apenas que a representação do agente, ao nível próprio das suas representações, corresponda, no essencial, ao conteúdo da valoração jurídica, cumprindo assim a função de orientar o agente para a ilicitude do facto [apud Figueiredo Dias, in Direito Penal - Parte Geral, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Tomo 1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2007, págs. 352/3].
Há, no entanto, casos em que o uso de expressões jurídicas mais elaboradas impõe uma maior exigência de conhecimento, como sucede por exemplo no direito penal secundário, e outros em que, ao contrário, apenas se exige ao agente um conhecimento dos pressupostos materiais da valoração, como sucede em relação a noções como “ascendente”, “descendente”, “bons costumes”, “ilegitimidade”, “dever de garante”, etc. [Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 354].
5. Quanto ao elemento subjectivo do tipo, pressupõe a existência do dolo genérico, isto é, o conhecimento e vontade de praticar o facto e o dolo específico, ou seja, a intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
6. Para uma dogmática do direito penal secundário, um contributo para a reforma do direito penal económico e social português, p. 52/53.