DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO
ELEMENTOS DO TIPO
MEDIDA DA PENA
Sumário

Sumário:
I- O que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude.
II- Não cumprindo a recorrente (nas conclusões ou sequer no corpo da motivação) o ónus de impugnação especificada a que estava vinculada, não pode este Tribunal da Relação conhecer do respetivo recurso na parte afetada.
III- No crime de detenção de arma proibida previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 86º do RJAM, o que releva é que se possa ter como provado que a posse das «armas» não está justificada face ao uso que normalmente lhes é dado, pelo arguido ou por qualquer outra pessoa.
IV- Se é inequívoco que a detenção dos instrumentos visa a sua utilização como arma de agressão, então está mais que não justificada a sua posse.
V- O recorrente não apontou, nas conclusões do recurso, qualquer circunstância que não tivesse sido tida em conta pelo Tribunal recorrido, ou, sequer, que tivesse sido mal avaliada, limitando-se a pugnar pela redução da pena, apenas porque confessou os factos e não conta antecedents criminais. Tais circunstâncias foram ponderadas na decisão recorrida, simplesmente não lhes foi atribuído o valor atenuativo que o recorrente nelas pretende ver..

Texto Integral

Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. Relatório
No processo comum singular nº 205/22.3GLSNT do Juízo Local Criminal de Sintra (Juiz 3), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi julgado o arguido AA, filho de BB e de CC, natural de ..., nascido a ........1996, solteiro, portador do Cartão de Cidadão n.º ..., com a profissão de ..., e domicílio na ..., tendo sido condenado, por sentença datada de 06.02.2025, “pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86.º, n.º 1, alínea d), na pena de 130 dias de multa, à razão diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).
Inconformado com aquela decisão final, dela interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões:
“1. O arguido veio recorrer da Douta sentença que o condenou em pena de multa correspondente a 130 dias á taxa diária de 5,5€, que perfaz um total de 715,00€.
2. Na apreciação da prova, houve um erro notório, em que não foram atendidos, depoimento de testemunhas, como o militar da GNR DD e EE.
3.O primeiro que viu que o recorrente tinha o dente partido tinha sido agredido na boca, e o segundo, que conhecia a ferramenta, empregue para a retorsão da agressão, e que bem explicou que a ferramenta estava na carrinha como outras, que andavam na carrinha, para uso na profissão do arguido.
4. Como o recorrente declarou em audiência que era uma ferramenta do seu trabalho, também a testemunha EE justificou, assim totalmente e cabalmente a existência daquela ferramenta e que era para uso profissional.
5.Assim, foi esta ferramenta usada para o recorrente se defender da agressão que estava a ser alvo, em que este já havia perdido um dente na frente com a cabeçada que sofreu.
6.Assim, ficou justificada a posse daquela ferramenta, pelo que ao condenar o recorrente pelo crime posse ilegal de arma nos termos previsto e punido no art. 86 nº1 d), violou a lei, assim como quando não atendeu ao fato do recorrente, ter agido em retorsão de uma agressão que estava a ser alvo.
7.Na apreciação da prova, ocorreu erro notório, uma vez que a prova produzida em relação à ferramenta, não considerou face aos razões apresentadas para a detenção da ferramenta justificada e para a função da ferramenta, aplicando em violação do principio da legalidade, o artº 86 nº 1 al.d), e também o fez ao não aplicar o artº 143 nº 3 do CPP.
8.Pelo que deve o recorrente ser absolvido ou dispensado de pena.
9.Caso se venha a entender, pela pratica do crime de detenção de arma proibida, foi a condenação foi excessiva.
10.Pois no que concerne à medida concreta da pena, deve o tribunal atender ao critério do art.º. 71º, nº1 do Código Penal, ou seja, considerar globalmente todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, o que não foi feito na sentença recorrida, pelo que a defesa entende que, a pena concreta aplicada, não é justa face a todas as circunstâncias apuradas nos autos.
11.a atitude do recorrente deve ser valorado com especial acuidade, pois revela, que consciencializou a ilicitude dos fatos que praticou e nem há noticia da prática de qualquer ato ilícito.
12. A douta Sentença recorrida violou, na aplicação das regras da apreciação das determinantes da medida da pena, quer o disposto no art.º 71.º, quer o disposto no art.º 40.º n.º 1 e 2 do C.P., art 41 nº 1, uma vez que a pena em que condenou o arguido ultrapassou, a dimensão da culpa, e atentas as declarações sobre as condições particulares, e ao fato de não ter averbamentos no registo criminal
13. Deverá a pena aplicada ser substituída por uma pena mais justa e equitativa, que tenha em consideração as circunstâncias que concorreram para a prática dos fatos, a personalidade, e a consciencialização dos ilícitos praticados.
14. Pelo deveria ter usado equidade na procura da justa composição do litígio, fazendo uso de dados de razoabilidade e proporção e adequação à circunstância do caso, sem cair no arbítrio.
15. Pelo que deve a multa que foi aplicada, ser reduzida abaixo dos 100 dias e à razão de 5,00€, atendendo que o recorrente se encontra desempregado.
16.Mais pugnando por justa a aplicação da lei 38-A/2023 ao recorrente, que reúne as condições para que lhe seja aplicada, o perdão por referência aos artº 2º, 3º e à contrário 7º, desse diploma.
Resolvendo no sentido da procedência do recurso, só assim se decidirá de acordo com a Lei e Vossas Excelências farão inteira. JUSTIÇA!”
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela respetiva improcedência, sem formular conclusões.
Neste Tribunal, a Exma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, secundou a fundamentação constante da resposta apresentada na 1ª instância.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. questões a decidir
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença proferida nos autos – as questões a examinar e decidir prendem-se com o seguinte:
- saber se ocorre o vício de erro notório na apreciação da prova;
- saber se os factos provados são bastantes para integrar o crime pelo qual o arguido foi condenado;
- saber se a pena aplicada é excessiva, devendo ser reduzida;
- saber se há lugar à aplicação do perdão de pena decretado pela Lei nº 38-A/2023.
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III. Da decisão recorrida
Com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta da decisão recorrida:
II.1. Matéria de facto provada
Discutida a causa e produzida a prova, com interesse para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos:
Do crime:
1. No dia ... de ... de 2022, pelas 16h10, o arguido AA encontrava-se na ..., em ....
2. Seguidamente, AA deslocou-se ao seu veículo automóvel e retirou do interior da bagageira do mesmo uma barra de aço em formato de “T”, com 1 metro de comprimento.
3. Ato contínuo, munido da barra de aço, AA dirigiu-se novamente a FF e desferiu pancadas com o objeto na anca e pernas do ofendido.
4. O arguido conhecia as características da barra de aço que transportava, detinha e utilizou, bem sabendo que a mesma não tinha qualquer utilidade lícita e/ou aplicação definida, não apresentando qualquer justificação para a deter, e que a mesma é considerada arma proibida, motivo pelo qual não podia nem devia detê-la, facto que ignorou, querendo agir da maneira que atuou.
5. Em todos os factos descritos o arguido agiu sempre de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Das condições pessoais do Arguido:
6. O Arguido é … e tem atividade aberta.
7. Não aufere de qualquer rendimento mensal.
8. Reside com os pais, em casa própria daqueles, e toma conta da casa da avó.
9. O Arguido não tem filhos.
10. Estudou até ao 12.º ano – curso profissional a que corresponde o nível 4.
11. Do Certificado de Registo Criminal do Arguido nada consta.
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II.2. Matéria de facto não provada
Discutida a causa e produzida a prova, com interesse para a decisão da causa não ficaram por provar quaisquer factos.
II.3. Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade apurada com base na conjugação das declarações do Arguido com as declarações das testemunhas FF, aqui ofendido, DD, Militar da Guarda Nacional República com intervenção na ocorrência, e EE, amigo do arguido, bem assim na prova documental carreada para o processado.
Desde logo, pelo Arguido foi explicado que num contexto de desentendimento com FF se muniu da barra de aço, nos autos apreendida, que se encontrava no interior da bagageira do seu veículo automóvel, tendo, como recurso à mesma, atingido aquele na anca ou nas pernas. Mais asseverou que só o fez para se defender porquanto também estava a ser agredido por FF.
Ora, não se pode aceitar a versão do arguido como credível, na parte em que diz que apenas se pretendeu defender. Para tanto basta atender às regras da experiência, na exata medida em que não se compreende que o arguido, num cenário de aparente reciprocidade de agressões, tivesse tempo para se dirigir à bagageira do seu carro e daí tirar uma barra de aço e voltar a dirigir-se ao ofendido para se defender. Versão esta que, aliás, não encontra qualquer sustentação nos autos, porquanto, o Militar da GNR não presenciou qualquer agressão, recordando-se apenas vagamente da versão que lhe foi contada pelo arguido, nem tampouco EE, que da mesma feita não assistiu ao evento dos autos.
Assim, e porque o arguido admitiu que atingiu o corpo de FF como a barra apreendida, o que aliás foi confirmado por este, que relatou o sucedido de uma forma credível e distanciada, só resta ao Tribunal concluir que inexiste qualquer causa legítima para a posse daquele objeto em tal contexto [usada apenas com a finalidade de agressão].
As declarações acima ditas foram ainda conjugadas com o auto de notícia e auto de apreensão – fls. 3-4 e fls. 13 –, o que permitiram, não só circunstanciar a ação no tempo e no espaço, mas também confirmar que o objeto apreendido que se encontrava na posse do arguido. Já as caraterísticas da referida arma e a sua caraterização como arma proibida, nos termos e para efeitos do Regime das Armas e Munições, resulta do relatório fotográfico e do auto de exame direto – fls. 14 e fls. 43.
Os elementos cognitivo e volitivo imputáveis ao arguido, aquando da prática dos factos, extraíram-se dos elementos probatórios mencionados, analisados por critérios de lógica e de racionalidade, que evidenciaram que perante as condutas assumidas outro não podia ser o seu conhecimento e intenção que não aqueles que estão refletidos nos factos 4. e 5. dos factos dados como provados.
No que respeita às condições pessoais do arguido, atendeu o Tribunal às suas declarações, tendo-se extraído do certificado do registo criminal a ausência de antecedentes criminais.
Por todo o exposto, formou o Tribunal a sua convicção.”
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IV. Fundamentação
Como acima se enunciou, o recorrente elencou diversos fundamentos para o seu recurso, que deverão ser apreciados segundo a ordem de precedência que legal e logicamente lhes cabe, começando-se pelos que podem determinar a anulação do julgamento e eventual reenvio (vícios da decisão), seguidos daqueles que podem determinar a alteração da matéria de facto (erros de julgamento) e, finalmente, as questões de direito suscitadas, designadamente, no que se refere ao enquadramento jurídico-penal, e à escolha e determinação da medida da pena.
iv.1. do invocado vício da decisão
Alega o recorrente que a decisão recorrida incorreu em «erro notório» (vício do artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal), que faz derivar de, no seu modo de ver, não terem sido atendidos os depoimentos das testemunhas DD e EE, designadamente no que se refere à qualificação do objeto detido pelo arguido como “arma proibida”, uma vez que se tratava de instrumento do seu trabalho, sendo que foi o mesmo utilizado (apenas) «para exercer retorsão».
Ora, o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal prevê que, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova”. (sublinhado nosso)
A indagação de tais vícios, por parte do tribunal ad quem, é uma tarefa puramente jurídica, de matéria de direito, já que mais nenhuma outra prova é necessária para que se possa concluir pela eventual existência ou não dos mesmos. Mais não constitui tal tarefa de indagação do que a aplicação da norma adjetiva em causa às circunstâncias concretas da decisão em recurso. Como anota Pereira Madeira2, “É a lei quem o inculca com clareza ao impor que o vício resulte do texto da decisão recorrida, apenas e só, eventualmente com recurso às regras de experiência comum. Por isso, fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos, mesmo que objecto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento do recurso em matéria de facto.”
No que se refere ao «erro notório na apreciação da prova», este abrange, naturalmente, as hipótese de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta; quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável; quando se dá como assente algo patentemente errado; quando se retira de um facto provado uma conclusão arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum; quando se violam as regras da prova vinculada, as regras da experiência; as leges artis ou quando o tribunal se afasta, sem fundamento, dos juízos dos peritos.
Porém, basta, para assegurar a notoriedade do erro, que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – e ainda que, para além das perceções do homem comum – e sopesado à luz de regras de experiência3. Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem.
Citando o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 29.03.20114, «O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do Acórdão do S.T.J. de 30 de Janeiro de 2002, Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., p. 74; Acórdão da R. do Porto de 12/11/2003, Processo 0342994, em http://www.dgsi.pt).»
Ora, vistos os termos em que o recorrente colocou a questão, é manifesto que não estão aqui em causa os vícios contemplados no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde logo porque, ao aludir ao «erro notório», o que pretende questionar é a integração do comportamento apurado (a detenção de uma barra de aço, em formato de “T”, com as características dadas como provadas) no conceito de «detenção de arma proibida» – o que, na verdade, configura uma questão jurídica: a de saber se tal instrumento preenche, ou não, o conceito legal. Faz-se notar que o recorrente não discute que o instrumento em questão pode ser usado como arma de agressão (assume, aliás, que o utilizou para esse efeito), o que pretende que se reconheça é que a sua detenção pelo arguido, nas circunstâncias dadas como provadas, se mostra justificada pela finalidade a que o mesmo se destinaria (enquanto ferramenta do seu trabalho).
A mais disto, perde-se o recorrente em considerações sem pertinência para os autos, porque reportadas ao crime de ofensa à integridade física de que vinha acusado, e relativamente ao qual ocorreu desistência de queixa – v.g., ter-se o recorrente limitado, ou não, a «exercer retorsão», apresenta nulo relevo para se saber se o objeto de que se muniu para o efeito deve, ou não, qualificar-se como «arma proibida».
Não pode, em face do que consta do texto da decisão, afirmar-se que seja evidente que o aludido instrumento não possa qualificar-se como «arma», ao ponto de qualquer homem médio poder/dever alcançar tal conclusão, e menos ainda que seja notório que o referido artefacto constitua uma ferramenta do trabalho de mecânico (e, em todo o caso, tal conclusão não é alcançável apenas pelo exame daquele texto).
Assim, ainda que o recorrente convoque a mencionada disposição legal, resulta claro que não são os vícios na mesma contemplados que aqui pretende discutir.
Acresce que, não só não resulta do texto da decisão recorrida que tenham sido ignorados depoimentos de testemunhas ouvidas no julgamento (pelo contrário, todos eles são examinados na fundamentação da decisão), como, ainda que tal tivesse acontecido, tal não corresponderia a erro notório na apreciação da prova (mas antes a eventual erro de julgamento, suscetível de ser apreciado, apenas, no quadro da impugnação ampla da matéria de facto, cumpridos que estejam os respetivos pressupostos legais).
No mais – considerada a oficiosidade do conhecimento dos vícios aqui em apreço – cabe dizer que, lida atentamente a decisão recorrida, não vemos que na mesma se tenha cometido algum dos vícios contemplados no citado artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal – designadamente, que a matéria de facto provada seja insuficiente para a decisão, que seja evidente a existência de factos que ficaram por apurar ou que tenha sido extraída da matéria de facto qualquer conclusão patentemente errada, ilógica ou arbitrária.
Na verdade, o Tribunal recorrido tomou posição sobre a totalidade do objeto do processo, tal como o mesmo foi configurado pelos sujeitos processuais, e os factos que apurou são, claramente, bastantes para permitir a decisão alcançada. Como se disse, pode discordar-se da decisão, mas essa discordância relevará já de eventual erro de julgamento.
Improcede, pois, o recurso no que se refere à verificação de qualquer dos vícios previstos no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal no acórdão recorrido.
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iv.2. do recurso em matéria de facto
Nas conclusões apresentadas o recorrente não reportou quaisquer factos como incorretamente julgados, fê-lo apenas na motivação, na qual se insurge quanto à prova do elemento subjetivo do crime em questão, mais uma vez insistindo em que o instrumento em causa era uma ferramenta do seu trabalho (de mecânico), tendo, por isso, aplicação definida, e limitando-se a concluir que dos factos provados não pode extrair-se o cometimento do crime de detenção de arma proibida.
Vejamos.
Como resulta do disposto no artigo 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, do que decorre que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respetivos poderes de cognição.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, no que se denomina de «revista alargada», cuja indagação, como referimos, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nos 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal, caso em que a apreciação se alarga à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas obrigarem a decisão diversa da proferida [assim não podendo fazer-se caso tais provas apenas permitam uma outra decisão, a par da decisão recorrida - neste último caso, havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova produzida, se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei (artigos 127º e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal), inexistindo assim violação destes preceitos legais]5.
A reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão6.
Assim, quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na modalidade ampla, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, têm de discriminar:
a) Os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. artigo 430º do Código de Processo Penal).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nos 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal), salientando-se que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão nº 3/20127, fixou jurisprudência no sentido de que: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
As menções feitas nas alíneas a), b) e c) dos nos 3 e 4 do referido artigo 412º estão intimamente relacionadas com a inteligibilidade da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão fáctica.
Na verdade, o que decorre dos requisitos legais supra enunciados é algo simples – cabe ao recorrente enunciar qual a factualidade concreta que se mostra mal apreciada e discutir os diversos segmentos probatórios que, no seu entender, deveriam fundar uma diversa apreciação relativamente a tais pontos de facto.
Efetivamente, não basta afirmar sumariamente que A. ou B. disse isto ou aquilo, que não corresponde ao que foi dado como assente; necessário se mostra que o recorrente, com base nesses elementos probatórios, os discuta face aos restantes e demonstre que o raciocínio lógico e conviccional do tribunal a quo se mostra sem suporte, na análise global a realizar da prova, enunciando concretamente as razões para tal.
Assim, o que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude.
No caso, analisadas as conclusões do recurso (e a motivação que as precede), constata-se que o recorrente, embora manifestando o seu desacordo com a decisão, nomeadamente a propósito do enquadramento jurídico das circunstâncias de facto apuradas, não indicou os concretos meios de prova que, em seu entender, imporiam decisão diversa, limitando-se a convocar, em termos genéricos, as declarações prestadas em audiência, por ele próprio e pelas testemunhas DD e EE, daí extraindo a conclusão de que o Tribunal errou na convicção formada. Ateve-se, pois, na sua pessoalíssima visão dos acontecimentos, não estabelecendo qualquer relação entre o conteúdo específico de cada meio de prova, ou conjugação de meios de prova (que não indica), e o facto individualizado que considera incorretamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal – a demonstração desta imposição compete também ao recorrente.
É, pois, evidente que não foram apontadas pelo recorrente quaisquer provas que imponham decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal recorrido8, mas apenas uma visão divergente quanto ao significado das declarações prestadas.
Com efeito, nem na motivação de recurso (corpo da mesma), nem nas respetivas conclusões, o recorrente estabelece a relação entre os concretos segmentos dos depoimentos e o específico ponto ou pontos de facto provados que, por este meio, almeja alterar, antes os convocando de forma global e genérica.
Ora, não sendo o recurso um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada pelo recorrente, é patente a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum, imporem diversa decisão (cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 25.01.20229).
Não é viável, no caso, o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, já que a motivação (corpo) do recurso apresenta idênticos defeitos, pelo que a alteração a introduzir, para cumprir aquelas exigências, não poderia conter-se dentro dos limites do já alegado, antes representando uma oportunidade de reformular todo o recurso, o que não pode considerar-se compreendido na previsão do artigo 417º, nos 3 e 4, do Código de Processo Penal – neste sentido, vd. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.10.200410, e os acórdãos do Tribunal Constitucional nos 259/2002, de 18.06.2002, e 140/2004, de 10.03.2004, ambos consultáveis em www.tribunalconstitucional.pt.
Assim, não tendo cumprido o recorrente (nas conclusões ou sequer no corpo da motivação) o ónus de impugnação especificada a que estava vinculado, não pode este Tribunal da Relação conhecer do respetivo recurso nesta parte.
Impõe-se, pois, a rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.
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O que se observa, porém, é que o recorrente, ao apresentar a sua impugnação da decisão de facto, na verdade limita-se a revelar na motivação do recurso, o seu desacordo quanto à leitura que o Tribunal recorrido fez da prova produzida.
Ora, como já se disse, e expressamente resulta do disposto no artigo 412º, nº 3, alíneas a) e b), e nº 4 do Código de Processo Penal, quanto à impugnação da matéria de facto, para além da especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, deve o recorrente indicar ainda as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Esse desiderato não se alcança com a mera formulação de opiniões quanto à clareza ou precisão do que foi dito, na medida em que tais elementos possam permitir diferentes conclusões – só se atinge com a indicação das provas que impõem, que obrigam a decisão diversa.
E, da análise do conjunto das provas produzidas em julgamento, resulta evidente que inexiste (e não foi indicada) qualquer prova que obrigasse a decisão diferente da proferida pelo Tribunal a quo, mostrando-se a decisão de facto devida e claramente fundamentada, estando suportada pela prova produzida, criticamente analisada pelo Tribunal, nos termos constantes da motivação da decisão de facto, acima reproduzida.
O princípio da livre apreciação da prova impõe um exercício que não pode deixar de ser subjetivo, que resulta da imediação e da oralidade, cujo resultado só seria afastado se o recorrente demonstrasse que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. O que não é o caso, porque só sabemos que o recorrente, se fosse o julgador, não teria interpretado os mencionados depoimentos nos termos em que o fez o Mmo julgador. Porém, o Tribunal a quo fundamentou de modo razoável e suficiente a sua convicção, com enquadramento no artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Lida a decisão (e a respetiva fundamentação), é de considerar que, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto, não só no que se refere aos acontecimentos em si (a detenção pelo arguido do objeto em causa nos autos), mas também quanto ao conhecimento que o arguido detinha do caráter proibido da sua conduta e quanto à vontade que o animou ao praticar tais factos. Repetimos: não está em causa nos autos a dinâmica da agressão (que, não obstante, o arguido reconheceu ter existido), mas apenas a intencionalidade por detrás do uso do instrumento identificado e a aptidão deste para a agressão à integridade física de outra pessoa.
Em suma, as provas existem para a decisão tomada e não se vislumbra qualquer violação de normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica). O Tribunal a quo apreciou criticamente todas as provas produzidas conjugadas entre si e com as regras de experiência comum, conforme consta da respetiva fundamentação de facto.
O recorrente não concorda. Porém, a fundamentação da convicção do Tribunal, em conjugação com a matéria de facto fixada, não revela que seja notoriamente errada, ilógica, contrária às regras da experiência comum. Podemos, pois, concluir, que o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou as razões da sua convicção, de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos. Acresce que, para além, na dúvida razoável, tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.
Analisado o texto da decisão recorrida, vemos que a respetiva argumentação se desenvolve de forma lógica e coerente, achando-se preenchidos todos os pressupostos do silogismo judiciário.
A matéria de facto dada como provada deve, pois, manter-se inalterada – se os factos apurados permitem, ou não, concluir pelo preenchimento dos crimes imputados ao arguido, é o que veremos de seguida.
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iv.3. do recurso em matéria de direito – enquadramento jurídico-penal
O recorrente questiona o enquadramento jurídico dos factos, sustentando que os factos apurados não são subsumíveis ao crime de detenção de arma proibida, na medida em que o artefacto em causa nos autos constitui instrumento de trabalho.
Cumpre apreciar.
Nos termos previstos no artigo 86º, nº 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições11 (RJAM), “Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo: (…) d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias”. (sublinhado nosso)
E, em conformidade com o artigo 3º, nº 2, alínea g) da Lei nº 5/2006 de 23 de fevereiro, são armas da classe A, “Quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão”.
Sobre o cometimento de tal ilícito pelo arguido recorrente, escreveu o Tribunal recorrido:
“… o crime de detenção de arma proibida é um crime de realização permanente, iniciando-se o preenchimento do tipo com o início de qualquer uma das condutas típicas e mantendo-se enquanto durar tal atividade do sujeito; de perigo comum, porque se reporta à suscetibilidade de ocorrência de um dano não controlável, difuso, com potência expansiva, apto a causar alarme social, podendo atingir vários bens jurídicos e várias vítimas; e de perigo abstrato, estando em causa a própria perigosidade das armas e visando-se, com a incriminação da sua detenção, tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas.
O que se pune é, entre o mais, a detenção fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente.
Deste modo, podemos afirmar que, sendo o interesse protegido a segurança contra o risco de detenção de tais armas, basta a adoção pelo agente de umas das situações ou comportamentos anteriormente enunciados, para ser posto em causa o bem jurídico aqui tutelado e tipificar-se o correspondente crime (elemento objetivo).
Por sua vez, o elemento subjetivo deste ilícito criminal pressupõe, por parte do agente, uma conduta dolosa, em qualquer das modalidades de dolo previstas no artigo 14.º do Código Penal.
Ora, fazendo apelo à factualidade considerada provada, verifica-se que o arguido munido de uma barra de aço formato T, com 1 metro de comprimento, desferiu pancadas na anca e pernas do ofendido. Do que se retira que inexiste qualquer causa legítima para a posse daquele objeto em tal contexto.
Provado ficou igualmente que o arguido sabia que a sua detenção era proibida, tendo agido com dolo direto, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal
Assim, por estarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime em apreço, e não existindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, deve o Arguido ser condenado pelo crime de que vem acusado – de detenção de arma proibida.”
Perante a argumentação exposta pelo Tribunal a quo, o recorrente afirmou, por um lado, que o objeto que foi encontrado na sua posse constituía instrumento de trabalho, pertinente ao ofício de mecânico, que disse ser o seu, mas também alegou que o ferro em causa lhe serviu para se defender da agressão de que estava a ser vítima, com o mesmo atingindo o seu oponente. E assumiu que se muniu de tal instrumento com a específica intenção de com ele atingir FF.
Ora, neste contexto, tem de reconhecer-se que tal instrumento deve enquadrar-se, inegavelmente, na alínea g) do nº 2 do artigo 3º do RJAM.
Na verdade, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.04.201512 “não é pela classificação do objecto que é ou deixa de ser classificada como arma. São as características específicas do objecto, sem aplicação definida, sem que o arguido justifique a sua posse e a sua potencialidade para ser utilizado como arma de agressão, independentemente do arguido o destinar a esse fim, que nos ajudam a apurar os elementos tipificadores do crime de detenção de arma perigosa”.
E, diz-se ainda no mesmo aresto, tendo em vista o enquadramento da alínea d) do nº 1 do artigo 86º do RJAM, “Aquele preceito não pode ficar preso à tipicidade dos instrumentos, cujas características estão legalmente definidas, para daí concluir se estamos perante arma proibida.
A lei começa por definir os tipos de arma e classificação, em função das suas características, funcionamento e perigosidade (art. 2.º e 3.º) e depois reserva a classificação a determinados instrumentos não previamente tipificados como armas propriamente ditas, deixando ao tribunal a descrição do instrumento e que em função das características pode ser classificado como arma proibida.”
No caso, a barra de aço em forma de T, com um metro de comprimento, preenche inequivocamente o conceito legal que vimos tratando, atentas as circunstâncias da respetiva detenção pelo arguido.
Como considerou o Tribunal da Relação de Évora, no acórdão de 17.09.201313, cuja argumentação subscrevemos, “para efeitos do art. 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, tal como para os preceitos similares que o antecederam, pratica a ação típica na modalidade de detenção quem tenha a arma consigo ou quem a tenha na sua esfera de disponibilidade, ainda que de forma esporádica ou transitória.
Não só é este o sentido que corresponde ao significado do vocábulo do ponto de vista gramatical, como é o que se ajusta à natureza do crime enquanto crime de perigo de perigo abstrato que tem por bem jurídico protegido a segurança da comunidade face aos riscos derivados da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e materiais explosivos14. O crime consuma-se com a mera disponibilidade da arma por parte do agente, independentemente da finalidade da detenção e mesmo do tempo em que aquela se mantenha, sem prejuízo da eventual verificação das causas comuns de justificação ou de exclusão da culpa.”
Na verdade, como decorre da redação do preceito em causa, relevante para a respetiva integração objetiva é apenas que o agente sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente (no que ao caso importa) detenha, use ou traga consigo armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão, não justificando a sua posse.
Assim, perante tal redação, é de concluir que a não justificação da posse destas armas pelo seu portador é um elemento integrante do tipo deste crime. Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.06.201015, “este requisito legal «o seu portador não justifique a sua posse», para uma arma como aquela transportada pelo arguido, não é um mero elemento retórico, assim não disponível como uma mera fórmula mais ou menos utilizável de acordo com uma geometria variável, ou que se possa inferir de outros factos que não aludam à utilização efectiva ou potencial da arma ou instrumento. Das duas uma: ou a posse de tal arma tem uma aplicação e justificação concreta, e então não há crime, ou o seu portador não consegue justificar a posse, e assim há crime. São elementos constitutivos do tipo objectivo do crime em análise a detenção, uso e posse de armas proibidas fora das condições legais ou em contrário das prescrições das autoridades competentes. O crime de detenção de arma proibida é um crime de realização permanente e de perigo abstracto, em que o que está em causa é a própria perigosidade das armas, visando-se, com a incriminação da sua detenção tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas”.
Não obstante, tal elemento típico pode ser descrito (na acusação e nos factos provados) sob uma alegação ou referência não coincidente em termos exatos com aquela expressão legal - o que releva é que se possa ter como provado que a posse das «armas» não está justificada face ao uso que normalmente lhes é dado, pelo arguido ou por qualquer outra pessoa16.
No caso, o que se observa é que o arguido tinha na sua posse – no dia ........2022, na altura em que foi detido – a descrita barra de aço (que preenche o conceito de arma a que faz apelo a citada alínea g) do artigo 3º do RJAM), que foi buscar com o específico propósito de atingir FF na sua integridade física. E esta é a «justificação» de tal detenção.
Mesmo que se pudesse considerar que o arguido poderia utilizar tal instrumento na atividade de mecânico (o que não está provado), ainda assim, no concreto contexto em que deteve e fez uso do referido instrumento, é manifesto que não se encontrava a trabalhar, nem a desempenhar qualquer atividade relacionada com a ... automóvel. O instrumento em causa foi por si empunhado para atingir (ou seja: agredir) outra pessoa.
Como se considerou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.202417, “Com a atual redação do art. 86.º, n.º1, alínea d), do RJAM, o uso e detenção, de armas brancas, sem aplicação definida, sem afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, continuou a ser elemento do tipo objetivo do crime de detenção de arma proibida.
Mas com o aditamento da expressão “armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º”, ao art.86.º, n.º1, alínea d), do RJAM, também o uso e detenção de armas brancas com afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objeto de coleção, passou a ser tipificado como crime de detenção de arma proibida.
Neste particular, são elementos do tipo objetivo de ilícito:
- O uso ou detenção de armas brancas, com afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objeto de coleção;
- quando ocorra fora dos locais do seu normal emprego; e
- os seus portadores não justifiquem a sua posse.
Os locais normais de seu normal emprego, não suscitam, em geral, grandes dificuldades.
Se está em causa uma faca de cozinha, o local do seu normal emprego é a cozinha.
Já a justificação da posse da arma branca depende do contexto dos factos, conjugado com as regras da experiência comum.
Sendo uma faca de cozinha com mais de 10 cm de lâmina detida numa situação de transporte da loja em que foi adquirida, para a residência do seu detentor, a sua posse estará justificada.
Já se uma arma branca, com afetação ao exercício de uma das práticas descritas na alínea ab), n.º2 do art.3.º do RJAM, é detida e utilizada fora dos locais do seu normal emprego, como meio de agressão, não existe causa que justifique essa posse.”
Neste mesmo sentido, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.05.201218, “… esta expressão ou forma de alegação, é inequívoca quanto à utilidade, à aplicação, à justificação ou finalidade da posse dos objectos ou “armas”, pelo arguido recorrente: o mesmo tinha tais armas para delas fazer uso como “arma de agressão”.
Se esta finalidade é inequívoca, então está mais que não justificada a sua posse. A justificação da posse a que se refere o legislador visa precisamente outra finalidade que não a sua utilização como arma de agressão. Se assim for, ou seja, se a posse estiver justificada, não existirá crime. Mas se essa posse visar exactamente a sua utilização como “arma de agressão”, então a posse já constituirá indubitavelmente o dito crime.
Voltando agora ao exemplo do taco de golfe, se o possuidor não praticante daquela modalidade o transportar para o utilizar como arma de agressão e esta alegação e prova resultar inequívoca, com certeza que seria redundante estar a exigir-se ainda e indagar se a sua posse estava ou não justificada. Pode mesmo afirmar-se que a concretização da utilização ou finalidade da arma mais não é do que a concretização da expressão da “posse não justificada” ou, dito de outro modo, a expressão de “justificar ou não justificar a posse da arma” encerra em si mesmo um conceito de direito. Mas sabendo-se ou sendo conhecido o fim ou a utilização que se pretende dar a determinada arma, é possível concluir-se se a sua posse é legítima ou se se encontra justificada ou não.
E, manifestamente, no caso dos autos, a posse destas armas pelo arguido recorrente, não estava justificada, pelo que integra a mesma a previsão daquela disposição legal reproduzida supra.”
Este é, também o caso dos autos – pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida ao ter integrado tais factos no crime de detenção de arma proibida, não subsistindo dúvidas de que o arguido bem sabia das circunstâncias em que fazia uso de tal instrumento, e da intenção com que agiu, não podendo ignorar, como não ignoraria qualquer homem médio nas descritas circunstâncias, que tal atuação era proibida e punida por lei, o que o não demoveu de agir.
Improcede, por isso, este segmento do recurso.
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iv.4. da medida da pena
Sustenta o recorrente que a pena em que foi condenado se mostra desajustada, devendo ser reduzida para medida não superior a 100 dias de multa (a declarar integralmente perdoada)19.
Alega para o efeito que “a atitude do recorrente deve ser valorado com especial acuidade, pois revela, que consciencializou a ilicitude dos fatos que praticou e nem há noticia da prática de qualquer ato ilícito”.
Vejamos, então.
Face à questão sob apreciação, importa manter presente que, como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.202120, “os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando deteta incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.”
A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
O juiz começa por determinar a moldura penal abstrata e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para finalmente escolher a espécie da pena que efetivamente deve ser cumprida, tendo em vista as penas de substituição que a lei prevê.
Estabelece o artigo 71º, nº 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O nº 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o nº 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjectiva no artigo 375º, nº1, do Código de Processo Penal, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção atuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer21.
No caso dos autos, e a propósito da determinação concreta da pena a impor ao arguido, expendeu o Tribunal a quo: “… no crime em presença, são elevadas as necessidades de prevenção geral, onde se reafirma a validade da norma violada perante a comunidade, porque se assiste, na comunidade, ao crescimento do número de eventos relacionados com a detenção ilícita de armas, com as mais variadas características, o que, em última ratio, pode potenciar a prática de outros ilícitos, como os crimes contra a liberdade, integridade física e até contra a vida; revelando-se, pelo contrário, baixas as necessidades de prevenção especial, tendo em consideração que o Arguido não conta com condenações anteriores.
Face às considerações supra expostas, entende o Tribunal que a conduta perpetrada pelo Arguido não convoca a aplicação de uma pena detentiva da liberdade, considerando-se que a pena de multa ainda é apta para assegurar a tutela dos bens jurídicos protegidos com a incriminação em causa e afirmar a validade e eficácia das normas jurídico-penais, aprofundando a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos, e, simultaneamente, levar o Arguido a conformar a sua conduta de acordo com os valores protegidos por essa mesmas normas.
Assim, justifica-se a aplicação de uma pena de multa.
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No que importa à determinação da medida concreta da pena a aplicar ao Arguido, esta deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, conforme dita o disposto nos artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, ambos do Código Penal. Concretamente, deve o Tribunal valorar os fatores de determinação da pena a que se referem as diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, que, não fazendo parte do tipo – atento o princípio da proibição da dupla valoração –, deponham a favor do agente ou contra ele.
Assim, relativamente à execução do facto, o legislador considera como relevantes o seu grau de ilicitude, o modo de execução e a gravidade das suas consequências, os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos. Já no que concerne aos fatores atinentes ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais e económicas do mesmo, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita e ao comportamento anterior ao crime.
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Volvendo agora ao caso dos autos, quanto às necessidades de prevenção geral que são elevadas e quanto às necessidades de prevenção especial que são baixas, nada mais há a acrescentar, remetendo-se, por isso, para o que se deixou dito acima. A favor do Arguido temos que o mesmo colaborou com a descoberta da verdade material, a sua juventude à data da prática dos factos, bem assim o facto de se encontrar inserido profissional e familiarmente.
Já a desfavor temos que o Arguido atuou com dolo direto, não mitigado por qualquer circunstancialismo, bem assim no grau elevado da ilicitude dos factos, transportava consigo uma arma proibida, objeto esse suscetível de ferir bens jurídicos tão valiosos como a vida, o contexto de violência em que foi feita a apreensão da barra de aço em apreço, bem assim o facto de não ter demonstrado arrependimento [não tendo, por isso, interiorizado o desvalor da conduta].
Por conseguinte, e tudo ponderado, entende-se como adequado aplicar ao Arguido uma pena de 130 (cento e trinta) dias de multa.
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No atinente ao quantum diário, dispõe o artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, que o mesmo é fixado pelo Tribunal em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, entre €5 (cinco euros) e €500 (quinhentos euros), devendo ser o indispensável para que se não coloque irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, o sentimento de segurança e confiança dos cidadãos nas instituições jurídicas penais, não podendo constituir, contudo, um elevado sacrifício para o condenado (sob pena de se estar a desacreditar não só este tipo de pena, como os Tribunais e a própria Justiça).
Assim sendo, tendo em consideração a situação económica e familiar do Arguido e os seus encargos, afigura-se ajustado o quantitativo diário de 5,50 €.
Tudo ponderado, reputa-se adequada e proporcional a aplicação ao Arguido de uma pena de 130 dias de multa, à taxa de 5,50€, o que perfaz a quantia de 715,00€. ”
Mostram-se inteiramente acertadas as considerações tecidas pelo Tribunal a quo, não merecendo qualquer censura.
De resto, o recorrente não apontou, nas conclusões do recurso, qualquer circunstância que não tivesse sido tida em conta pelo Tribunal recorrido, ou, sequer, que tivesse sido mal avaliada, limitando-se a pugnar pela redução da pena, apenas porque confessou os factos e não conta antecedentes criminais.
Tais circunstâncias foram ponderadas na decisão recorrida, simplesmente não lhes foi atribuído o valor atenuativo que o recorrente nelas pretende ver. Porém, à luz da fundamentação exposta pelo Tribunal a quo, não se vislumbra que a operação de graduação da pena levada a cabo se mostre flagrantemente desproporcional ou desadequada do caso concreto.
É racional a opção pela aplicação de uma pena de multa, atenta a ausência de antecedentes criminais, a juventude do arguido e o enquadramento social de que beneficia.
Por outro lado, numa moldura penal de 10 a 480 dias de multa, vemos que a Mma Julgadora graduou a pena abaixo do respetivo terço inferior – devendo relevar-se que a objetiva gravidade dos factos não se desvanece perante as circunstâncias de vida do arguido.
Neste contexto, afiguram-se de subscrever as conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo, entendendo-se que a ponderação final de síntese (balanceamento dos vários factores agravantes e atenuantes em presença), foi adequada à execução do crime e à personalidade do arguido em apreço.
Quanto aos factores relativos à conduta do agente, anterior e posterior ao facto (artigo 71º, nº 2, alínea e), do Código Penal), apontaram-se na decisão recorrida os fatores relevantes e que conduzem a que as exigências de prevenção especial sejam graduadas em medida não muito significativa.
Foram ponderadas, quanto à execução do facto (pensada em termos globais - artigo 71º, nº 2, alíneas a), b) e c), do Código Penal), todas as circunstâncias relevantes: a forma intencional da vontade criminosa (a intensidade da vontade no dolo); o modo de execução da actividade delituosa (em que releva a perigosidade do instrumento em causa e as circunstâncias em que foi utilizado); e a gravidade das respetivas consequências (tratando-se de um crime de perigo, não pode deixar de ser tida em conta a objetiva atualização do mesmo em concreta agressão).
Assim, atentas as elevadas exigências de prevenção geral que o caso reclama, bem como relevante grau de culpa do arguido, não nos merece qualquer censura a pena encontrada, nem o respetivo quantitativo diário, fixado em medida muito próxima do mínimo legal.
Também neste aspeto, deve naufragar a pretensão recursória.
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iv.5. da (não) aplicação do perdão de pena
Reclamou o recorrente a aplicação do perdão de pena previsto no artigo 3º, nº 2, alínea a) da Lei nº 38-A/2023, de 02 de agosto.
Sucede que, pese embora o arguido contasse menos de 30 anos à data da prática dos factos (preenchendo, por isso, o requisito constante do artigo 2º, nº 1 da citada Lei nº 38-A/2023), a pena de multa em que foi condenado excede o limite fixado no citado artigo 3º, nº 2, alínea a), pelo que não beneficia do referido perdão de pena, como acertadamente se consignou na decisão recorrida.
O recurso improcede.
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V. Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando o acórdão recorrido nos seus precisos termos.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Lisboa, 02 de dezembro de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
João Grilo Amaral
Pedro José Esteves de Brito
______________________________________________________
1. cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»
2. Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, pág. 1291.
3. Pereira Madeira, Ob. cit., pág. 1294.
4. No processo nº 288/09.1GBMTJ.L1-5, relatado pelo, então, Desembargador Jorge Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt.
5. Cf., por todos, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.2021, no processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, relatado pelo, então, Desembargador Jorge Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt.
6. Note-se que, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 01 de abril de 2008 (no processo nº 360/08-01, Relator: Desembargador Ribeiro Cardoso, acessível em www.dgsi.pt): “Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.
As provas que impõem decisão diversa são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que, tendo-o sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida.”
7. Publicado no Diário da República, Iª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012.
8. Aos depoimentos convocados não foi, aliás, atribuído conteúdo diverso do reportado na fundamentação da decisão, que a eles aludiu expressamente.
9. No processo nº 4833/16.8T9SNT.L1-5, Relator: Desembargador Artur Vargues, em www.dgsi.pt).
10. No processo nº 3286/04, 5ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
11. Aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro.
12. No processo nº 139/14.5SBGRD.C1, relatado pelo Desembargador Inácio Monteiro, acessível em www.dgsi.pt.
13. No processo nº 10/09.2GFMMN.E1, relatado pelo, então, Desembargador António João Latas, acessível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/10-2013-93856775
14. Cfr Paula Ribeiro de Faria Comentário Conimbricense do C. Penal, II-1999 p. 891, em comentário ao art. 275º do C. Penal na versão de 1995.
15. No processo nº 1229/08.9GBAGD.C1, Relator: Desembargador Paulo Valério, acessível em www.dgsi.pt.
16. Neste sentido, também, o já citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.10.2013.
17. No processo nº 648/22.2PHAMD.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Orlando Gonçalves, e acessível em https://juris.stj.pt/648%2F22.2PHAMD.L1.S1/mf5lNZtUVICJxMkMv7n7LXXNPeM?search=RTAE4igepqr2FnEZWH0
18. No processo nº 562/09.7JAAVR.C1, Relator: Desembargador Luís Teixeira, acessível em www.dgsi.pt.
19. A pretensão do recorrente de que lhe seja aplicada dispensa de pena com fundamento na previsão do artigo 143º, nº 4, alínea b) do Código Penal, não pode merecer acolhimento, posto que o arguido não foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, não estando prevista tal possibilidade para o crime de detenção de arma proibida, que é o que está em causa nos autos.
20. No processo nº 10/18.1PELRA.S1, Relatora: Conselheira Ana Barata Brito, acessível em www.dgsi.pt.
21. Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e segs..