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RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
INCIDENTE DE RECUSA
DECISÃO NÃO RECORRÍVEL
Sumário
Sumário: I- A reclamação para a conferência é o meio próprio de impugnação da decisão sumária do relator proferida nos termos do nº 6 do artigo 417º do Código de Processo Penal. Na reclamação deve o reclamante apresentar os seus argumentos contra a decisão reclamada para que sobre eles se possa pronunciar e decidir a conferência, confirmando ou revogando a decisão reclamada. II- No caso do incidente de recusa, a irrecorribilidade da respetiva decisão final está expressamente prevista na lei (no citado artigo 45º, nº 6 do Código de Processo Penal). III- E isto não se altera pela circunstância de a decisão em causa poder estar, ou não, potencialmente ferida de nulidade (sendo certo que, não estando disponível a via recursiva, existiam outros caminhos legais que podiam ter sido trilhados). IV- O nosso Tribunal Constitucional já teve oportunidade, em várias ocasiões, de se pronunciar sobre o direito ao recurso enquanto garantia constitucional, e tem reiteradamente sustentado não resultar do texto constitucional qualquer universalidade do direito a recorrer, de toda e qualquer decisão.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
AA, m. id. nos autos, vem reclamar para a conferência da decisão sumária proferida pela relatora a 06.11.2025, que decidiu rejeitar o recurso por ser o mesmo legalmente inadmissível.
Alega para tanto, em resumo:
“(…)
- O que tal acervo normativo [o artigo 615º do Código de Processo Civil] dita, é que não pode haver reclamação, quando da decisão caiba recurso, e não o contrário; Não sendo possível aferir da recorribilidade por via da possibilidade de reclamação, mas sim, impondo-se a reclamação, quando não possa ser interposto recurso.
- A questão, é saber como é possível a Senhora Relatora proferir uma decisão que rejeita um recurso, porque o arguido deveria ter reclamado, quando para o efeito se socorre de uma norma que estatui exatamente o contrário!
(…)
- O despacho reclamado constitui jurisprudência inovatória, em oposição a toda a jurisprudência proferida nos últimos 50 anos pelos Tribunais Portugueses…
- Olimpicamente, viola e olvida o disposto art.º 613º do CPC, também ele aplicável, ex vi art.º 4º do CPP, e aplicável aos despachos, que não sentenças, por via do seu nº 3, e do qual resulta que «1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.».
- Portanto, com ou sem fundamentação, proferido o despacho, o Juiz não o pode alterar!
- De resto, a abordagem efetuada pela decisão reclamada gera perplexidade, na medida em que, se no Recurso, foi arguida a falta de fundamentação do Despacho recorrido, nunca, jamais e em tempo algum, a decisão reclamada poderia deixar de se ater aos pressupostos do recurso interposto, que imputou à decisão recorrida, também, a violação da lei, e não só, uma simples nulidade por falta de fundamentação.
(…)”
O MINISTÉRIO PÚBLICO tomou posição, consignando:
“Tendo em conta que o recorrente veio apresentar recurso de despacho de recusa proferido em sede de 1.ª Instância, o qual é irrecorrível, nos termos do n.º6 do art.º45.º do Código de Processo Penal, não há como evitar a rejeição do recurso, conforme foi decidido por decisão sumária deste TRL, em conformidade com o preceituado nos artigos 414.º, n.º2, 1.ª parte, 417.º, n.º6, al. b) e 420.º, n.º1, al. b), todos do Código de Processo Penal.
Pelo que, sendo a causa da rejeição do recurso, a irrecorribilidade da decisão a quo, afigura-se-nos que deve ser liminarmente indeferida a reclamação para a conferência e ordenada a baixa dos autos à 1.ª Instância.”
Remetido o processo aos vistos legais, cumpre, em conferência, apreciar e decidir a questão da reclamação nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 419º do Código de Processo Penal e, a ser a mesma procedente, o mérito do recurso, nos termos do nº 10 do artigo 417º do mesmo Código.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
A decisão sumária de que se reclama é a seguinte:
“I. RELATÓRIO
1. No processo de inquérito nº 27/23.4SRLSB, a correr termos na 13ª secção do DIAP de Lisboa, foi, em 08.07.2025, proferido despacho, no Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz 6, com o seguinte teor:
“Requerimento referência citius 42679608: «Incidente de Escusa»
Como bem salienta do M.P., o Agente da PSP que elabora o relatório não é perito, intérprete ou funcionário de justiça, é um órgão de polícia criminal que coadjuva, quando solicitado, o Ministério Público.
O relatório prolatado é um mero documento, sujeito à livre apreciação da prova e apto a ser contraditado pelo arguido (artigo 164.º e seguintes e 125.º e 127.º, todos do C.P.P.).
Além disso, como enfatiza o M.P. o sobredito relatório não é elemento essencial, nem desempenhou um papel determinante na decisão do Ministério Público formular as suas conclusões no despacho de encerramento do inquérito, o qual, aliás, não foi sempre acompanhado pelo M.P..
O peticionado é totalmente infundado, de facto e de direito, pelo que vai o mesmo indeferido, nos termos dos artigos 43º e 47º do Código de Processo Penal”.
2. Inconformado com tal despacho, dele veio AA (m. id. nos autos), em 25.07.2025, interpor recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
“a) Nos presentes autos, o Arguido formulou requerimento de recusa, relativo ao Agente investigador da DST-PSP, autor do relatório de investigação de acidente de viação, junto aos autos, onde formula hipóteses objectivamente descabidas, chegando ao desplante de transformar em “prática socialmente aceitável” o que constitui infração muito grave, geradora em concreto, na cidade de Lisboa, de milhares de atropelamentos de peões e acidentes rodoviários graves!...
b) Consta do relatório (fls. 130) que houve “dois feridos ligeiros”, sem que sejam mencionadas as respetivas lesões, ou sequer, como apurou que os “dois feridos” tinham ferimentos.
c) Conclui que existiu fuga do A. (fls. 143 - pág. 14), omitindo, de forma incompreensível, que várias pessoas, jovens, esbracejando e vociferando, se colocaram na frente do veículo do Arguido, sem sequer ponderada a possibilidade de o A. ter saído do local por se ter sentido ameaçado, ou ponderado o enquadramento criminal da atuação das pessoas que se colocaram na frente do veículo
d) Refere - fls. 145 - Pag. 16) que o condutor do veículo ligeiro ... (o Arguido) praticou um crime de omissão de auxílio, sem qualquer elemento probatório - sequer um “argumento” - que permita concluir que ocorreu «perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa» e que existiu “perigo grave” para tais valores jurídicos, relativamente ao motociclista causador do acidente ao ultrapassar, entre vias de trânsito, vindo de trás, pelo lado direito, uma viatura automóvel que circulava em total obediência ao código da estrada.
e) Perante tal requerimento, foi proferido em 08.07.2025 o seguinte despacho: «(...) o Agente da PSP que elabora o relatório não é perito, intérprete ou funcionário de justiça, é um órgão de polícia criminal que coadjuva, quando solicitado, o Ministério Público. // O relatório prolatado é um mero documento, sujeito à livre apreciação da prova e apto a ser contraditado pelo arguido (artigo 164.o e seguintes e 125.o e 127.o, todos do C.P.P.). // Além disso, como enfatiza o M.P. o sobredito relatório não é elemento essencial, nem desempenhou um papel determinante na decisão do Ministério Público formular as suas conclusões no despacho de encerramento do inquérito, o qual, aliás, não foi sempre acompanhado pelo M.P.. // O peticionado é totalmente infundado, de facto e de direito, pelo que vai o mesmo indeferido, nos termos dos artigos 43o e 47o do Código de Processo Penal.».
f) Desde logo, considerando a MMª Juiz a quo - e porventura até com razão; essa não é para já a questão - que o Relatório elaborado o é por OPC e que, consequentemente, não têm cabimento legal a recusa, a verdade é que nenhum normativo é indicado que fundamente, juridicamente, tal premissa, inexistindo no caso concreto, como é bem de ver, qualquer referência a qualquer interpretação, ou sequer, indicação, de norma legal, que permita especificamente concluir que ‘«o Agente da PSP que elabora o relatório não é perito»’. O que acarreta a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação.
g) A atuação do autor do Relatório, não ocorre «no processo, sob a direcção das autoridades judiciárias e na sua dependência funcional»,
h) E, ainda que se possa considerar que tal relatório se insere na ampla categoria de «coadjuvar as autoridades judiciárias com vista à realização das finalidades do processo.», é evidente que, em rigor, também a atuação dos «peritos, intérpretes e funcionários de justiça.», tem por desiderato «coadjuvar as autoridades judiciárias com vista à realização das finalidades do processo.».
i) No caso concreto, tal relatório, pela sua natureza, é elaborado por quem, idealmente, tem «especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos», o que corresponde à noção jusprocessual de “perito” plasmada no artº 151 do CPP.
j) Que tal relatório é apreciado livremente pelo Julgador, não há disso dúvida, mas tal afirmação constitui argumento decisivo, na medida em que, se a prova pericial representa e processo penal um desvio ao princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º do CPP), dispõe o art.º 163.º do CPP expressamente que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador, o qual deve fundamentar a sua divergência sempre que a sua convicção divergir do juízo contido no parecer dos peritos.
k) Portanto, o Tribunal, como órgão de soberania que é, nem por isso deixa de apreciar livremente o juízo contido no parecer, e havendo razões fundadas para dele divergir, fá-lo-á, fundamentando.
l) E independentemente da força probatória que o Tribunal a quo, a final - na decisão instrutória - entenda ser de conferir a este bizarro relatório, a realidade é que o mesmo não deixa de ter a força de um relatório pericial, porque destinado a demonstrar factos, com recurso a conhecimentos técnicos específicos, que, sem possibilidade de recorrer ao instituto da Recusa, o Arguido fica impedido de escrutinar, não exatamente no “resultado”, mas nos “pressupostos” de isenção que não podem deixar de merecer tutela.
m) Destarte, a interpretação conferida ao art.º 47.º do CPP, que exclui a possibilidade de suscitar a recusa de Agente Investigador da Divisão de Trânsito de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, autor do relatório relativo a acidente de viação, em processo de natureza criminal, considerando que o mesmo não actua como «perito», na acepção ali prevista, em paralelo com os “intérpretes”, considerando que o mesmo actua apenas como Órgão de Polícia Criminal, coadjuvando as autoridades judiciárias, viola o princípio da proibição da indefesa, plasmado no artº 32º da CRP e da exigência de um processo leal, equitativo ou subordinado às regras do fair trial, vazada no art.º 20º nº 4 C.R.P,
Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, sendo em consequência revogada a decisão recorrida, e consequentemente, ordenada a apreciação do requerimento de recusa relativo ao o Agente Investigador da Divisão de Trânsito de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, autor do relatório junto aos autos,
Assim se fazendo sã e serena JUSTIÇA!”
3. Por despacho proferido em 10.09.2025, o recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
4. Não se vislumbra nos autos que o MINISTÉRIO PÚBLICO tenha apresentado resposta ao recurso (o despacho reproduzido na certidão que instruiu este apenso reporta-se a um «recurso do despacho de acusação», que não é o que está aqui em causa).
5. Neste Tribunal, a Exma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, apresentou parecer, com o seguinte teor:
“Em primeiro lugar afigura-se-nos que no despacho recorrido o tribunal a quo já apreciou o requerimento de recusa apresentado pelo arguido, o qual expressamente indeferiu por falta de pressupostos, ou seja, porque não diz respeito, nem a juiz, nem a perito, nem a intérprete e funcionário de justiça.
Nesta conformidade, o despacho recorrido não nos merece qualquer reparo ou censura.
Tendo em conta a não verificação dos mencionados pressupostos legais a que aludem os artigos 43.º e 47.º do CPP, afigura-se-nos que o recurso interposto é manifestamente improcedente, pelo que deverá ser rejeitado, nos termos do art.º420.º, n.º1, alínea a) do CPP
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Pelo exposto, e salvo o devido e muito respeito por diferente opinião, somos do parecer que o recurso interposto pelo recorrente/arguido AA é manifestamente improcedente, pelo que deverá ser rejeitado, nos termos do art.º420.º, n.º1, alínea a) do CPP, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.”
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, tendo o recorrente apresentada resposta, na qual repisa os argumentos expostos na alegação recursiva.
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6. Efetuando o exame preliminar e compulsados os autos, verifica-se que é desde já pertinente proferir imediata decisão sumária, com fundamento nos artigos 417º, nº 6, alínea b) e 420º, nº 1, alínea b), ambos do Código do Processo Penal.
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II. DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO
Como resulta das conclusões apresentadas pelo recorrente, com o presente recurso vem questionado o indeferimento do «incidente de recusa» suscitado a propósito de relatório elaborado por agente da PSP e junto aos autos na fase de inquérito.
Ora, independentemente do cabimento legal que possa ter o «incidente de recusa» reportado a atividade de órgãos de polícia criminal, resulta do disposto no artigo 45º, nos 4 a 7 do Código de Processo Penal que “4 - O tribunal, se não recusar logo o requerimento ou o pedido por manifestamente infundados, ordena as diligências de prova necessárias à decisão.
5 - O tribunal dispõe de um prazo de 30 dias, a contar da entrega do respetivo requerimento ou pedido, para decidir sobre a recusa ou a escusa.
6 - A decisão prevista no número anterior é irrecorrível.
7 - Se o tribunal recusar o requerimento do arguido, do assistente ou das partes civis por manifestamente infundado, condena o requerente ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC.”
Assim, no que releva para o caso, a decisão acerca da recusa do «agente da PSP que elaborou o relatório», que considerou tal pedido infundado (como expressamente resulta do despacho acima transcrito) não é suscetível de recurso.
No caso, o arguido não apresentou reclamação perante o Tribunal a quo, designadamente, com fundamento na eventual nulidade por falta de fundamentação (como lhe seria permitido pelo disposto no artigo 615º nos 1, alínea b) e 4 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal), tendo desde logo interposto recurso com tal fundamento – o que, como vimos, lhe está legalmente vedado.
Recordamos, a propósito, que o despacho em causa não é uma sentença, e, por isso, não lhe é aplicável o disposto no artigo 379º do Código de Processo Penal, antes se encontrando sujeito ao regime geral das nulidades, constantes dos artigos 118º e seguintes do mesmo diploma legal.
Assim, como fica claro das disposições legais citadas, a decisão aqui em causa não é suscetível de recurso, pelo que deve o presente ser de imediato rejeitado.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, profere-se a presente decisão sumária de rejeição do recurso, por ser a decisão irrecorrível, ao abrigo dos artigos 414º, nº 2, 1ª parte, 417º, nº 6, alínea b) e 420º, nº 1, alínea b), todos do Código do Processo Penal.
Fixa-se em 3 UC a importância a que se refere o nº 3, do artigo 410º, do Código de Processo Penal.
Devolvam-se os autos ao tribunal recorrido
Notifique-se.”
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A reclamação para a conferência é o meio próprio de impugnação da decisão sumária do relator proferida nos termos do nº 6 do artigo 417º do Código de Processo Penal.
Na reclamação deve o reclamante apresentar os seus argumentos contra a decisão reclamada para que sobre eles se possa pronunciar e decidir a conferência, confirmando ou revogando a decisão reclamada.
Na decisão reclamada considerou-se ser o recurso legalmente inadmissível, por ser irrecorrível a decisão proferida na 1ª instância, razão pela qual não deveria ter sido admitido, devendo, agora, ser rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 414º, nº 2, 1ª parte, 417º, nº 6, alínea b), e 420º, nº 1, alínea b), todos do Código do Processo Penal.
Ao reclamante parece ter escapado o fundamento da decisão, focando-se apenas em questões incidentais.
Como se crê ter deixado claro na decisão sumária, o recurso foi rejeitado porque a decisão que julgou infundado o incidente de recusa (independentemente de o mesmo ser aplicável in casu) é irrecorrível, como linearmente decorre do disposto no artigo 45º, nº 6 do Código de Processo Penal (transcrito e citado na decisão sumária).
Não pode, igualmente, duvidar-se de que o despacho em questão decidiu o incidente de recusa: é o que decorre do seu teor literal (citamos: “O peticionado é totalmente infundado, de facto e de direito, pelo que vai o mesmo indeferido, nos termos dos artigos 43º e 47º do Código de Processo Penal”).
E foi isto, e só isto, que se decidiu.
Lamenta-se que a referência ao artigo 615º do Código de Processo Civil tenha confundido o recorrente, ora reclamante. E reconhece-se que a mesma era desnecessária, não só porque tal preceito não foi aplicado na decisão, mas, sobretudo, porque alude a uma possibilidade de reação que o interessado já deixou passar.
É porque a decisão não é recorrível que lhe seria possível reclamar para o Tribunal que proferiu a decisão, e não o contrário. Mas tal oportunidade não foi aproveitada, e, com efeito, de nada adianta referi-la agora.
Já o disposto no artigo 613º do Código de Processo Civil (o esgotamento do poder jurisdicional uma vez proferida a decisão), não tem qualquer aplicação no caso. As decisões só podem ser apreciadas por um Tribunal superior quando admitem recurso, o que não é o caso1.
Como se lê no artigo 399º do Código de Processo Penal: é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
No caso do incidente de recusa, a irrecorribilidade da respetiva decisão final está expressamente prevista na lei (no citado artigo 45º, nº 6 do Código de Processo Penal, repete-se).
E isto não se altera pela circunstância de a decisão em causa poder estar, ou não, potencialmente ferida de nulidade (sendo certo que, não estando disponível a via recursiva, existiam outros caminhos legais que podiam ter sido trilhados, como se referiu).
O nosso Tribunal Constitucional já teve oportunidade, em várias ocasiões, de se pronunciar sobre o direito ao recurso enquanto garantia constitucional, e tem reiteradamente sustentado não resultar do texto constitucional qualquer universalidade do direito a recorrer, de toda e qualquer decisão. Disse-o, designadamente, nos Acórdãos nos 101/2016 e 132/2017, referindo-se no primeiro que:
“A Constituição garante a todos os cidadãos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos» (artigo 20º, nº 1) afirmando ainda que «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo, o recurso» (artigo 32º, nº 1).
É muito vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o direito ao recurso em processo penal, o qual constitui uma das mais relevantes garantias de defesa expressamente consagrada no artigo 32º, nº 1, da Constituição.
Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra da garantia do recurso quanto a todas as decisões proferidas em processo penal, mas apenas no que respeita às decisões penais condenatórias e às decisões penais de privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.
Como tem sido jurisprudência constante do Tribunal, mesmo antes da revisão constitucional de 1997 – na sequência da qual o artigo 32º, nº 1, passou a identificar expressamente o direito ao recurso entre as garantias de defesa – o núcleo essencial desta garantia constitucional coincide com o direito de recorrer de decisões condenatórias e de atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido (cfr. entre outros, Acórdãos nos 8/87 [nº 8], 31/87 [nº 7], 178/88 [nº 6], 259/88 [nº 2.2], 401/91 [nº II, 2], 132/92 [nº 3 e 4], 322/93 [nº 5 e 6], 265/94 [nº 7], 610/96 [nº 11], 30/2001 [nº 7], 189/2001 [nº 6]).
Em suma, o “direito de recurso”, como imperativo constitucional, consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição, deve entender-se no quadro das “garantias de defesa” – só e quando estas garantias o exijam (Acórdão nº 235/2010 [nº 9]).”
No caso, como já se disse e agora se reitera, a decisão em causa não admite recurso – é o que resulta da lei.
E não há mais que dizer a este respeito.
Nestes termos, examinado o recurso em conferência, não pode deixar de concluir-se que inexiste razão para infletir o sentido da decisão sumária proferida pela relatora, devendo o recurso ser rejeitado, por ser irrecorrível a decisão aqui impugnada.
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III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 5ª Secção, reunidos em conferência, em julgar improcedente a reclamação apresentada pelo recorrente AA e em manter o decidido pela relatora (rejeição do recurso interposto por inadmissibilidade legal), ao abrigo dos artigos 414º, nº 2, 1ª parte, 417º, nos 6, alínea b), 8 e 10, 419º, nº 3, alínea a) e 420º, nº 1, alínea b), todos do Código do Processo Penal.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (cf. artigo 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III ao mesmo anexa), a que acresce a importância já fixada na decisão sumária.
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Lisboa, 02 de dezembro de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
Rui Coelho
João Grilo Amaral
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1. E, repetimos, porque a decisão não admite recurso é que o interessado poderia ter reclamado (o tempo condicional não é aqui irrelevante), nos termos previstos no artigo 615º do Código de Processo Civil.