CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
MOTIVO JUSTIFICADO
NULIDADE DA CLÁUSULA
Sumário


O motivo justificativo, e o seu nexo de causalidade com o termo de vigência aposto no contrato de trabalho a termo certo, devem estar suficientemente concretizados no texto da respectiva cláusula, sob pena de nulidade da mesma.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
 
Apelante: EMP01..., S.A.
Apelada: AA
 
I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum laboral contra EMP01..., S.A., também nos autos melhor identificada, deduzindo o seguinte pedido:
1 – Ser decretado – e a Ré condenada a reconhecer – que o contrato de trabalho inicial celebrado com a Autora, se converteu em contrato sem termo,
2 – Ser declarado – e a Ré condenada a reconhecer – a ilicitude do despedimento da Autora e consequentemente:
a) ser a Ré condenada a reintegrar a autora no posto de trabalho e na atividade
contratada, e com a antiguidade que vinha mantendo.
Em alternativa,
a) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 7.142,40 €, a título de:
- indemnização correspondente a 60 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade e formação não ministrada;
c) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a importância correspondente ao valor das retribuições que esta deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação, até à data da sentença final que vier a ser proferida;
3 - Ser a Ré condenada a pagar à Autora os juros vincendos, à taxa legal, desde a citação da ré até efetivo e integral pagamento;
4 – Ser, ainda, a Ré condenada nas custas do processo, procuradoria e no mais de lei.”.
 
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que foi admitida ao serviço da ré em 21 de
Agosto de 2023 para desempenhar as funções de “montador Grau 10 com vista a montar peças, aparelhos ou órgão mecânicos e pequenos conjuntos, podendo eventualmente proceder a ajustamentos” mediante o pagamento da remuneração mensal de € 815, e que, na data da cessação do contrato se fixava no montante base de € 905, acrescida de subsídio de alimentação, contrato este em que se estabeleceu um termo certo de 12 meses, com início em 21.08.2023 e termo em 20.08.2024.
Mais alegou que o contrato não indica concreta e suficientemente o motivo justificativo da aposição do termo ao contrato, não faz a menção expressa dos factos que o integram estabelecendo a relação entre a justificação invocada e o tempo estipulado, motivo pelo qual deve ser considerado sem termo, o que torna ilícita a comunicação de caducidade que a ré lhe dirigiu em 31 de Julho de 2024 e através da qual pôs termo ao contrato.
Além disso, alegou que o despedimento carece do parecer prévio da CITE, porquanto, à data da cessação do contrato, a autora estava grávida, parecer esse que não foi emitido.
 
A ré - tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação - apresentou contestação, pugnando pela validade do contrato de trabalho celebrado com a autora, alegando que a sua celebração se deveu a uma necessidade transitória de mão-de-obra decorrente do arranque de produção de dois projectos que implicaram um aumento transitório do volume de trabalho da ré e uma redistribuição dos seus trabalhadores, conforme foi detalhado no contrato.
 
Prosseguindo os autos, veio a proferir-se saneador-sentença com o seguinte diapositivo:
Pelo exposto, julga-se a acção proposta pela Autora AA procedente e, em consequência:
a) Declara-se que o contrato celebrado entre a Autora e a Ré se converteu em
contrato de trabalho por tempo indeterminado;
b) Declara-se ilícito o despedimento da Autora;
c) Determina-se a reintegração da Autora na Ré “EMP01... – APARELHOS ÓPTICOS
DE PRECISÃO, S.A.”, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; [a autora veio previamente declarar a sua opção pela reintegração]
d) Condena-se a Ré “EMP01..., S.A.” a pagar à Autora as retribuições devidas entre 21.09.2024 e a data do trânsito em julgado da presente decisão, delas se deduzindo a quantia de € 724 paga pela Ré à Autora, a título de compensação pela caducidade do contrato, assim como as quantias que se venha a comprovar a Autora tenha recebido, nesse período, a título de subsídio de desemprego [incumbindo neste caso à Ré entregar essa quantia à Segurança Social, em conformidade com o estabelecido na al. c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código de Trabalho], acrescidas de juros de mora, à taxa legal, que se vencerem após a sua liquidação. Custas pela Ré.”
 
Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“A. O presente recurso tem como objeto o saneador-sentença proferido pelo Tribunal a quo.
B. Quanto a essa decisão, recurso restringe-se à parte em que o Tribunal a quo declarou que a Autora, aqui Recorrida, foi despedida ilicitamente, determinando a sua reintegração na Ré, aqui Recorrente, e o pagamento por esta àquela das «retribuições que deixou de auferir desde 21.09/2024 até à data do trânsito em julgado desta decisão», na sequência de ter considerado nulo o termo do contrato de trabalho cuja execução teve início em 21.08.2023 e terminou em 20.08.2024 e perante a comunicação de caducidade desse contrato por parte da Recorrente.
C. O presente recurso de apelação é, assim, interposto ao abrigo dos arts. 79.º-A, n.º 1, alínea a) e 80.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, com efeito suspensivo, requerendo a Recorrente para o efeito a prestação de caução por meio de depósito na Banco 1... (art. 83.º, n.º 2 do CPT).

Ora,
D. Com o devido respeito, no caso sub judice não era admissível a decisão através de saneador-sentença.
E. Com efeito, o Tribunal a quo não tinha ainda ao seu dispor os elementos necessários para proferir saneador-sentença, nem a simplicidade da causa o permitia (art.º 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, o art.º 61.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho), dado que a apreciação da validade do termo do contrato de trabalho só poderia ter sido feita após a produção de prova dos factos que justificaram a celebração do contrato a termo e constantes do seu clausulado e do alegado na contestação da aqui Recorrente, sobre a qual recai o ónus da prova.
F. Desse modo, por não se verificar o pressuposto/requisito da admissibilidade do conhecimento do mérito da causa enunciado no art.º 61.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, deve ser anulada a decisão recorrida e, em conformidade, deve ser ordenado o
prosseguimento do processo.

Sem prescindir,
Caso se entenda ser admissível saneador-sentença,
Quanto à validade do termo aposto no contrato de trabalho,
G. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a cláusula justificativa do termo aposto no contrato de trabalho cumpre o requisito formal previsto no art.º 141.º, n.º 1, e) e n.º 3 do Código do Trabalho.

Senão vejamos,
H. Para essa análise tenhamos, então, em conta o Facto Provado A, e que reproduz, no que para o caso sub judice releva, o contrato de trabalho celebrado entre a ora Ré e a ora Autora (cfr. as pp. 5 a 11 da sentença).
I. Para o cumprimento daquele requisito formal, e por apelo ao propósito da sua previsão (verificação externa do motivo justificativo), os nossos tribunais têm decidido que não se impõe um tal rigorismo, em que o empregador tenha de escrever e descrever o motivo explicativo com o máximo detalhe ou pormenor, com uma explicação ao nível de um documento técnico elaborado, devendo, ao invés, ser seguida uma interpretação normal a um qualquer declaratário, em que esse motivo seja suficientemente definido e percetível pelas partes e pelo trabalhador.
J. Resulta, de forma concreta, precisa e detalhada, do contrato de trabalho a termo celebrado entre as Partes (cfr. o Facto provado A), que a contratação da Recorrida se deveu ao facto de a Recorrente ter tido uma necessidade transitória de mão-de-obra decorrente do arranque de produção de dois projetos inovadores, no caso, Silbermowe e Boris, de natureza complexa, quer de um ponto de vista da sua conceção, quer do ponto de vista da sua produção
(com uma “curva de aprendizagem” na fase inicial), que dizem respeito a produtos com caraterísticas específicas, e que:
▪ Implicaram um aumento transitório do volume de trabalho da Recorrente e,
▪ Uma redistribuição dos seus trabalhadores – designadamente daqueles com maior nível de experiência – pelos diversos setores e projetos, tendo havido necessidade, por essa circunstância, de recorrer a mão-de-obra externa para reforçar a generalidade das equipas da Recorrente.
K. Nessa medida, tendo em consideração o critério interpretativo que aqui se deve aplicar e com base no explicado no Contrato, ao ser dito que o motivo justificativo respeita a projetos inovadores, com caraterísticas específicas, tal corresponde à evidência de uma situação de natureza anómala, ocasional, não habitual. Nem face aos mesmos (critério interpretativo e o descrito no Contrato) é exigível a quantificação que o Tribunal a quo exemplifica.
L. É, igualmente, estabelecida no contrato de trabalho em causa a relação entre o
motivo justificativo e o termo estipulado, ali estando explicado ser esse o prazo que a Recorrente previa que a curva de aprendizagem terminasse e que, por isso, aí seria feita a avaliação do nível e qualidade da produção.
M. Deste modo, o teor do contrato (cfr. o Facto provado A) permite que o Tribunal proceda à respetiva verificação externa e, perante o mesmo, a Recorrida não poderia deixar de entender, como qualquer destinatário normal colocado na posição do real destinatário, que foi contratada para satisfazer necessidades temporárias da Recorrente e pelo período estritamente necessário para a satisfação dessa necessidade, conforme é concretamente referido no contrato de trabalho (cfr. arts. 140.º e 141.º do Código do Trabalho).
N. Assim, com a conclusão dos projetos referidos acima, deixou de existir a necessidade temporária que motivou a contratação da aqui Recorrida, pelo que a aqui Recorrente se viu forçada a comunicar a caducidade do contrato de trabalho a termo.
O. Nessa medida, sendo lícita a contratação a termo da Recorrida, a comunicação da caducidade do contrato remetido pela Recorrente a fazer cessar o contrato de trabalho, tendo sido feita tempestivamente, nos termos do art.º 344.º, n.º 1 do Código do Trabalho, é, igualmente, lícita, não se verificando nenhum dos peticionados efeitos da ilicitude de despedimento, previstos nos arts. 389.º e seguintes do Código do Trabalho.

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, assim:
1) Deve ser anulada a decisão recorrida por não se verificar o pressuposto/requisito da admissibilidade do conhecimento do mérito da causa enunciado no art.º 61.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, ordenando-se, em conformidade, o prosseguimento do processo.

Sem prescindir,
Caso se entenda ser admissível saneador-sentença,
2) Deve ser considerado válida a indicação do motivo justificativo, ordenando-se, em conformidade, o prosseguimento do processo para prova da veracidade desse motivo, e, consequentemente, para que seja reconhecida a licitude da cessação desse contrato de trabalho.
Mais deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso de apelação, requerendo a Recorrente a prestação de caução por meio de depósito na Banco 1..., devendo ser ordenada a sua notificação para a prestação da caução pelo valor que vier a ser fixado por V. Exa. (arts. 83.º, n.º 2 e 4 e 5 do CPT).” A recorrida não apresentou contra-alegações.
 
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
 
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, foi o processo submetido à conferência para julgamento. 
 
II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
- Insuficiência de elementos para proferir decisão de mérito em saneador - sentença;  - Nulidade do termo aposto no contrato de trabalho denominado a termo certo.
 
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que constam da decisão recorrida como provados são os seguintes:
“A. Por acordo escrito datado de 21 de Agosto de 2023 (junto aos autos com a petição inicial sob o documento n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), celebrado entre a Autora AA, como Segunda Contraente, e a Ré, como
Primeira Contraente foi celebrado o seguinte contrato, denominado “contrato de trabalho a termo certo”: 
A) A Primeira Contraente é uma empresa que se dedica ao fabrico e comercialização de aparelhos óticos, designadamente câmaras fotográficas, assessórios de câmaras fotográficas, miras telescópicas, binóculos e outros aparelhos óticos,  
B) Para o desenvolvimento da sua atividade, a EMP01... conta com uma unidade produtiva onde os produtos são fabricados, para posterior comercialização;  
C) Atualmente a Primeira contratante deu início a dois projetos inovadores de produção de monóculos: os projetos Silbermowe e Boris;  
D) O Projeto Silbermowe consiste no desenvolvimento dos novos modelos Geovid Pro, na área de Sport Optics. Os novos Geovid Pro são um re-design e elevação do antecessor modelo, totalmente idealizado e desenvolvido em Portugal. Em todas as grandes características do equipamento destaca-se: a calculadora balística premium, tanto na app
EMP01... ..., como no binóculo, a precisão e rapidez do laser rangefinding até 2950m, a ótica de alta-definição para uma luminosidade de imagem ótima e elevado contraste, a conectividade com: Applied Ballistics@, Kestrel 5700, localizador GPS e Garmin tactix Delta.  
E) O Projeto Boris consiste no desenvolvimento de um monóculo compacto (CRF R/Rangemaster CRF R) destinado à caça, que está a ser concebido de forma a permitir medir alvos com uma enorme precisão, com um display com controlo automático de brilho, destinado a originar imagens excecionalmente claras e nítidas, garantindo uma leitura simples e confiável da distância medida e dos valores de saída balística. Este produto tem como principal objetivo proporcionar funcionalidades e características únicas e, por outro aldo, uma grande rentabilidade para a EMP01....  
F) Estes projetos de produção são de natureza complexa, quer de um ponto de vista da sua conceção, quer do ponto de vista da sua produção, sendo que os mesmos são de extrema importância para a Primeira Contraente, já que um bom desempenho na produção dos respetivos produtos poderá abrir novos mercados para a empresa, designadamente na área da caça.  
G) As componentes destes novos produtos têm, conforme referido anteriormente, características próprias e inovadoras, designadamente de um ponto de vista técnico.  
H) Quando se dá início à produção de novos produtos com características específicas, existe um conjunto alargado de trabalhos de preparação da produção, bem como de fase inicial de produção, seja para a criação, em si mesma, do produto, seja para a criação de determinados moldes e calibração de maquinaria destinada às componentes específicas, seja, ainda, para formação dos trabalhadores afetos a tais projetos.  
l) A esta fase de preparação da produção segue-se a fase inicial da produção propriamente dita do produto, durante a qual são efetuados ensaios experimentais e testes de qualidade, de forma massiva e periódica, já que está em causa a produção de um produto com características inovadoras, motivo pelo qual (i) a margem de erro é muitíssimo maior e (ii) existe uma inevitável inexperiência dos trabalhadores destacados para a produção desses novos produtos.  
J) Em resultado do indicado nos Considerandos anteriores, nesta fase inicial de produção destes novos produtos — isto é, o projeto Silbermowe e o projeto Boris — tanto quanto a EMP01... pode estimar, a produtividade associada será muito inferior àquela em que se verifica após algum tempo de produção.  
K) Existe uma "curva de aprendizagem" que se verifica nesta fase inicial, em que para produzir o mesmo número de componentes do produto (muitas das quais são inicialmente produzidas com defeito e não podem, por isso, ser aproveitados), tem de se ter mais horas de trabalho e, consequentemente, mais gente a trabalhar;  
L) No arranque destes projetos é expectável que o quadro de pessoal necessário para a produção do mesmo número de produtos, bem como o número de horas de produção necessárias para esse efeito, seja muito superior àquele que será necessário logo que esteja concluída a "curva de aprendizagem";  
M) Finda a referida "curva de aprendizagem", a produção estabiliza, levando a que deixem de ser necessárias tantas horas de produção e, consequentemente, tantos trabalhadores, como na fase de arranque de produção;  
N) Por forma a minimizar o impacto destes projetos na produção dita "normal" (habitual) da Primeira Contraente, a empresa tem de redistribuir internamente os seus trabalhadores com mais experiência pelos diversos projetos, para assim conseguir, pelo menos nesta primeira fase de arranque dos mesmos, conseguir dar resposta a estes últimos e garantir prazos, volumes e níveis de qualidade acordados com os clientes;  
O) Em face do previsto nos Considerandos anteriores, a Primeira Contraente terá de reforçar transitoriamente o seu quadro de pessoal, aumentando-o na medida do necessário para a preparação e arranque de produção dos produtos associados aos projetos Silbermowe e Boris, bem como em face da necessidade de redistribuir os seus trabalhadores pelos vários projetos e substituir estes últimos no seu trabalho diário e normal.  
P) Apenas quando estes projetos de produção atingirem o seu nível máximo de produção — ou seja, com as linhas de produção a funcionar em pleno —é que se consolidará o know-how necessário para a produção das componentes destes produtos e será possível introduzir os ajustes e afinamentos finais nas linhas de produção, maquinaria e moldes usados, começando então a cair as percentagens de defeito normalmente existentes na fase inicial de produção de um novo produto e, consequentemente, os níveis de produtividade e qualidade do produto final a aumentar, o que implica a descida da "curva de aprendizagem" e, assim, a necessidade de menos horas de produção (e menos trabalhadores a trabalhar) para a produção do mesmo número de componentes.  
Q) Em face do disposto nos Considerandos anteriores, a Primeira Contraente tem necessidade de reforçar transitoriamente o seu quadro de pessoal para o arranque de produção destes novos projetos de produção e consequente redistribuição de trabalhadores que terá de fazer ao nível da produção, de forma a manter os níveis de experiência e knowhow adequados em todos os setores.  
R) Logo que estes novos projetos em arranque de produção terminem as suas respetivas "curvas de aprendizagem" ou na eventualidade de os mesmos virem a ser cancelados ou descontinuados, a Primeira Contraente deixará de necessitar do reforço de mão-de-obra que justifica a presente contratação.  
S) É impossível para a Primeira Contraente determinar com exatidão quanto é que as "curvas de aprendizagem" associadas ao arranque de produção destes novos projetos vão terminar, ou se os mesmos acabarão por ser descontinuados.  
T) Tanto quanto a Primeira Contraente consegue estimar, prevê-se que esta "curva de aprendizagem" termine no prazo de 12 meses, altura em que espera ter conseguido estabilizar a produção associada a estes novos produtos.  
U) A Primeira Contraente efetuará uma avaliação ao final de 12 meses do nível e qualidade da produção, bem como da mão-de-obra aos mesmos afeta, de forma a poder analisar se se justifica a manutenção do serviço do(a) Segundo(a) Contraente.  
V) As Partes expressamente consignam que a Segunda Contraente detém as aptidões necessárias para desempenhar as funções para as quais é contratada.  
W )As Partes reconhecem a veracidade de tudo quanto vem referido nos Considerandos anteriores,  
É celebrado livremente e de boa-fé o presente contrato de trabalho a termo certo (o
“Contrato”), o qual se regerá pelo disposto nas Cláusulas seguintes:  
CLÁUSULA PRIMEIRA  
(Atividade)  
1. A Segunda Contraente é admitida, na presente data, ao serviço da Primeira
Contraente para nela exercer, sob a sua autoridade e direção e de modo remunerado, as funções inerentes à categoria profissional de Montador Grau 10, na Secção da Montagem da Primeira Contraente, com vista a monta peças, aparelhos ou órgãos mecânicos e pequenos conjuntos, podendo eventualmente proceder a ajustamentos, respeitando as normas de segurança, higiene e saúde no trabalho e de proteção do ambiente, , designadamente as que se enquadrem no âmbito da mesma carreira ou grupo profissional, bem como as tarefas com estas conexas ou relacionadas, designadamente as que se enquadrem no âmbito da mesma carreira ou grupo profissional.  
(…) 
CLÁUSULA SEGUNDA  
(Período normal de trabalho e Horário de trabalho)  
1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o período normal de trabalho da Segunda Contraente será de 8 horas diárias e 40 horas semanais, prestando a Segunda Contraente a sua atividade dentro do horário de trabalho fixado pela Primeira Contraente, nos termos do disposto no artigo 212.º do Código do Trabalho.  
(…) 
CLÁUSULA TERCEIRA  
(Retribuição)  
1. À Segunda Contraente será paga a remuneração base mensal ilíquida de € 815,00 (oitocentos e quinze euros).  
2. A Segunda Contraente auferirá ainda um subsídio de alimentação diário, por cada dia de prestação efetiva de trabalho, no valor ilíquido de € 6,50 (…), a ser pago através de cartão refeição.  
(…) 
CLÁUSULA QUARTA  
(Local de trabalho)  
1. A Segunda Contraente terá como local de trabalho as instalações da Primeira Contraente, sitas na Rua ..., ..., ..., ....  
(…) 
CLÁUSULA OITAVA  
(Termo e justificação)  
1. Nos termos do disposto na alínea e) do n. º 1 e do n.º 3, ambos do artigo 141.º do Código do Trabalho, consigna-se que o presente contrato de trabalho é celebrado a termo certo ao abrigo da alínea f), g) e h) do n.º 2, do artigo 140.º do mesmo Código, na medida em que, tal como melhor descrito nos Considerandos do presente contrato — cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - a Primeira Contraente necessita de fazer face a uma necessidade transitória de mão-de-obra decorrente do arranque de produção dos projetos Silbermowe e Boris (melhor explanados nos Considerandos supra), que, além do aumento do transitório do volume de trabalho, implicará igualmente a redistribuição dos seus trabalhadores — designadamente daqueles com maior nível de experiência — pelos diversos setores e projetos, havendo assim a necessidade de recorrer a mão-de-obra externa para reforçar a generalidade das equipas da Primeira Contraente.  
1 .1 Para efeitos do disposto na alínea anterior, as Partes Reconhecem que:  
(a) O arranque de produção dos novos produtos associados aos projetos Silbermowe e Boris implica um acréscimo excecional e temporário de mão-de-obra necessária para fazer face à "curva de aprendizagem" associada, em que para a produção do mesmo número de produtos são inicialmente necessárias mais horas de produção e mais trabalhadores ao serviço, uma vez que até que a termine a "curva de aprendizagem" a produtividade associada é mais baixa e a quantidade de produtos com defeito é superior, sendo necessárias mais horas de produção no arranque do projeto para, com uma produção em pleno, ser consolidado o knowhow pelos trabalhadores e calibradas as máquinas, moldes e ferramentas da produção para diminuir a quantidade de produtos com defeito e estabilizar os níveis de qualidade daquelas.  
(b) Dado que estes projetos estão numa fase de arranque e, por conseguinte, ainda não é possível avaliar a qualidade dos produtos associados, a Primeira Contraente não consegue saber se os mesmos terão viabilidade. Por outro lado, a continuidade dos mesmos está dependente da sua aceitação pelo mercado, mormente na caça, o que é, no presente momento, incerto, não sendo, por isso, possível assegurar a permanência dos mesmos.  
1 .2 As Partes consignam que a Primeira Contraente efetuará uma avaliação ao final de 12 meses do nível e qualidade da produção, bem como da mão-de-obra aos mesmos afeta, de forma a poder analisar se se justifica a manutenção do serviço da Segunda Contraente.  
2. Em resultado do disposto nos números anteriores, e nos termos do n.º 3 do artigo 141º do Código do Trabalho, o presente Contrato é celebrado pelo prazo de 12 (doze) meses, com início em 21 de Agosto de 2023 e termo a 20 de Agosto de 2024, o qual se prevê, neste momento, ser o suficiente e necessário à satisfação das necessidades transitórias e excecionais da Primeira Contraente.  
3. O presente contrato caducará no termo do prazo se a Primeira Contraente comunicar à Segunda Contraente, até 15 dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o fazer cessar.  
4. O presente contrato caducará igualmente no termo do prazo se a Segunda Contraente comunicar à Primeira Contraente, até 8 dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o fazer cessar.(…)”. 

B. Por carta datada de 31 de Julho de 2024, a Ré comunicou à Autor o seguinte:
ASSUNTO: Cessação do contrato de trabalho  
Ex.ma Senhora, 
Expira no dia 20 (vinte) do mês de agosto de 2024 o prazo do contrato de trabalho a termo certo que a EMP01..., S.A. consigo celebrou em 21 (vinte e um) de agosto de 2023, não se mostrando possível a sua continuação ao serviço desta empresa, o que desde logo lamentamos.  
Em consequência comunicamos-lhe a decisão de fazer cessar o contrato no seu termo, operando a caducidade prevista no art. 344.º, n.º 1, do código do trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.”. C. Em Agosto de 2024, a remuneração base mensal fixava-se em € 905. 
D. Em Agosto de 2024, a Ré pagou à Autora a quantia de € 724 referente a
compensação por caducidade do contrato”.”
 
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da insuficiência de elementos para proferir decisão de mérito em saneador – sentença
Comecemos por dizer que nos termos do art. 62.º/1 do CPT, só deve realizar-se audiência prévia “quando a complexidade da causa o justifique”.
E no caso concorda-se que a causa não encerra uma complexidade elevada, não se justificando a marcação de audiência prévia.
Com efeito, nem a extensão nem a densidade da causa de pedir ou da defesa que lhe foi oposta são de molde a dificultar a apreensão das questões de facto e de direito a analisar e sobre as quais o julgador tem de tomar posição.
Por outro lado, “a apreciação da validade do termo do contrato de trabalho só poderia ter sido feita após a produção de prova dos factos que justificaram a celebração do contrato a termo e constantes do seu clausulado e do alegado na contestação da aqui
Recorrente”, como esta pretende (e sendo certo que, como diz, sobre si recai o ónus da prova), caso se congeminasse como viável, plausível, que atenta a justificação para a aposição do termo constante do contrato fosse, a provar-se, (materialmente) idónea ao preenchimento desse requisito (justificação da aposição do termo). 
É que nos termos do art. 141.º/1 al. e) do CT, “O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter: e) Indicação do termo estipulado, ou da duração previsível do contrato, e do respetivo motivo justificativo, consoante se trate, respetivamente, de contrato a termo certo ou incerto;” e, conforme resulta do seu n.º 3, “3 - Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.”, sendo ademais pacífico que a indicação dos motivos justificativos da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam.
A operação de controlo da validade formal dos termos apostos nos contratos e renovações afere-se unicamente com base nos documentos escritos, daí a desnecessidade de produção de prova em audiência de julgamento.
Ora, o que o Tribunal recorrido entendeu – sem que, até pelo que infra irá adiantar-se, a nosso ver mereça censura – é que (independentemente da sua veracidade) a justificação aposta no contrato de trabalho não é idónea ao pretendido desiderato, de justificar a aposição do termo.
Daí que, nos termos do art. 595.º/1 al. b) do CPC (ex vi do art. 1.º/2 al. a) do CPT) podia o Tribunal recorrido avançar, como fez, para a prolação de saneador sentença e conhecer do mérito da causa.[1] 
 
- Da nulidade do termo aposto no contrato de trabalho denominado a termo certo:
Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
“Comecemos, então, por apurar a validade do termo aposto no contrato ora em causa. 
Conforme decorre do artigo 140.º, n.º 1 do Código do Trabalho, os contratos a termo revestem natureza excepcional, só podendo ser celebrados para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. 
Tratam-se de contratos que têm de ser reduzidos a escrito e, sendo a termo certo, têm de indicar o termo e os motivos justificativos do mesmo, com recurso à menção expressa aos factos que o integram, devendo estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (cfr. artigo 141.º, n.º 1 alínea e) e n.º 3 do Código do Trabalho). 
Tal indicação só é, portanto, válida se o motivo estiver concretizado, sendo que a utilização de fórmulas genéricas e abstractas, susceptíveis de enquadrar diversas situações concretas não satisfazem a exigência legal. 
Temos, assim, como pressuposto da validade dos contratos a termo, no que ao termo concerne que, para além de fundar numa “necessidade temporária da empresa”: 
» o motivo justificativo do termo se mostre concretizado em factos, e 
» que se estabeleça a relação entre essa justificação invocada e o termo estipulado. 
Como refere António Monteiro Fernandes «(..) o art.º 141.º/3 CT exige a “menção expressa dos factos”
que integram o motivo, “devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”.
Assim, não basta referir-se um “acréscimo temporário de actividade”, é exigido que se concretize esse tipo de actividade em que se verifica a intensificação e a causa desta. É necessário, em suma, que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art.º 140.º; e a realidade e a adequação da própria justificação face à duração estipulada para o contrato» (cfr.
Direito do Trabalho”, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 319). 
Só assim se poderá fazer o controlo externo da legalidade do termo aposto. 
Como vem sendo entendido de forma uniforme na jurisprudência, a indicação dos factos concretos e circunstâncias integradoras do motivo justificativo da celebração de um contrato a termo constitui formalidade "ad substantiam", que não pode ser suprida por qualquer outro meio de prova, que não seja a do próprio documento, onde foi exarado o contrato inicial, sendo, portanto, irrelevante que, posteriormente, sejam alegados ou provados factos susceptíveis de colmatar a insuficiência da formulação do contrato (neste sentido, cfr., a título meramente exemplificativo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 206, disponível em www.dgsi.pt). 
O ónus da prova dos factos que justificam a celebração do contrato a termo cabe ao empregador (cfr. artigo 140.º, n.º 5 do Código do Trabalho). 
Por sua vez, o artigo 147.º, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho estabelece que se considera sem termo o contrato de trabalho em que “se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo”
2. No caso em apreço, quanto ao motivo justificativo da aposição do termo, a primeira questão que se coloca é a de saber se do documento assinado pelas partes consta a justificação para o termo que foi aposto. 
Ora, da simples leitura da cláusula justificativa do termo aposto no contrato em causa nos presentes autos– cláusula 8.ª dos contratos que se deram como assentes nos factos provados - “1. Nos termos do disposto na alínea e) do n. º 1 e do n.º 3, ambos do artigo 141.º do Código do Trabalho, consigna-se que o presente contrato de trabalho é celebrado a termo certo ao abrigo da alínea f), g) e h) do n.º 2, do artigo 140.º do mesmo Código, na medida em que, tal como melhor descrito nos Considerandos do presente contrato — cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - a Primeira Contraente necessita de fazer face a uma necessidade transitória de mão-de-obra decorrente do arranque de produção dos projetos Silbermowe e Boris (melhor explanados nos Considerandos supra), que, além do aumento do transitório do volume de trabalho, implicará igualmente a redistribuição dos seus trabalhadores — designadamente daqueles com maior nível de experiência — pelos diversos setores e projetos, havendo assim a necessidade de recorrer a mão-deobra externa para reforçar a generalidade das equipas da PrimeiraContraente.  
1 .1 Para efeitos do disposto na alínea anterior, as Partes Reconhecem que: 
(…)
Salvo o devido respeito, a “necessidade transitória de mão-de-obra decorrente do arranque de produção dos projetos Silbermowe e Boris” que implicará “aumento do transitório do volume de trabalho” e “a redistribuição dos seus trabalhadores — designadamente daqueles com maior nível de experiência — pelos diversos setores e projetos, havendo assim a necessidade de recorrer a mão-de-obra externa para reforçar a generalidade das equipas” é manifestamente insuficiente para justificar a necessidade de recurso à contratação da Autora. 
Por outro lado, é igualmente, manifestamente insuficiente, dizer-se que “nesta fase inicial de produção destes novos produtos — isto é, o projeto Silbermowe e o projeto Boris — tanto quanto a EMP01... pode estimar, a produtividade associada será muito inferior àquela em que se verifica após algum tempo de produção.
K) Existe uma "curva de aprendizagem" que se verifica nesta fase inicial, em que para produzir o mesmo número de componentes do produto (muitas das quais são inicialmente produzidas com defeito e não podem, por isso, ser aproveitados), tem de se ter mais horas de trabalho e, consequentemente, mais gente a trabalhar;  
L) No arranque destes projetos é expectável que o quadro de pessoal necessário para a produção do mesmo número de produtos, bem como o número de horas de produção necessárias para esse efeito, seja muito superior àquele que será necessário logo que esteja concluída a "curva de aprendizagem";  
M) Finda a referida "curva de aprendizagem", a produção estabiliza, levando a que deixem de ser necessárias tantas horas de produção e, consequentemente, tantos trabalhadores, como na fase de arranque de produção;  
N) Por forma a minimizar o impacto destes projetos na produção dita "normal" (habitual) da Primeira Contraente, a empresa tem de redistribuir internamente os seus trabalhadores com mais experiência pelos diversos projetos, para assim conseguir, pelo menos nesta primeira fase de arranque dos mesmos, conseguir dar resposta a estes últimos e garantir prazos, volumes e níveis de qualidade acordados com os clientes”
Tal cláusula e considerandos não esclarece(m) desde logo em que medida a situação descrita se traduz numa situação de carácter anómalo, não previsível e de natureza temporária, esde logo porquanto não é dito qual o nível de actividade normal da empresa. 
Com efeito, como escreve Joana Nunes Vicente (in “Direito do Trabalho – Relação Individual”, Almedina, 2.ª edição revista e actualizada, pág. 554) “[à] partida, para determinar se um acréscimo reveste carácter excepcional, é necessário determinar qual é o nível de actividade normal da empresa. Só poderemos falar de um acréscimo excepcional se o pico de actividade contrastar com esse nível normal, isto é, se houver uma diferença entre o nível de actividade excepcional e a actividade normal. Por outro lado, o acréscimo tem que revestir natureza temporária. Essa avaliação terá de ser feita com base nos dados disponíveis no momento da celebração do contrato.”.  
E, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.02.2022 (processo
2641/20.0T8BTG.G1), disponível em www.dgsi.pt «O “acréscimo excepcional da actividade da empresa” tem em vista flutuações quantitativas de caracter anómalo, portanto não previsíveis, mas sempre de natureza temporária. Só poderemos falar neste acréscimo excecional se o pico contrastar com o nível normal de atividade e se for temporário – Joana Nunes Vicente, “Modalidades de Contrato de Trabalho”, in Direito do Trabalho, João Leal Amado e outros, Direito do Trabalho, 2019, Almedina, p. 372 e 373.  
O acréscimo da actividade tem de ser “excepcional”. A excepção, por definição, opõe-se à regra. Estão assim excluídos os simples aumentos de procura conaturais a uma actividade comercial que nunca é garantida, nem certa, fazendo “o risco parte do negócio”. Terá de ser um aumento de dimensões muito acima do nível habitual de produção – Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de direito do Trabalho, Parte IV, Contratos e Regimes Especiais, 2019, Almedina, p. 80 e 81.  

Assim, as flutuações de volume de serviço inerentes ao negócio não constituem, por si só, justificativas de recurso a contratação a termo, por falta do requisito geral “necessidade transitória”- Ac. STJ de 14-032007, RG de 28-05-2015, p. 337/122.6TTVCT.G1, www.dgsi.»
Também não se esclarece qual e em que medida a(s) tarefa(s) em causa é(são) ocasional(is) ou não duradoura(s), não esclarecendo qual e porque é que se trata de “tarefa ocasional ou serviço determinado”, e como se afasta da actividade habitual da empresa.
Na execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado prevista na alínea g) está em causa a própria actividade que reveste peculiaridades face ao trabalho habitualmente desenvolvida. “Atendendo a que a norma em apreço alude simultaneamente a tarefa ocasional e serviço determinado, a jurisprudência tem distinguido as duas situações, identificando a primeira com um serviço que se afasta da actividade habitual da empresa, isto é, tarefas que não concorrendo directamente para o fim da empresa, contribuem para a sua prossecução de forma acessória, sendo por isso autónomas e complementares relativamente à actividade propriamente dita; e reconduzindo o serviço determinado àquele que, integrando a actividade da empresa, está individualmente determinado. (…) julga-se, para se poder falar de um serviço determinado e não duradouro, o serviço em questão terá de revestir traços de autonomia em relação à actividade dita normal da empresa, pois essa é a característica chave que deve ser rida em conta na mobilização deste fundamento” (Cfr. Joana Nunes Vicente, in ob. cit., pág. 554-555). 
Ora, no caso em apreço, a referência no termo “ao acréscimo excepcional e temporário da mão de obra” reporta-se a ao arranque de produção de dois projectos, para fazer face à produção de um número de produtos que inicialmente necessitaram de mais horas de produção e mais trabalhadores e até que termine a “curva de aprendizagem”, sendo que a produtividade é mais baixa, a qualidade de produtos com defeito superior e são necessárias mais horas de produção no arranque do projecto. Sucede que não são concretizados, nem quantificados os “novos” produtos, não são quantificadas as horas de produção a mais, quantos trabalhadores são necessários destacar para a produção desses novos produtos, quais os trabalhadores que serão destacados... Ou seja, todas as justificações constantes da cláusula e considerandos são genéricas e imprecisas. 
Por outro lado, ainda, e, decisivamente, inexiste qualquer relação entre o motivo e o termo certo estipulado. 
De facto, no contrato, a referência que é feita ao termo é simplesmente aquele que consta no
considerando T) e U), e na cláusula 8.ª do contrato: “T) Tanto quanto a Primeira Contraente consegue estimar, prevê-se que esta "curva de aprendizagem" termine no prazo de 12 meses, altura em que espera ter conseguido estabilizar a produção associada a estes novos produtos.  
U) A Primeira Contraente efetuará uma avaliação ao final de 12 meses do nível e qualidade da produção, bem como da mão-de-obra aos mesmos afeta, de forma a poder analisar se se justifica a manutenção do serviço do(a) Segundo(a) Contraente.”  
“2. Em resultado do disposto nos números anteriores, e nos termos do n.º 3 do artigo 141º do Código do Trabalho, o presente Contrato é celebrado pelo prazo de 12 (doze) meses, com início em 21 de Agosto de 2023 e termo a 20 de Agosto de 2024, o qual se prevê, neste momento, ser o suficiente e necessário à satisfação das necessidades transitórias e excecionais da Primeira Contraente.”  
Faz-se, pois, referência, nos Considerandos, a uma futura avaliação ao final de 12 meses. Sucede que, na verdade, lida a cláusula e os considerandos fica-se sem saber o porquê dos 12 meses e não de se ter fixado 3,
6 ou 8 meses ou mesmo um termo incerto… 
O facto de a Ré dizer que prevê que esse prazo de 12 meses será suficiente e necessário à satisfação das necessidades transitórias e excepcionais da Ré e que, no final desses 12 meses, será efectuada uma avaliação de forma a avaliar a manutenção da necessidade de contratação não cumpre os requisitos legais, desde logo porque aquela explicação não contém qualquer facto que permita o controlo judicial da necessidade daquele prazo fixado que é, o que afinal, a norma prevista no artigo 141º, nº 3 pretende assegurar. 
De nenhuma outra cláusula do contrato se extrai que o prazo fixado foi estabelecido por forma a fazer o termo coincidir com qualquer situação pela Ré previamente estabelecida que lhe tenha permitido fixar aquele concreto termo. 
Conclui-se, das referidas cláusulas que ficamos sem saber porque careceu a Ré de contratar a Autora durante aquele período, sendo que a importância de tal conhecimento reporta-se ao facto de ser possível ao trabalhador, no caso a Autora, e em última análise ao tribunal, sindicar o seu acerto e veracidade. 
A lei é clara ao exigir a menção no contrato de factos concretos que justifiquem a celebração de um contrato a termo. 
A necessidade da referência concreta dos factos justificativos da contratação a termo não se prende apenas com a restrição legal desse tipo de contratação, mas, como se disse, também com a necessidade de permitir a verificação desses factos – é necessário que do contrato se possa deduzir em concreto quais os motivos que estão na base da justificação invocada, de modo a poderem os mesmos ser sindicados pelo trabalhador e, em última instância, pelo tribunal. Ora, perante o contrato celebrado (e só este interessa, sendo irrelevante os factos alegados pela Ré em sede de contestação) não pode a Autora – nem o tribunal - compreender as razões que determinaram a contratação concreta da Autora, razão pela qual se conclui, sem necessidade de mais considerações, pela nulidade do termo aposto nos contrato ora em causa. 

Face ao exposto, conclui-se que, no contrato em apreço não foi cumprido o artigo 141.º, n.º 3 do Código do Trabalho, o que faz a situação cair no âmbito de aplicação do artigo 147.º, n.º 1, alínea c) do mesmo diploma e, consequentemente, a procedência do primeiro dos pedidos deduzido pela Autora, considerando-se que o contrato celebrado é um contrato sem termo.
 
A fundamentação é exaustiva e tem-se por inteiramente correcta, não suscitando a alegação da recorrente a necessidade de novas abordagens ou sequer a necessidade de quaisquer complementos.
Resta-nos, pois, confirmar o entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido, adiantando algo mais a propósito apenas para sublinhar o acerto da posição.
 
Assim, o artigo 140.º do CT estabelece:
Admissibilidade de contrato de trabalho a termo resolutivo
1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.
2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:
a) Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre
temporariamente impedido de trabalhar;
b) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude de despedimento;
c) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em situação de licença sem retribuição;
d) Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por
período determinado;
e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima;
f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;
g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e
não duradouro;
h) Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, só pode ser celebrado contrato de trabalho a termo incerto em situação referida em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h) do número anterior.
4 - Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para:
a) Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 250 trabalhadores, nos dois anos posteriores a qualquer um desses factos;
b) Contratação de trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração.
5 - Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.
6 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto em qualquer dos n.os 1 a 4.” (realce nosso)
 
Resulta claro da lei – em cumprimento, aliás, de um princípio constitucional, inscrito no art. 53.º da CRP -, pois, que a contratação a termo constitui uma excepção ao carácter tendencialmente duradouro do contrato de trabalho.
Ancorados num acórdão desta Relação, “Relembramos o carácter excepcional da contratação a termo e a imperatividade do seu regime que, de todo, não pode ser afastado por vontade das partes e que apenas em aspectos restritos o pode ser por instrumento de regulamentação colectiva -139º CT.  A opção do legislador visa a estabilidade e segurança no emprego, princípios que gozam de protecção constitucional e internacional. A contratação a termo significa precaridade laboral que, por atentar contra tais valores, só se justificará em estritos casos de necessidades temporárias - 53º CRP, Convenção nº 156 da OIT e Directiva 1999/70/CE do Conselho de 28/60/1999. Numa outra vertente, a contratação a termo, fora do circunstancialismo que a justifica, ao permitir o fim do contrato sem invocação de causa, colide com a proibição do despedimento que requer um motivo válido para a cessação do contrato.
 
Ora, não obstante a validade da motivação não dever ser apreciada em termos rigoristas mas com “razoabilidade e sensatez”[2], no caso em apreço a justificação apresentada é, apesar de prolixa, tão vaga e genérica que não permite identificar qualquer actividade temporária, concretizada seja num “acréscimo excepcional de actividade”, seja num “serviço precisamente definido e não duradouro” ou seja num projecto(s) definidos  - como pretende a recorrente - que eventualmente permitisse justificar a contratação da autora a termo certo, não podendo, salvo o devido respeito, a recorrente apelar às «normais» vicissitudes da actividade da empresa, como o facto de os novos trabalhadores necessitarem de uma fase de aprendizagem/adaptação ao trabalho ou o facto de não saber se os novos produtos terão boa aceitação por parte dos potenciais consumidores para, com isso, justificar a contratação de trabalhadores a termo certo e, ainda menos, para justificar a duração do contrato que em concreto foi estipulada.[3]
Como se sustenta na decisão recorrida “(...) todas as justificações constantes da cláusula e considerandos são genéricas e imprecisas. 
Por outro lado, ainda, e, decisivamente, inexiste qualquer relação entre o motivo e o termo certo estipulado.
Também não descortinamos que factos, em concreto, pode o julgador averiguar e sopesar para sindicar, quanto ao fundo, a justificação do termo aposto no contrato?[4]
É manifesto que nada de relevante para tal consta do contrato de trabalho a termo certo ora em análise, e não pode agora a ré/recorrente suprir esse vício.[5]
 
Ante o exposto, tem a apelação de improceder.
 
V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente. 
Notifique.

Guimarães, 20 de Novembro de 2025
 
Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso

 

[1] cf. Alcides Martins, CPT e Legislação Complementar Anotados, Almedina, pags. 75/76.
[2] Cf. Ac. RG de 20.04.2017, Proc. nº 2653/15.6T8BRG, em que se escreveu: “[Esta] exigência não demanda um detalhe total, uma explicitação ao nível de um documento técnico elaborado, mas tão só uma explanação de modo a que se ache suficientemente explicitada e percetível a situação de facto que fundamenta a celebração do contrato de trabalho a termo, de tal modo que permita a um declaratório colocado na posição do trabalhador a compreensão do motivo e ao tribunal proceder à respetiva fiscalização.”
[3] Como se defendeu em Ac. STJ de 21-09-2022, Proc. 2641/20.0T8BRG.G1.S1, PEDRO BRANQUINHO DIAS, www.dgsi.pt, IV. A afirmação de que não é possível determinar a duração do aumento excecional da atividade é insuficiente para estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo incerto estipulado, o que acarreta a nulidade deste.”, por maioria de razão, afigura-se-nos, é insuficiente para estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo certo estipulado.
[4] Como se sintetizou (cf. ponto II do respectivo sumário) em Ac. da RC de 02.5.2013, Proc. 273/12.6T4AVR.C1, AZEVEDO MENDES, www.dgsi.pt , “A necessidade legal de justificação surge em função da possibilidade de certeza no controlo judicial da realidade do fundamento, isto é importa que a formulação da justificação contenha uma “chave de leitura” precisa e concreta (sem possibilidade de (re)invenção do caso) que permita o controlo judicial”, justificação que, pelo anteriormente dito, não se alcança neste caso tenha – em tais termos – sido feita constar do contrato.”
[5] Incidindo sobre uma situação de facto semelhante, Ac. RL de 10-09-2025, Proc. 9495/24.6T8LSB.L1-4, SUSANA SILVEIRA, www.dgsi.pt, em que, conforme o respectivo sumário, se dicidiu:
III. A indicação dos factos concretos e circunstâncias integradoras do motivo justificativo da celebração de um contrato a termo constitui formalidade ad substantiam insusceptível de suprimento por qualquer outro meio de prova que não seja a do próprio documento onde foi exarado o contrato de trabalho.
IV. Tendo a entidade empregadora, com vista a legitimar a contratação a termo do trabalhador, recorrido a fundamentação que não contém a indicação dos factos concretos e das circunstâncias integradoras do motivo que a justifica e cuja densificação, pela sua generalidade, não permite alcançar a correspondência entre os fundamentos invocados e o termo estipulado, é de concluir que entre as partes vigora um contrato sem termo desde a data da sua celebração.