CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
DÍVIDA LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
INCUMPRIMENTO
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
RESOLUÇÃO
Sumário


De acordo com o disposto no art. 2º, do D.L. nº 133/2009, o incumprimento que constitui causa da perda de benefício do prazo ou resolução do contrato que a Autora nestes autos invoca, só se considera verificado se o devedor faltar ao pagamento de, pelo menos, duas prestações, que têm de ser sucessivas (e não interpoladas) e, globalmente, excederem o valor de 10% do capital mutuado, devendo a declaração de resolução ser precedida de interpelação, na qual se concede um prazo suplementar (de 15 dias) para o pagamento das prestações em atraso e expressamente se adverte o devedor para os efeitos do incumprimento.
Essa condição do nº 1, do art. 20º, deve verificar-se na data em que o credor produz a comunicação admonitória prevista no seu nº 2.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE
GUIMARÃES:
 
1. RELATÓRIO

Nos presentes autos o Banco 1..., S.A., instaurou contra AA, acção declarativa, peticionando que seja declarada válida a resolução do contrato de mútuo celebrado entre ela, demandante, e o demandado com consequente condenação do R. no pagamento, a seu favor, da quantia de €8.530,27, acrescida de juros moratórios vincendos calculados à taxa de
12,669% sobre €6.743,42 desde a citação até efectivo e integral pagamento. 
Por não se ter logrado a citação pessoal do R. para a presente acção foi o mesmo citado editalmente, sem que tenha dado sinal de si nos autos. 
Citado o MP, apresentou contestação tabelar, impugnando por desconhecimento os factos alegados. 
A final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e consequentemente, condena o R. no pagamento ao A. da quantia de €1.656,50 (mil, seiscentos e cinquenta e seis euros e cinquenta cêntimos), correspondente às prestações devidas e não pagas vencidas em 19.12.2022, 19.01.2023, 19.02.2023, 19.03.2023, 19.04.2023, 19.05.2023, 19.06.2023, 19.07.2023, 19.08.2023 e 19.09.2023, acrescidas de juros moratórios contados à taxa legal de 12,669% desde a data de vencimento de cada uma dessas prestações até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do mais peticionado. 
Custas por A. e R. na proporção dos respectivos decaimentos.”
 
Inconformada com esta decisão, a Autora recorreu, formulando, em suma, as seguintes
Conclusões  
I. O presente recurso tem por objectivo a reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Guimarães, que julgou apenas parcialmente procedente a acção intentada pelo Banco 1..., S.A. contra o réu, defendendo-se, em sede de recurso, a plena validade tanto da interpelação admonitória como da subsequente resolução do contrato de mútuo celebrado entre as partes. 
II. A relação contratual em causa teve origem na celebração de um contrato de mútuo em 09/01/2020, para aquisição de veículo automóvel. O incumprimento das obrigações contratuais por parte do réu, com o não pagamento sucessivo das prestações, motivou o Banco autor a proceder à resolução do contrato em 26/07/2023, por carta. 
III. As comunicações remetidas pelo Banco — tanto interpelações quanto a carta de resolução — não foram recepcionadas pelo réu, tendo sido devolvidas com indicação de “o destinatário mudou de morada”. Tal circunstância resulta do comportamento do réu, que, não tendo comunicado ao Banco qualquer alteração de endereço, violou a cláusula 19.2 das condições gerais do contrato de mútuo. Assim, de acordo com o artigo 224.º, n.º 2 do Código Civil, as declarações são tidas como eficazmente comunicadas. 
IV. O Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento ao não dar como provados os factos referentes à devolução das cartas com a menção “mudou de morada” e ao envio da carta de resolução do contrato, apesar da prova documental inequívoca e dos registos dos ... que atestam tanto a remessa como a devolução das correspondências por imposição directa da mudança de morada do destinatário. 
V. Os elementos probatórios juntos aos autos — nomeadamente registos informáticos dos ... e declarações testemunhais — comprovam inequivocamente que as cartas foram remetidas para o endereço constante do contrato, não se demonstrando qualquer erro no procedimento do Banco 1..., sendo certo que a devolução resultou exclusivamente da conduta do réu. Adicionalmente, o esclarecimento da testemunha BB e a análise detalhada dos documentos juntos dissipam qualquer dúvida sobre a veracidade e regularidade do envio. 
VI. As exigências legais e contratuais relativas à interpelação admonitória e à comunicação da resolução encontram-se integralmente cumpridas pelo banco autor, sendo válidas e eficazes, mesmo não tendo as comunicações sido efectivamente recebidas pelo réu, dado que a falta de recepção se deveu a culpa do destinatário. Esta solução é apoiada em doutrina e jurisprudência (v.g., acórdãos dos Tribunais da Relação do Porto e de Lisboa), que reconhecem que a eficácia da comunicação não depende do conhecimento efectivo quando haja obstrução culposa do destinatário. 
VII. Nos termos da cláusula 14.1 do contrato de mútuo, não se exige como requisito de validade da resolução o uso de carta registada com aviso de recepção, bastando qualquer meio escrito ou suporte duradouro adequado. Assim, a forma adoptada pelo Banco — carta registada com AR — é mais do que suficiente para assegurar a validade da comunicação de resolução contratual. 
VIII. O Tribunal “a quo” incorreu ainda em erro ao entender não estar reunido o pressuposto do artigo 20.º do DecretoLei n.º 133/2009, nomeadamente por alegadamente não se encontrarem vencidas prestações que excedam 10% do montante do crédito. Sucede que, à data da resolução, já se encontravam vencidas várias prestações no valor acumulado superior a 10% do valor total do crédito (€ 9.960,79), e, antes disso, foi ainda concedido ao consumidor o prazo suplementar legalmente previsto, com expressa advertência dos efeitos da mora. 
IX. A correcta interpretação do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009 exige que se atenda à data do acto de resolução contratual, e não à data da interpelação admonitória. A aplicação dos princípios interpretativos do Código Civil (artigo 9.º) determina que a protecção do consumidor não pode conduzir a um regime de incumprimento sistemático e prolongado sem consequências, sob pena de ofensa à justiça material e à equidade. 
X. No presente caso, o montante das prestações em atraso ultrapassava o limite dos 10% do crédito, existindo diversas prestações vencidas, não subsistindo dúvidas sobre a legitimidade da resolução contratual, nem se justificando a aplicação ao réu da protecção devida a quem comete incumprimentos de pouca monta. 
XI. Seria manifestamente desproporcionado e injusto para o credor que a manutenção do contrato em situação de incumprimento reiterado impedisse a resolução contratual por parte do Banco, sobretudo quando, como aqui, o devedor reiteradamente faltou ao seu dever de comunicar a alteração de morada e de cumprir atempadamente as suas obrigações. 
XII. Em face do exposto, impondo-se a alteração da decisão recorrida quanto aos factos não provados (que deverão ser considerados provados), deve ser reconhecida a validade da interpelação admonitória e da resolução do contrato, e, em consequência, ser dado provimento ao recurso, condenando-se o réu no pagamento das quantias reclamadas pelo Banco, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.  
 
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida tribunal a quo e, em sua substituição, ser proferido acórdão que condene o réu/recorrido no pagamento de todas as quantias liquidadas e peticionadas pelo autor/recorrente, assim se fazendo.
 
O Ministério Público, em representação do Réu, respondeu ao recurso, culminando as suas alegações com pedido da sua improcedência.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[2] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3]

As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma: 
- Saber se ocorreu erro de julgamento de determinados factos e se, em resultado da modificação desse julgamento o mérito da sentença deve ser modificado no sentido pretendido pela Apelante;
- Saber se ocorreu resolução válida do contrato de mútuo em apreço, à luz das normas convencionais e legais aplicáveis.
 
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA

Tendo em mente a interpretação corrente do art. 640º, do Código de Processo Civil, julgamos cumpridos os ónus aí previstos, pelo que iremos proceder ao julgamento da impugnação da Autora.

Descendo ao caso.
A Apelante sindica a factualidade não provada na sentença em crise, a saber, os factos negativamente julgados em 1.2. a) e b).
Em suma, no que toca ao facto 1.2.a), alega-se que a sentença errou ao ter considerado provado que a correspondência não foi recebida e, simultaneamente, não ter reconhecido que o foi com a indicação de mudança de destinatário.
Vejamos…
O documento a que se reporta a Apelante, pelo que se percebe, corresponde a uma cópia fotográfica de uma página web/com o endereço digital dos ... que se encontra junta aos autos com a p.i..
Trata-se de documento que não foi assinado, ao qual não é aplicável o regime do art. 373º e ss., do Código Civil, e que está sujeito ao princípio da livre apreciação do julgador.
Estão amplamente expostas as razões que Tribunal recorrido considerou para não atender a essa prova.
Compreendemos algumas das razões invocadas pela sentença para proferir a decisão em crise: no século XXI, quando, idealmente, existe prova documental bastante para demonstrar a acção, continuam as partes a descuidar a sua junção, insistindo, em sua substituição, na apresentação de prova testemunhal falível, que se limita, mal, a reproduzir documentos, nomeadamente aqueles que já se encontram nos autos. E, por isso, não estão nestes autos os envelopes e registos documentais habituais das comunicações que estão em causa neste caso.
Todavia, de acordo com a previsão do art. 3º, nº 10, do D.L. DL n.º 12/2021 , de 09 de Fevereiro: Salvo disposição especial, o valor probatório dos documentos eletrónicos não associados a serviços de confiança qualificados é apreciado nos termos gerais do direito.
Por sua vez, do seu nº 11, decorre que as cópias de documentos electrónicos, sobre idêntico ou diferente tipo de suporte que não permita a verificação e validação das assinaturas electrónicas ou dos selos electrónicos, são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil e pelo artigo 168.º do Código de Processo Penal, caso sejam observados os requisitos aí previstos.
Neste conspecto, no presente caso, julgamos que os documentos de fls. 12 v. e 14, cópias dos referidos registos digitais da página dos ..., que assinalam o histórico das duas comunicações em causa, devem ser considerados prova bastante dos factos em causa. Estamos perante documentos que não deixam de consubstanciar uma habitual documentação desses dados pelos ..., que não foram impugnados e nada permite colocar em causa, neste caso concreto.
A divergência de cabeçalho existente numa cópia da segunda comunicação não constitui obstáculo a esse silogismo e pode muito bem ter a explicação dada pela testemunha em audiência de julgamento.
De resto, se se considera demonstrada a primeira comunicação com base nessa mesma prova documental, não há razões para não julgar a assente a segunda, nem como a razão da devolução da primeira, a mencionada mudança de morada.
Posto isto, julgamos procedente a impugnação deduzida pela Autora, devendo modificar-se o sentido das decisões em causa, no sentido pretendido.
Além disso, de acordo com o disposto no art. 662º, nºs 1 e 2, al. c), do Código de Processo Civil, decide-se aditar à matéria de facto relevante, a factualidade que agora inscreve no item i), dos factos julgados assentes, tendo em conta a mesma prova documental (de fls. 14), por se mostrar indispensável à boa decisão da causa.
 
3.2. FACTOS A CONSIDERAR

A) Factos provados.  

a) Por documento escrito datado de 09.01.2020 o A. emprestou ao R. e a CC a quantia de €9.960,79, que o R. e a referida CC se vincularam a restituir, acrescida de juros remuneratórios calculados à taxa legal de 9,669% e imposto de selo, em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas de €165,65; 
b) O empréstimo mencionado em a) destinou-se à aquisição do veículo automóvel de matrícula ..-SJ-.., tendo o montante de €9.000 sido entregue directamente ao vendedor do automóvel; 
c) Lê-se na cláusula 13 das condições gerais do documento que corporiza o empréstimo mencionado em a), epigrafada “Mora”, que: 
“13.1. A falta de pagamento no prazo estipulado de qualquer prestação convencionada constitui o Cliente em mora e importa a aplicação de uma sobretaxa anual de 3% a título de juros moratórios (sujeitos a imposto de selo à taxa de 4%), a acrescer à taxa de juros remuneratórios acordada, calculada sobre o capital vencido e não pago, o qual incluirá os juros remuneratórios capitalizados. 
13.2. Será ainda cobrada uma única vez, por cada prestação vencida e não paga, uma comissão pela recuperação dos valores em dívida de 4% do valor da prestação em mora, excepto se o valor apurado for inferior a €12,00 ou superior a €150,00, casos em que, respectivamente, a comissão será de €12,00 ou limitada a €150,00. 
(...)” 
d) Lê-se na cláusula 14 das condições gerais do documento que corporiza o empréstimo mencionado em a), epigrafada “Perda do Benefício do Prazo e Resolução”, que: 
“14.1. (...) 
14.2. O Banco poderá resolver o Contrato por meio de comunicação em papel ou noutro Suporte Duradouro, considerando-o definitivamente incumprido se, cumulativamente: 
a) O Cliente faltar ao pagamento de duas prestações sucessivas que no seu conjunto ultrapassem 10% do Montante Total do Crédito; e 
b) Ter o Banco, sem sucesso, concedido ao Cliente um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas de eventual Ação de Processo Comum indemnização devida, com expressa advertência da perda do benefício do prazo ou da resolução do Contrato. 
14.3. Com a resolução do Contrato são devidas todas as prestações vencidas e não pagas, acrescidas de juros moratórios, eventuais comissões e sanções contratualmente previstas, bem como a parte de capital de todas as prestações vincendas.  
14.4. Em caso de resolução fundada em incumprimento definitivo imputável ao Cliente será exigido ainda ao Cliente o pagamento de montante correspondente a 15% do capital em dívida, que resulta do somatório da parte de capital das prestações vencidas e não pagas e da parte de capital das prestações vincendas, a título de cláusula penal indemnizatória.”  
e) Lê-se na cláusula 19 das condições gerais do documento que corporiza o empréstimo mencionado em a), epigrafada “Comunicações e notificações”, que: 
“19.1. As comunicações escritas expedidas pelo Banco serão dirigidas aos endereços constantes no Contrato, salvo se outros lhe forem posteriormente comunicados nos termos do número seguinte, e quando registadas, presumem-se feitas, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte se esse o não for. (...). 
19.2. Qualquer comunicação superveniente aos endereços do(s) Cliente(s) ou Garante(s) deverá ser comunicada ao Banco, em papel ou noutro suporte duradouro, nos 30 dias subsequentes à referida alteração, acompanhada do respectivo comprovativo que sustente essa alteração, quando aplicável. 
19.3. As comunicações têm-se por efectuadas se só por culpa do destinatário não forem por ele oportunamente recebidas. 
(...)”  
f) Com data de 28.04.2023 o A. remeteu ao R., para a morada “Rua ..., ...  ... ...” carta em que lhe comunicou que “Verificamos à data, apesar de todas as diligências efectuadas com vista à regularização, que o seu contrato apresenta valores em atraso, decorrentes do não pagamento das prestações convencionadas desde 2022-12-19, no montante global de €945,45, conforme se descrimina no verso desta carta.  Concedemos-lhe uma última oportunidade para regularizar a totalidade do valor em atraso 945,45 € EUR, o que aguardamos por um período de 15 (quinze) dias contados a partir do 3.º dia subsequente à data de emissão da presente carta. 
Advertimos que caso não seja regularizada a totalidade do valor em dívida dentro do prazo fixado para o efeito, e verificada a falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito, conforme art. 20 do DL133/2009, o Banco 1... SA considera o contrato definitivamente incumprido, pelo que irá resolvê-lo e exigir judicialmente o pagamento da totalidade do capital em dívida 6.743,42 € EUR, imputando-lhe as sanções contratualmente previstas para o incumprimento, sem prejuízo de outras importâncias que se mostrem devidas. 
(...) 

Data das 
Obrigações em Mora 
Dias Atraso  Capital  Juros  Remun.  Juros Morat.  Com. Recup. Valor Dívida  Com. Proc.
Prestação 
 Imposto
Selo 
Total 
2022-12-19  129  109,13 €  70,64 €  8,16 €  12,48 €  3,50 €  2,83 €  206,74 €
2023-01-19  98  109,15 €  54,33 €  5,64 €  12,48 €  3,50 €  2,17 €  187,27 €
2023-02-19  67  109,14 €  54,34 €  3,85 €  12,48 €  3,50 €  2,17 €  185,48 €
2023-03-19  39  109,15 €  54,33 €  2,24 €  12,48 €  3,50 €  2,17 €  183,87 €
2023-04-19  109,14 €  54,34 €  0,46 €  12,48 €  3,50 €  2,17 €  182,09 €
 
 
 
 
 
 
             
             
             
             
   Outras Comissõe e Despesas*  0,00 €
                                  Total  945,45 €

 
g) A carta mencionada em f) não foi recepcionada pelo R., tendo sido devolvida
com a menção “O destinatário mudou de morada”;
h) A A.  remeteu ao R. carta registada com AR, datada de 26.07.2023, em que lhe comunicou a resolução do contrato referido em 1.1.a) com fundamento em incumprimento definitivo pelo montante de €8.377,25 (junta com a p.i. e que se considera aqui reproduzida).  
i) Esta comunicação também não foi recepcionado pelo Réu, tendo sido devolvida com a menção “o destinatário mudou de morada”.

B) Factos não provados. 

Com relevância para a boa decisão da causa não se registam factos não provados. 
 
3.3. DO DIREITO APLICÁVEL

Insurge-se a Apelante, nas suas conclusões VIII. e ss., com o enquadramento legal que a sentença produziu neste caso concreto.
Em suma, a Recorrente defende que o Tribunal “a quo” incorreu em erro ao entender não estar reunido o pressuposto do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, nomeadamente por alegadamente não se encontrarem vencidas prestações que excedam 10% do montante do crédito, porque, entende que à data da resolução, já se encontravam vencidas várias prestações no valor acumulado superior a 10% do valor total do crédito (€ 9.960,79), e, antes disso, foi ainda concedido ao consumidor o prazo suplementar legalmente previsto, com expressa advertência dos efeitos da mora.
De acordo com o seu recurso, a correcta interpretação do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009 exige que se atenda à data do acto de resolução contratual, e não à data da interpelação admonitória e, no seu entender, no presente caso, o montante das prestações em atraso ultrapassava o limite dos 10% do crédito, existindo diversas prestações vencidas, não subsistindo dúvidas sobre a legitimidade da resolução contratual, nem se justificando a aplicação ao réu da protecção devida a quem comete incumprimentos de pouca monta, porque tal seria manifestamente desproporcionado e injusto para o credor que a manutenção do contrato em situação de incumprimento reiterado impedisse a resolução contratual por parte do Banco, sobretudo quando, como aqui, o devedor reiteradamente faltou ao seu dever de comunicar a alteração de morada e de cumprir atempadamente as suas obrigações.
Será assim?
Antes de mais, em face da modificação da decisão da matéria de facto a considerar, devemos deixar assinalado que ficou demonstrada a emissão pela credora/aqui Autora das comunicações mencionadas supra em f) a i), dos factos julgados assentes, diversamente do que havia sido considerado pela primeira instância.
Em nosso entender, tendo em conta a previsão convencional do art. 19., nºs 1 e 3, do contrato em apreço (al. e), dos factos provados), essas comunicações devem considerar-se validamente efectuadas porque foram devolvidas por causa da mudança de morada do destinatário/devedor (cf. art. 406º, º 1, do Código Civil).
Posto isto, resta perceber se a interpretação que sentença faz do disposto no art. 20º, do referido D.L. nº 133/2009[4], é a mais correcta.
Em concreto, a Tribunal a quo considerou que não estavam reunidas as condições para que o Autora pudesse converter a mora em incumprimento definitivo e consequentemente resolver validamente o contrato, dado que o valor em dívida no momento das duas interpelações invocadas não atingia os 10% do montante total do crédito em causa.
A Apelante, em contraponto, preconiza que a correcta interpretação do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009 exige que se atenda à data do acto de resolução contratual, e não à data da interpelação admonitória, e alega que nessa data já estavam em dívida (1276,75€) um total de prestações em dívida que excedia os mencionados 10%.

Quid?

O citado art. 20º estabelece, com relevância para o que aqui se discute, o
seguinte:
1 - Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10 % do
montante total do crédito;
b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
Esta norma tem carácter imperativo, de acordo com previsão do art. 26º, do D.L. n.º 133/20095, pelo que, neste caso, independentemente do que ficou convencionado, é ela que regula o incumprimento em apreço.

Dela resulta, em nosso entender, que credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
1 – O consumidor tem de faltar ao pagamento de duas prestações sucessivas que excedam 10% do montante total do crédito.
2- O credor deve ter concedido, sem sucesso, um prazo suplementar mínimo de 15 dias para o pagamento das prestações em atraso, incluindo a advertência expressa sobre os efeitos do incumprimento.
Em suma, o incumprimento que constitui causa da perda de benefício do prazo ou resolução do contrato que a Autora nestes autos invoca, só se considera verificado se o devedor faltar ao pagamento de, pelo menos, duas prestações, que têm de ser sucessivas (e não interpoladas) e, globalmente, excederem o valor de 10% do capital mutuado, devendo a declaração de resolução ser precedida de interpelação, na qual se concede um prazo suplementar (de 15 dias) para o pagamento das prestações em atraso e expressamente se adverte o devedor para os efeitos do incumprimento.
                                              
5 1 - O consumidor não pode renunciar aos direitos que lhe são conferidos por força das disposições do presente decreto-lei, sendo nula qualquer convenção que os exclua ou restrinja. 2 - O consumidor pode optar pela redução do contrato quando algumas das suas cláusulas for nula nos termos do número anterior.
Essa condição do nº 1, conforme decorre dessa norma, deve verificar-se na data em que o credor produz a comunicação admonitória prevista no seu nº 2.
De acordo com o disposto no art. 9º, do Código Civil, esta é a interpretação que melhor se coaduna com o espírito do legislador[5], de reforço dos direitos dos consumidores, neste concreto acto normativo e que tem na letra do dispositivo legal em apreço um mínimo de suporte literal.
Posto isto, em nosso entender, a interpretação preconizada pelo Apelante, em aparente sintonia com o que se concluiu no Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 21.5.2015[6], salvo o devido respeito, não respeita, desde logo, o espírito de protecção do consumidor que subjaz à norma em apreço e, certamente, não respeita minimamente a letra da lei.
Dentro desse espírito de protecção do devedor que o legislador quis claramente estabelecer, é evidente que ficam precludidas razões de equidade com a posição do credor, que o legislador expressa e imperativamente quis afastar com esse regime especial, tais como as que se invocam nesse Acórdão do Tribunal da Relação do Porto e a Recorrente agora alega.

De resto, esta interpretação da Apelante é uma leitura que se encontra afastada pela jurisprudência que consultámos (cf. art. 8º, nº 3, do Código Civil), de que são exemplo:
- O citado Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11.12.2024[7];
- O Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 21.3.2022;[8]
- O  Ac. do  Tribunal da Relação de Lisboa, de 3.5.218;[9]
- O Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 21.5.2915.[10]

Ora, neste caso concreto, conforme reconhece a Apelante, apesar de estarem em falta mais de duas prestações, o seu valor global não excedia os 945,45 euros,
ou seja, não estava atingido, no momento em que foi produzida a comunicação referida em f), dos factos julgados assentes, o valor mínimo exigido cumulativamente pelo citado art. 20º, nº 1, para que se considerasse a possibilidade ou viabilidade da comunicação admonitória e a subsequente resolução do contrato vigente entre as partes.
Neste contexto factual, julgamos que não está provado um dos pressupostos fácticos cumulativos essencial à verificação da causa de pedir invocada pela Apelante, razão pela qual improcede a apelação (art. 342º, nº 1, do C.C.), com prejuízo para o conhecimento dos restantes argumentos aduzidos (art. 608º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Perante este desfecho, as custas da apelação devem ser suportadas pela Recorrente (art. 527º, do C.P.C.).

4. DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação.
 
Condena-se no pagamento das custas da apelação, a Recorrente.   
*
Guimarães, 20-11-2025
                                                             
Rel. – Des. José Manuel Flores
1ª Adj. - Des. Sandra Melo
2ª - Adj. - Des. Elisabete de Coelho Moura Alves


[1] ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106. [2] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] ABRANTES GERALDES, Op. Cit., p. 107.  
[4] https://diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/decreto-lei/2009-34518975 
[5] Cf. preâmbulo do diploma em apreço: Na linha do disposto nos artigos 934.º a 936.º do Código Civil, estabelecem-se novas regras aplicáveis ao incumprimento do consumidor no pagamento de prestações, impedindo-se que, de imediato, o credor possa invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato.
[6] In https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/540854fadb5307de80257e7a00484ed1?OpenDocument 
[7] In https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9c957e6a5ab3235080258bff0034aa31?OpenDocument 
[8] In https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4bfd6cdbd77a222b8025883a005265a2?OpenDocument 
[9] In https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4d68c06d96497aa3802582a60035636b?OpenDocument 
[10] In https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/540854fadb5307de80257e7a00484ed1?OpenDocument