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ARRENDAMENTO URBANO
DENÚNCIA
INCUMPRIMENTO
MORA NO PAGAMENTO DA RENDA
RESOLUÇÃO PELO SENHORIO
Sumário
I – A resolução do contrato de arrendamento por iniciativa do senhorio fundada na mora no pagamento da renda igual ou superior a três meses opera por mera comunicação à contraparte. II – Esta resolução pode, no entanto, ficar ainda sem efeito apesar dessa comunicação, caso o arrendatário ponha fim à mora, procedendo ao pagamento ao actual senhorio das quantias em dívida no prazo de um mês. III – A denúncia do contrato anteriormente comunicada pelo senhorio ao arrendatário deixa de produzir efeitos por lhe ter sobrevindo uma outra causa de cessação contratual cujos efeitos se produziram anteriormente (no caso, a resolução).
Texto Integral
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães,
I – Relatório EMP01... Unipessoal, Ld.ª, propôs a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra AA, pedindo a condenação deste a restituir-lhe o lugar de garagem identificado na petição inicial livre de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições, bem como a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor de pelo menos o dobro da renda pela ocupação do lugar de garagem e até à sua restituição.
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Alegou, para tal, que após ter adquirido em Julho de 2022 uma fracção autónoma de um prédio, que incluía um lugar de garagem, tomou conhecimento que este último se encontrava a ser ocupado pelo Réu ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado com o anterior proprietário, pelo que enviou ao Réu no dia 29 de Maio de 2023 uma missiva através da qual o interpelou para que efectuasse o pagamento das rendas relativas ao locado, tendo ainda declarado a denúncia do contrato em efeitos a partir de 1 de Junho de 2028.
Atendendo a que o Réu não efectuou o pagamento reclamado, a Autora comunicou-lhe a resolução do contrato de arrendamento, através de notificação judicial avulsa concretizada no dia 21 de Dezembro de 2023, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 1084.º do Cód. Civil.
O Réu, porém, não efectuou a entrega da garagem e procedeu ao pagamento da quantia de € 720,00 no dia 15 de Janeiro de 2024, após o prazo a que alude o referido artigo, pelo que já sem a virtualidade de obstar à resolução do contrato.
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Citado, o Réu contestou, invocando que nunca recebeu do anterior senhorio qualquer comunicação de que iria vender o locado e que lhe pagou as rendas até Janeiro de 2024 convencido de que as estava a pagar ao verdadeiro proprietário.
Porém, por via da notificação judicial avulsa e com o intuito de cumprir o contrato de arrendamento procedeu ao pagamento da quantia de € 720,00 correspondente aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2023 e Janeiro de 2024, acrescida da sanção de 20% para evitar a mora, defendendo por isso que a resolução não operou os seus efeitos.
Concluiu pela improcedência da acção, com a manutenção do contrato de arrendamento.
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Foi proferido despacho saneador, no qual foi fixada à acção o valor de € 33.620,00 e foi proferida decisão sobre o mérito da causa, julgando a acção totalmente procedente e, em consequência, condenando o Réu:
a) a restituir à autora o lugar de garagem identificado em 1., entregando‐o livre de pessoas e bens;
b) a pagar à Autora, a título de indemnização, desde janeiro de 2024, o montante correspondente ao valor das rendas, elevado ao dobro, até efetiva entrega do locado, deduzindo o montante entretanto pago no montante da renda.
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Inconformado, o Réu interpôs recurso deste saneador sentença, pugnando pela sua revogação e pela manutenção do contrato de arrendamento.
Formulou as seguintes conclusões:
A – O réu, aqui recorrente, sempre cumpriu escrupulosamente as obrigações a que estava adstrito, nomeadamente o pagamento de rendas.
B – E /ou o pagamento de rendas à autora, pela sanção legal e aceite por banda da autora.
C – Não operou, não podia operar a resolução contratual por banda da autora, do contrato verbal, pelo cumprimento por banda do aqui recorrente, das rendas em dívidas acrescido da sanção de 20%.
D – Tal pagamento e a esse título, e nos termos do artigo 1048º, in fine do Código Civil, a autora, e nessas circunstâncias e com esses fundamentos, aceitou tal pagamento, pagamento esse que obsta e salvo o devido respeito, que aliás é muito, à resolução contratual, que em boa verdade são posteriores à notificação judicial avulsa de 21/11/2023, e os pagamentos são todos posteriores a tal e aceites por banda da autora.
E – Sem prescindir, a declaração resolutória, emanada por banda dos efeitos da notificação judicial avulsa, deveria, aliás como deve, ser reconhecida judicialmente a inexistência de fundamento para tal resolução e por via disso o contrato deve considera-se subsistente.
F – Aliás e em abono do supra referido o recorrente continua a pagar pontual e tempestivamente a renda pelo uso da fração, por demais bem identificada nos presentes autos.
G – Por maioria de razão é inaplicável, a contrario, o plasmado no artigo 1084, n.º 3 do Código Civil. Porque o recorrente sempre pagou as rendas, e quando não pagou pontual e tempestivamente, pagou com o acréscimo legal, aceite pela autora.
H - A aflorar o plasmado no artigo 1042, n.º 2 do Código Civil, chamando à colação da sentença, aqui posta em crise, tal argumento não colhe, porque os pagamento feitos pelo recorrente, no que concerne as rendas em atraso e à sanção legal, não foram efetivados por consignação em depósito, mas sim por transferência bancária, em que a autora teria toda a liberdade de recusar ou fazer o respetivo estorno, o que não fez.
E em boa verdade nunca recusou tal pagamento, quer consignado, quer por transferência, o que foi o caso.
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A Autora apresentou resposta às alegações de recurso do Ré, reiterando o que havia já alegado na petição inicial e pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos com efeito devolutivo.
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Nesta Relação foi considerado o recurso corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, C.P.C.), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Assim, a principal questão que importa apreciar e decidir está em saber se a resolução do contrato de arrendamento comunicada pela Autora ao Réu produziu ou não os seus efeitos e, consequentemente, se este último está obrigado à restituição do locado.
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III – Fundamentação III – I.Da Fundamentação de facto
No saneador sentença sob recurso foram considerados provados os seguintes factos:
1. Encontra-se registado a favor da autora a fração designada pela letra ... do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., ..., ... ..., imóvel que adquiriu por escritura celebrada em 28 de julho de 2022.
2. O réu pagava ao anterior proprietário da fração em causa o montante de 75,00€ por mês pela ocupação de tal imóvel.
3. A autora, no dia 29 de maio de 2023, interpelou o réu para que “no próximo mês de junho do ano corrente, efetuasse o pagamento da renda correspondente à ocupação da garagem para o seguinte IBAN (…)”.
4. Na mesma missiva, a autora fez constar: “mais comunicamos que procedemos, nesta data, à denuncia do contrato de arrendamento, relativo à garagem de que é arrendatário sita na Rua ..., em ..., denúncia essa efetuada nos termos do disposto na al. c) do artigo 1101.º do NRAU, a qual produzirá os seus efeitos decorridos que estejam 5(cinco) anos sobre a presente data, ou seja, a partir de 01 de junho de 2028, data em que o locado nos deve ser entregue livre de pessoas e bens, bem como as respetivas chaves.”
5. Por notificação judicial avulsa a autora comunicou ao réu que se encontrava em dívida o montante de €300,00, referente às rendas de junho, julho, agosto e setembro de 2023 e que com a presente notificação operou “a resolução do contrato de arrendamento por mora no pagamento das rendas superior a 3 (três) meses, pelo que, caso não ocorra a respetiva regularização no prazo de um mês, deverá desocupar o referido imóvel e entrega-lo livre de pessoas e bens à nossa constituinte ou a quem a representar, conforme o disposto nos art. 1083.º, 1084.º e 1087.º, todos do Código Civil.”
6. A notificação judicial avulsa foi concretizada no dia 21.11.2023.
7. O réu, a 15 de janeiro de 2024, efetuou um pagamento da quantia de €720,00 (setecentos e vinte euros), por transferência bancária para a autora.
8. O réu procedeu ao pagamento do montante de €75,00 em fevereiro de 2024 e de €75,00 em março de 2024.
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III - II. Do objeto do recurso
A presente acção tem por objecto uma garagem arrendada ao Réu pelo anterior proprietário.
Após a sua aquisição por parte da Autora, a mesma comunicou-o ao Réu e, no dia 29 de Maio de 2023, interpelou-o para que efectuasse o pagamento das rendas respeitantes ao locado para o IBAN por si identificado.
Como o Réu não procedeu ao pagamento à Autora das respectivas rendas, esta comunicou-lhe, por notificação judicial avulsa concretizada no dia 21.11.2023, que se encontrava em dívida o montante de €300,00, referente às rendas de junho, julho, agosto e setembro de 2023 e que procedia à resolução do contrato de arrendamento por mora no pagamento das rendas superior a 3 (três) meses, pelo que, caso não ocorresse a respetiva regularização no prazo de um mês, deveria desocupar o referido imóvel e entrega-lo livre de pessoas e bens à Autora.
Nas suas alegações de recurso, o recorrente defende que o pagamento que efectuou em 15 de Janeiro de 2024 da quantia de € 720,00 (correspondente às rendas em atraso acrescidas da sanção legal) impede que opere a resolução contratual declarada pela Ré, nos termos do disposto no art.º 1042.º n.º 1 do Cód. Civil, considerando, ainda, que esta última aceitou aquele pagamento.
Vejamos:
Entre as várias formas de cessação do contrato de arrendamento previstas na lei (art.º 1079.º do Cód. Civil) encontra-se a resolução por iniciativa do senhorio, por incumprimento contratual por parte do arrendatário (art.º 1083.º n.º 1 do Cód. Civil).
No entanto, para justificar a resolução não basta um simples incumprimento contratual, exigindo-se que o mesmo seja de tal forma grave ou com consequências de tal forma nefastas que torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento (cfr. o corpo do n.º 2 do mesmo artigo).
Este dispositivo legal, para além de consagrar uma cláusula geral de incumprimento qualificado (como lhe chama Albertina Maria Gomes Pedroso (in Revista Julgar, n.º 19, 2013, pág. 45), estabelece nas suas várias alíneas um elenco meramente exemplificativo de causas de resolução por iniciativa do senhorio.
Mas para além dos fundamentos de resolução previstos neste n.º 2, os restantes números do art.º 1083.º estabelecem causas objectivas que, logo que verificadas, tornam inexigível a manutenção do arrendamento, estabelecendo o n.º 3 que tal acontece “… em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, que corram por conta do arrendatário, ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 a 5 do artigo seguinte.”.
Neste caso a lei considera, desde logo, esta situação como um incumprimento objectivamente grave, sem no entanto deixar de ter que passar pela avaliação casuística do n.º 2 (neste sentido, Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado – Regime Substantivo e Processual (Alterações Introduzidas pela Lei nº. 31/2012), págs. 30 e 31).
O pagamento da renda constitui a obrigação principal do locatário [art.º 1038.º al. a) do Cód. Civil], assumindo por isso o respectivo incumprimento uma considerável gravidade, qualquer que seja o valor em dívida.
A resolução por iniciativa do senhorio fundada neste n.º 3 do art.º 1083.º do Cód. Civil opera por mera comunicação à contraparte (art.º 1084.º n.º 2 do mesmo código), como aconteceu no caso presente com a notificação judicial avulsa, podendo, no entanto, a resolução ficar ainda sem efeito apesar dessa comunicação.
Mas para tanto é necessário que o arrendatário ponha fim à mora, procedendo ao pagamento das quantias em dívida no prazo de um mês (cfr. n.º 3 do mesmo art.º 1084.º).
Ora, no caso em apreço, tendo a resolução do contrato sido comunicada, como vimos, no dia 21 de Novembro de 2023, o prazo legalmente estabelecido para o arrendatário pôr fim à mora (e, assim, obstar àquela resolução) terminava no dia 21 de Dezembro seguinte.
Como o pagamento foi realizado pelo Réu apenas a 15 de Janeiro de 2024, é manifesta a sua extemporaneidade, uma vez que nessa altura a resolução já havia operado integralmente os seus efeitos há 25 dias.
O pagamento foi, de facto efectuado pelo Réu, mas no momento em que ocorreu já não poderia obstar à resolução contratual, a qual já se havia consumado.
Assim, bem decidiu o tribunal de primeira instância ao considerar válida e eficaz a resolução do contrato operada pela Autora.
A tal não obsta, naturalmente, o facto do Réu poder ter, alegadamente, efectuado o pagamento adiantado de rendas ao anterior proprietário convencido de que as estava a pagar ao verdadeiro proprietário. Com efeito, a Autora deu-lhe conhecimento da aquisição do imóvel no dia 29 de Maio de 2023, pelo que aquele sabia, pelo menos desde essa data, que teria que proceder ao pagamento das rendas à Autora.
As vicissitudes obrigacionais ocorridas entre o Réu e o anterior proprietário do imóvel são alheias à Autora, cabendo por isso àquele (e não à Autora) pedir ao anterior proprietário a restituição de eventuais rendas pagas adiantadamente, caso assim o entenda. O mesmo se passa com a invocada inobservância do direito de preferência, situação que não diz respeito, obviamente, à Autora como adquirente do imóvel.
Por outro lado, é por demais evidente que a denúncia do contrato comunicada pela Autora ao Réu apenas determinaria a cessação do contrato na data indicada caso, entretanto, não surgisse outra causa de cessação do contrato com efeitos anteriores, como veio a acontecer. O que significa que a denúncia deixou de fazer sentido, por lhe ter sobrevindo uma causa de cessação contratual cujos efeitos se produziram em data anterior.
Por fim, como também acertadamente se decidiu pela primeira instância o recebimento das rendas, a aceitação e a sua não recusa por parte da Autora não invalida ou repristina a validade do contrato. Na verdade, como já se mencionou de forma inequívoca, a resolução do contrato nessa altura já se encontrava consumada, tendo produzido os seus efeitos a partir do mês seguinte à data da respectiva comunicação, ou seja, desde 22 de Dezembro de 2023.
Improcedem, assim, na totalidade as conclusões do recurso apresentado pelo recorrente, sendo por conseguinte de confirmar integralmente a sentença recorrida.
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As custas do presente recurso ficam integralmente a cargo do recorrente (art.º 527.º n.º 1 do CPC).
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IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas do recurso pelo recorrente.
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Notifique.
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20/11/2025
Relator: João Paulo Pereira 1.º Adjunto: Maria Amália Santos 2.ª Adjunta: Sandra Melo (assinado eletronicamente)