RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
DANO FUTURO
FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Sumário


I. O critério fundamental para a fixação, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como por danos não patrimoniais, é a equidade.
II. A utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em consideração as exigências do princípio da igualdade, no sentido de uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, como também deverá ser dada a devida atenção às circunstâncias do caso concreto.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório (retirado da sentença).

AA intentou contra a Ré EMP01..., ..., S.A. – Sucursal em Portugal, ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que se condene a ré a pagar-lhe a quantia de 169.579,07 €, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a que devem acrescer juros de mora à taxa legal, a contar da citação.
Alega, para tanto e em síntese, a ocorrência de um acidente de viação, causado por culpa do condutor do veículo segurado na ré, e que sofreu, por força desse acidente, danos patrimoniais e não patrimoniais, que concretiza.
A ré, devidamente citada, contestou a ação, impugnando a dinâmica do acidente tal como é descrita pelo autor (descrevendo uma outra), os danos alegados e o montante indemnizatório peticionado.
O Instituto de Segurança Social, IP – Centro Distrital de Braga, apresentou pedido de reembolso, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 8.912,18 €, que entregou ao autor a título de subsídio de doença, subsídio de Natal e de subsídio de férias, por força do acidente de viação.
A ré exerceu o contraditório.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferiu-se despacho saneador e despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
DISPOSITIVO
Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide:
 condenar a Ré EMP01..., ..., S.A. – Sucursal em Portugal, a pagar ao Autor AA a quantia de 159.400,60 € (cento e cinquenta e nova mil, quatrocentos euros e sessenta cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
 condenar a Ré a pagar ao Autor os custos com medicamentos (analgésicos) e ajudas técnicas (palmilhas), a liquidar em ulterior incidente de liquidação;
 condenar a Ré a pagar ao Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, I.P., a quantia de 8.912,18 € (oito mil, novecentos e doze euros e dezoito cêntimos);
 absolver a Ré do demais peticionado;
 condenar Autor e Ré no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Registe e notifique.”.

*
Inconformada com esta decisão, a ré, dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“CONCLUSÕES:

1. Tendo em conta a prova produzida, entende a ora Recorrente, salvo o devido respeito, que a matéria de facto constante dos Factos Provados E), F), G), H), I), J) e K) e a matéria de facto constante dos Factos Não Provados 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 19., 20., 21. e 22foi incorretamente apreciada pelo Tribunal a quo, tendo conduzido a uma decisão injusta.
2. Com efeito, entende a ora Recorrente que resulta dos autos prova suficiente para que os factos 10., 11., 12., 13., 14., 15., 17., 19., 20., 21. e 22, do elenco de factos não provados, constem do elenco de factos provados.
3. Sendo que resulta dos autos prova que, no entender da Recorrente, impõe decisão diversa sobre os referidos pontos de facto, isto é, o depoimento da testemunha BB, condutor do veículo seguro VF, que teve lugar no dia 20/03/2025, com início pelas 14:23 horas e fim pelas 14:47 horas, gravado em ficheiro de áudio disponibilizado na plataforma Citius.
4. Ora, como pode ouvir-se na referida gravação, entre os minutos 03:00 e 03:55, entre os minutos 06:00 e 06:05, entre os minutos 11:10 e 11:50 e entre os minutos 21:55 e 22:00, a testemunha afirma com certeza, que sinalizou a manobra de ultrapassagem, e que verificou pelos espelhos que nenhum veículo circulava na via atrás de si, não havendo prova em contrário.
5. Assim, quanto aos factos em análise, devia o Tribunal a quo ter julgado como provado que o condutor do veículo seguro VF, BB, sinalizou a manobra de ultrapassagem, mediante o uso do pisca e, bem assim, que verificou que se encontrava em condições de segurança de efetuar a manobra, olhando pelos espelhos e, encontrando-se a via livre e desimpedida, iniciou a manobra.
6. Assim, deve o Tribunal ad quem alterar a decisão recorrida, fazendo constar do elenco de factos provados os pontos 10., 11., 12., 13. e 14. Dos factos não provados na sentença recorrida.
7. Adicionalmente, o Tribunal devia também ter julgado como provados os factos constantes dos pontos 15., 16., 17. e 19. dos factos não provados na sentença recorrida.
8. Sendo que resulta dos autos prova que, no entender da Recorrente, impõe decisão diversa, isto é, o depoimento da testemunha BB, condutor do veículo seguro VF, que teve lugar no dia 20/03/2025, com início pelas 14:23 horas e fim pelas 14:47 horas; o depoimento da testemunha CC, condutora do veículo MQ, que teve lugar no dia 20/03/2025, com início pelas 14:48 horas e fim pelas 15:02 horas, gravado em ficheiro de áudio disponibilizado na plataforma Citius; o depoimento da testemunha DD, perito averiguador de sinistros, que teve lugar no dia 20/03/2025, com início pelas 15:22 horas e fim pelas 15:34 horas, gravado em ficheiro de áudio disponibilizado na plataforma Citius e, por fim, o vídeo junto aos autos em sede de audiência de julgamento.
9. Ora, entende a Recorrente que o Tribunal devia ter considerado provado que o veículo VF iniciou a manobra de ultrapassagem antes do veículo VI, porquanto, desde logo, no vídeo junto aos autos em sede de audiência de julgamento, é possível observar o veículo VF a desviar-se em relação ao centro da via, face à posição do veículo MQ que circulava à sua frente, quando passa em frente à bomba de gasolina, observando-se o veículo VI a transpor o eixo da via, uns segundos depois, antes da bomba de gasolina.
10. Ademais, foi produzida prova testemunhal neste sentido. Conforme relata a testemunha BB, condutor do veículo seguro VF (entre os minutos 06:36 e 09:19 da gravação do depoimento da testemunha), e é confirmado pela testemunha CC, condutora do veículo MQ (entre os minutos 02:29 e 05:03 gravação do depoimento da testemunha),
11. O condutor do veículo VF já tinha iniciado a manobra de ultrapassagem do veículo MQ, e encontrava-se na faixa do lado esquerdo, antes de ocorrer o embate com o veículo VI.
12. Sendo que, entre os minutos 06:11 e 07:01 do ficheiro de áudio correspondente ao depoimento da testemunha CC, a mesma confirma que percecionou que o veículo que iniciou a ultrapassagem foi o veículo atrás do seu, ou seja, o veículo seguro VF.
13. E, entre os minutos 07:06 e 07:46, a testemunha CC afirma com clareza que observou as luzes do veículo VF a desviar-se para a faixa da esquerda, e que apenas após este movimento e, quando aquele veículo já se encontrava na faixa da esquerda, ouviu um barulho forte, correspondente ao embate entre os veículos VF e VI.
14. Sendo que, tanto o condutor do veículo seguro VF como a condutora do veículo MQ afirmam expressamente que aquele já tinha iniciado a manobra de ultrapassagem e posicionado o veículo na faixa da esquerda, quando ocorreu o embate.
15. O depoimento da testemunha BB, ajuda a compreender a dinâmica que se seguiu, com precisão, entre os minutos 13:00 e 17:14
16. Sendo que, após o veículo VF iniciar a ultrapassagem e se colocar lado a lado com o veículo MQ, dá-se o embate entre a frente do veículo VI, conduzido pelo Autor, e a parte lateral esquerda traseira do veículo VF, seguindo os veículos por alguns metros lado a lado, a raspar um no outro, até que o veículo VI se despista.
17. O que é comprovado pelas fotografias dos veículos juntas aos autos, a fls__, contantes do relatório de averiguação junto aos autos com a contestação, como documento n.º 5 junto, que revelam uma cavidade maior na zona lateral esquerda traseira do veículo VF e danos por raspagem na restante lateral e lateral direita do veículo VI.
18. A assim não ser, ou seja, se não tivesse ocorrido o embate já após o veículo seguro VF se encontrar a ultrapassar, na via da esquerda, e vir a raspar no veículo VI, seria inexplicável, fisicamente – como o Tribunal a quo não foi capaz de explicar ao dar como provada a versão da dinâmica do sinistro alegada pelo Autor – como é que o veículo VF, após o embate com o veículo VI veio a terminar a manobra de ultrapassagem do veículo MQ, de forma contínua, imobilizando-se à frente do veículo MQ.
19. Ora, o depoimento da testemunha CC entre os minutos 09:13 e 10:02 e o depoimento da testemunha BB, entre os minutos 07:34 e 09:19 e 19:07 e 19:13 das respetivas gravações, relatam uma dinâmica de sinistro segundo a qual o condutor do veículo seguro VF terminou a manobra de ultrapassagem à frente do veículo MQ (o que nenhuma testemunha ou elemento de prova negam)
20. Ora, tal facto apenas é compatível com a dinâmica do sinistro relatada pelo condutor do veículo seguro na Ré, ora Recorrente.
21. Porquanto, se o embate se tivesse dado enquanto o VF se encontrava ainda à retaguarda do MQ (conforme alegado pelo Autor), não haveria espaço, nem o respetivo condutor sentiria necessidade de colocar-se à frente do MQ, para imobilizar o veículo.
22. Ora, o Tribunal a quo julgou pouco credível o depoimento da testemunha BB unicamente porque, no final do seu depoimento, o mesmo afirma que na faixa de rodagem onde se deu o acidente seria impossível circularem mais do que dois veículos lado a lado, após ter afirmado que houve um momento em que esteve lado a lado com os veículos MQ e VI em simultâneo.
23. Contudo, o Tribunal a quo olvida que a mesma testemunha BB afirma, pelo menos duas vezes, (ao minuto 07:34 da gravação de áudio disponibilizada na plataforma citius) que o veículo VI já vinha mais à esquerda do que a via da esquerda, bem como olvida que no local do sinistro, havia uma berma de relva do lado esquerdo, onde o veículo VI terá circulado parcialmente, conforme fotografias juntas aos autos, contantes do relatório de averiguação junto aos autos com a contestação, como documento n.º 5 junto.
24. Mais olvidando o depoimento do perito averiguador de sinistros arrolado pela Ré, DD, prestado em sede de audiência no dia 20/03/2025, cujo depoimento teve início pelas 15:22 horas e fim pelas 15:34 horas, com início pelas 15:22 horas e fim pelas 15:34 horas, gravado em ficheiro de áudio disponibilizado na plataforma Citius, entre os minutos 08:13 e 08:36, em que o mesmo afirma que havia espaço para circular na berma de relva, à esquerda da faixa de rodagem.
25. Pelo que a afirmada impossibilidade de circularem três veículos lado a lado na faixa de rodagem, não impede a possibilidade de circularem os três veículos lado a lado, se o veículo VI se encontrasse a utilizar parcialmente a berma de relva, o que explica também o despiste do mesmo.
26. Assim, impunha-se ao Tribunal a quo que tivesse dado como provada a dinâmica relatada pelas mesmas.
27. Acresce ainda que, no que respeita ao facto não provado 21., entende a ora Recorrente que devia este também passar a figurar do elenco de factos provados.
28. É facto assente, porque não impugnado, o facto de a velocidade máxima permitida no local ser de 70km/h, conforme artigo 14.º da contestação apresentada pela Ré.
29. Ora, do depoimento da testemunha CC, ao minuto 12:14 da gravação, resultou que a mesma seguiria a aproximadamente 60km/h e do depoimento, e do depoimento da testemunha BB, ao minuto 03:21, resultou que o mesmo seguiria a, aproximadamente 50km/h.
30. Sendo certo que, para ultrapassar os referidos veículos, o veículo VI teria que estar a velocidade superior, o que pôde inclusive confirmar-se pelo vídeo junto aos autos em sede de audiência de julgamento, no qual pode observar-se a passar pela bomba de gasolina o primeiro veículo (MQ, conduzido pela testemunha CC), de seguida, o veículo seguro (VF, conduzido por BB), e, com algum distanciamento, a velocidade bastante superior, o veículo VI conduzido pelo Autor.
31. Assim, considera a ora Recorrente que foi produzida prova bastante no sentido de velocidade a que circulava o veículo VI ser superior ao limite legal.
32. De resto, no que respeita ao facto 22. do elenco de factos não provados constantes da sentença recorrida, entende também a Recorrente que deveria o mesmo passar a constar do elenco de factos provados.
33. Com efeito, a prova constante dos autos que impõe decisão diversa é o depoimento da testemunha DD, perito averiguador de sinistros, que teve lugar no dia 20/03/2025, com início pelas 15:22 horas e fim pelas 15:34 horas, gravado em ficheiro de áudio disponibilizado na plataforma Citius, entre os minutos 06:17 e 06:24 da gravação do depoimento da referida testemunha.
34. Contudo, pode observar-se no vídeo junto aos autos em sede de audiência de julgamento, que o veículo VI passou para a via de circulação da esquerda, antes de passar a entrada da bomba de gasolina.
35. Ou seja, o veículo VI iniciou a manobra de ultrapassagem antes de terminar a linha contínua e, bem assim, antes de passar o sinal de proibição de ultrapassagem, o que já vinha sendo afirmado pelo relatório junto aos autos, elaborado pela referida testemunha, a qual analisou o local e o afirma com clareza.
36. Pelo que é evidente que o condutor do veículo VI violou a norma constante do artigo 146.º o) do Código da Estrada.
37. Assim e, por fim, no que respeita ao facto 20. do elenco de factos não provados, da sentença recorrida, deve o mesmo ser considerado provado, uma vez que, nos termos acima expostos, foi o Autor quem não verificou se poderia realizar a manobra de ultrapassagem em condições de segurança!
38. Assim, conforme supra exposto, das fotografias dos veículos e do local do acidente – contantes do relatório de averiguação junto aos autos com a contestação, como documento n.º 5 junto -, e do vídeo junto aos autos em sede de audiência de julgamento, mostra-se mais credível a dinâmica de sinistro relatada pelo condutor do veículo seguro VF.
39. Sendo certo que os esboços de acidente das DAAA elaboradas pelos intervenientes – vide documento n.º 3 junto aos autos com a petição inicial e documento n.º 2 junto aos autos com a contestação – mostram-se contraditórios. Não obstante, em ambos, o veículo VF aparece a efetuar a manobra de ultrapassagem em primeiro lugar, mostrando-se como mais verosímil a versão da dinâmica do acidente relatada pelo respetivo condutor, BB (na primeira imagem o veículo A, na segunda imagem o veículo B).
40. Sendo que, também o auto de participação da PSP é compatível com a versão relatada pelo condutor do veículo seguro VF, BB – conforme Documento n.º 4 junto aos autos com a Petição Inicial.
41. Assim, de tudo quanto se encontra exposto, entende a ora Recorrente que o douto Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação da prova produzida, desconsiderando elementos de prova de enorme relevo.
42. Assim, e face ao que acima se alegou, deverá a sentença ora em crise ser substituída por outra que adite os pontos 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 19., 20., 21. e 22 da matéria de facto não provada à matéria de facto dada como provada.
43. Ademais, para dar como provados e não provados os factos atinentes à dinâmica do sinistro, o Tribunal deu especial relevância ao depoimento da testemunha EE, prestado no dia 20/03/2025, entre as 10:55 horas e as 11:18 horas, gravado em ficheiro áudio disponibilizado na plataforma Citius, desconsiderando por completo o depoimento das outras duas testemunhas imparciais, que presenciaram o acidente, e depuseram em audiência de julgamento, isto é, CC (condutora do MQ), que teve lugar no dia 20/03/2025, com início pelas 14:48 horas e fim pelas 15:02 horas, gravado em ficheiro de áudio disponibilizado na plataforma Citius, e BB (condutor do veículo seguro VF), que teve lugar no dia 20/03/2025, com início pelas 14:23 horas e fim pelas 14:47 horas, gravado em ficheiro de áudio disponibilizado na plataforma Citius.
44. Nesta medida, e por tudo quanto se expos supra, entende a ora Recorrente que os autos comportam elementos de prova suficientes para que seja dada como provada a dinâmica do sinistro relatada pelo condutor do veículo seguro, ao invés da dinâmica do sinistro que vem alegada pelo Autor, a qual foi corroborada, apenas em parte, pela testemunha EE.
45. Assim, entende a ora Recorrente que o douto Tribunal a quo fundamentou, de forma genérica, que formou a sua convicção com base na prova documental junta aos autos e no depoimento da testemunha EE prestado no dia 20/03/2025, entre as 10:55 horas e as 11:18 horas, gravado em ficheiro áudio disponibilizado na plataforma Citius.
46. Contudo, fez uma incorreta apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, na medida em que deu por provada a matéria constante nos pontos E), F), G), H), I), J) e K) da matéria de facto dada como provada, para a qual não se produziu prova suficiente para que se pudesse dar a mesma como provada.
47. Nestes termos, deve a sentença ora em crise ser substituída por uma outra que elimine os pontos E), F), G), H), I), J) e K) do elenco de factos provados, e passe a constar dos factos não provados,
48. E inclua os pontos 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 19., 21., 21. e 22. Na matéria de facto dada como provada.
49. Assim, e atento a impugnação dos pontos 10., 11., 12., 13. e 14. dos factos não provados e dos pontos E), F), G), H), I), J) e K) dos factos provados, conclui-se assim pela violação, por parte do Autor, das normas constantes nos artigos 24.º n.º 1, 27.º n.º 1, 28.º n.º 1 al. b) e 2, 35.º n.º 1, 38.º n.º 1 e 2 al. c), 41.º n.º 2, 60.º n.º 1 al. b) e 146.º o), todos do Código da Estrada.
50. O artigo 570.º n.º 1 do Código Civil prevê que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
51. Assim, tudo visto, atento a expressão significativa da culpa do Autor, devia o Tribunal a quo ter atribuído ao Autor, de forma exclusiva, a culpa pelo sinistro, excluindo-se, em consequência, qualquer indemnização, nos termos da parte final do n.º 1 e n.º 2 do artigo 570.º do Código Civil.
52. Face ao que acima se alegou, deverá a sentença ora em crise ser substituída por uma outra que, por via da eliminação dos pontos E), F), G), H), I), J) e K) do elenco de factos provados e inclusão dos pontos 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 19., 21., 21. e 22. na matéria de facto dada como provada, conclua pela falta de culpa do condutor do veículo seguro VF e a Recorrente seja considerada irresponsável pelos danos decorrentes do sinistro.
53. Mais se requerendo que a Recorrente seja absolvida dos pedidos formulados pelo Autor, porquanto é possível apurar que a responsabilidade do acidente de viação objeto dos autos se deveu única e exclusivamente à conduta do próprio Autor, o que desde já se requer para todos os devidos e legais efeitos.
54. Caso assim não se entenda, prevê o artigo 506.º n.º 2 do Código Civil que “Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores”.
55. Assim, ainda que entendesse dúbio o facto de qual o veículo que iniciou a manobra de ultrapassagem em primeiro lugar, o artigo 506.º n.º 2 impunha que a responsabilidade fosse repartida em 50% para cada um dos intervenientes.
56. Assim, subsidiariamente se requer, muito respeitosamente, que seja a sentença ora em crise substituída por uma outra que, por via da eliminação dos pontos E), F), G), H), I), J) e K) e inclusão dos pontos 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 19., 21., 21. e 22. na matéria de facto dada como provada, conclua pela repartição da responsabilidade dos intervenientes em 50% para cada um.
57. Não podendo a ora Recorrente ser condenada em quantia superior a 50% dos danos apurados.
58. Em consequência, deve a sentença recorrida ser também alterada, devendo a ora Recorrente ser absolvida do pedido formulado pelo ISS, IP, uma vez que a culpa do acidente se deveu única e exclusivamente ao Autor e que o veículo seguro não contribuiu, em nenhuma medida, para a ocorrência do acidente.
59. Sem conceder, não deve a ora Recorrente ser condenada em quantia superior a 50% do referido dano sofrido pelo ISS, IP, atento a eventual dificuldade de repartição de responsabilidades, nos termos do artigo 506.º n.º 2 do Código Civil,
60. Que se computa num máximo de € 4.456,09, o que se requer para todos os devidos e legais efeitos.
61. No que respeita ao dano biológico arbitrado pelo Tribunal a quo, este não concretiza o critério que usou, nem tão pouco enunciou decisões jurisprudenciais semelhantes para depois do cálculo efetuado, vir a atingir o valor de € 70.000,00 de indemnização arbitrada a este título.
62. Sendo que, em momento algum o Tribunal a quo faz referência a outras decisões semelhantes de tribunais superiores para a fixação do valor da indemnização com recurso à equidade e, no entendimento da Recorrente, o valor arbitrado não se harmoniza com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, são seguidos em situações análogas ou equiparáveis, em violação do disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil.
63. Assim, a admitir-se a atribuição de uma indemnização nos moldes em que o fez o Tribunal a quo, estar-se-á a transformar a atribuição de uma compensação numa forma de enriquecimento do lesado, em clara violação do que vem disposto no artigo 566.º, n.º 3 do CC, extravasando, em larga medida, os juízos de equidade por que se devem nortear os tribunais na fixação deste tipo de indemnizações.
64. Nesta medida, e ressalvando novamente o devido respeito, a sentença recorrida erra na aplicação das normas constantes dos artigos 8.º, n.º 3, 562.º, 564.º, e 566.º n.º 3 do CC, na medida em que extrapola a indemnização atribuída ao Recorrido.
65. Assim, e por todas as razões já expostas, deverá a sentença proferida ser substituída por decisão que quantifique o dano biológico de que o Autor terá padecido em montante nunca superior a € 50.000,00.
66. Também quanto aos danos não patrimoniais, a Recorrente não pode deixar de se insurgir contra a compensação arbitrada ao Autor, porquanto a mesma é excessiva e extravasa os padrões comuns da nossa jurisprudência, em violação do disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil.
67. Salvo o devido respeito, que é muito, a manter-se a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo estamos claramente perante um enriquecimento abusivo por parte do Autor, ora Recorrido, à custa da Recorrente!
68. Assim, tendo presente os já citados acórdãos quanto a medida da indemnização em concretos casos, afigura-se conveniente indicar os critérios seguidos em casos com alguma similitude, pese embora a variedade da vida, nos termos do artigo 8.º n.º 3 do CC.
69. Face ao supra exposto, o montante de € 75.000,00 fixado é totalmente desadequado, por excessivo.
70. Pelo que deve ser revogada a Sentença proferida e substituída por outra que seja consentânea com os valores jurisprudenciais que têm vindo a ser atribuídos.
71. Assim, e tendo já em conta todos os factos dados como provados na sentença proferida, não devia o douto Tribunal a quo ter fixado a compensação dos danos não patrimoniais do Autor em quantia superior a € 30.000,00.
72. Sendo que, ao fazê-lo, o Tribunal violou o disposto nos artigos 8.º n.º 3, 483.º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º, n.º 3 e 570.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil.
73. Face ao exposto, deve a quantia fixada para indemnização por danos não patrimoniais do Recorrido ser corrigida, para um máximo de € 30.000,00 por se mostrar um valor mais justo e equitativo.
74. Tudo visto, deve a ora Recorrente ser absolvida dos pedidos formulados pelo Autor, atento a falta de culpa do condutor do veículo seguro pela eclosão do acidente em apreço nos autos.
75. Ainda que assim não se entenda, subsidiariamente, entende a ora Recorrente que não pode a mesma ser condenada além de 50% dos danos totais quantificados.
76. Sendo certo que, no que respeita ao dano biológico, não deve a indemnização a arbitrar ser superior a € 25.000,00 (50% x € 50.000,00).
77. E, bem assim, no que respeita aos danos não patrimoniais, não deve a indemnização ser fixada em quantia superior a € 15.000,00 (50% x € 30.000,00).
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra que tenha em consideração o ora exposto pela Recorrente no que respeita à atribuição da responsabilidade pela ocorrência do sinistro em apreço nos autos, com as devidas consequências no pedido de reembolso do ISS, IP., devendo a ora Recorrente ser absolvida de todos os pedidos formulados nos autos.
Sem conceder, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra que tenha em consideração o ora exposto pela Recorrente no que respeita à repartição da responsabilidade pela ocorrência do sinistro em apreço nos autos, nos termos do artigo 506.º do Código Civil, com as devidas consequências no pedido de reembolso do ISS, IP. e, bem assim, que tenha em consideração as decisões que têm sido proferidas quanto a semelhantes danos, não podendo a eventual condenação a título de dano biológico ser superior a € 25.000,00, e a eventual condenação a título de danos não patrimoniais ser fixada em quantia superior a € 15.000,00, só assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”.
*
Contra-alegou o autor, pugnando pela improcedência do recurso, terminando com as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:
CONCLUSÕES:

1. Não podia ter sido outro - na perspetiva do Recorrido - o destino do presente processo senão o decidido.
2. Tal posição do Recorrido assenta, em primeiro lugar, nas mesmas razões de facto e de direito doutamente explicitadas na decisão em crise, as quais deverão levar necessariamente à confirmação daquela sentença.
3. O conteúdo da douta peça a que se responde em nada belisca a estrutura daquela decisão.
4. Os depoimentos transcritos e documentos analisados, em nada são suficientes para obter uma decisão diferente da proferida.
5. Os Recorrentes não demonstraram, com evidência, através de um juízo crítico sobre todas as provas produzidas um determinado ponto de facto, que os meios de prova impunham, uma decisão diversa sobre os factos dados como provados e não provados em sede de 1ª instância.
6. Conclui-se, pois, que bem andou o douto Tribunal ao decidir no sentido em que o fez, atentos os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, conjugados com a restante prova produzida, que não só apontam na mesma direção como impõem a mesma conclusão que vingou na 1º instância.
7. Nenhuma censura há a fazer à posição perfilhada na decisão recorrida, a qual se mostra especificadamente fundamentada, nela constando tudo o que com interesse se poderia consignar.
8. Não assiste razão aos Recorrentes, pois que, torna-se evidente que o juízo formulado pelo Julgador “a quo” é o que se mostra mais consentâneo com a realidade.
9. Não há na douta sentença qualquer erro de julgamento, pelo que o presente recurso carece de qualquer fundamento.
10. Os depoimentos transcritos e referentes às testemunhas BB, CC, DD em nada afastam ou são de molde a determinar a alteração da matéria de facto dada como assente na sentença em crise.
11. Como decorre da fundamentação da matéria de facto expendida na sentença “a quo” o depoimento da testemunha BB, não foi considerado credível em confronto com o da testemunha que depôs sobre a matéria, com os documentos e com as regras da experiência comum.
12. O mesmo contraria as leis da física e não é confirmado pela testemunha EE que afirma o embate de veículo da testemunha BB na lateral direita do veículo do Autor (a amolgadela que se vê na porta da frente e os sinais de raspagem mais à frente) quando o veículo do Autor estava em manobra de ultrapassagem, do mesmo, e este seguia na hemifaixa da direita, atrás do veículo da testemunha CC.
13. A testemunha CC não apresentou um depoimento determinante, na medida em que não conseguiu afirmar qual o veículo que iniciou em primeiro a ultrapassagem do seu (só se apercebeu das luzes fortes e que o seu veículo estava a ser ultrapassado).
14. Nem pelas fotografias dos danos verificados nos dois veículos acidentados, que permitem visualizar a inexistência de danos compatíveis com a versão apresentada pela testemunha BB.
15. Na sentença “a quo” o tribunal entendeu que não foi feita prova pela Ré da sua versão do acidente, nem esta provou a velocidade a que seguia o veículo do Autor e que este iniciou a ultrapassagem em local onde ainda havia uma linha continua a separar as duas faixas de rodagem.
16. Tudo aquilo que a Ré teria que provar para convencer o tribunal a quo de que o acidente não havia ocorrido segundo a versão do Autor.
17. Factos que a Recorrente pretende ver alterado com os depoimentos transcritos, quando dúvidas não restam, também pelo modo coerente como a testemunha EE confirmou que o embate acontece no momento em que o veículo do Autor já se encontrava a ultrapassar o veículo VF e a par com este.
18. O embate só acontece porque o condutor do VF - BB – não teve em atenção que o veículo do Autor já estava a ultrapassa-lo e decide invadir a via de trânsito por onde já circulava o veiculo do Autor, nele embatendo.
19. Como já havia sido decidido no âmbito do Processo Comum nº 4571/22.2T8BRG que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Vila Verde - documento junto aos presentes autos - em que figuraram como partes o Hospital ... E.P.E e a EMP02... – Companhia de Seguros, S.A. e onde foi fixada a dinâmica do acidente que causou danos ao Autor e na qual se conclui pela culpa grave e exclusiva do condutor do veículo com a matrícula ..-..-VF no acidente em discussão nos autos.
20. Os depoimentos transcritos e as imagens decalcadas nas, aliás, doutas alegações apresentadas são absolutamente irrelevantes para o apuramento dos pontos da matéria que ora se pretendem alterar porquanto, nada de relevante acrescentam e que permita a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada.
21. Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
22. A prova testemunhal não é, pois, para ser avaliada aritmeticamente.
23. Não conduzindo os extratos dos depoimentos prestados pelas testemunhas apontadas e transcritos e as imagens expostas ao desfecho pretendido, nomeadamente, não provam outra responsabilidade do acidente de viação dos autos e em consequência a atribuição de culpa na ocorrência do mesmo.
24. Quanto ao dano biológico também aqui a sentença proferida não merece qualquer reparo no concerne ao cálculo do montante indemnizatório.
25. A esperança média de vida considerada pelo Instituto Nacional de Estatística para o triénio 2022-2024 é estimada em 81,49 anos, sendo 78,73 anos para os homens e 83,96 anos para as mulheres, pelo que a esperança média de vida indicada na sentença em apreciação é correta.
26. Encontram concretamente explanados os critérios usados pela Mª Juiz a quo para atingir o valor arbitrado a título de indemnização.
27. Este foi fixado tendo em conta a situação concreta em análise, a qual foi apreciada casuisticamente, foi verificado que a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado, por si só, uma perda da capacidade de ganho, aplicando a equidade, norteada pelos princípios da igualdade com uma uniformização de critérios geralmente adotados pela Jurisprudência em casos análogos, tendo sido, em consequência, obtido o valor correto.
28. O valor indicado em nada preenche ou pode conceder ao Recorrido qualquer enriquecimento, por ser um montante justo e corretamente fixado.
29. No que respeita aos danos não patrimoniais o Recorrente também aqui, apenas aponta como elemento discordante e base das suas alegações quanto ao montante atribuído a este título os parâmetros que vêm sendo seguidos pela Jurisprudência.
30. Os acórdãos mencionados não retratam situações tão graves como a dos autos, reportam a situações ocorridas há mais de 10, 15 e 20 anos, pelo que da simples análise e apreciação se pode afirmar sem qualquer dúvida que a decisão é justificada e equilibrada, tendo sido utilizados e contemplados na sentença em Recursos os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela Jurisprudência.
31. A decisão em recurso também não merece reparo no montante atribuído no que aos danos não patrimoniais respeita.
32. Não há na douta sentença em crise qualquer erro de julgamento, pelo que o presente recurso carece de fundamento.
TERMOS EM QUE:
deve negar-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA.”.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em:

1. conhecer da impugnação da matéria de facto;
2. saber da adequação da imputação da culpa ao condutor do veículo segurado na ré;
3. saber da adequação das indemnizações fixadas.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

“A) No dia 13 de Fevereiro de 2020, pelas 21 horas e 30 minutos, na E.N. ...05 – estrada .../..., freguesia ..., ..., concelho ..., na chamada zona do ..., também conhecida por recta de ..., o veículo ..-VI-.. seguia no sentido .../...,
B) conduzido pelo Autor e com reserva de propriedade a favor, nessa data, de Banco 1... Gmbh ..., tendo a transferência de propriedade do veículo automóvel para o Autor ocorrido em Março de 2020.
C) O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, modelo ..., da marca ..., com a matrícula ..-..-VF, propriedade de FF e conduzido por seu filho BB, seguia na mesma via e sentido de trânsito.
D) À frente do veículo ..-..-VF circulava na mesma via de trânsito e no mesmo sentido o veículo ..-MQ-...
E) O Autor iniciou manobra de ultrapassagem aos dois veículos ..-..-VF e ..-MQ-.., que circulavam à sua frente pela hemifaixa direita de rodagem.
F) Estando já o veículo do Autor paralelo ao veículo ligeiro de passageiros ..-..-VF, ao km 38,100, este inicia manobra de ultrapassagem ao veículo ..-MQ-.. que estava diante si,
G) sem que o Autor concluísse a manobra de ultrapassagem,
H) não lhe concedendo passagem,
I) e invadindo a faixa de rodagem esquerda por onde seguia o veículo do Autor.
J) O veículo ..-..-VF provocou assim o embate no veículo que o Autor conduzia, na parte lateral direita desse veículo,
K) E provocou o despiste do veículo que o Autor tripulava, que embateu numa ponte existente no local.
L) Nessa sequência, o Autor ficou encarcerado.
M) +
O) Em consequência do acidente, o Autor sofreu:
- três perfurações do intestino delgado;
- lesão de peças dentárias;
- fractura do 3º arco costal lateral direito com pneumotórax ipsilateral;
- fractura do corpo vertebral de L3, bem como das apófises transversas direita de L2 e esquerda de L4; e foi ainda detectada anterolistese de L5, grau I;
- fractura cominutiva da diáfise femoral esquerda;
- fractura do 3º, 4º, 5º metatarsos;
- fractura do terço médio da diáfise da clavícula esquerda.
P) Que determinaram a sua condução, pela viatura Médica de Emergência e Reanimação e pelo INEM, ao Hospital ....
Q) Sendo transportado imobilizado em plano duro e com colar cervical, em estado grave, politraumatizado.
R) Nesta unidade hospitalar, na urgência geral – sala de reanimação de adultos – foram-lhe prestados os socorros intensivos e efectuados os meios complementares de diagnóstico e terapêutica.
S) A gravidade das lesões sofridas pelo Autor determinou a realização urgente de uma intervenção cirúrgica a 14.02.2020 para colocação de dreno torácico.
T) No mesmo dia, uma cirurgia para laparatomia exploradora e ressecção parcial do intestino delgado (enterectomia segmentar de cerca de 30 centímetros de jejuno e enterorrafia no íleo distal).
U) Em 18/02/2020, uma cirurgia ortopédica para redução fechada da fractura do fémur com fixação interna e fusão lombar e lombo-sagrada da coluna posterior, com instrumentação L1-L2-L4-L5.
V) Para tratamento das fracturas ortopédicas sofridas a nível do fémur, metatarsos e da clavícula, o Autor foi submetido a tratamento conservador com tala gessada e suspensor braquial.
W) No decorrer do internamento hospitalar, por o Autor se encontrar politraumatizado por extensas lesões, foi submetido a um conjunto de exames médicos, como RX, TAC e RM.
X) Em 16.02.2020, foi realizada uma tomografia computorizada maxilofacial na qual foi diagnosticada um ligeiro desalinhamento dos ossos do nariz com a apófise frontal do maxilar à direita, discreto espessamento mucoso no seio maxilar esquerdo e no seio esfenoidal e um ligeiro espessamento dos tecidos moles periorbitários à direita.
Y) O Autor permaneceu internado naquela unidade hospitalar até ao dia 24.02.20, data em que foi autorizado a deixar a instituição de saúde, com instruções de permanecer na sua habitação.
Z) Com a indicação para cuidados de penso duas vezes por semana e para retirar os pontos a partir do 15º dia pós-operatório.
AA)Tinha o Autor ordem e necessidade de manter um imobilizador do cotovelo e ombro,
BB) e, ainda, instruções para não realização de abdução.
CC) Tendo sido aprazada para Abril uma consulta de reavaliação de ortopedia, prescrição de RX e medicação.
DD)Deste modo, o Autor permaneceu doente, combalido e retido no leito, durante cerca de seis semanas, dali saindo apenas para realização de tratamentos médicos e consultas.
EE) Em 27.04.2020 foi realizada consulta externa de medicina física e reabilitação, na qual foram analisados os exames radiológicos efectuados, em 16.04.2020, à perna esquerda, coluna lombar, tornozelo esquerdo, clavícula esquerda, bacia, coxa, pé e joelho esquerdos e, ainda, membros inferiores extra longo.
FF) O RX da clavícula esquerda revelou a fractura não consolidada com importante desvio.
GG) Por essa razão foi, uma vez mais, dado ao Autor instruções no sentido da não realização de abdução do ombro esquerdo.
HH) Foi prescrito ao Autor tratamento fisiátrico no Hospital ....
II) Atenta a demora no início daqueles tratamentos no centro Hospitalar e sabendo o Autor que se mostravam essenciais e imprescindíveis à sua recuperação, decidiu iniciar os tratamentos fisiátricos a título particular, custeando-os na íntegra.
JJ) A 9 de Junho de 2020 foram prescritas quinze sessões, de tratamento fisiátrico.
KK)Em 8 de Julho e 26 de Agosto de 2020, em consulta de medicina física e reabilitação foi renovada a prescrição de “indicação absoluta para efetuar tratamento fisiátrico”.
LL) O Autor despendeu o valor de 1.050,00 € no pagamento de consultas de medicina física e de reabilitação e sessões de fisioterapia.
MM) O Autor tinha ordem e necessidade de utilização de canadianas.
NN)Por atraso de consolidação sintomático de fratura da clavícula esquerda, o Autor foi admitido electivamente em regime de ambulatório aos oito meses após traumatismo, para ser submetido a tratamento cirúrgico, no Hospital ... EPE.
OO)Em 22.10.2020 o Autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica para descorticação osteoperiosteal de pseudartose da clavícula esquerda e, ainda, a redução aberta e fixação interna com placa bloqueada anatómica da clavícula e colocação de enxerto autólogo de osso esponjoso da crista ilíaca ipsilateral.
PP) Por força desta intervenção cirúrgica, o Autor permaneceu naquela unidade hospitalar durante um dia, tendo-lhe sido dada alta clínica em 23.10.2020.
QQ) No plano continuidade de cuidados pós alta, foram prescritos ao Autor analgésicos para suportar as dores,
RR) cuidados de penso duas vezes por semana em consulta externa de ortopedia,
SS) retirada de material de sutura aos 12/15 dias pós-operatório,
TT) e, ainda, a não realização de esforços ou carregamento de pesos.
UU) Na sequência daquela intervenção cirúrgica para reavaliação da situação clínica do Autor, em 21.12.2020 foi realizada consulta de ortopedia,
VV)na qual foi prescrita a extração do material de osteossíntese, por apresentar exposição daquele material.
WW) O Autor manteve o acompanhamento médico no Hospital ... EPE., no qual teve várias consultas de ortopedia,
XX) sendo que em 10.03.2021 foi receitada ao Autor a toma de paracetamol ciclum, em virtude das dores sofridas.
YY) Em 02.12.2021, o Autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica para extração do material de osteossíntese da clavícula esquerda.
ZZ) Por força dessa intervenção, foram prescritos três medicamentos, a saber Sodolac, Paracetamol ciclum e Augmentin duo.
AAA) Em razão da continuidade de cuidados no seguimento da fractura lombar e diáfise fémur esquerdo, em 17.05.2022, o Autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica, naquela unidade hospitalar, para extração do material de osteossíntese.
BBB) Em virtude daquele tratamento, teve o Autor ordem e necessidade de se locomover com o apoio de canadianas durante duas semanas,
CCC) tendo-lhe sido prescrito vários medicamentos para tratamento da dor e prevenção de tromboembolismo,
DDD) e, ainda, cuidados de penso duas vezes por semana em consulta externa de ortopedia.
EEE) O tratamento e a recuperação do Autor prolongaram-se durante vários meses.
FFF) O Autor desde a data da alta hospitalar, em 24.02.2020 – e exceptuando os períodos de internamento hospitalar a que se sujeitou – necessitou do auxílio e ajuda da sua mãe de outros familiares próximos para a realização das tarefas mais elementares do seu dia a dia.
GGG) À data do acidente, o Autor exercia funções laborais numa empresa que se dedica a trabalhos de exploração de serralharia civil, nomeadamente fabrico, comércio e montagem de artigos em metal e em alumínio.
HHH) No âmbito dessa sua actividade executava tarefas referentes à categoria profissional de aprendiz de serralharia, que implicavam trabalhos de força e destreza física.
III) Actividade que desempenhava há já quase 3 anos, com zelo, dedicação e assiduidade, até à data do sinistro, o que muito o orgulhava.
JJJ) Por força do exercício dessa sua actividade laboral, auferia, à data do acidente, o salário mensal € 817,14, com os proporcionais dos subsídios de férias, Natal e alimentação.
KKK) O Autor padeceu de incapacidade para o trabalho nos períodos compreendidos entre 26.02.2020 até 01.09.2021, entre 19.11.2021 até 26.04.2022 e desde 17.05.2022.
LLL) Durante aqueles interregnos de tempo o Autor deixou de auferir a parte do vencimento que determina o trabalho efectivo.
MMM) Em 1 de Setembro de 2021, pela comissão do serviço de verificação de incapacidades temporárias, do Instituto da Segurança Social, I.P., foi deliberado que não subsistia a incapacidade temporária para o trabalho.
NNN) Da ficha de aptidão para o trabalho, resultou a aptidão condicionada para a execução das suas funções laborais, ficando consignado a correção de condições de trabalho, nomeadamente “esforços ligeiros, evicção de trabalho em pisos irregulares ou altura, evicção de transporte de cargas superior a 10 kg, evitar postos de trabalho com flexão repetida de tronco e joelhos. Pausas se necessário”.
OOO) Ainda em razão do embate ocorreu a inutilização de todo o vestuário que o Autor tinha à data, no valor de 200,00 €.
PPP) Aquando do acidente, o Autor, nos segundos que antecederam a colisão, e durante e após esta, sentiu a eminência da morte, o que lhe causou a maior agonia, medo e angústia.
QQQ) Viu-se impossibilitado de realizar as tarefas elementares do seu dia a dia.
RRR) Tem vivido na angústia da incerteza de um dia recuperar uma locomoção e movimentação sem qualquer tipo de claudicação e dor.
SSS) O Autor jogava futebol, tendo praticado aquela modalidade ao longo de vários anos da sua juventude ao serviço do ..., ... e no ...,
TTT) e também praticava Kickboxing e fazia caminhadas.
UUU) Em consequência do acidente a prática de todas estas actividades encontra-se vedada ao Autor, inclusivamente a prática de actividade física no ginásio, pois as lesões determinaram perda de flexibilidade, equilíbrio, mobilidade, afectando a sua destreza física,
VVV) e as dores nas costas e clavícula impedem o Autor de conviver e se relacionar com normalidade e alegria.
WWW) E ainda repercussões na sua vida profissional pois que tem dificuldade em carregar pesos, com necessidade de efectuar paragens para descanso.
XXX) As sequelas de que é portador são incompatíveis com as exigências físicas do trabalho de serralheiro, que desenvolvia, tendo visto as suas funções serem alteradas para as de administrativo.
YYY) Nunca mais poderá desempenhar as funções laborais sem limitações e a progressão em qualquer carreira profissional será afectada em razão das limitações físicas de que ficou a padecer.
ZZZ) Era pessoa sociável, alegre, ágil, escorreito e bem-disposto, dotado de força e destreza, prestava a sua atividade profissional sem qualquer restrição, provendo à sua subsistência.
AAAA) O Autor ficou com sequelas irreversíveis, sente-se triste e desconfortável com as cicatrizes, tem angústia, sente-se incapaz, reduziu o convívio com os amigos, sente abalo psicológico, vive com desgosto e baixa autoestima.
BBBB) As sequelas que o Autor apresenta e que estão relacionadas com o evento em causa são: apresenta marcha claudicante, sem recurso a ajudas técnicas; face – cicatriz de 1 cm normocromica, no canto externo olho direito, pouco visível e sem relevância do ponto de vista estético; ráquis – duas cicatrizes 4.5 cm paralelas reg dorsal média, duas cicatrizes de 3.5 cm paralelas, na reg dorsal inferior e 2 cicatrizes de 7 cm cada uma e paralelas entre si na reg lombar; dor a digitopressão região lombar direita; tórax – cicatriz de 2x0.5 cm na face lateral linha axilar a nível 4º arco costal (dreno do pneumotorax); abdómen – cicatriz oblíqua de 16 cm, normocromica na linha média abdominal desde reg supra umbilical até reg supra púbica, sem dor; membro superior esquerdo – cicatriz ligeiramente distrófica de 14 cm na reg clavicular, com alteração sensibilidade da mesma; ligeira deformação notória da clavícula no terço médio; ligeira diminuição força, grau IV/V comparado com lado contralateral; membro inferior esquerdo – cicatriz linear de 6 cm na espinha ilíaca antero superior resultante de extração osso para enxerto (na clavícula); fémur – cicatriz de 7x1 e outra de 6x1 cm na face externa anca; cicatriz de 3x0.5 na face lateral joelho; assimetria do membro comparativamente com o lado oposto que não teve lesões; dismetria de 14 mm.
CCCC) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 17/05/2022.
DDDD) O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável em 14 dias.
EEEE) O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 193 dias.
FFFF) O Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total é fixável em 825 dias.
GGGG) O Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial é fixável em 0 dias.
HHHH) O Quantum Doloris é fixável no grau 5/7.
IIII) O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 12 pontos.
JJJJ) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.
KKKK) O Dano Estético Permanente é fixável no grau 4/7.
LLLL) A Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 4/7.
MMMM) O Autor precisará de ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas e palmilhas.
NNNN) A responsabilidade civil pelos danos ocasionados pela viatura ..-..-VF estava transferida, à data dos factos, para a Companhia de Seguros EMP01... S.A., sob a apólice ...60, válida até 12.03.2020.
OOOO) O Autor, enquanto beneficiário da Segurança Social, esteve com incapacidade temporária para a actividade profissional de 14/02/2020 a 01/09/2021.
PPPP) A Segurança Social pagou ao Autor a título de subsídio de doença nesse período a quantia de 7.915,00, acrescida de compensação compensatória de subsídio de Natal do ano de 2020, no valor de 342,94 €, e das prestações compensatórias de subsídio de férias e de Natal do ano de 2021 no valor de 654,24 €, no valor total de 8.912,18 €.
QQQQ) Existe antes do local de embate sinalização C20c (Fim da proibição de ultrapassar) e demarcada no pavimento linha continua M1.
RRRR) Antes do local do embate existe sinalização vertical C13 (Proibição de exceder a velocidade máxima de 70 km/h).”.
*
Foram dados como não provados os seguintes factos:

“1- O veículo ..-VI-.. seguia a velocidade inferior a 50, 60km/h.
2- A fim de ser assistido nas consultas a que foi sujeito, nas intervenções cirúrgicas e exames complementares de diagnóstico a que se submeteu e no ir e vir para as sessões de fisioterapia, foi obrigado a despender diversos montantes em grande parte das viagens por si efetuadas, parques de estacionamento, medicamentos, taxas moderadoras, medicamentos, fisioterapia e outros tratamentos, os quais ascenderam ao montante de € 2.268,65.
3- O Autor necessitará no futuro de nova intervenção cirúrgica de revisão da fixação metálica lombar de que é portador.
4- O Autor encontra-se deprimido.
5- Apresenta ainda contratura para vertebral na região lombar, correspondente à área onde foi efectuada a fixação metálica cirúrgica.
6- Careceu do auxílio de terceiro por um período de quatro meses.
7- Até à data da instauração da acção o Autor deixou de auferir a título de salários, o montante total de € 14.835,42.
8- O Autor foi ressarcido pela EMP02... - Companhia de Seguros, S.A. pelo valor do carro que à data se computava em € 27 200,00, deduzido do valor da franquia na quantia de € 250.
9- O Autor ficou privado do uso do veículo no período compreendido entre a data do acidente e 4 de Maio de 2020, data em que lhe foi pago o valor do veículo automóvel.
10- O condutor do veículo VF, seguro na Ré, sinalizou a manobra de ultrapassagem do veículo ..-MQ-...
11- Para o efeito, accionou o sinal luminoso (pisca) esquerdo,
12- certificando-se que se encontrava em condições, para executar a manobra em causa, em segurança,
13- nomeadamente, olhou pelos espelhos retrovisor e lateral esquerdo, verificou que não circulavam outros veículos em sentido oposto ao seu, nem à sua rectaguarda,
14- Encontrando-se a via livre e desimpedida em toda a sua extensão,
15- Após o que, deu início à ultrapassagem do veículo MQ.
16- Quando já se encontrava a ultimar a aludida manobra e a retornar a via da direita, o veículo seguro na Ré VF, foi embatido pelo veículo do A. VI, mais concretamente, na lateral esquerda do veículo VF.
17- Após o condutor do veículo VF, seguro na Ré, ter levado a cabo a manobra de ultrapassagem ao veículo MQ, o condutor do veículo VI, que seguia bem mais à retaguarda destes, iniciou uma manobra de ultrapassagem,
18- Passando a circular à esquerda dos veículos MQ e, por fim, do veículo VF,
19- Não tendo logrado evitar o embate na lateral esquerda do veículo VF, o qual se encontrava a finalizar a manobra e a reingressar na via da direita.
20- Fê-lo sem, contudo, verificar se poderia realizar a manobra de ultrapassagem em condições de segurança.
21- O condutor do veículo VI circulava a uma velocidade superior a 80 Km/h.
22- O veículo VI iniciou a manobra de ultrapassagem em local onde se encontra demarcada no pavimento uma linha longitudinal contínua.”.
*
IV. Do objeto do recurso. 

1. Da impugnação da matéria de facto.

Pretende a apelante que a matéria de facto constante dos factos provados sob as als. E), F), G), H), I), J) e K), seja considerada como não provada e que a matéria de facto constante dos factos não provados sob os números 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 19., 20., 21. e 22, seja considerada como provada.

Tais factos provados têm a seguinte redação:
E) O Autor iniciou manobra de ultrapassagem aos dois veículos ..-..-VF e ..-MQ-.., que circulavam à sua frente pela hemifaixa direita de rodagem.
F) Estando já o veículo do Autor paralelo ao veículo ligeiro de passageiros ..-..-VF, ao km 38,100, este inicia manobra de ultrapassagem ao veículo ..-MQ-.. que estava diante si,
G) sem que o Autor concluísse a manobra de ultrapassagem,
H) não lhe concedendo passagem,
I) e invadindo a faixa de rodagem esquerda por onde seguia o veículo do Autor.
J) O veículo ..-..-VF provocou assim o embate no veículo que o Autor conduzia, na parte lateral direita desse veículo,
K) E provocou o despiste do veículo que o Autor tripulava, que embateu numa ponte existente no local.
E os factos não provados que foram impugnados, têm a seguinte redação:
10- O condutor do veículo VF, seguro na Ré, sinalizou a manobra de ultrapassagem do veículo ..-MQ-...
11- Para o efeito, accionou o sinal luminoso (pisca) esquerdo,
12- certificando-se que se encontrava em condições, para executar a manobra em causa, em segurança,
13- nomeadamente, olhou pelos espelhos retrovisor e lateral esquerdo, verificou que não circulavam outros veículos em sentido oposto ao seu, nem à sua rectaguarda,
14- Encontrando-se a via livre e desimpedida em toda a sua extensão,
15- Após o que, deu início à ultrapassagem do veículo MQ.
16- Quando já se encontrava a ultimar a aludida manobra e a retornar a via da direita, o veículo seguro na Ré VF, foi embatido pelo veículo do A. VI, mais concretamente, na lateral esquerda do veículo VF.
17- Após o condutor do veículo VF, seguro na Ré, ter levado a cabo a manobra de ultrapassagem ao veículo MQ, o condutor do veículo VI, que seguia bem mais à retaguarda destes, iniciou uma manobra de ultrapassagem,
19- Não tendo logrado evitar o embate na lateral esquerda do veículo VF, o qual se encontrava a finalizar a manobra e a reingressar na via da direita.
20- Fê-lo sem, contudo, verificar se poderia realizar a manobra de ultrapassagem em condições de segurança.
21- O condutor do veículo VI circulava a uma velocidade superior a 80 Km/h.
22- O veículo VI iniciou a manobra de ultrapassagem em local onde se encontra demarcada no pavimento uma linha longitudinal contínua.”.

Vejamos então.
Entende a apelante que a matéria contida nos pontos 10, 11, 12, 13 e 14 dos factos dados como não provados, deveria ser considerada como provada, tendo por base o depoimento da testemunha BB, condutor do veículo segurado na ré.
Tal testemunha afirmou no seu depoimento, quanto a tal matéria, que “sinalizo a marcha, olho para trás como é obvio,…” e mais à frente “Há uma intenção de ultrapassar, se não não tinha feito a sinalização”. Afirmou ainda que não viu o veículo do autor antes de ocorrer o embate.
Considerando tal depoimento, temos que não cabe razão à apelante quando pretende que, com este depoimento, se dê como provados os factos em causa (10 a 14 dos não provados).
Com efeito, pese embora a testemunha em causa tenha afirmado ter sinalizado a manobra e ter olhado para trás, a verdade é que também afirmou não ter visto o veículo do autor. Ora, está provado nas als. M) e N) (que não foram impugnadas) que o local onde ocorreu o embate se configura como uma reta, com boa visibilidade, que permitia avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura, numa extensão de mais de 100 metros, sem obstáculos. Mais está provado que o acidente ocorreu no dia 13 de fevereiro, pelas 21.30 horas (al. A)), ou seja, de noite, como se pode verificar nas fotografias e vídeo juntos aos autos, captados pela câmara de vigilância da bomba de gasolina, onde se percebe igualmente que o veículo do autor, seguia com as luzes ligadas. A ser assim, a testemunha em causa, obrigatoriamente teria de ter visto que atrás de si seguia um veículo (o do autor), pois que ambos seguiam numa reta, era de noite e o veículo do autor seguia atrás do seu, com as luzes ligadas.
Não há assim como dar credibilidade às afirmações da testemunha em causa, quanto a esta matéria, sendo que o embate que veio a ocorreu, em si mesmo, desde logo afasta tal versão dos factos.
Mais entende a apelante que os pontos 15, 16, 17 e 19 dos factos não provados devem considerar-se como provados, considerando o depoimento da mesma testemunha (BB), o depoimento da testemunha CC (condutora do veículo que seguia à frente do veículo segurado), o depoimento da testemunha DD (averiguador de sinistros) e o vídeo junto aos autos em sede de audiência de julgamento.
Também aqui não cabe razão à apelante.
Começando pelo vídeo, não é possível pela sua visualização confirmar, como pretende a apelante, que o veículo VF (segurado) iniciou a manobra de ultrapassagem antes do veículo VI (do autor), pois que não é possível observar com clareza o veículo VF a desviar-se em relação ao centro da via quando passa em frente à bomba de gasolina.

No que diz respeito ao depoimento da testemunha BB, pelas razões já adiantada pelo tribunal a quo, e com as quais se concorda, o mesmo não pode ser considerado para a prova de tal factualidade, desde logo, porque a versão por si apresentada em julgamento contraria as leis da física, não é confirmada nem pela testemunha EE nem pela testemunha GG e nem pelas fotografias dos danos verificados nos dois veículos acidentados.
Atentando em tais fotografias, verificamos que o veículo seguro na ré, apresenta uma amolgadela mais evidente, sobre a porta lateral traseira, esquerda. Ora, se como afirma a testemunha BB, já estava a ultrapassar o veículo que seguia à sua frente, seguindo ao lado deste ou já à sua frente, na hemi faixa de rodagem esquerda quando ocorreu o embate, como pôde o veículo do autor ir embater-lhe nessa porta traseira esquerda? Tal dano apenas se pode justificar se, estando o veículo do autor já em ultrapassagem, o veículo seguro na ré inicia também uma manobra de ultrapassagem, atravessando-se à frente do veículo do autor. Aliás, vendo as fotografias do veículo do autor, o que se verifica é que os danos mais evidentes no mesmo ocorreram sobre a sua frente direita, ou seja, são compatíveis com a versão por este apresentada nos autos.
Como se afirma na decisão apelada “Se o veículo do Autor se precipitasse sobre o veículo da testemunha BB, vindo da sua rectaguarda, quando esteve ocupava a hemifaixa esquerda da faixa de rodagem, na manobra de ultrapassagem do veículo que seguia na faixa da direita e conduzido pela testemunha CC, e tendo em conta a dimensão reduzida na hemifaixa de rodagem, como seria possível que o veículo do Autor passasse a seguir lado a lado do veículo segurado, raspando-lhe a lateral esquerda? E como seria possível provocar as amolgadelas mais profundas em dois pontos distintos da lateral esquerda do veículo segurado?”.
Para além disso, resulta do depoimento da testemunha EE (o que é confirmado pelas fotografias) que o veículo segurado embateu na lateral direita do veículo do autor, quando este estava em manobra de ultrapassagem do mesmo e este seguia na hemi faixa da direita, atrás do veículo da testemunha CC.
E pese embora se possa considerar que as bermas da estrada em alguns locais, permitiriam a circulação, pelo menos parcial, de um veículo, como afirmado pela testemunha DD, a verdade é que, ainda assim, não se justificariam os danos apresentados pelos veículos envolvidos no embate.
Acresce que a testemunha HH, militar da GNR, afirmou que a largura da hemi faixa de rodagem é de cerca de três metros, apresentando as duas hemi faixas a largura de 6 a 7 metros e que não cabem três carros ao lado uns dos outros naquela estrada.
No que diz respeito ao depoimento da testemunha CC, não pode ser o mesmo considerado como determinante, como entendeu o tribunal a quo, visto que não conseguiu afirmar qual o veículo que iniciou primeiro a ultrapassagem do seu (só se apercebeu das luzes fortes e percebeu que o seu veículo estava a ser ultrapassado).
Acresce que a testemunha II, abastecedor na bomba de combustível, afirmou que viu os carros a passar junto à bomba de combustível; que a linha contínua termina junto à bomba; e que o autor iniciou a ultrapassagem quando acaba a linha contínua.
Quanto ao facto de o veículo segurado ter vindo a parar à frente do veículo conduzido pela testemunha CC, tal não tem a relevância que a apelante lhe pretende dar, visto que esta última testemunha parou o seu veículo quando se apercebeu do embate, e este (embate), é dinâmico, não estanca os veículos no local onde este ocorreu.
No que à velocidade do veículo do autor diz respeito, basta ler as alegações e conclusões do recurso apresentado, para concluir que nenhuma prova foi feita no sentido pretendido. Não basta a testemunha CC dizer que seguia a 60 e a testemunha BB dizer que seguia atrás desta a 50 e que o veículo do autor seguia a alta velocidade, para se concluir que o autor circulava a uma velocidade superior a 80 Km/h. Nem para tal releva o vídeo junto aos autos, de onde não resulta a velocidade a que seguiam os veículos.
O mesmo se diga quanto ao ponto 22 dos factos não provados, pois que a testemunha DD, antes da afirmação transcrita e sublinhada pela apelante, começou por dizer “não tenho memória” à pergunta que lhe foi feita: “Consegue dizer-nos onde é que termina a linha contínua e começa a linha descontínua?”, sendo que a testemunha II, abastecedor na bomba de combustível, afirmou que a linha contínua termina junto à bomba e que o autor iniciou a ultrapassagem quando acaba a linha contínua.
Por outro lado, pese embora no vídeo junto aos autos se consiga identificar o veículo do autor (por ser branco), e ver que o mesmo segue com as luzes ligadas, já se mostra muito difícil afirmar que o mesmo já aí seguia na via da esquerda da estrada. Aliás, se seguisse, fazia-o já depois do sinal de fim de proibição de ultrapassagem, como das fotografias constantes das alegações (e dos autos) resulta.
Não há assim fundamento para alterar a factualidade não provada que foi impugnada pela apelante.
E se não há para essa, igualmente não há para a matéria de facto provada que foi impugnada, pois que baseada nos mesmos exatos elementos de prova.
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.
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2. da adequação da imputação da culpa ao condutor do veículo segurado na ré.
Entende a apelante que devia ter sido atribuída ao autor, de forma exclusiva, a culpa pelo sinistro, ou subsidiariamente, ser repartida a responsabilidade dos intervenientes em 50% para cada um.
A procedência de tais pretensões estava dependente da procedência da impugnação da matéria de facto, o que se não verificou.
Assim, é de manter a atribuição exclusiva da culpa pelo sinistro ao condutor do veículo segurado na ré, como se decidiu na sentença apelada e que, com a factualidade assente, não foi contestada.
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3. Discorda a apelante do montante de indemnização fixado na sentença a título de dano biológico, entendendo que a mesma deve ser fixada em montante nunca superior a € 50.000,00.
Mais discorda do montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais, entendendo que o mesmo deve ser fixado num máximo de € 30.000,00.
Na sentença apelada foi fixado o valor de € 70.000,00 a título de dano biológico e a quantia de € 75.000,00, a título de danos não patrimoniais, atualizados à data da sentença.
A crítica da apelante, no que ao dano biológico respeita, refere-se ao facto de ter sido considerado pelo tribunal a quo uma esperança média de vida de 79 anos, quando a mesma se encontra nos 78. E ao facto de não ter o tribunal a quo feito referência a outras decisões semelhantes de tribunais superiores para a fixação do valor da indemnização com recurso à equidade, sendo que no entendimento da apelante o valor fixado não se harmoniza com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, são seguidos em situações análogas ou equiparáveis.
Começando pela esperança média de vida dos homens em Portugal, a mesma é atualmente de 78,73 anos.
No que respeita aos critérios da equidade, é hoje pacificamente entendido na jurisprudência que a sua utilização não pode deixar de considerar as exigências decorrentes do princípio da igualdade, no sentido de uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo de serem atendidas as especificidades de cada caso concreto (vide, por todos, o Ac. do STJ de 17.01.2023, in www.dgsi.pt).

Na jurisprudência do STJ, o cálculo dessa indemnização, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes fatores:
(i) a idade do lesado e a sua esperança média de vida;
(ii) o seu grau de incapacidade geral permanente (isto é, a percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica);
(iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividades económicas compatíveis com as suas qualificações e aquele défice;
(iv) conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de atividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação; e
(v) jurisprudência anterior, por referência a decisões temporalmente próximas e nas quais estejam em causa situações fácticas essencialmente similares (cfr. neste sentido e por todos Ac. do STJ de 06.06.2023, disponível in www.dgsi.pt.).
No caso dos autos temos que:
i) O autor à data do acidente tinha 22 anos de idade.
ii) À data do acidente auferia o salário mensal líquido de 817,14 €.
iii) É serralheiro de profissão.
iv) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 17 de Maio de 2022.
v) Tendo como referência a esperança média de vida de 78,73 anos, significa que a esperança média de vida do Autor, desde a alta, é de quase 45 anos.
vi) O autor ficou com Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 12 pontos a partir da data da consolidação, que é impeditivo do exercício da atividade profissional habitual, sendo compatível com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.
vi) em consequência do acidente o autor teve repercussões na sua vida profissional pois que tem dificuldade em carregar pesos, com necessidade de efetuar paragens para descanso.
vii) As sequelas de que é portador são incompatíveis com as exigências físicas do trabalho de serralheiro, que desenvolvia, tendo visto as suas funções serem alteradas para as de administrativo.
viii) Nunca mais poderá desempenhar as funções laborais sem limitações e a progressão em qualquer carreira profissional será afetada em razão das limitações físicas de que ficou a padecer.

Nas decisões que apelante indicou, temos o seguinte:
No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.06.2023, proferido no âmbito do processo n.º 781/22.0T8LRA.C1, julgou-se adequado, “Quanto ao dano biológico, tendo em conta um défice funcional permanente da integridade física e psíquica de 12 pontos, a idade do lesado à data da consolidação das lesões e a esperança média de vida (cerca de 78 anos para os homens) (…) equitativo fixar uma indemnização de € 40.000,00” tendo o lesado 40 anos à data do acidente”.
Lido o referido acórdão, o que se verifica é que na fixação do dano biológico, não foi tomada em consideração a repercussão do défice funcional permanente sobre a capacidade de ganho, visto que tal repercussão foi tomada em conta separadamente, em sede de dano patrimonial futuro, que foi fixado em € 170.000,00. Para além disso o lesado em causa era 18 anos mais velho do que o aqui autor, e tinha rendimentos superiores.
No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.10.2023, proferido no âmbito do processo n.º 987/21.0T8GRD.C1, julgou-se adequado,” para lesada de 45 anos que padeceu de um défice funcional permanente de 12 pontos a quantia de 70 mil euros para compensação de dano biológico e danos não patrimoniais!”.
Lido tal acórdão, verifica-se que, para além da lesada ter mais 23 anos do que o aqui autor, padeceu de um défice funcional permanente de 11,499 pontos, implicando as sequelas do sinistro esforços suplementares no exercício da respetiva atividade profissional, e não uma incapacidade para o trabalho habitual, como o aqui autor.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.01.2023, no âmbito do processo n.º 5986/18.6T8LRS.L1.S1, pode ler-se “Tendo a lesada 23 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 14,8 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional, é equitativo fixar (por reporte/atualizada à data da sentença, proferida 6 anos após o acidente) a indemnização por tal dano biológico em € 50.000,00; montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado”.
Visto o referido acórdão, verifica-se que, para além de se desconhecer quais os rendimentos da lesada (que não estaria a trabalhar no momento do acidente), o défice funcional permanente de que ficou afetada não implica uma incapacidade para o trabalho habitual, como acontece com o aqui autor.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.02.2020, proferido no âmbito do processo n.º 2251.12.6TBVNG.P1.S1, julgou-se “adequado a lesado com 63 anos de idade, (sendo previsível que se mantivesse profissionalmente ativo até atingir os 70 anos de idade) o qual padeceu de um défice funcional permanente de 19 pontos, a quantia de € 40.000,0 a título de dano biológico”.
Lido o mesmo, temos que nesse caso o lesado tinha mais 41 anos do que o aqui autor, e estava já reformado.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.01.2025, proferido no âmbito do processo n.º 14893/19.4T8PRT.P1.S1 julgou adequada, “Considerando (…) a idade do lesado à data da alta 30 anos de idade – uma expectativa de vida média de 78 anos (de acordo com os índices do INE), o défice funcional, de natureza permanente, que as lesões resultantes do acidente lhe provocaram 16,52 pontos percentuais numa escala crescente de 1 a 100 -, que, não o impedindo de exercer as suas actividades diárias, lhe exigem um acréscimo de esforço físico, mas sem qualquer rebate profissional ou afectação da sua capacidade de ganho, considerando ainda os valores atribuídos para casos similares pela jurisprudência nacional” uma indemnização de € 55.000,00”.
Também nesta situação o lesado tem mais 8 anos do que o aqui autor, e pese embora o défice funcional permanente de que ficou afetado seja superior ao do aqui autor, o mesmo não implica uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual, como acontece com o aqui autor.
Finalmente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.11.2024, proferido no âmbito do processo n.º 1928/21.0T8GMR.G1.S1, em que pode ler-se “VII. Consideram-se particularmente significativos a idade do lesado ao tempo do acidente (aqui, 32 anos), o grau do défice funcional provocado pelo acidente (no caso, 13 pontos), a repercussão na capacidade genérica de ganho, se não vier provado que o acidente tenha causado incapacidade para o exercício da profissão exercida à data do acidente, mas sim maiores dificuldades), a data da consolidação das lesões, a esperança média de vida e a comparação com as indemnizações arbitradas em situações semelhantes.
VIII. É, assim, adequado, no caso concreto, o montante de € 50.000,00”.
Mais uma vez, temos uma situação em que o lesado é mais velho 10 anos do que o aqui autor, e o défice funcional permanente de que ficou afetado não implica uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual, como acontece com o aqui autor.
Vistos os acórdãos indicados pela apelante, vejamos agora outras decisões mais atualistas, para aferir da adequação do valor a fixar:
- Acórdão do STJ de 24.02.2022, proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt, no qual foi fixada a indemnização por dano biológico de € 50.000,00 a lesado de 34 anos à data do sinistro; com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos; com rendimento anual ao tempo do acidente (€ 7.798,00) e resultando da factualidade dada como provada que, com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas terão significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.09.2022, proc. 935/20.4T8VRL.G1, in www.dgsi.pt, que, considerando um défice de 13 pontos, num lesado com 36 anos de idade, com esforços suplementares no exercício da sua atividade de caixa de supermercado, fixou a indemnização por dano biológico em 50.0000,00 euros;
- Ac. do STJ de 06.06.2023, proc. 9934/17.2T8SNT.L1.S1 onde foi tida por adequada a indemnização de € 60.000,00 por danos patrimoniais futuros na vertente de dano biológico de lesada que tinha 35 anos na data do acidente, a profissão de cabeleireira, cujas sequelas, causadoras de défice funcional permanente de 12 pontos, são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos, estando desempregada na data do acidente e que iria começar a trabalhar no mês seguinte como cabeleireira.
- Acórdão do STJ de 30.01.2025, proc. nº 1642/22.9T8VCT.G1.S1, in www.dgsi.pt, que fixou em € 40.000,00 a indemnização a título de indemnização por dano biológico, a um lesado, operador de máquinas, com 45 anos à data do acidente, que ficou com uma IPG de 8 pontos, que o impossibilita de executar algumas das tarefas da sua profissão, e a desempenhar as demais com esforço acrescido.
- Acórdão do STJ de 25.02.205, proc. 6002/21.6T8GMR.G1.S1, in www.dgsi.pt, que fixou em 45.000,00 a indemnização a título de indemnização por dano biológico a um lesado com 27 anos à data do sinistro, desempregado, que sofreu um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 7 pontos, sem impossibilidade do exercício da atividade profissional, mas com esforços acrescidos no seu desempenho.
- Acórdão da Relação de Guimarães de 02.04.2025 proc. 2270/22.4T8VCT.G1 que fixou a indemnização por dano biológico, na vertente patrimonial, em 54.000,00 euros a lesada que tinha 51 anos à data do acidente, ficou afetada com um défice de integridade físico-psíquica de 12 pontos; o salário médio anual por ela auferido à data do acidente era de 745,07 euros e fazia o serviço doméstico em sua casa
Comparando os acórdãos acabados de referir com a situação dos autos, temos que:
- no primeiro deles, foi fixada uma indemnização de € 50.000,00 (menor que a aqui fixada, de € 70.000), mas o lesado tinha mais 12 anos que o aqui autor, e a sua incapacidade foi de 9 pontos (sendo a do aqui autor de 12);
- no segundo, foi fixada uma indemnização de € 50.000,00 (menor que a aqui fixada, de € 70.000), mas o lesado tinha mais 14 anos do que o aqui autor e o défice de 13 pontos;
- no terceiro, foi fixada uma indemnização de € 60.000,00 (menor que a aqui fixada, de € 70.000) mas a lesada tinha mais 13 anos do que o aqui autor;
- no quarto acórdão referido, foi fixada uma indemnização de € 40.000,00 (menor que a aqui fixada, de € 70.000), mas o lesado tinha mais 23 anos do que o aqui autor e um défice de 8 pontos (sendo a do aqui autor de 12);
- no quinto acórdão, foi fixada uma indemnização de € 45.000,00 (menor que a aqui fixada, de € 70.000), mas o lesado tinha mais 5 anos do que o aqui autor e um défice de 7 pontos (sendo a do aqui autor de 12), estando desempregado;
- no sexto acórdão foi fixada uma indemnização de € 54.000,00 (menor que a aqui fixada, de € 70.000), mas a lesado tinha mais 29 anos do que o aqui autor e um défice de 12 pontos, como o aqui autor, sendo que o salário médio anual por ela auferido à data do acidente era de 745,07 euros e fazia o serviço doméstico em sua casa.
Considerando tais diferenças, temos que em termos relativos, a quantia de € 70.000,00 fixada não se mostra desconforme com os parâmetros utilizados nos acórdãos supra referidos.
Contudo, para além das diferenças acabadas de apontar, existe uma diferença essencial no caso dos autos. É que, ao contrário do que sucedeu nas situações indicadas, no caso dos autos, o autor ficou impossibilitado de desempenhar a sua profissão habitual.
Se as situações acima referidas, considerando as diferenças apontadas, já indicavam para o acerto da decisão apelada nesta matéria (considerando que o aqui autor é muito mais jovem que a generalidade dos restantes lesados, o que justifica a diferença do valor aqui fixado), o facto de o aqui autor ter ficado impossibilitado de desempenhar a sua profissão habitual, vem confirmar esse acerto.
De facto, não podemos valorizar da mesma forma e atribuir o mesmo valor indemnizatório, a alguém que ficou com um défice que simplesmente lhe exige esforços acrescidos para o exercício da sua atividade profissional, face a quem ficou incapaz para o exercício da sua atividade profissional habitual.
Tendo resultado do acidente uma situação de incapacidade absoluta para o trabalho habitual do aqui autor, há que considerar a diminuição do seu grau de aptidão para desempenhar uma profissão que não a habitual, conciliável com a natureza das lesões.
Igualmente tem de ser tida em conta a perda de oportunidades profissionais futuras que decorre das concretas limitações de que ficou a padecer.
E isso há de refletir-se na indemnização a fixar a título de dano biológico, ou seja, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do autor.
Considerando todos estes fatores, não vemos motivos para alterar o montante fixado pelo tribunal a quo, a título de indemnização por dano biológico, na vertente patrimonial.
Nesta medida, improcede este fundamento da apelação.
*
Mais discorda a apelante do montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais, entendendo que o mesmo deve ser fixado em € 30.000,00.
Invoca que a compensação arbitrada ao autor é excessiva e extravasa os padrões comuns da nossa jurisprudência.
Cabe assim verificar se o valor fixado na sentença apelada se mostra em sintonia com os critérios de avaliação previstos na lei e não se afasta dos padrões jurisprudenciais que, numa jurisprudência atualista, vêm sendo seguidos na concretização do casuístico juízo equitativo.
Começando pelos acórdãos indicados pela apelante, podemos dizer que, com exceção do primeiro indicado, todos os restantes são anteriores a 2020, ou seja, não se podem considerar como atuais, em termos de fixação do montante devido a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Vejamos outros, mais atuais:
- Acórdão do STJ de 08.11.2022, proc. 2133/16.2T8CTB.C1.S1, in www.dgsi.pt no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 70.000,00 a lesado de 39 anos de idade, que sofreu quantum doloris de 6 numa escala de 7, dano estético de 4, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos (uma vez que, quanto a este índice, ficou privado de continuar a praticar o motociclismo, o que fazia com regularidade, participando em diversas provas, incluindo federadas e, ainda, impossibilitado de praticar desportos que também fazia, como bicicleta BTT, esqui na neve e esqui aquático, tendo ficado, ainda, condicionado no exercício da atividade desportiva de mergulho, que também praticava), foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas, com um pós-operatório prolongado (com uma repercussão temporária na atividade profissional total de 870 dias), de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro e de continuar padecer de dores;
- Acórdão do STJ de 24.02.2022, proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt onde  foi fixada a quantia indemnizatória de € 50.000,00 a lesado de 39 anos de idade, tendo por base um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos e que com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas terão significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores (atingidos pelas lesões).
- Acórdão do STJ de 10.04.2024, proc. nº 987/21.0T8GRD.C1.S1, in www.dgsi.pt, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 70.000,00 a uma lesada de 45 anos de idade, que sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente de viação (no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas), foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária, ficou com um dano estético permanente de grau 2 em 7, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7 e que não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares”;
- Ac. do STJ de 14.05.2024, proc. 2736/19.3T8FAR.E1.S1 in www.dgsi.pt, onde se sumaria: “I – É equitativa a atribuição da compensação no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil, ao A./lesado, de 72 anos de idade, que ao travessar na passadeira destinada aos peões foi colhido por uma viatura automóvel, sendo violentamente projectado no solo e sofrendo luxação do ombro direito, e que, em consequência das sequelas decorrentes das lesões sofridas, registou Défice Funcional Temporário Total de 19 dias; Défice Funcional Temporário Parcial de 948 dias; Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 930 dias; Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 37 dias; Quantum Doloris no grau 5/7; um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 20 pontos em 100 (plexopatia braquial direita); Dano Estético Permanente no grau 3/7; e que, neste contexto, deixou de poder utilizar a mão direita para as mais elementares tarefas do dia a dia (escrever, comer, apertar os botões da camisa, apertar e desapertar as calças, lavar dos dentes, pentear-se, manusear o telemóvel ou o comando da televisão), necessitando da ajuda de terceiros para a realização das tarefas diárias básicas, o que acontecerá durante o resto da sua vida; de poder pescar ou caçar, conduzir o seu barco e frequentar actividades associativas e partidárias que antes desenvolvia com habitualidade e prazer; sentindo-se por tudo isto deprimido e muito triste, sem gosto e interesse pela vida, impotente e revoltado, com pesadelos e desânimo constantes, quando antes do atropelamento era uma pessoa activa e dinâmica.”
- Acórdão do STJ, de 17.09.2024, proc. 2481/20.7T8BRG.G1.S1, in www.dgsi.pt, onde se concluiu: «Considerando que frequentava o 11º ano de escolaridade, tendo reprovado um ano lectivo em consequência das lesões sofridas, que as lesões de que foi vítima do acidente em 4.6.2017 só atingiram a sua consolidação médico legal em 8.7.2019, período durante o qual foi operada e sujeita a várias sessões de fisioterapia e tratamento fisiátrico, tendo ficado como sequela uma cicatriz cirúrgica a nível da bacia do lado esquerdo com cerca de 20 cm de extensão, que o quantum doloris foi fixado em 5, numa escala crescente de 1 a 7; que a referida cicatriz na mesma escala crescente de 1 a 7, lhe confere um dano estético fixável no grau 4, que tem um prejuízo de afirmação pessoal de 2 (em 5), que as queixas, lesões e sequelas numa escala crescente de 1 a 7 lhe conferem uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7, que as lesões referidas lhe causam uma repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 2/7, que ficou com um défice funcional de 35 pontos, que implicam esforços suplementares e que necessita actualmente e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de psiquiatria e fisiatria e de realizar tratamento fisiátrico, atribui-se a indemnização por danos não patrimoniais de € 90.000.»
No caso dos autos, temos que o autor, em virtude do acidente de viação, para o qual não contribuiu, sofreu, nomeadamente:
- três perfurações do intestino delgado;
- lesão de peças dentárias;
- fratura do 3º arco costal lateral direito com pneumotórax ipsilateral; - fratura do corpo vertebral de L3, bem como das apófises transversas direita de L2 e esquerda de L4;
- foi ainda detetada anterolistese de L5, grau I;
- fratura cominutiva da diáfise femoral esquerda; fratura do 3º, 4º, 5º metatarsos;
- fratura do terço médio da diáfise da clavícula esquerda;
- sujeição a seis intervenções cirúrgicas (para colocação de dreno torácico; para laparatomia exploradora e ressecção parcial do intestino delgado; para redução fechada da fratura do fémur com fixação interna e fusão lombar e lombo-sagrada da coluna posterior, com instrumentação L1-L2-L4-L5.;  para descorticação osteoperiosteal de pseudartose da clavícula esquerda e, ainda, a redução aberta e fixação interna com placa bloqueada anatómica da clavícula e colocação de enxerto autólogo de osso esponjoso da crista ilíaca ipsilateral; para extração do material de osteossíntese da clavícula esquerda e para extração do material de osteossíntese em razão da continuidade de cuidados no seguimento da fratura lombar e diáfise fémur esquerdo);
- sujeição a tratamento conservador com tala gessada e suspensor braquial;
- acamado por seis semanas;
- sujeito a inúmeras sessões de fisioterapia;
- locomoção com o apoio de canadianas durante duas semanas;
- inúmeras consultas;
- viu-se impossibilitado de realizar as tarefas elementares do seu dia a dia;
- tem vivido na angústia da incerteza de um dia recuperar uma locomoção e movimentação sem qualquer tipo de claudicação e dor;
- jogava futebol, tendo praticado aquela modalidade ao longo de vários anos da sua juventude e também praticava Kickboxing e fazia caminhadas e em consequência do acidente a prática de todas estas atividades encontra-se vedada ao autor, inclusivamente a prática de atividade física no ginásio, pois as lesões determinaram perda de flexibilidade, equilíbrio, mobilidade, afetando a sua destreza física;
- as dores nas costas e clavícula impedem o autor de conviver e se relacionar com normalidade e alegria;
- tem dificuldade em carregar pesos, com necessidade de efetuar paragens para descanso;
- as sequelas de que é portador são incompatíveis com as exigências físicas do trabalho de serralheiro, que desenvolvia, tendo visto as suas funções serem alteradas para as de administrativo;
- nunca mais poderá desempenhar as funções laborais sem limitações e a progressão em qualquer carreira profissional será afetada em razão das limitações físicas de que ficou a padecer;
- ficou com sequelas irreversíveis, sente-se triste e desconfortável com as cicatrizes, tem angústia, sente-se incapaz, reduziu o convívio com os amigos, sente abalo psicológico, vive com desgosto e baixa autoestima;
- apresenta marcha claudicante;
- o Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável em 14 dias;
- o Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 193 dias;
- o Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixável em 825 dias;
- sofreu um Quantum Doloris fixável no grau 5/7;
- um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 12 pontos;
- um Dano Estético Permanente fixável no grau 4/7;
- uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 4/7 e precisará de ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas e palmilhas.
Considerando os exemplos acima assinalados e vista toda a amplitude de danos não patrimoniais sofridos pelo aqui autor, concluímos que não merece censura a decisão apelada, na quantificação dos danos não patrimoniais.
Tais exemplos, entre os quais figuram situações mais graves e outras menos graves do que a do autor, permitem, ao fazer a comparação, concluir que o valor fixado pelo Tribunal recorrido a título de compensação devida ao autor pelos danos de natureza não patrimonial se mostra equilibrado e conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pelo que será de manter o decidido.
 De facto, o valor encontrado não diverge muito dos parâmetros indemnizatórios adotados pelo Supremo Tribunal de Justiça e só em casos em que o critério aplicado se afasta, de modo substancial e injustificado, dos padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, é que se justifica a alteração.
Improcede, pois, também nesta parte, a apelação.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes que compõem este Coletivo da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando integralmente a decisão recorrida.
Custas da apelação, pela ré.
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Guimarães, 20  de novembro de 2025

Assinado eletronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
João Paulo Pereira
Paula Ribas