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RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
DANOS FUTUROS
PREVISIBILIDADE
PEDIDO GENÉRICO
LIQUIDAÇÃO
EQUIDADE
Sumário
1. São danos futuros previsíveis, aqueles que o lesado ainda não sofreu ao tempo da atribuição da indemnização, mas que seguramente ou muito provavelmente virá a sofrer no futuro, por causa do facto ilícito do lesante, designadamente, compreendem as despesas que o lesado terá no futuro que suportar com tratamentos, intervenções cirúrgicas e medicação em consequência das sequelas do acidente. 2. A previsibilidade dos danos futuros inculca um elevado grau de probabilidade, atendendo aos efeitos geralmente associados à lesão causada e às especificidades das circunstâncias concretas do lesado e do evento. 3. Tendo sido formulado pelo autor um pedido genérico relativamente a determinado dano (ao abrigo do artigo 556, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil), a sua liquidação, ou melhor, concretização, mediante fixação do seu objeto ou da sua quantidade (com ampliação do pedido líquido inicialmente formulado), dependia necessariamente da dedução pelo autor do respetivo incidente previsto no artigo 358.º do mesmo Código, conforme resulta expressamente do n.º 2 do artigo 556.º, pelo que, não o tendo feito no decurso dos autos e até começar a discussão da causa, estava vedado ao tribunal proceder na sentença a uma condenação líquida quanto ao mesmo. 4. A liquidação de pedido genérico que tenha sido formulado antes do julgamento da causa é um pressuposto indispensável à prolação de uma decisão líquida quanto ao mesmo, o que bem se compreende, desde logo, porque a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (cfr. 609º n.1 do CPC). 5. Considerando a ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso e critérios jurisprudenciais para casos análogos, julga-se adequado, equitativo e proporcional a fixação a título de danos não patrimoniais do montante de 10.000,00€, considerando que: o autor à data da ocorrência do acidente tinha 12 anos de idade; tempo decorrido até hoje, praticamente 10 anos ( sendo facto notório que no decurso dos mesmos o nível e custo de vida aumentou drasticamente); natureza das lesões sofridas que foram causa de um défice funcional permanente na sua integridade físico psíquica fixado em 2 pontos, com traumatismo do membro inferior direito e ao nível da face, nariz e dentição, com perda dos dentes da frente que até hoje não pode colocar de modo definitivo (foi sendo remediado por tratamentos provisórios reiterados anualmente) e que irá agora repor de forma mais permanente través de implantes e da regeneração óssea necessária; a altura delicada, como é a adolescência, em que a imagem perante os outros assume especial relevo, sabendo-se, que tal situação (aspecto físico decorrente das lesões e ao nível da dentição) lhe causou embaraço e mal estar, pese embora o período de défice funcional temporário total fixado seja de 1 dia e o temporário parcial de 26 dias, considerando ainda o quantum doloris fixado no grau 3/7, o dano estético permanente no grau 3 /7, as ajudas técnicas permanentes de que vai necessitar, no caso, implantes dentários; o grau de culpa (elevado) do condutor do veículo seguro na ré e circunstâncias do acidente, atropelamento na passeira por condutor que circulava com uma taxa de álcool no sangue de 0,59 gr/lt.
Texto Integral
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório
AA, residente em Loteamento ..., ..., ..., ... ..., veio intentar a presente acção declarativa com processo comum contra EMP01..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, titular do NIPC ...95 e com sede em Edifício ..., ..., Avª. ..., ... ... [anteriormente denominada EMP02..., S.A. – SUCURSAL EM
PORTUGAL], pedindo a condenação da ré no pagamento de €19.400,00, acrescido de danos futuros a liquidar em execução de sentença.
Alega para o efeito que foi atropelado por veículo automóvel, cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a ré, imputando ao condutor de tal veículo a responsabilidade exclusiva pela ocorrência do acidente – responsabilidade esta que alega assumida pela ré.
Mais alega que tal acidente lhe provocou danos a nível físico e psicológico, que discrimina detalhadamente, mais alegando potenciais danos futuros cujo ressarcimento também exige.
Citada a ré, veio admitir a responsabilidade pelo acidente ocorrido, impugnando, porém, os danos alegados pelo autor e os valores pedidos a título de indemnização.
Foi proferido despacho saneador, fixando o objeto do litígio e os temas da prova, e deferindo a realização de prova pericial requerida pelas partes.
Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, que julgando a acção parcialmente procedente condenou a ré EMP01..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL no pagamento ao autor de €19.400,00 (dezanove mil e quatrocentos euros), quantia a que acrescem juros de mora vencidos desde a data de citação e vincendos até efetivo e integral pagamento.
No mais, absolve-se a ré do pedido.
*
Inconformado com a decisão dela recorreu o autor , formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1ª
O presente recurso versa sobre a apreciação da matéria de facto e sobre a discordância do recorrente com a decisão aqui em crise quanto à com a quantificação do dano não patrimonial e do dano patrimonial (este na vertente de dano biológico) que lhe foi arbitrado. 2ª
Relativamente à matéria de facto, está unicamente em causa a matéria constante da alínea
a) dos factos não provados que, no entender do recorrente, deverá passar a constar dos factos tidos por provados.
3ª
Com efeito consta daquela alínea que: - Correndo os tratamentos atrás referidos dentro do previsto, o autor terá de continuar a ser seguido pela especialidade de estomatologia, seja em consultas de revisão e/ou controlo, seja para substituição das coroas e dos implantes que passará a ser portador.
4ª
E, entendeu o Tribunal a quo que o recorrente não conseguiu demonstrar e/ ou provar aquele acompanhamento futuro porque considerou que o recorrente apenas necessita dos tratamentos melhor descritos no facto tido por provado sob o ponto 16) – e constante do documento nº 4, junto com a petição inicial – e ali não é referida qualquer necessidade de acompanhamento, seguimento, revisão ou substituição de coroas futuras.
5ª
Referiu igualmente, para dar como não provada aquela matéria, que os esclarecimentos prestados pela Sra perita Médico-legal subscritora do exame médico-legal de fls eram vagos e insuficientes para alicerçar mais do que uma mera presunção ou suposição das necessidades futuras do recorrente
6ª
Ora, começando desde já por esses esclarecimentos temos que:
a) – ao quesito 9º formulado pelo recorrente e com o teor Após a realização dos tratamentos
atrás referidos o demandante vai ter de ser submetidos a consultas de estomatologia? Se sim, com que periodicidade?
A Senhora Perita médico-legal respondeu: - as necessárias para tal intervenção, conforme o que já é habitual. A periodicidade deve ser definida por um especialista na área de medicina dentária que vá realizar os tratamentos.
b) - ao quesito 10º formulado pelo recorrente e com o teor Terá também necessidade de
revisão, no futuro e para toda a vida, do material dentário que vier a colocar, nomeadamente na substituição das coroas e dos implantes? Se sim, com que periodicidade e com que custos?
A Senhora Perita respondeu na medida das necessidades do que é habitual para este tipo de tratamentos.
7ª
Mas a resposta a estes quesitos – que de vagos e insuficientes nada têm – tem necessariamente de ser conjugada com a restante matéria tida como provada e constantes dos pontos 1), 11), 14), 15), 17) e 19) – no que às ajudas técnicas permanentes diz respeito – onde resumidamente consta que:
a) – à data do acidente o demandante tinha 12 anos de idade;
b) – em consequência do acidente de que foi vitima, além de outras lesões de que foi vítima
fraturou, isto é, perdeu os dentes 1.1 e 1.2 ( acrescida dos danos no dente 21);
c) – desde aquela data que ficou portador de uma placa móvel fornecida pela recorrida que,
ou era substituída ou reparada;
d) – antes de completar os 18 anos de idade, recorreu aos serviços de um médico Dentista
para tentar aferir o crescimento/idade óssea para determinar quais os tratamentos definitivos que poderia realizar;
e) – após observação e realização de exames auxiliares de diagnóstico foi-lhe proposto o
plano de tratamento melhor descrito no facto tido por provado no facto 16),
f) – que importará na quantia de 9.400,00€.
8ª
Ou seja, num primeiro momento é necessário que o recorrente seja sujeito às intervenções cirúrgicas (uma em bloco, outra em consultório) e à colocação dos materiais necessários para efectuar a colocação de 2 implantes que vão reparar as lesões de que o recorrente ficou a padecer desde os 12 anos de idade, isto é, quase há 10 anos.
9ª
Após a mesma e até como é do conhecimento comum, terá de ter especiais cuidados na higiene oral que vai ter que passar a praticar, assim como terá necessariamente de ser sujeito a consultas de acompanhamento do processo cicatricial, à preservação dos tecidos ósseos e gengivais em torno dos implantes e eventualmente à perda e/ou substituição de algum material colocado no plano de tratamento que irá efectuar e que, como é óbvio, não está contemplado naquele plano de tratamentos, qual garantia vitalícia.
10ª
E, como é óbvio, tudo o que acima se referiu não está nem poderia estar já previamente definido porque tudo isso irá ser determinado de acordo com o caso concreto, isto é, de acordo com as necessidades que ao recorrente irão surgindo ao longo dos anos e determinadas, como muito bem refere a Senhora Perita Médica, pela especialidade de medicina dentária.
11ª
Assim a matéria constante da alínea a) dos factos não provados deverá passar a constar da matéria de facto provada, não só face à prova produzida como com recurso às regras da experiência e /ou da ciência por serem perfeitamente expectáveis ou previsíveis, apesar de ainda não ser possível a sua determinação e/ou quantificação.
12ª
E, passando a constar dos factos provados, deverá ser proferido acórdão que condena a recorrida, ainda que de forma genérica, a suportar os custos que daí advenham para o recorrente, nos termos do disposto nos artigos 564º, nº 2 CC e 609º, nº 2 do CPC, ou seja, a suportar os custos do seguimento do recorrente pela especialidade de estomatologia, seja em consultas de revisão e/ ou controlo, seja para substituição das coroas e dos implantes que passará a ser portador, relegando, desse modo, para liquidação posterior o apuramento do quantum indemnizatório devido ao recorrente pois, como já se referiu, o mesmo só poderá ser apurado após a realização dos tratamentos tido por provados.
13º
Por outro lado e conforme se pode verificar do teor da petição inicial e consequente pedido final, o recorrente fez uso do disposto no art. 556º, n.º 1 al. b) do CPC, deduzindo um pedido genérico ou ilíquido, com excepção dos custos da cirurgia que tem de realizar – e como foi tida como provada – e do dano não patrimonial sofrido desde a data do acidente até à propositura da presente acção.
14ª Assim e tendo em conta os factos tidos por provados sob os pontos 1), 9) a 19), onde resumidamente consta que o recorrente:
- tinha 12 anos de idade;
- sofreu traumatismo da face, com fractura dos ossos próprio do nariz e desvio do septo nasal;
- fractura/perda dos dentes 1.1 e 1.2 e fratura da coroa do dente 2.1;
- escoriação no nariz e abrasão no mento, com edema nasal acentuado e edema do lábio superior;
- passou, a partir daquela data e até agora, ou seja, há mais de 9 anos a ser portador de uma placa dentária móvel, que vem sendo reparada e/ ou substituída por quebra, sendo que a recorrida nunca se prontificou nem forneceu e/ou propôs qualquer tratamento definitivo ao recorrente;
- ainda vai ter de ser submetido a uma intervenção cirúrgica ( em bloco operatório) e a vários tratamentos;
- apesar dos tratamentos a que foi sujeito e ainda quer terá de ser sujeito ficou afectado de um Défice Funcional Permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos;
- um dano estético de grau 3/7, pelas cicatrizes que apresenta e pela alteração da mimica
facial;
- um quantum doloris grau 3/7;
- ajudas técnicas permanentes de implantes dentários.
- sofreu e sofre dores físicas, incómodos, mal estar e embaraço pelo aspecto físico que ainda apresenta, atribuiu o Tribunal a quo a quantia de 5.000.00€.
15ª
E, pior ainda, conforme consta da sentença recorrida e foi entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, com o pagamento daquela quantia ficam também integrados ou compensados os danos sofridos entre a propositura da acção e a prolação da presente sentença, inexistindo elementos para permitir uma condenação genérica no que concerne aos danos não patrimoniais, posto que os mesmos, à partida, deixam de se vencer com a condenação da recorrida.
16ª
Ora, relativamente a esta última consideração afigura-se ao recorrente, tanto mais que conforme consta dos autos e resultou provado, o recorrente, nem com a prolação da sentença recorrida vê extintos e/ ou compensados e indemnizados na sua integra todos os danos decorrentes do acidente de viação de que foi vítima.
17ª
Verá, se isso for possível, no dia em que finalmente conseguir de alguma forma repor o seu status quo ante no que diz respeito às sequelas resultantes do traumatismo da face de que foi vítima, sendo de referir, conforme consta da sentença e do exame médico-legal que a solução provisória de que é portador (placa móvel) provoca-lhe alteração da mimica facial assim como, conforme referiu a testemunha BB, a tendência de cobrir a boca enquanto fala, de forma a ocultar os dentes (placa móvel) de que é portador.
18ª
Bem sabe o recorrente que o dano não patrimonial não está tabelado.
Mas jamais poderá concordar que para o compensar por tudo o que passou e sofreu e por tudo o que ainda vai passar, lhe tenha sido arbitrada a quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros).
19ª
Onde estão reflectivos naquela quantia, ainda que com recurso á equidade, os critérios a que se deve atender, nomeadamente o grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso concreto?
20ª
Onde estão reflectidos e/ponderados como mais significativos, o chamado “ quantum doloris”, ou seja, as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “ dano estético”, o “ prejuízo de afirmação pessoal”, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes, o prejuízo da “ saúde geral e longevidade, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar, o “ pretium juventutis”, naquela quantia de 5.000,00€ arbitrada?
21ª
Será que a quantia de 5.000,00€ arbitrada ao recorrente, que conforme consta da sentença recorrida, sofreu as lesões que sofreu com apenas 12 anos de idade, sendo que essas lesões não só se repercutem a nível de dores e sofrimento mas também a nível estético, provocando embaraços, alterações da mimica facial, comentários trocistas e jocosos até aos dias de hoje é justa e equitativa?
Afigura-se-nos que não…
22ª
Por isso, e com o devido respeito por opinião diversa, melhor teria andado o Tribunal a quo se tivesse arbitrado ao recorrente e face aos danos apurados até à propositura da acção a quantia por si peticionada de 10.000,00€, relegando para liquidação posterior todos aqueles que continuam a ocorrer até que o recorrente veja o seu status quo ante devidamente reposto que, ao contrário do que é referido na sentença recorrida, não cessa com a condenação da recorrida.
23ª
Finalmente quanto à indemnização atribuída a título de dano biológico e como acima se referiu, o recorrente deduziu um pedido ilíquido e genérico, tanto mais que não disponha, à data da propositura da acção de qualquer elemento.
24ª
Assim e apesar de, conforme consta do ponto 19) dos factos tidos por provados, o ora recorrente ter ficado a padecer, em consequência das lesões de que foi vítima, de um défice funcional permanente de 2 pontos e por esse facto ter direito a ser indemnizado a título de dano biológico, o certo é que não o fez, motivo por que não poderia o Tribunal a quo, sem mais, proceder à sua liquidação.
25ª
Como efeito, não tendo o recorrente procedido à sua liquidação no decurso da acção declarativa, em momento prévio à prolação da sentença – liquidação essa que está a cargo do lesado/credor/interessado nos termos do disposto no artigo 358º do CPC – tinha o tribunal a quo de relegar a sua liquidação para momento ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º nº 2 do CPC e não ter ele próprio procedido à sua liquidação,
26ª
não podendo deixar de se referir, por mera necessidade de raciocino, que aquela quantia de 5.000,00€ atribuída ao recorrente sempre pecaria por extremo defeito.
27ª
Entendendo-se por dano biológico a violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, que existe em qualquer situação de lesão dessa integridade, mesmo sem rebate profissional e sem perda de rendimento do trabalho, já que, havendo uma incapacidade permanente, dela sempre resultará uma afectação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efectiva utilidade do seu corpo ao nível das actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que, de futuro, o lesado terá de levar a cabo deve a mesma ser indemnizada.
28ª
E, ainda que o valor da indemnização a atribuir a este título seja achado com recurso à equidade, será sempre necessário lançar mão do critério habitualmente utilizado para o cálculo do dano patrimonial futuro, deverá ser de adoptar uma solução de cálculo que tome por base um rendimento que se situe, ainda que à data da prolação da sentença entre a RMMG (820,00€) e o salário médio (1.528,00€), de acordo com os dados da Pordata, ou seja, um rendimento mensal de cerca de 1.100,00€; a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa), que no caso concreto é de 58 anos, mais devendo valorar-se factores como a evolução dos rendimentos em geral, a taxa de juro e do custo de vida.
29ª
Usando toda esta ponderação, temos que a esperança média de vida do recorrente, ainda que à data da sentença é de, no mínimo, de 58 anos, motivo por seria adequado para o indemnizar a este título, uma quantia nunca inferior a 17.500,00€.
30ª
Assim sendo, deverá aquela condenação seja substituída por outra que condene a recorrida a pagar ao recorrente a quantia que o mesmo vier a apurar/liquidar em incidente posterior e relativa ao dano biológico ou em alternativa ser substituída por outra que condene a recorrida a este título na quantia de, pelo menos, 17.500,00€
Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser proferido douto acórdão que condene a recorrida a pagar ao recorrente:
1.– a quantia de 10.000,00€ a título de danos não patrimoniais, contabilizados unicamente até à propositura da presente acção;
2. – as quantias, a relegar para liquidação posterior, respeitantes:
a) – ao dano não patrimonial ocorrido desde a data da propositura da acção até que o recorrente veja o seu status quo ante devidamente reposto que, ao contrário do que é referido na sentença recorrida, não cessa com a condenação da recorrida.
b) - aos custos do seguimento do recorrente pela especialidade de estomatologia, seja em consultas de revisão e/ ou controlo, seja para substituição das coroas e dos implantes que passará a ser portador e que sejam definidas por aquela especialidade e
c) – ao dano biológico, considerado este como dano patrimonial ou em alternativa, ser a quantia de 5.000,00€ substituída por outra que condene a recorrida a este título na quantia de, pelo menos, 17.500,00€, assim se fazendo sã e acostumada JUSTIÇA.»
*
Foram apresentadas contra-alegações pela ré nas quais termina requerendo que o recurso seja rejeitado, por incumprimento dos ónus previstos no artigo 639.º e 640.º do Código de Processo Civil e de qualquer modo, negando-lhe provimento, mantendo-se a sentença proferida na íntegra.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objecto do recurso
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º,
n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
Face às conclusões da motivação do recurso, são as seguintes as questões a apreciar:
- saber se se mostram verificados os requisitos do recurso;
- saber se deve ser alterada a matéria de facto nos termos pugnados pelo recorrente e sua repercussão na decisão proferida;
- adequação do valor fixado na sentença a título de indemnização pelo dano não patrimonial;
- verificação dos requisitos para ser liquidado na sentença o valor indemnizatório referente ao dano biológico.
*
III – Fundamentação fáctica.
a)A factualidade consignada na decisão da 1ª instância é a seguinte:
«1. FACTOS PROVADOS
1) O autor nasceu a ../../2003.
2) No dia 07/12/2015, por volta das 15:25, em ..., ..., o autor pretendia atravessar a rua..., da direita para a esquerda, no sentido ....
3) Para esse efeito, o autor abeirou-se da passagem de peões existente no local, e depois de se ter certificado que o trânsito que circulava no sentido Igreja ... se tinha imobilizado e que um veículo que circulava no sentido ... ainda se encontrava a mais de 50 metros, iniciou a travessia daquela rua na referida passadeira, o mais rápido que lhe era possível.
4) Quando estava sensivelmente a meio da metade direita da referida passagem de peões, o autor foi embatido no seu corpo pela parte da frente do veículo de matrícula veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-JV, conduzido pelo proprietário CC.
5) O veículo em causa circulava pela rua..., no sentido ....
6) O condutor circulava sem atenção à sua condução, à sinalização vertical e horizontal existente e ao restante trânsito, com velocidade superior a 50 quilómetros por hora, e com uma taxa de álcool no sangue de 0,59 gr/lt, tendo detetado o autor já tardiamente e não logrando travar e imobilizar o veículo a tempo, embatendo neste e projetando-o para o solo.
7) O local do embate constitui uma localidade com casas de habitação e comércio de um e outro lado da via.
8) À data do evento descrito de 2) a 7), a responsabilidade pelos danos derivados da circulação do veículo de matrícula ..-..-JV era assegurada pela ré, por força do contrato de seguro celebrado entre o proprietário e a ré em 01/10/2013, titulado pela apólice n.º ...81.
9) Em consequência do atropelamento, o autor demandante sofreu: • traumatismo da face;
• fratura dos ossos próprios do nariz;
• escoriação no nariz e abrasão no mento, e
traumatismo do membro inferior direito.
10) Do local do atropelamento, o autor foi transportado para o S.U. do Hospital ..., onde foi submetido a exames imagiológicos que revelaram:
• fratura dos ossos próprios do nariz, sem outras evidentes fraturas do maciço facial;
• obliteração do espaço turbino-septal medio e inferior por componente tecidular provavelmente inflamatório;
• pneumatização dos cornetos médios, de maior expressão à direita, com obliteração da concha bolhosa esquerda por competente tecidular inflamatório, e
• desvio do septo nasal de convexidade esquerda, com contacto mucoso turbino-septal médio esquerdo.
11) O autor foi ainda observado no Hospital ... no ..., no mesmo dia, apresentando as onde foi observado, apresentando as seguintes lesões:
• escoriação do nariz e abrasão no mento;
• edema nasal acentuado, sem desvio da pirâmide ou crepitação, sem hematoma septal;
• edema do lábio superior;
• fratura cominutiva e radicular de 11;
• fratura da coroa 12, 13 luxado com fratura alveolodentária e com fratura da coroa; fratura da coroa de 21.
12) Em consequência dessas lesões, sobretudo dentárias, o autor foi submetido a extração da coroa fraturada 11 e 12, redução da luxação de 13 (estável após redução), lavagem abundante, remoção de múltiplos fragmentos dentários de esfacelo do vestíbulo e sutura com VyR3/0.
13) Após o autor teve alta hospitalar, com aconselhamento para reavaliar a fratura nasal após regressão do edema e, bem assim, fazer seguimento do traumatismo dentário, recolhendo a casa, onde se manteve em repouso durante cerca de uma semana.
14) O autor passou posteriormente a ser seguido no Hospital ..., por conta da ré, onde lhe foi colocada placa dentária, que ia sendo substituída ou por quebra ou por desgaste à razão de uma por ano, solução provisória que ia sendo acompanhada de tratamento conservador ao traumatismo do membro inferior direito. 15) O autor contactou posteriormente especialista em estomatologia, que, após observação e realização de vários meios de diagnóstico, conclui o seguinte:
“Após observação clínica, foram solicitados exames auxiliares de diagnóstico (fotografias, Rx Ortopantomografia e CBCT/TAC) para tentar perceber o motivo da ausência dos dentes em causa (dentes 1.1 e 1.2), e qual o Plano de Tratamento indicado para resolver e tentar repor os dentes perdidos.
O caso foi analisado e devidamente estudado, verificou-se também a presença de um dente num local em posição estranha (invertido e na base do nariz), acompanhado de uma baixa densidade óssea nas imediações, para além da ausência dos dentes da frente, e danos visíveis nos dentes adjacentes 21, sendo que tudo isto parece ter resultado de um traumatismo com avulsão dentária, em idade precoce.
A ausência destes dentes e os danos nos dentes adjacentes, para além dos efeitos estéticos negativos, pode degenerar em situações críticas e irreversíveis do ponto de vista da oclusão dentária, com consequências a nível ATM (Articulação Temporomandibular), mas também
relativo ao equilíbrio dos outros dentes.”
16) O mesmo especialista estabeleceu o seguinte plano de tratamentos:
• exodontia cirúrgica sob anestesia geral em bloco operatório do dente incluso na base do nariz;
• cirurgia e colocação de 2 implantes;
• regeneração óssea guiada, com biomaterial substituto ósseo;
• colocação de 2 dentes/coroas provisórias;
• colocação de 2 dentes/coroas de cerâmica sobre implantes, e
• colocação de faceta cerâmica sobre dente da “frente” danificado.
17) O referido plano comportará um custo de €9.400,00.
18) As lesões sofridas pelo autor provocaram-lhe dores físicas, incómodo, mal-estar e
• embaraço pelo aspeto físico, tanto no momento do atropelamento, como no decurso do
• tratamento.
19) A nível médico-legal, fixaram-se as seguintes consequências:
• Data de consolidação médico-legal das lesões: 02/01/2016;
• Período de Défice Funcional Temporário Total: 1 dia;
• Período de Défice Funcional Temporário Parcial: 26 dias.
• Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total: não fixável.
• Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial: não fixável.
• Quantum Doloris: fixável no grau 3/7.
• Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica: 2 pontos. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com a sua atividade profissional.
• Dano Estético Permanente: grau 3 /7.
• Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer: não é fixável.
• Repercussão permanente na Atividade Sexual: não fixável.
• Ajudas técnicas permanentes: implantes dentários.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
a) Correndo os tratamentos atrás referidos dentro do previsto, o autor terá de continuar a ser seguido pela especialidade de estomatologia, seja em consultas de revisão e/ou controlo, seja para substituição das coroas e dos implantes que passará a ser portador.
b) Em consequência das lesões sofridas ao nível do nariz, o demandante, desde o acidente, passou a apresentar, nas alterações de temperatura e mudanças de estação, o nariz avermelhado.
c) Desde o evento descrito de 2) a 6), o autor passou a ter receio de atravessar sozinho uma qualquer rua ou avenida pela passadeira destinada à travessia de peões.
*
IV. Fundamentação:
i.Requisitos do recurso:
Nas suas contra-alegações a recorrida sustenta que no recurso o recorrente não cumpre devidamente o ónus que lhe impõe as alíneas do n.º 2 do artigo 639.º do CPC, pois não indica em que medida a sentença recorrida fez uma incorreta aplicação do direito, não indicando as normas pretensamente violadas, o sentido em que o foram e/ou o sentido pelo qual entende que deviam ter sido interpretadas.
Argui, também no que se refere à impugnação da matéria de facto, não terem sido cumpridos os ónus previstos no artigo 640º do CPC, designadamente na al. b) do n.1 desse normativo, referente aos meios probatórios que imponham decisão diversa da proferida relativamente à impugnação que faz da al. a) dos factos não provados.
Dada a oportunidade de o recorrente se pronunciar, o mesmo respondeu pugnando pela improcedência do alegado, nos seguintes termos:
- quanto à matéria de direito e tendo em conta o objecto do presente litígio – responsabilidade civil extracontratual da recorrida, assumida ab initio pela mesma – como estará bom de ver a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 562º, 564º, nº 1 e 2, 496º nº 4, todos do Código Civil, violando também consequentemente o disposto nos artigos 358º e 609º, nº 2 do CPC, tudo conforme consta das conclusões 12ª a 26ª;
- quanto à alteração da matéria de facto foi cumprido na íntegra o disposto no artigo 640º, nº
1 do CPC, onde estão bem explícitos os fundamentos e os meios de prova – perícia médico-legal e esclarecimentos prestados – que levam à alteração da matéria facto ( alínea a) dos factos tidos por não provados) pretendida com o presente recurso..
Apreciando, desde já adiantamos que sufragamos a posição do recorrente, porquanto, em nosso entender, mostram-se cumpridos de forma suficiente os requisitos mínimos indispensáveis à apreciação do recurso interposto.
De facto, está em causa uma acção de responsabilidade civil extra-contratual decorrente de um acidente de viação no qual é imputada a responsabilidade pela sua produção e consequentes danos, ao segurado da ré/recorrida, que aceitou aquela responsabilidade. No recurso, o que é colocado em causa é não a violação de qualquer norma jurídica mas a ponderação feita pelo tribunal recorrido quanto ao juízo formulado na adequação do valor indemnizatório fixado pelo dano não patrimonial (suficientemente concretizado nas conclusões 13 a 22 e dos quais decorrem os critérios na sua determinação – vide conclusão19ª- e a que alude o artigo 494º do C.C., cuja expressa indicação, de qualquer modo, se mostra suprida na resposta dada) sendo certo que o âmbito da questão sindicada pelo apelante se mostra compreendida pela recorrida, conforme se alcança do teor das suas contra-alegações.
Do mesmo modo, no que se refere à questão da imediata liquidação na sentença do valor indemnizatório referente ao dano biológico (relativamente ao qual, na acção, fez um pedido genérico) o apelante coloca em causa tal decisão, identificando os fundamentos
(não estarem observados os respectivos requisitos) e os normativos que entende violados (609º n.2 e 358º do CPC), pelo que também neste segmento, consideramos estarem reunidos os requisitos quanto à respectiva apreciação.
Relativamente à impugnação da matéria de facto estabelecem-se no artigo 640º do C.P.C., os requisitos a que a mesma deve obedecer.
Diz-nos esta norma que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele
realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das
provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)»
Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, impondo-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, especificação dos concretos meios probatórios convocados e indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto, e, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Lido o recurso verifica-se que o recorrente indica (seja na motivação seja nas conclusões) o facto que impugna e a que se refere a al. a) dos factos não provados, a decisão alternativa que entende que deveria ter sido proferida (a sua consignação como provado) e os fundamentos probatórios em que fundamenta tal alteração, como seja, o teor do relatório médico-legal e esclarecimentos a este prestados, na sua conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade e inferência que dos factos apurados, quanto às intervenções cirúrgicas a que vai ser sujeito, permitem retirar relativamente a essa factualidade.
Ou seja, independentemente da bondade de tal impugnação, mostram-se suficientemente indicados os meios probatórios que a fundamentam e o juízo de análise crítica que destes faz, conforme decorre da motivação e das conclusões 2ª a 11ª, do recurso.
Em suma, improcede a arguida, pela recorrida, falta de requisitos formais do recurso e da impugnação da matéria de facto.
ii.Impugnação da matéria de facto:
Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Está em causa a alínea a) dos factos dados como não provados.
Este facto não provado tem o seguinte teor:
«a) Correndo os tratamentos atrás referidos dentro do previsto, o autor terá de continuar a ser seguido pela especialidade de estomatologia, seja em consultas de revisão e/ou controlo, seja para substituição das coroas e dos implantes que passará a ser portador.»
Vejamos:
Na impugnação deduzida do citado ponto, está em causa a previsível necessidade de futuro acompanhamento médico do autor na especialidade de estomatologia, face e na decorrência dos tratamentos e intervenções cirúrgicas que irá efectuar e a que aludem os pontos 15 e 16 dos factos provados, onde se lê:
«15) O autor contactou posteriormente especialista em estomatologia, que, após observação e realização de vários meios de diagnóstico, conclui o seguinte:
“Após observação clínica, foram solicitados exames auxiliares de diagnóstico (fotografias, Rx Ortopantomografia e CBCT/TAC) para tentar perceber o motivo da ausência dos dentes em causa (dentes 1.1 e 1.2), e qual o Plano de Tratamento indicado para resolver e tentar repor os dentes perdidos.
O caso foi analisado e devidamente estudado, verificou-se também a presença de um dente num local em posição estranha (invertido e na base do nariz), acompanhado de uma baixa densidade óssea nas imediações, para além da ausência dos dentes da frente, e danos visíveis nos dentes adjacentes 21, sendo que tudo isto parece ter resultado de um traumatismo com avulsão dentária, em idade precoce.
A ausência destes dentes e os danos nos dentes adjacentes, para além dos efeitos estéticos negativos, pode degenerar em situações críticas e irreversíveis do ponto de vista da oclusão dentária, com consequências a nível ATM (Articulação Temporomandibular), mas também relativo ao equilíbrio dos outros dentes.”
16) O mesmo especialista estabeleceu o seguinte plano de tratamentos:
• exodontia cirúrgica sob anestesia geral em bloco operatório do dente incluso na base do nariz;
• cirurgia e colocação de 2 implantes;
• regeneração óssea guiada, com biomaterial substituto ósseo;
• colocação de 2 dentes/coroas provisórias;
• colocação de 2 dentes/coroas de cerâmica sobre implantes, e
• colocação de faceta cerâmica sobre dente da “frente” danificado. »
Para sustentar a falta de prova de tal alínea, escreveu-se na decisão recorrida:
«Quanto à matéria de facto não provada, inexiste qualquer elemento que permita ao Tribunal convencer-se do que consta de a).
Com efeito, o único elemento de prova relevante no que concerne aos tratamentos de que o autor necessita é o constante do plano/orçamento junto com a petição inicial como doc. 4, e onde não é referida qualquer necessidade de acompanhamento, seguimento, revisão ou substituição de coroas.
Não foi apresentada qualquer testemunha que confirmasse esta necessidade, e os esclarecimentos prestados pelo INML em 03/06/2024 são vagos e insuficientes para alicerçar mais do que uma mera presunção ou suposição – i.e., admitindo o Tribunal que possam ser necessárias futuras intervenções, a prova oferecida não sustenta mais do que uma futura eventualidade, insuficiente para concluir pela necessidade das mesmas.»
O recorrente insurge-se quanto à ilação retirada pelo tribunal recorrido, uma vez que a previsibilidade de futuro acompanhamento médico nesta área decorre, não só dos esclarecimentos prestados nos autos pela perita médico-legal, mas também de que não havendo dúvidas de que tem de ser sujeito às intervenções cirúrgicas (uma em bloco, outra em consultório) e à colocação dos materiais necessários para efectuar a colocação de 2 implantes que vão reparar as lesões de que o recorrente ficou a padecer desde os 12 anos de idade, isto é, quase há 10 anos, como é do conhecimento comum, terá necessariamente de ser sujeito a consultas de acompanhamento do processo cicatricial, à preservação dos tecidos ósseos e gengivais em torno dos implantes e eventualmente à perda e/ou substituição de algum material colocado no plano de tratamento que irá efectuar e que, apenas em função daquele poderão ser determináveis, razão pela qual deverão ser liquidados em momento posterior.
Em nosso entender, assiste-lhe razão, senão vejamos:
Como vimos, o facto em análise reporta-se ao seguimento futuro do autor na consulta de estomatologia em face/ e na sequência, da realização dos tratamentos/intervenções cirúrgicas dentárias a que vai ter que se submeter.
Conforme o art. 564.º, n.º 2, do CC, “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Estão assim em causa os danos futuros previsíveis, ou seja, aqueles que o lesado ainda não sofreu, ao tempo da atribuição da indemnização, mas que seguramente ou muito provavelmente virá a sofrer no futuro, por causa do facto ilícito do lesante, designadamente, compreendem as despesas que o lesado terá no futuro que suportar com tratamentos, intervenções cirúrgicas e medicação em consequência das sequelas do acidente.
Trata-se, assim, de danos de natureza patrimonial, que não se tendo ainda produzido, a sua valoração será efetuada com base em juízos de prognose, mediante um cálculo de verosimilhança ou probabilístico.
Como se salienta no Ac. do STJ de 4.11.2021 in www.dgsi.pt «Naturalmente que o grau de certeza que deve existir para tornar o dano futuro ressarcível – para que seja considerado como previsível - não é o mesmo daquela que carateriza o dano presente. A especificidade dos danos futuros previsíveis reside justamente no facto de, não se tendo ainda verificado no momento da atribuição da indemnização, virem verossimilmente a produzir-se segundo um grau de elevada probabilidade com base no critério do id quod plerumque accidit.
A previsibilidade dos danos futuros inculca, pois, um elevado grau de probabilidade, atendendo aos efeitos geralmente associados à lesão causada e às especificidades das circunstâncias concretas do lesado e do evento. Daqui resulta a necessidade da existência de “suficiente segurança”: i.e., os danos futuros devem ser previsíveis com segurança bastante. Se o não forem, o tribunal não pode condenar o lesante a reparar danos que não se sabe se virão a produzir-se. Por conseguinte, se os danos futuros não forem previsíveis com segurança bastante, o seu ressarcimento apenas pode ser exigido quando ocorrerem.
Conforme mencionado supra, a previsibilidade com segurança dos danos pode resultar da verosimilhança ou de probabilidades da sua produção: a certeza dos danos futuros pode decorrer do facto de serem o desenvolvimento seguro de danos atuais, mesmo que o respetivo quantum seja incerto. Entre a certeza e a elevada probabilidade subsiste, ainda, uma margem significativa de apreciação para os tribunais, de acordo com as regras da experiência comum.»
Feitos estes considerandos e reportando-os à situação dos autos, julgamos evidenciada a elevada probabilidade de, no futuro, e após os tratamentos e intervenções dentárias a que o autor tem que se submeter (exondontia do dente incluso na base do nariz, colocação de dois implantes; regeneração ósseo, com biomaterial substituto ósseo; coroas; faceta cerâmica – vide facto 16.-) o autor necessitar de acompanhamento regular em consultas de estomatologia até para garantir a durabilidade daqueles.
Concretizemos:
Resulta evidenciado da factualidade provada – vide factos 9 a 14- que em consequência do atropelamento aqui em causa, ocorrido em 2015, o autor, à data com 12 anos de idade, sofreu diversas lesões ao nível da face, entre as quais, fratura cominutiva e radicular de 11; fratura da coroa 12, 13 luxado com fratura alveolodentária e com fratura da coroa; fratura da coroa de 21, e que, em consequência das mesmas, foi submetido a extração da coroa fraturada 11 e 12, redução da luxação de 13 (estável após redução), lavagem abundante, remoção de múltiplos fragmentos dentários de esfacelo do vestíbulo e sutura com VyR3/0, vindo posteriormente a ser -lhe colocada, de forma provisória, placa dentária, que ia sendo substituída ou por quebra ou por desgaste à razão de uma por ano.
Analisado o relatório médico que subjaz ao facto provado em 15, resulta claramente evidenciada a situação actual do autor – vide fotografias insertas no relatório- e a
necessidade e premência -sob pena de degenerar em situações críticas e irreversíveis do ponto de vista da eclosão dentária
com consequências a nível da articulação temperomandibular e equilíbrio dos restantes dentes- dos tratamentos/ intervenções cirúrgicas aí indicadas e que tendo sido acolhidos pelo tribunal a quo, foi a ré condenada a pagar ao autor o valor estimado à sua realização.
Convirá ter em atenção que no referido relatório já se alerta para algumas contingências que podem ocorrer na realização do tratamento, considerando o grau de imprevisibilidade e a distância temporal entre as várias etapas de tratamento, assim como a evolução individual e capacidade de cicatrização, referindo por isso que a avaliação feita é estimada (quanto ao tipo de tratamentos e honorários).
Entre os quesitos propostos para serem respondidos no exame médico –legal realizado nos autos, o autor questionou:
«9. Após a realização dos tratamentos atrás referidos o demandante vai ter de ser submetidos a consultas de estomatologia? Se sim, com que periodicidade?»
«10. Terá também necessidade de revisão, no futuro e para toda a vida, do material dentário que vier a colocar, nomeadamente na substituição das coroas e dos implantes? Se sim, com que periodicidade e com que custos?
Não tendo o relatório pericial dado resposta a tais quesitos, na sequência da reclamação apresentada pelo autor, veio a ser junto aos autos em 3.06.2024, relatório adicional com os esclarecimentos pretendidos e onde a Sr.ª perita médica respondeu aos mesmos nos seguintes termos:
«9º As necessárias para tal intervenção, conforme o que já é habitual. A periodicidade deve ser definida por um especialista na área Medicina dentária que vá realizar os tratamentos.
10º Na medida das necessidades do que é habitual para este tipo de tratamentos.»
Posto isto, tendo em conta todos os elementos fácticos objectivos que resultam dos autos, bem como o que resulta seja do relatório médico junto com a petição inicial - doc. 4 - seja dos esclarecimentos prestados pela perita do IML, considerando a natureza das lesões sofridas, em particular e no que ora releva, ao nível da dentição, natureza delicada e prolongada dos tratamentos necessários, a assinalada baixa densidade óssea (com necessidade de regeneração óssea/com substituto ósseo), a incerteza na capacidade de cicatrização e na reação aos tratamentos e eventual necessidade de outros procedimentos, para além de apenas serem evidenciados após a realização dos mesmos, permitem inferir com a segurança exigível, de acordo com a normalidade e regras da experiência comum, a alta probabilidade da necessidade futura de um acompanhamento médico regular a nível dentário mormente após a realização de tais tratamentos, para revisões e manutenção da dentição intervencionada, tanto mais que estamos perante reconstituições dentárias delicadas cuja durabilidade é incerta e dependente de vários factores e o autor é ainda muito jovem e tem à sua frente longa esperança de vida.
Em suma, não podemos subscrever o juízo feito na decisão de que a prova oferecida não sustenta mais do que uma futura eventualidade, insuficiente para concluir pela necessidade de acompanhamento, seguimento, revisão ou substituição de coroas, sendo, ao invés, de concluir pela alta probabilidade desse acompanhamento médico futuro ser necessário e por isso, pela prova da factualidade ao mesmo respeitante, sendo que a sua exacta definição e regularidade apenas após a conclusão dos tratamentos, à partida, será possível aferir (mas essa é uma questão diferenciada a que voltaremos infra).
Assim, na procedência da impugnação, decide-se considerar como provado (alínea a) dos factos não provados), que passará a ser o n. 20:
«Correndo os tratamentos atrás referidos dentro do previsto, o autor terá de continuar a ser seguido pela especialidade de estomatologia, seja em consultas de revisão e/ou controlo, seja para substituição das coroas e dos implantes que passará a ser portador.»
iii.Do mérito da decisão:
Está em causa no recurso a sindicância da apreciação feita na decisão recorrida quanto aos pedidos indemnizatórios formulados pelo autor na petição inicial a título de dano biológico e de danos morais (não patrimoniais) e à decisão tomada quanto a danos futuros.
a) Vejamos, começando a nossa apreciação pelo designado “dano biológico”.
O apelante insurge-se quanto à decisão proferida relativamente a este “dano” que condenou a ré na quantia liquidada de 5.000,00€, arguindo ter deduzido um pedido ilíquido/genérico quanto ao mesmo (por falta de elementos para a sua determinação) e que apesar de no decurso da acção ter vindo a fixar-se em 2 pontos o seu défice funcional permanente, não poderia o tribunal na decisão que proferiu, de mote próprio e sabendose que a liquidação está a cargo do lesado/interessado, condenar a ré num pedido líquido, que de qualquer modo sempre pecaria por defeito.
Que dizer:
O dano biológico vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais [cfr. Acórdãos do STJ de 20/05/2010, proc. 103/2002.L1.S1 e de 26/01/2012, proc. 220/2001-7.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj] estando na sua origem o direito à saúde, concretizado numa situação de bem-estar físico e psíquico e uma maior protecção da pessoa humana.
A tutela deste dano encontra o seu fundamento último no âmbito do direito civil, nos arts. 25º nº 1 da CRP – que considera inviolável a integridade física das pessoas – e 70º nº 1 do C.Civ. – que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Independentemente do seu enquadramento jurídico como dano patrimonial ou não patrimonial ou um tertium genus, desde que provada uma incapacidade permanente, ou melhor, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do lesado, consubstanciando este dano uma diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, é, considerando a perda genérica de capacidade, seja laboral seja funcional, sempre indemnizável como dano futuro, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos ou de este desenvolver à data uma determinada actividade económica que lhe proporcione proventos (como sucede, a título de exemplo, com as pessoas já reformadas ou com as crianças) e, portanto, ainda que não perca direta e imediatamente rendimentos e aquela incapacidade não tenha reflexos na atividade profissional.
No caso em apreciação e como se vê da petição inicial, o autor formulou um pedido ilíquido a apurar em incidente de liquidação relativamente ao défice funcional permanente (dano biológico) que se vier a apurar em consequência das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, por desconhecer, à data da petição inicial, se e qual, o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica (cfr. artigos 55º e 56º da PI e pedido formulado em 2.b)).
Na verdade, desconhecendo o autor, à data em que propôs a acção, se as lesões que sofreu e sequelas decorrentes, determinavam um défice funcional permanente na sua integridade física ou psíquica e, bem assim, se este tinha ou não reflexo na sua capacidade laboral (situação justificada pois não está obrigado, a expensas suas, a realizar um exame médico legal prévio à propositura da acção) mostrava-se legitimado o recurso ao aludido pedido genérico ou ilíquido no que se refere ao dito “dano biológico”, nos termos do disposto pelo artigo 556º n.1 al. b) do CPC.
Ora, diz-nos o n. 2 desse normativo, que nesse caso (não sendo ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito) o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358º do C.P.C. (incidente de liquidação).
Por seu turno, este normativo (358º) prescreve que: «1 - Antes de começar a discussão da causa, o autor deduz, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito.
2 - O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.o 2 do artigo 609.º, e, caso seja admitido, a
instância extinta considera-se renovada.» (negrito nosso)
Como salienta Miguel Teixeira de Sousa in CPC online, em anotação a este artigo[1],
«1. O art. regula o momento da liquidação do pedido genérico: esse momento pode ser durante a pendência do processo declarativo (n.º 1) ou depois do proferimento da sentença de condenação genérica (n.º 2). (….) «3. (b) O ónus de liquidação do autor não é categórico: ele só existe “sendo possível” a dedução do incidente (n.o 1). Dado que a condenação genérica permitida pelo art. 609.º,
n.º 2, não está dependente de nenhum controlo do tribunal sobre a possibilidade da concentração ou liquidação do pedido genérico, a violação do ónus de liquidação não tem nenhuma consequência.».
Nessa medida, prescreve o artigo 609º, nº 2, do CPC que: “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Disposição que será aplicável “Tanto nos casos em que é deduzido um pedido genérico não subsequentemente liquidado (…) como naqueles em que o pedido se apresenta determinado, mas os factos constitutivos da liquidação da obrigação não são provados (…)” (Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª ed., Almedina, 2017, págs. 715-715, em anotação ao art. 609º, nº 2)., apud Ac. do STJ de 07.05.2020, processo 233/12.7TBMIR.C1.S1, in www.dgsi.pt
A este propósito cumprirá ainda referir o que vem disposto no artigo 360º n.2 do C.P.C., que nos diz que: «Se o incidente for deduzido antes de começar a discussão da causa, a matéria da liquidação é considerada nos temas da prova enunciados ou a enunciar nos termos do n.º 1 do artigo 596.º, as provas são oferecidas e produzidas, sendo possível, com as da restante matéria da ação e da defesa e a liquidação é discutida e julgada com a causa principal.»
Em suma, a liquidação do pedido genérico que tenha sido formulado antes do julgamento da causa, é um pressuposto indispensável à prolação de uma decisão líquida quanto ao mesmo, o que bem se compreende, desde logo, porque a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (cfr. 609º n.1 do CPC). Pelo que, não tendo o lesado/autor feito qualquer pedido líquido relativamente ao designado “dano biológico, não foi sequer fixada a “baliza” quanto aos limites da condenação na sentença. A que acresce, que apenas tal liquidação permitirá, outrossim, a sua integração nos temas de prova, bem como prova e discussão, nos termos referidos no n.2 do artigo 360º, do CPC.
Donde e reportando o acabado de expor à situação dos autos, tendo sido formulado pelo autor um pedido genérico relativamente a este dano (ao abrigo do artigo 556, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil), a sua liquidação, ou melhor, concretização, mediante fixação do seu objeto ou da sua quantidade (com ampliação do pedido líquido inicialmente formulado), dependia necessariamente da dedução pelo autor do respetivo incidente previsto no artigo 358.º do mesmo Código, conforme resulta expressamente do n.º 2 do artigo 556.º, pelo que, não o tendo feito no decurso dos autos e até começar a discussão da causa, estava vedado ao tribunal proceder na sentença, como fez, a uma condenação líquida quanto ao mesmo2.
Nessa medida, e não tendo sido liquidado no decurso da acção o pedido genérico que o autor formulou, considerando a verificação do referido dano biológico teria o tribunal que condenar a ré a esse título no que vier a ser liquidado em incidente próprio, nos termos do n.2 do artigo 609º do CPC.
Não poderemos por isso acompanhar o segmento decisório da sentença na parte em que engloba a condenação da ré na quantia liquidada de 5.000,00€ a título de dano biológico, que por isso terá, nessa parte, que ser revogada e substituída nos termos acima referidos por uma condenação que relegue para incidente de liquidação a fixação daquele dano.
b) Dos danos não patrimoniais:
Na petição inicial o autor quantificou esse dano, desde a data do acidente até à propositura da presente acção – 22 Janeiro de 2022 – na quantia de 10.000,00€, deixando para incidente de liquidação todos os danos não patrimoniais daí decorrentes até à conclusão dos tratamentos a que vai ter se de ser submetido.
A este título o tribunal, na sentença que proferiu, arbitrou ao autor a quantia de €5.000,00, a título de dano não patrimonial e que integrou até à prolação da sentença e julgou improcedente o pedido de danos não patrimoniais que ocorram até à conclusão dos tratamentos.
O autor/recorrente insurge-se quanto ao valor indemnizatório fixado na decisão recorrida arguindo que face aos critérios a ter em conta para a sua fixação,
2 Cfr. neste sentido ainda o Ac. desta Relação de Guimarães de 21.01.2016, proferido no processo n.º 2514/11.8TJVNF.G1, in www.dgsi.pt consequências das lesões, idade do autor à data do acidente e sofrimento que teve, esse valor deve ascender ao montante peticionado de 10.000,00€ e que o seu sofrimento perdurará até que se concluam os tratamentos a que se vai ter de sujeitar.
Apreciemos:
Os danos não patrimoniais são ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil) e, nesse âmbito, devem ser valorizados os diversos componentes do mesmo, quer ao nível do sofrimento/dor no período de doença revelada na amplitude e intensidade do sofrimento suportado pela vítima, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; tempo de incapacidade; o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o dano respeitante à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima; a sua idade; e também, o grau de culpabilidade do agente, e situação económica deste e do lesado, bem como todas as demais circunstâncias do caso que se justifique atender para encontrar a solução mais equilibrada e justa.
Nessa medida o seu ressarcimento assume uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar o sofrimento derivado das lesões e a amenizar a dor física e psíquica sofrida, mas também «uma função punitiva», na medida em que a lei enuncia que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso» .
A avaliação destes danos não poderá ser balizada pela teoria da diferença consagrada no n.º 2 do art. 566.º do C.C. e deve antes ser decidida pelo tribunal, segundo um juízo de equidade (art. 496.º, n.º 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494.º, do C.C., importando salientar, como se tem vindo a afirmar na jurisprudência, que o recurso à equidade não afasta, no entanto, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso[2] .
Acresce, como se refere no Ac. desta Relação de 30.05.2019[3] que: «Merecem, ainda, ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações (Acórdão da Relação do Porto de 19.02.2004 – Apelação nº 3546/03, 2ª secção).
E isto assim é, na verdade, porque o intérprete da lei deve ter presente as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada (art. 9º, nº 1, do Código Civil), nota esta, do legislador, que Antunes Varela e Pires de Lima qualificam de “vincadamente actualista” (CC Anotado, I, pág. 58).
Por outro lado, como repetidamente o Supremo Tribunal de Justiça tem dito, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.».
Na decisão recorrida escreveu-se a propósito deste dano, o seguinte:
«Prova o autor que, por força do acidente que serve de fundamento aos presentes autos, i.e., do facto ilícito e culposo praticado pelo condutor do veículo segurado pela ré, sofreu diversos danos: entre tais danos, incluem-se tristeza, dores, mal-estar e vergonha, provocados quer durante o próprio acidente, quer posteriormente, incluindo-se aqui consequências físicas (dores, mal-estar), e psicológico (vergonha e tristeza).
Considerando as circunstâncias do caso, mormente um atropelamento em passadeira, com múltiplas lesões a nível dentário e maxilo-facial da parte do autor, traduzidos inclusive num quantum doloris de 3 pontos em 7, bem como os tratamentos necessários à reposição e ao estado em que o autor quedou após o acidente, é de considerar que os danos não patrimoniais dados como provados são sérios e merecem compensação pela ordem jurídica.
Para efeitos da fixação da indemnização por danos não patrimoniais, assim, é necessário atender aos critérios previstos no artigo 494.º, por remissão do artigo 496.º, n.º 4.
Atendendo ao quantum doloris dado como provado, o Tribunal denota, conforme já se referiu, que o autor sofreu o dano em causa em tenra idade, com apenas 12 anos, sendo que o dano em causa não só se repercute a nível de dores e sofrimento mas também a nível estético, provocando embaraço em qualquer pessoa e ainda mais num pré-adolescente em idade escolar.
Mais se denota que a ré não forneceu qualquer tratamento definitivo para o problema do autor, mas apenas uma solução provisória, que se consubstanciou somente na colocação deuma prótese dentária removível – que não é nem de perto nem de longe uma solução adequada à reposição integral da dentição completa do autor.
Pese embora o autor não haja logrado a prova de tudo o que alegou em sede de danos não patrimoniais (mormente, não conexiona a “vermelhidão” do rosto com o evento descrito nos autos, nem prova a existência de stress pós-traumático traduzido em medo de circular a pé na rua ou atravessar passadeiras), não deixa de ter relevância, entre o mais, o tempo decorrido entre o evento e a presente ação, em que a ré não forneceu uma solução adequada ao autor e provocou que este atravessasse todo o seu período escolar com dores, mal-estar e com repercussões a nível estético e psicológica (tristeza e vergonha).
Não deixa de se contrabalançar, porém, a circunstância de o autor não concretizar maiores danos, no que concerne por exemplo a dificuldades de relacionamento, rejeição pelos seus pares, enclausuramento, depressão, etc.
Mais considerando ainda a natural disponibilidade financeira da ré enquanto seguradora, o Tribunal entende por adequada a condenação desta no pagamento de €5.000,00, a título de dano não patrimonial.
Com tal pagamento ficando integrados também os danos sofridos entre a propositura da ação e a prolação da presente sentença, inexistindo elementos para permitir uma condenação genérica no que concerne aos danos não patrimoniais, posto que os mesmos, à partida, deixam de se vencer com a condenação da ré.»(…)
De facto, como decorre da introdução feita relativamente à compensação por este tipo de danos, decorre da abordagem feita pelo tribunal recorrido o enfoque em diversos dos critérios que devem relevar na sua avaliação e fixação, e a que não podemos deixar de reiterar expressa referência, como seja a idade do autor à data da ocorrência do acidente, 12 anos de idade e tempo decorrido até hoje, decorridos que foram praticamente 10 anos ( sendo facto notório que no decurso dos mesmos o nível e custo de vida aumentou drasticamente), natureza das lesões sofridas traumatismo do membro inferior direito e ao nível da face, nariz e dentição, com perda dos dentes da frente que até hoje
não pode colocar de modo definitivo (vide foto junta no relatório junto com a PI – doc.4) e que, como se vislumbra da factualidade provada, foi sendo remediado por tratamentos provisórios
reiterados anualmente - facto provado em 14. «O autor passou posteriormente a ser seguido no Hospital ..., por
conta da ré, onde lhe foi colocada placa dentária, que ia sendo substituída ou por quebra ou por desgaste à razão de uma por ano, solução provisória que ia sendo acompanhada de tratamento conservador ao traumatismo do membro inferior direito.». e só agora, com a condenaçãoda ré no montante previsto da intervenção dentária necessária a recolocar os dentes de forma mais permanente, através de implantes e da regeneração óssea necessária, o autor verá reposta, minimamente, a sua situação ao nível da dentição. E não é despiciendo ter em atenção que todo o processo decorrido até agora o tomou numa altura delicada, como é a adolescência, em que a imagem perante os outros assume especial relevo, sabendo-se, para além do mais, que tal situação (aspecto físico) lhe causou embaraço e mal estar (facto 18.) escrevendo-se a esse propósito na motivação que:
«tais circunstâncias foram ainda confirmadas pelo teor do depoimento da testemunha BB, madrinha do autor, que descreveu que ainda hoje o autor tem a tendência de cobrir a boca enquanto fala, de forma a ocultar os dentes, e que foi vítima de comentários trocistas e jocosos da parte de colegas da escola.».
E, pese embora o período de défice funcional temporário total fixado seja de 1 dia e o temporário parcial de 26 dias, não se poderá deixar de considerar os tratamentos a que foi sujeito (intervenção cirúrgica referida no ponto 12., para extração dos dentes e remoção dos fragmentos dentários) e aqueles a que tem vindo a submeter-se ao longo destes anos (ponto 14, face aos tratamentos provisórios que vêm sendo feitos); bem como o quantum doloris fixado no grau 3/7, o dano estético permanente no grau 3 /7, as ajudas técnicas permanentes de que vai necessitar, no caso, implantes dentários, não podendo também deixar de se considerar o grau de culpa (elevado) do condutor do veículo seguro na ré e circunstâncias do acidente, atropelamento na passeira por condutor que circulava com uma taxa de álcool no sangue de 0,59 gr/lt, bem como, por último, a análise dos padrões da jurisprudência em casos similares, não esquecendo, todavia, a singularidade do presente.
A título exemplificativo, veja-se, entre outros: Ac. S.T.J. de 23-02-2021 (processo 91/13.4TBSCD.C1.S1); STJ 1.10.2024 (processo 758/22.6T8VRL.G1.S1); Ac. R.P. 21.11.2024 (processo 19165/21.1T8PRT.P1) Ac. R.C. de 19-12-2018 (processo 762/15.0T8LRA.C1) Ac. da R.P. de 29.04.2021, (processo 2834/17.8T8PNF.P1); R.L. de 24.10.2024 (processo 13969/19.2T8SNT.L1-6), todos in www.dgsi.pt
Nessa medida e feita a ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso e critérios jurisprudenciais para casos análogos, julgamos dentro do critério de equidade que se impõe, como mais ajustado, adequado e proporcional a compensar o dano sofrido pelo lesado, o valor peticionado pelo apelante no montante de 10.000,00€, aumentando-se nessa medida o valor que havia sido atribuído na decisão a esse título, de 5.000,00€ e, que face ao juízo equitativo feito se considera situar-se abaixo do valor compensatório devido a esse título.
Destarte, o valor indemnizatório que se atribui a título de danos não patrimoniais, actualizado à data da presente decisão, deverá ser fixado em 10.000,00€, procedendo a apelação quanto a esta questão.
Ainda a título de danos não patrimoniais vem o apelante insurgir-se quanto à decisão proferida pelo tribunal a quo na parte em que julgou improcedente o pedido ilíquido que este havia feito relativamente aos danos não patrimoniais futuros desde a data da PI até à conclusão dos tratamentos dentários a que vai ter de ser submetido (e que permitirão repor o seu status quo ante) e que havia peticionado na acção que fossem liquidados em incidente posterior.
Na decisão recorrida que julgou improcedente esse pedido, considerou-se não existirem elementos «para permitir uma condenação genérica no que concerne aos danos não patrimoniais, posto que os mesmos, à partida, deixam de se vencer com a condenação da ré».
Apreciando, desde já adiantamos, que pese embora não se possa acompanhar a afirmação feita na decisão quanto ao “vencimento” dos danos não patrimoniais com a decisão de condenação da ré, já a decisão proferida quanto à inexistência de elementos seguros para proferir uma decisão genérica sobre danos não patrimoniais futuros, merece o nosso acolhimento.
Expliquemos:
É inquestionável que o responsável pelo facto ilícito deve indemnizar integralmente os danos causados pela sua conduta e que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (cfr. artigos 562.º e 563º do CC) sejam os danos patrimoniais, sejam os danos não patrimoniais que, “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (cfr. 496º do C.C.) e, seja os danos já ocorridos, seja os danos futuros que se mostrem previsíveis (cfr. 564º n.2 do CC).
Nessa medida, são ressarcíveis os danos que o lesado ainda não sofreu, ao tempo da atribuição da indemnização, mas que de forma segura ou com um grau de probabilidade bastante elevado, assente num juízo de prognose, virá a sofrer no futuro, por causa do facto ilícito do lesante. Se não for possível formular esse juízo de previsibilidade com segurança bastante (sendo este meramente possível e hipotético), então o ressarcimentodesses danos apenas pode ser exigido quando ocorrerem[4].
O ónus da alegação e prova dos factos referentes aos danos a que se atribui o alto grau de probabilidade de virem a ocorrer no futuro incumbe ao lesado ( cfr. artigo 342º, n.1 do C.C.), e a condenação genérica na sentença relativa aos mesmos apenas se justifica se havendo prova suficiente daqueles (ou da alta probabilidade da sua ocorrência) não for ainda possível proceder à sua quantificação/liquidação. Ou seja, a condenação genérica tem como pressuposto o reconhecimento de um direito de crédito não liquidado.
Vejamos, então:
Resulta indiscutível na acção que o autor terá de se submeter no futuro a um tratamento dentário delicado (com cirurgias) para reposição de uma forma mais permanente (com implantes) dos dentes perdidos/e afectados em consequência da lesão e de reconstrução óssea, intervenções cujo custo previsível (e de molde a que o A. as possa realizar) a ré já foi condenada a pagar na sentença.
Por seu turno, os danos não patrimoniais são indemnizáveis na medida em que a sua gravidade o justifique (cfr. 496º n.1 do C.C.), e que atenta a sua específica natureza, podem abranger várias vertentes, parâmetros ou modos de expressão, entre os quais a onerosidade e natureza dos tratamentos, as dores, o tempo de recuperação, as limitações físicas associadas, etc.
Sucede que o autor se limitou a formular um pedido genérico quanto aos danos morais que ocorram desde a PI até à conclusão dos referidos tratamentos que irá efectuar no futuro, sem nada alegar em concreto relativamente a danos, sua natureza, gravidade e previsibilidade da sua ocorrência, que permitisse um qualquer juízo de prognose sobre a mesma de molde a permitir uma condenação (genérica) na sua reparação e sua posterior liquidação (a qual sempre teria de respeitar os factos que fossem julgados provados na acção declarativa prévia e que constituíssem fundamento da condenação genérica).
Em suma, a apelação não pode proceder quanto a esta questão, mantendo-se a decisão proferida pelo tribunal a quo.
Por último, o apelante insurge-se quanto à decisão de improcedência do pedido genérico que formulou referente à condenação da ré na quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação relativa aos custos com tratamentos/consultas de estomatologia; substituição de coroas e implantes ou quaisquer outros tratamentos que venham a ser necessários na sequencia das intervenções a nível dentário a que vai ser sujeito para reposição da dentição afectada e reconstituição óssea.
Resulta da decisão de procedência quanto à impugnação da matéria de facto, o aditamento aos factos provados do facto com o seguinte teor:
« a) Correndo os tratamentos atrás referidos dentro do previsto, o autor terá de continuar a ser seguido pela especialidade de estomatologia, seja em consultas de revisão e/ou controlo, seja para substituição das coroas e dos implantes que passará a ser portador.»
Considerando a prova desse facto, e que, como vimos, num juízo de prognose, se considerou ser elevada a probabilidade da sua ocorrência, e face a todas as considerações acima expostas, mostra-se justificado o pedido de condenação da ré nos termos do disposto nos artigos 564º, nº 2 CC e 609º, nº 2 do CPC no que se vier a liquidar em incidente próprio, relativamente aos custos que o A. venha a suportar na sequência dos tratamentos/intervenções cirúrgicas referidas no ponto 16., com o seguimento pela especialidade de estomatologia, seja em consultas de revisão e/ ou controlo, seja para substituição das coroas e dos implantes de que passará a ser portador.
Procede nesta medida a apelação quanto a esta questão.
Em sede conclusiva e face a todo o exposto, impõe-se julgar parcialmente procedente a apelação.
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V. Decisão
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
- altera-se a decisão proferida pelo tribunal a quo no que se refere ao valor fixado a título de prejuízo não patrimonial, condenando-se a ré a pagar ao autor a esse título a quantia de 10.000,00€ (actualizado à presente data), a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a data da citação da ré para a acção e até efectivo e integral pagamento (de acordo com o já decidido na sentença e não impugnado);
- revoga-se a decisão proferida relativamente ao segmento decisório (feito em globo) na parte que inclui a liquidação do pedido genérico quanto à indemnização do dano biológico e condenou a ré no pagamento ao autor da quantia de 5.000,00€ a esse título, e em sua substituição, condena-se a ré no pagamento ao autor da quantia que vier a ser apurada em incidente de liquidação a título de indemnização pelo dano biológico;
- condena-se a ré no pagamento ao A. das quantias que vierem a ser liquidadas em incidente próprio, relativamente aos custos que o A. venha a suportar com o seguimento pela especialidade de estomatologia, seja em consultas de revisão e/ ou controlo, seja para substituição das coroas e dos implantes de que passará a ser portador, na sequência dos tratamentos/intervenções cirúrgicas referidas no ponto 16. dos factos provados, revogando-se nessa medida a decisão proferida de absolvição quanto a esse pedido; No mais, mantém-se a decisão proferida.
As custas da apelação, nos termos do artigo 527º n.s 1 e 2 do C.P.C., serão a suportar pelo recorrente e recorrida na proporção do vencimento, que se fixa em ¼ para o primeiro e ¾ para a segunda, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o recorrente.
Guimarães, 20 de Novembro, de 2025
Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
José Manuel Flores (1ª Adj)
Sandra Melo (2ª Adj.)
[1] Blog do IPPC. [2] Como se salienta no Ac. STJ de 17.05.2012, processo 48/2002.L2.S2, in www.dgsi.pt [3] In www.dgsi.pt [4] Cfr. a propósito Ac. STJ de 4.11.2021, processo 590/13.8TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt