RECURSO DE APELAÇÃO
DESPACHO SOBRE O REQUERIMENTO DE RECURSO
NÃO PRONÚNCIA DO TRIBUNAL A QUO
RECLAMAÇÃO CONTRA O INDEFERIMENTO
NULIDADE PROCESSUAL
ERRO NA QUALIFICAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL
CONVOLAÇÃO DO REQUERIMENTO
Sumário

1. Interposto recurso visando impugnar uma decisão que determinou que os autos ficassem a aguardar a concretização da citação da requerente/recorrente num outro processo, protelando o tribunal de primeira instância a apreciação da admissibilidade (ou não) desse recurso sob o fundamento de que a mesma se furtava àquela citação, a conduta do tribunal a quo, ao não se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso, conforme impõe o art. 641.º, n.º 1, do CPC, constituiu uma nulidade processual por omissão de um acto ou formalidade prescrita pela lei, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do CPC.
2. Tendo o reclamante utilizado o instituto da reclamação contra o indeferimento do recurso, previsto no art. 643.º do CPC, e destinando-se esse meio processual, apenas, a reagir contra o despacho que não admita (rejeite) o recurso, uma vez que o tribunal a quo não chegou a indeferir ou admitir o recurso, mas sim a adiar essa apreciação, não estão preenchidos os requisitos do art. 643.º do CPC, sendo o meio processual escolhido incorrecto.
3. Nessas circunstâncias será de aplicar o mecanismo processual do art. 193.º, n.º 3, do CPC, relativo ao “erro na qualificação do meio processual”, que impõe ao tribunal o dever de o corrigir oficiosamente – para evitar que uma pretensão deixe de ser apreciada por razões formais –, sendo de realizar a convolação do requerimento em reclamação para a 1.ª Instância, sendo de determinar que esta supra a nulidade assinalada e se pronuncie, imediatamente, sobre a admissibilidade ou não do recurso original.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Reclamação – artigo 643.º do Código de Processo Civil (CPC)

AA, requerente no processo de inventário cumulado para partilha dos acervos patrimoniais das heranças abertas por óbito de BB, CC e DD, não se conformando com o despacho proferido pelo tribunal a quo em 24-09-2025, com a referência citius nº 111939320, veio deduzir reclamação, nos termos do art. 643.º do CPC, através de requerimento apresentado em 27-09-2025.


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A reclamante pugna pela revogação deste despacho e sua substituição por outro que admita o recurso interposto, aduzindo o seguinte:

            “i. Foi apresentado recurso 10/07/2025, Ref.ª Citius 12062960 das decisões datadas de 26/06/2025, Ref.ª Citius 111303825 e de 09/07/2025, Ref.ªCitius 111457828 que ordenam a suspensão dos autos sem fundamento legal para tal

ii. O recurso apresentado tem como fundamento a errada interpretação do instituto da litispendência e a violação aos princípios de acesso ao direito, da igualdade, de tutela jurisdicional efetiva, bem como ao dever de providenciar o andamento célere do processo

iii. Em 24/09/2025, Ref.ª Citius 111939320 foi proferido despacho a indeferir o requerimento de interposição do recurso com fundamento da recorrente “ (..) se furtar à sua citação no âmbito do processo de inventário n.º 1667/25.....”

iv. A decisão de indeferimento do requerimento de interposição de recurso não tem respaldo ou fundamento legal, pelo que

v. O indeferimento deve ser revogado, admitindo-se o recurso apresentado.

Nestes termos, e nos melhores de direito que Vs. ª Exs.ª certamente suprirão, deve a presente reclamação ser julgada procedente, com as legais consequências.


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            Não foi apresentada qualquer resposta, consistindo a questão a apreciar verificar se a reclamação interposta nos termos do art. 643.º do CPC, merece provimento.

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            i. Fundamentação de facto

            Com relevo para a decisão a proferir há a ponderar a seguinte dinâmica processual:

            1. No despacho de 06-05-2025 o tribunal a quo exarou: “Cota sob Referência de 30/04/2025: Por se me afigurar existir litispendência com o processo de inventário n.º 1667/25...., instaurado na data de 16/04/2025, a correr termos neste Juízo Local Cível de Leiria – J2, notifique a requerente para, querendo, se pronunciar quanto à verificação de tal excepção dilatória e respectivas consequências processuais”.

            2. Por requerimento de 07-05-2025 a requerente expôs e requereu: “[N]otificada que foi da pendencia do processo 1667/25.... vem informar que não foi citada para intervir no referido. /De acordo com o regime previsto no Artigo 582 n.º 2 do CPC a aferição da existência de litispendência é consonante com a verificação da citação dos requeridos. /Assim é importante a prossecução dos presentes a fim de ser executada a citação dos requeridos. /Nestes termos requer a prossecução dos presentes autos, nomeadamente com a citação dos requeridos, seguindo-se os seus termos até a final”.

            3. No despacho de 23-06-2025 o tribunal a quo exarou: “Relativamente ao processo de inventário n.º 1667/25...., identificado na cota sob Referência de 30/04/2025, informe a Secção se já foi proferido despacho a ordenar a citação da aqui requerente e se tal acto já se mostra concretizado”.

4. No despacho de 26-06-2025 o tribunal a quo exarou: Cota sob Referência de 25/06/2025: “Face ao informado, aguardem os autos a concretização da já ordenada citação da aqui requerente para os termos do processo de inventário n.º 1667/25...., primeiramente instaurado”.

5. Por requerimento de 01-07-2025 a requerente expôs e requereu, entre o mais, que “(…) não se nos afigura existir litispendência entre os autos de processo1667/25.... e 1769/25...., uma vez que as partes não são as mesmas, os inventariados não são os mesmos e as heranças em causa também não coincidem

Sem prescindir

- A verificação da existência de litispendência, está prevista na Lei, sendo clara a lei no seu artigo 582 n.º 2 do CPC que define como “proposta em segundo lugar” , “a ação para a qual o réu foi citado posteriormente” (sublinhado nosso)

- Deste modo, é essencial a citação dos RR afim de estabilizar a(s) acção (ões) proposta e aferir qual a ação proposta em segundo lugar (Ac. Rel Porto Processo 9295/19.5T8PRT.P1)

- Tendo a requerente, em 05/06/2025, Ref.ª citius 11954992, cumprido o despacho de 23/05/2025, Ref.ª Citius 110784628, nada há que impeça a citação dos réus nos presentes autos.

- De acordo com o disposto no Art. 162 do CPC a citação dos Réus deverá ser expedita no prazo de 5 dias

- O despacho proferido a 26/06/2025, Ref.ª Citius 111303825, a ordenar os presentes autos aguardar a prossecução de outros autos, carece de fundamento, traduzindo-se num atropelo ao princípio do dever de gestão previsto no Artigo 6.º do CPC

- Nos presentes autos a ação encontra-se em condições de prosseguir com a citação dos Réus.

Nestes termos requer que sejam ordenadas as citações dos Réus nos presentes autos”.

6. No despacho de 04-07-2025 o tribunal a quo consignou: “Referência de 01/07/2025: Como referido no precedente despacho, no processo de inventário n.º 1667/25...., primeiramente instaurado, para partilha das heranças abertas por óbito de CC e DD – aqui também aqui inventariados – já foi ordenada, por despacho de 29/05/2025, a citação da aqui requerente, ali requerida. / Não havendo, neste momento, razões sérias para crer que a aqui requerente se esteja a furtar à citação que ali já foi ordenada (entendimento que pode ser revertido na hipótese de persistir a inexplicável insistência que aqui vem fazendo), a prossecução destes autos, nos moldes peticionados, configura acto inútil, legalmente vedado (artigo 130.º do Código do Processo Civil). /Como tal, indeferindo ao requerido, aguardem os autos nos termos já ordenados no anterior despacho”.

7. A 10-07-2025 a requerente apresentou recurso de apelação do despacho de 26-06-2025 enumerando as seguintes conclusões:

“1 - A 29-4-2025 a recorrente deu entrada de inventário para partilha por óbito de BB, CC, e DD, sendo requeridos: EE, AA, FF, GG e HH

2 - No referido processo foi requerida a nomeação da interessada EE como cabeça de casal

3 - A 07/05/2025, Ref.ª Citius 110772892 foi a requerente notificada para se pronunciar acerca da eventualidade da verificação de “(..) litispendência com o processo de inventário n.º 1667/25...., instaurado na data de 16/04/2025, a correr termos neste Juízo Local Cível de Leiria – J2, (…)”

4 - A recorrente respondeu, informando desconhecer o referido processo, porquanto não havia sido citada, invocando que, nos termos do disposto nos Artigos 581 e 582 do CPC a litispendência é aferida após a citação das partes, terminando por requerer a prossecução dos presentes autos com a citação da Cabeça de casal e demais requeridos.

5 - Notificada que foi para vir juntar certidões prediais dos prédios contantes no RI, a recorrente, a 05/06/2025, Ref.ª Citius 11954992, voltou a requerer a citação dos outros sujeitos processuais

6 - A 26/06/2025, Ref.ª Citius 111303825 o tribunal a quo profere o despacho aqui em crise “ (…), aguardem os autos a concretização da já ordenada citação da aqui requerente para os termos do processo de inventário n.º 1667/25...., primeiramente instaurado.”, mantendo a sua posição a 09/07/2025, Ref.ª Citius 111457828 “ (…) no processo de inventário n.º 1667/25...., primeiramente instaurado, para partilha das heranças abertas por óbito de CC e DD – aqui também aqui inventariados – já foi ordenada, por despacho de 29/05/2025, a citação da aqui requerente, ali requerida. (…) a prossecução destes autos, nos moldes peticionados, configura acto inútil, legalmente vedado (artigo 130.º do Código do Processo Civil).

Como tal, indeferindo ao requerido, aguardem os autos nos termos já ordenados no anterior despacho.”

7 - O(s) referido(s) despacho(s) viola(m) o disposto no Artigo 20 da CRP e nos Artigos 2, 4, e 6 todos do CPC, uma vez que não permite(m) á recorrente um acesso ao tribunal, uma igualdade entre as partes e um ágil andamento do processo que interpôs

8 - O(s) despacho(s) faz(em) errada interpretação do instituto da litispendência, uma vez que não existe identidade entre as ações, nem quanto aos sujeitos (que são diferentes), ao pedido e à causa de pedir (as heranças são distintas e a pretensão não advém do mesmo facto jurídico), nos termos previstos no Artigo 581 do CPC

9 - O(s) despacho(s) viola(m) a disposto no Artigo 582 do CPC que estabelece que a aferição da litispendência depende da estabilização da ação, o que ocorre com a citação das partes

10 - Ao indeferir a citação dos outros sujeitos processuais e ordena aguardar que seja(m) efetuada(s) a(s) citação(ões) noutro processo, os presentes autos necessariamente terão de se tornar o processo “proposto em segundo lugar”, o que subverte a regras processuais e viola a igualdade entre as partes

11 - O(s) despacho(s) demonstra(m) abuso de poder jurisdicional ao ordenar a retenção do processo, violando o normal e regular andamento do processo

12 - O tribunal fez errada interpretação e aplicação da lei, pelo que deve ser revogado o despacho proferido a 26-6-2025 (e a 4-7-2025) e substituído por outro que ordene a citação dos requeridos

Nestes termos e, nos melhores de direito que, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se o (s) despacho(s) proferido pelo tribunal “a quo” substituindo por outro que ordene a citação requerida, fazendo-se assim a já Costumada Justiça”.

8. No despacho de 09-09-2025 o tribunal a quo exarou, entre o mais: “Aguardem os autos nos termos já ordenados no despacho de 26/06/2025”.

9. Por requerimento de 16-09-2025 a requerente expôs e requereu:

“1- Compulsados os autos verifica-se que foi proferido despacho a 09/09/2025, Ref.ª Citius 111802634, acontece que

2- Certamente por lapso não houve pronuncia acerca do recurso apresentado pela requerente a 10/07/2025, Ref.ª Citius 12062960

3- É que, foi tomado conhecimento da Cota de 18/07/2025, Ref.ª Citius 111540001 e de 05/09/2025, Ref.ª Citus 111796915,

4- No entanto não houve tomada de posição por parte do tribunal acerca do recurso apresentado a 10-07-2025.

Nestes termos vem respeitosamente requerer que seja tomada posição acerca da interposição de recurso de 10/07/2025, Ref.ª Citius 12062960, o seu modo de subida e o seu efeito”.

10. No despacho de 24-09-2025 o tribunal a quo exarou: “Referência de 16/09/2025: As pretensões formuladas pela requerente neste processo serão apreciadas assim que a mesma deixar de se furtar à sua citação no âmbito do processo de inventário n.º 1667/25....”.

11. Por requerimento de 27-09-2025 a requerente notificada que foi da decisão que indeferiu o recurso interposto para o Tribunal da Relação vem apresentar a sua RECLAMAÇÂO, nos termos do Art. 643 do CPC (…)”.

12. No despacho de 17-10-2025 o tribunal a quo exarou, na parte aqui pertinente:

“O despacho reclamado não admitiu, nem rejeitou, o recurso interposto.

Como dele consta, simplesmente relegou essa apreciação para momento posterior, assim que a reclamante deixar de se furtar à sua citação no âmbito do processo de inventário n.º 1667/25.....

Com efeito, crê-se que a reiterada conduta da reclamante já não deixa qualquer dúvida sobre esse seu propósito de obstaculizar o prosseguimento do processo de inventário (n.º 1667/25....) primeiramente instaurado para partilha das heranças abertas por óbito de CC e DD – também inventariados no processo principal (n.º 1769/25....) – no qual, por despacho de 29/05/2025, já foi ordenada a sua citação.

Simplesmente, porque o direito da reclamante de acesso ao Direito e aos Tribunais não se sobrepõe a idêntico direito dos demais cidadãos, que é de igual densidade, nem sendo lícito à reclamante, por via de acto deliberadamente dissimulado, subverter a normalidade processual, escolhendo o processo – ou a Unidade Orgânica do Tribunal - que há-de seguir seus termos, entendi dever obstar a este uso anormal do processo, cujo prosseguimento está dependente, única e exclusivamente, da própria reclamante, ao cessar a sua conduta esquiva e relapsa.

Cumpra o disposto no n.º 3 do artigo 643.º do Código do Processo Civil.

Após, remeta o apenso ao Tribunal da Relação de Coimbra”.

13. Após despacho do aqui relator, de 07-11-2025, a requerente/reclamante veio, em 17-11-2025, “esclarecer que a decisão de indeferimento de interposição de recurso é a decisão proferida a 24-09-2025, com a referência: 111939320.

Contrariamente, ao invocado pelo tribunal a quo – que o “despacho reclamado não admitiu, nem rejeitou, (..) “- entende a reclamante que a manutenção da suspensão dos autos, incluindo a propositura de recurso da(s) referida(s) decisão(ões) configura um verdadeiro indeferimento porquanto (tem vindo) impossibilitar que outro tribunal se pronuncie acerca da legalidade da decisão proferida

A posição assumida pelo tribunal a quo configura um indeferimento que visa destruir o efeito útil da interposição de recurso.

A 10/07/2025 (Ref.ª Citius 12062960) foi interposto recurso da decisão datada de 26/06/2025 (Ref.ª Citius 111303825), decisão que que foi reiterada a 09/07/2025 pelo despacho com a Ref.ª Citius 111457828 e mantida a 09-09-2025, Ref. Citius: 111802634.

Todas as decisões foram no sentido de manter suspensos os autos “(..) nos termos já ordenados no despacho de 26/06/2025”,

Decorridos que estavam mais de 3 meses sobre a decisão em crise, ainda não foi admitido o recurso apresentados, violando o previsto no disposto art. 156 n.º 1 e 3 do CPC, o que por si só configura um indeferimento do requerimento de interposição de recurso nos termos previsto no Art. 643 do Código Processo Civil”.


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ii. Fundamentação de Direito.

O recurso apresentado nos autos de inventário, em 10-07-2025, visa a impugnação do despacho do tribunal a quo, de 26-06-2025 que determinou que os autos ficassem a aguardar a concretização da citação da aqui requerente/reclamante para os termos do processo de inventário n.º 1667/25...., primeiramente instaurado.

O tribunal a quo no despacho de 09-09-2025 determinou: “Aguardem os autos nos termos já ordenados no despacho de 26/06/2025” e, na sequência do requerimento da reclamante, de 16-09-2025, a “requerer que seja tomada posição acerca da interposição de recurso de 10/07/2025, Ref.ª Citius 12062960, o seu modo de subida e o seu efeito”, consignou, no despacho de 24-09-2025: “Referência de 16/09/2025: As pretensões formuladas pela requerente neste processo serão apreciadas assim que a mesma deixar de se furtar à sua citação no âmbito do processo de inventário n.º 1667/25....”.

A propósito da reclamação sub judice, no despacho do tribunal a quo que ordenou a criação do apenso da reclamação, em 17-10-2025, escreveu a Mma. Juiz “O despacho reclamado não admitiu, nem rejeitou, o recurso interposto. /Como dele consta, simplesmente relegou essa apreciação para momento posterior (…)”.

Salvo o devido respeito é incompreensível a conduta do tribunal a quo, embora, como se verá, a questão não seja subsumível ao instituto da reclamação prevista no art. 643.º do CPC, conforme se passa a explicar.

Segundo estatui o n.º 1 do art. 643.º do CPC, sob a epígrafe “Reclamação contra o indeferimento”, “[d]o despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão”, dispondo o n.º 4 desse preceito legal que “[a] reclamação, logo que distribuída, é apresentada ao relator, que, em 10 dias, profere decisão que admita o recurso ou o mande subir ou mantenha o despacho reclamado, a qual é suscetível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º.”.

As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, os quais podem ser ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os de apelação e revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão, tudo de acordo com o art. 627.º e segs. do CPC.

Em sede de reclamação, a que alude o art. 643.º do CP, ao relator cumpre verificar, apenas e tão só, a questão atinente à admissibilidade ou inadmissibilidade de um recurso que a 1.º Instância não admitiu.

Por despacho de 26-06-2025 o tribunal a quo determinou que os autos ficassem a aguardar a concretização da citação da aqui requerente/reclamante para os termos do processo de inventário n.º 1667/25...., primeiramente instaurado, tendo a reclamante impugnado essa decisão.

Competia ao tribunal a quo, perante o recurso apresentado em 10-07-2025, pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso, tal qual impõe o art. 641.º do CPC.

O que o tribunal a quo não podia, seguramente, era – e é – protelar a apreciação dessa admissibilidade, conforme decorre, inequivocamente, do teor dos despachos de 09-09 e 24-09-2025, os quais carecem, de todo em todo, de qualquer suporte legal.

Todavia, o meio processual elegido pela ora reclamante para reagir em face do despacho de 24-09-2006 – objecto específico desta reclamação – não é o correcto, configurando o comportamento da 1.ª Instância, de não se pronunciar sobre o recurso, uma nulidade processual – “omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve” – , a qual devia ter sido suscitada perante o tribunal recorrido e decidida pelo mesmo ex vi do art. 195.º, n.º 1, do CPC.

Autoriza, todavia, o n.º 3 do art. 193.º do CPC que: “O erro na qualificação do meio processual utilizado é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados”.

Na verdade, “[o] n.º 3 do preceito, introduzido no atual CPC, já não respeita ao erro na forma de processo, antes ao relacionado com o meio processual utilizado pela parte para a prática de determinado ato. Em tais circunstâncias, em lugar do decretamento puro e simples da nulidade do ato, impõe-se ao juiz o dever de proceder à sua correcção oficiosa, determinando que sejam seguidos os termos processuais adequados. O sentido desta revisão e claro: evitar que, por meras razões de índole formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo. Deve ainda ser conjugado cm o n.º 2 do art. 146.º, o qual admite, em certas circunstâncias, o suprimento ou correcção de vícios formais. Esse poder-dever oficioso de convolação pode ocorrer no tribunal de recurso (RL 14-7-20, 574/19)” – Geraldes et al., Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2022, Almedina, 3.ª edição, p. 257, anotação ao art. 193.º, nota 7.

Entendeu-se a este propósito no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16-11-2016, Proc. n.º 2002/14.0TBLRA-D.C1 (embora analisando uma situação diversa): “O Tribunal da Relação, embora na situação que se apontou por último, não lhe caiba julgar uma tal nulidade processual (não sanada), deve, perante a arguição, clara e tempestiva, da mesma, em recurso cujo objecto se resuma à sua apreciação, entender que se verifica erro no meio processual utilizado (artº 193º, nº 3, do NCPC) e, convolando tal recurso em reclamação dessa nulidade, determinar ao tribunal “a quo”, que, nada havendo que a isso obste, a aprecie.”

Sufraga-se esta jurisprudência, a qual será adaptada à situação sub judice.


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De harmonia com o supra exposto decide-se:

1. Não tomar conhecimento do objecto da presente reclamação interposta por AA, por não estarem preenchidos os requisitos legais do art. 643.º do CPC;

2. Determinar, ao abrigo do art. 193.º, n.º 3, do CPC, por convolação do requerimento de reclamação em causa em reclamação para a 1.ª Instância, que esta, nada a isso obstando, supra a nulidade antes assinalada, e se pronuncie, imediatamente, sobre a admissibilidade ou não do recurso em apreço.

Não se tributam custas pela reclamação.

Notifique, devendo os autos baixar à 1.ª Instância, com urgência, caso a reclamante informe que não pretende reclamar para a conferência – cf. art. 643.º, n.º 4, parte final, do CPC.


Coimbra, d.s.

Luís Miguel Caldas