PROCESSO DE INJUNÇÃO
ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO
COMPLEXIDADE DA MATÉRIA RECONVENCIONAL
Sumário

I – A injunção e a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos regem-se pelos princípios da celeridade e da simplificação, o que não impede, de acordo com o regime processual vigente, que o réu ou demandado, na oposição ou contestação, se defenda por via de excepção.
II – Para além de ser possível a defesa por excepção, também é admissível a dedução de um pedido reconvencional, desde que o mesmo se enquadre nos limites do art. 266º nº2, alíneas a) e c), do C.P.C. e não implique, face aos referidos princípios da celeridade e simplificação, a análise de questões complexas, ao nível factual ou jurídico.
III – A avaliação da complexidade da matéria suscitada em sede de reconvenção é feita de forma casuística, devendo o Tribunal recusar a mesma nos casos em que a análise das respectivas questões coloque em causa os princípios supra enunciados.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO.

A..., Lda, instaurou procedimento de injunção contra B..., S.A., pedindo, com base num contrato de fornecimento de bens ou serviços melhor discriminado no requerimento inicial, que a requerida seja condenada a pagar-lhe a importância de 13.239,72 €, a título de capital, acrescida de juros moratórios vencidos no montante de 1 634,11 €.


***

A requerida deduziu oposição, impugnando parte da factualidade alegada pela requerente e sustentando que os bens fornecidos pela mesma apresentavam deficiências, não sendo conformes ao contratualmente estabelecido e às expectivas da demandada, sendo que apesar da requerente ter reconhecido tais defeitos, oportunamente denunciados, não procedeu à reparação ou substituição dos bens em causa nem reduziu o preço correspondente à venda de tais produtos.

Com base no suporte factual que diz respeito às alegadas patologias, formulou o seguinte requerimento:

a. Seja julgada procedente, por provada a exceção perentória impeditiva prevista nos artigos 428.º e seguintes do Código Civil, e, consequentemente, seja a Requerida absolvida dos pedidos formulados pela Requerente, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do CPC; e

Subsidiariamente, mas sem conceder,

b. Seja julgado procedente o pedido de redução do preço, ao abrigo do artigo 911.º, aplicável ex vi artigo 913.º, n.º 1, ambos do Código Civil, no valor de, pelo menos, € 5.488,97 (cinco mil quatrocentos e oitenta e oito euros e noventa e sete cêntimos).”.


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Em reconvenção, com fundamento em prejuízos decorrentes do aludido fornecimento defeituoso, peticionou que a requerente seja condenada a pagar à requerida uma indemnização por danos patrimoniais causados no valor total de 1.695,85 € (mil seiscentos e noventa e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos).


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Notificada para se pronunciar sobre o pedido reconvencional, a autora sustentou que o mesmo é inadmissível, atenta a natureza do procedimento de injunção, cuja celeridade e simplificação não são compatíveis com a formulação de um pedido com essas características.


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Em 20/2/2025, foi proferido o seguinte despacho:

Do pedido de redução do preço formulado pela ré:

Do teor da oposição deduzida pela requerida e/ou ré, extrai-se que a mesma formulou um pedido subsidiário de redução do preço, no valor de, pelo menos, €5.488,97.

Notificadas as partes, por despacho datado de 13.01.2025, para, querendo, se pronunciarem sobre a admissibilidade de tal pedido, apenas a autora emitiu pronúncia, sustentando a inadmissibilidade do mesmo.

Cumpre apreciar.

O pedido subsidiário deduzido, de redução de preço, configura, na prática, e com efeito, a invocação de um direito de crédito a favor da requerida e/ou ré e, bem assim, a sua invocação, do ponto de vista processual, pressuporia a dedução de reconvenção, nos termos do artigo 266.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil.

Ora, tal, conforme preteritamente já decidido, não se mostra legalmente admissível no seio da presente acção especial, considerando a simplificada e especial tramitação especial que a mesma acomoda.

Por essa razão, indefere-se liminarmente o invocado o pedido de redução de preço invocada pela requerida e/ou ré.

Notifique.”.


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Não se conformando com o despacho supra referido, a ré interpôs o competente, concluindo nos seguintes moldes:

I. Vem a Autora, ora Recorrente, interpor recurso do douto despacho proferido nos autos em 20.02.2025, com a ref.ª Citius 109943022, que indeferiu liminarmente o pedido de redução de preço deduzido pela Recorrente, por não se conformar com o mesmo.

II. O Tribunal a quo considera que «[o] pedido subsidiário deduzido, de redução de preço, configura, na prática, e com efeito, a invocação de um direito de crédito a favor da requerida e/ou ré e, bem assim, a sua invocação, do ponto de vista processual, pressuporia a dedução de reconvenção, nos termos do artigo 266.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil».

III. Ou seja, o Tribunal a quo considera que o pedido de redução do preço consubstancia um pedido reconvencional, que, em conformidade com o despacho de que se recorre, «não se mostra legalmente admissível no seio da presente acção especial, considerando a simplificada e especial tramitação especial que a mesma acomoda».

IV. Ora, ao decidir pela inadmissibilidade da reconvenção e respetivo pedido, o Tribunal a quo rejeita um articulado, pelo que o presente recurso é admissível ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º2, alíneas d) e h), do Código de Processo Civil, visto que, a apresentação do recurso apenas com a decisão final seria absolutamente inútil.

V. Neste sentido, julgou o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: «[o] recurso é de apelação autónoma, em separado, sendo a decisão interlocutória recorrida a de não admissão da reconvenção e respetivo pedido (articulado processual).

Trata-se, pois, da rejeição de um articulado, pelo que o recurso é admissível face ao disposto no art.º 644.º, n.º 2, al. d), do NCPCiv. (…)» (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 28.09.2022, processo n.º 9423/21.0YPRT-A.C1, disponível em www.dgsi.pt).

VI. Devendo o presente recurso ser admitido, como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida em separado, ao abrigo do disposto nos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, 638.º, n.º 1, 639.º, 644.º, n.º 2, alínea d) e h), 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.

VII. No entendimento da Recorrente, tal decisão do Tribunal a quo configura uma errada interpretação e aplicação das normas do direito, violando flagrantemente os seus direitos de defesa, visto que, o pedido de redução do preço deduzido pela Recorrente não configura um pedido reconvencional, mas sim uma exceção perentória. Senão vejamos:

VIII. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar que o pedido de redução do preço configura um direito de crédito a favor da Recorrente, visto que, «os direitos de crédito são direitos a prestações, ou seja, direitos a uma conduta do devedor» (Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, Volume I, 15.ª Edição (2018), Almedina, Coimbra, pág. 101).

IX. Ora, a Recorrente não está a exigir da Recorrida a realização de uma prestação, mas sim, a redução do preço, ao abrigo do artigo 911.º, aplicável ex vi artigo 913.º, n.º 1, ambos do Código Civil, no valor de, pelo menos, € 5.488,97 (cinco mil, quatrocentos e oitenta e oito euros e noventa e sete cêntimos), por o contrato de fornecimento não ter sido cumprido nos termos inicialmente estabelecidos entre as partes.

X. In casu, o direito à redução do preço invocado pela Recorrente constitui uma exceção perentória impeditiva e/ou modificativa, que importa a absolvição parcial do pedido, ao abrigo dos artigos 342.º, n.º 2 do Código Civil e artigos 571.º, n.º 2, 572.º, alínea c) e 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

XI. Neste exato sentido, julgou o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO que, «[p]odendo a demandada ver reconhecidos, independentemente da reconvenção, o direito à redução do preço e, bem assim, a excepção do não cumprimento (trata-se de matéria que funciona por via de excepção – art. 342º, nº 2 do CC e arts. 571º, nº 2, 572º, c) e 576º, nº 3 do CPC), não se vislumbra interesse relevante na dedução da reconvenção (aqui quanto ao pedido de correcão dos defeitos) que não seja obtido em acção declarativa autónoma, nem a apreciação da pretensão suscitada pelo contra-ataque da demandada se mostra indispensável à justa composição do litígio – a demandada não verá perigar a tutela de qualquer direito, pois que a lei não põe qualquer obstáculo à dedução da defesa que apresentou, além de que nenhum risco o recurso a acção autónoma aporta à demandada na efectivação do seu direito à correcção dos defeitos» (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 10.09.2024, processo n.º 80995/23.2YIPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt; sublinhado nosso).

XII. Ora, a redução do preço «não corresponde a uma indemnização, nem ao custo da eliminação dos defeitos», estando «sujeita a dois limites – deve ser proporcional à diminuição do valor e não pode exceder o preço acordado» (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16.11.2023, processo n.º2232/20.6T8CSC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

XIII. Deste modo, a redução do preço «não visa o objetivo ressarcitório, mas antes o reajustamento das prestações, evitando o desequilíbrio contratual» (cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça, datado de 19.06.2007, processo n.º 07A1651, disponível em www.dgsi.pt).

XIV. Caso a Recorrente estivesse a invocar um direito de crédito a seu favor, conforme referido pelo despacho de que se recorre, tal configuraria uma situação de compensação, que ocorre “[q]uando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor”, ao abrigo do artigo 847.º, n.º 1, do Código Civil, o que não sucede in casu.

XV. Ainda assim, caso configurasse uma compensação de créditos (no que não se concede), é entendimento da Jurisprudência de que a invocação da compensação de créditos deve ser tratada como exceção perentória nas ações em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das ações especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.

XVI. Neste sentido, conforme julgou o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, «(…) nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória» (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 05.03.2020, processo n.º 104469/18.2YIPRT.G1, disponível em www.dgsi.pt; sublinhado nosso).

XVII. Na mesma linha, o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA entendeu que, «(…) se o demandado declarar a compensação com um contracrédito cuja apresentação deva ser feita em processo com outra forma ou por outro tribunal, a invocação da compensação faz-se por exceção perentória» (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 16.01.2018, processo n.º 12373/17.1YIPRT-A.C1, disponível em www.dgsi.pt; sublinhado nosso).

XVIII. Deste modo, ainda que o direito deduzido pela Recorrente configurasse uma situação de compensação de créditos (o que jamais se admite), não poderia ser vedada a esta a possibilidade de invocar tal direito contra a Recorrida, independentemente da admissibilidade da dedução de pedido reconvencional nas ações especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, «devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13.06.2018, processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).

XIX. Em face do supra exposto, ao indeferir o pedido de redução do preço formulado pela Recorrente em sede de Oposição, por considerar que o mesmo configura a invocação de um direito de crédito a favor da Recorrente, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação das normas do direito.

XX. Acresce que, tal decisão, ao vedar à Recorrente a invocação de tal meio de defesa, viola os princípios da igualdade e do contraditório da Recorrente, consagrados nos artigos 3.º, n.º 3 e 4.º do Código de Processo Civil.

XXI. Termos em que, com o mui do suprimento de V. Exas., deve o pedido de redução do preço deduzido pela Recorrente em sede de Oposição ser admitido, por tratar-se de matéria de exceção, ao abrigo dos artigos 342.º, n.º 2 do Código Civil e artigos 571.º, n.º 2, 572.º, alínea c) e 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.”.


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A apelada contra-alegou, concluindo nos seguintes moldes:

I. O Recurso é destituído de fundamento, sendo igualmente carentes de sustentação os argumentos e as conclusões apresentados pela Recorrente, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida.

II. A Recorrente, nas suas Alegações, desconsidera inteiramente a fundamentação exposta no Despacho proferido pelo Tribunal de Primeira Instância e, em momento próprio, pela ora Recorrida, procurando fazer prevalecer a sua posição sem apresentar qualquer facto que a sustente, não merecendo, por conseguinte, qualquer provimento as questões levantadas no Recurso.

III. Efectivamente, o Tribunal a quo, em sede de acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, foi chamado a analisar a natureza do pedido de “redução do preço”, deduzido nos termos do artigo 911.º e seguintes do Código Civil.

IV. Bem andou a instância recorrida, atendendo à natureza do pedido formulado, em decidir pelo indeferimento liminar do pedido de redução do preço, reconhecendo que o mesmo pressuporia a dedução de reconvenção.

V. São questões a dilucidar e a resolver neste Recurso, como decorre da formulação das Conclusões – por onde se afere e delimita processualmente o thema decidendum – vide artigos 634.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil: a natureza e admissibilidade do pedido de redução do preço deduzido pela Ré/Recorrente.

DA NATUREZA DO PEDIDO E SUA INADMISSBILIDADE:

VI. Na sua Oposição à Injunção alegou a Recorrente o que se segue, e que se expõe para facilidade de apreensão: “B. Da Redução do Preço 100. A Requerente afirma que a Requerida «constituiu-se devedora da quantia indicada no presente requerimento a título de capital, ao qual acrescem juros à taxa legal comercial desde a data de vencimento até integral pagamento, juros conforme cálculo infra na descrição das faturas». 101. Daqui decorre que a Requerente se arroga no direito de receber o valor total da Fatura n.º FT 1/11129. 102. No entanto, a Requerente carece de legitimidade e fundamento para peticionar o pagamento do valor total da Fatura. 103. Pois, a Requerente recolheu 12.935 unidades de Bags que a Requerida tinha em stock nas suas instalações. 104. Vindo tais Bags refletidos no valor da Fatura. 105. Além daqueles, vêm igualmente refletidos no valor daquela Fatura os Bags que apresentaram desconformidades, e, que, consequentemente, causaram prejuízo à Requerida. 106. Ora, resulta evidente que a Requerente apenas poderia exigir da Requerida os Bags que efetivamente foram utilizados pela Requerida, e quanto aos quais não existiram desconformidades detetadas. 107. Deste modo, a Requerente deve reduzir o preço, nos termos do artigo 911.º, aplicável ex vi artigo 913.º, n.º 1, ambos do Código Civil, no valor de, pelo menos, € 5.488,97 (cinco mil quatrocentos e oitenta e oito euros e noventa e sete cêntimos) [valor unitário de € 0,345 (trinta e quadro cêntimos e meio), com o valor total de € 4.462,58 (quatro mil quatrocentos e sessenta e dois euros e cinquenta e oito euros), acrescido de IVA, à taxa legal em vigor (23%)].

VII. Nessa esteira e em sede de pedido, na sua oposição à injunção, procedeu a Ré/Recorrente no sentido de verter o que segue: “Nestes termos e nos demais de Direito, REQUER-SE a V.ª Ex.ª que: a. Seja julgada procedente, por provada a exceção perentória impeditiva prevista nos artigos 428.º e seguintes do Código Civil, e, consequentemente, seja a Requerida absolvida dos pedidos formulados pela Requerente, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do CPC; e Subsidiariamente, mas sem conceder, b. Seja julgado procedente o pedido de redução do preço, ao abrigo do artigo 911.º, aplicável ex vi artigo 913.º, n.º 1, ambos do Código Civil, no valor de, pelo menos, € 5.488,97 (cinco mil quatrocentos e oitenta e oito euros e noventa e sete cêntimos)”.

VIII. O dito, nas palavras da Recorrente “Pedido”, efectivamente e nesses termos deduzido, não foi enquadrado no capítulo da reconvenção que, depois, verte no seu articulado.

IX. Nessa senda, como e muito bem foi referido pelo Tribunal a quo: “O pedido subsidiário deduzido, de redução de preço, configura, na prática, e com efeito, a invocação de um direito de crédito a favor da requerida e/ou ré e, bem assim, a sua invocação, do ponto de vista processual, pressuporia a dedução de reconvenção, nos termos do artigo 266.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil.”

X. A Ré/Recorrente, na sua oposição, peticionou subsidiariamente a redução do preço dos bens que reputou defeituosos, nos termos dos artigos 911.º e seguintes do Código Civil.

XI. Sucede que, tal pedido não é compatível com a forma de processo da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (também referida AECOP), constituindo um verdadeiro pedido reconvencional.

XII. Enquanto a alegação da excepção de não cumprimento é admissível no âmbito da injunção, o que advém da sua natureza, funcionamento e implicações: o não pagamento ou redução do débito; por sua vez, o direito à redução do preço, nos termos dos artigos 913.º e seguintes do CPC, configura um remédio próprio da compra e venda defeituosa, e importaria um julgamento distinto com natureza de responsabilidade civil, regime aliá com o qual se articula, e, se julgado procedente, a constituição e reconhecimento de um direito a favor da Recorrente, não sendo, por isso, admissível nesta acção.

XIII. Efectivamente, tal direito, apenas após reconhecimento dos pressupostos de responsabilidade, particularmente a ilicitude e culpa, que lhe subjazem, passa a existir na esfera jurídica da pessoa que o alega, não ficando constituído em qualquer momento anterior.

XIV. Deste modo, não só o exercício de tal direito à redução de preço constitui, na verdade, um pedido reconvencional (e não uma defesa de direito ou sequer uma excepção); como a sua apreciação nesta sede, além de formalmente inadmissível, seria inútil.

XV. Com efeito, o direito à redução do preço configura um remédio do comprador de um bem defeituoso, seguindo, aliás, uma hierarquia de direito que, diga-se já, a Recorrente não respeitou e que por isso, sempre determinaria a improcedência do pedido.

XVI. Assim, o direito à redução do preço, poderia – se existisse e se a Recorrente tivesse, em tempo, pretendido – ter sido exercido em acção própria para o efeito: não sucedeu.

XVII. Poderia, igualmente, ser exercido a título reconvencional numa acção declarativa de processo comum – fosse esse o caso - por ter como base factos jurídicos emergentes da defesa.

XVIII. Sucede que, nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, como decorre da lei e assim postula do Despacho deste douto tribunal, tal pedido reconvencional não é admissível.

XIX. Efectivamente só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes do contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil, não sendo por isso admissível o pedido da Recorrente

XX. Ademais, por não estar devidamente individualizada, não cumprindo com tal ónus, nem com os encargos de alegação que a lei impõe, sempre estaria também tal pedido votado ao insucesso, reconhecimento este que se requer de V. Exa..

XXI. Ainda que assim não fosse, o que por mero dever de patrocínio se equaciona, o direito da redução do preço surge como direito reconhecido ao comprador nos casos de compra e venda de um bem defeituoso nos termos dos artigos 913.º e seguintes do CC, ficando sujeito aos prazos respectivos, do que decorre, remetendo-se desde já para os autos, a caducidade do exercício de tal pretenso direito.

XXII. Com se disse, a redução do preço, como remédio para a compra e venda de coisa defeituosa, particularmente atendendo a forma como emerge o pedido da Recorrente, carece de um total julgamento de um contra pedido, que emerge de responsabilidade civil, o que por sua vez não se compadece de ajuizamento nestes autos.

XXIII. O regime previsto nos artigos 911.º e seguintes do Código Civil não impõe nenhum efeito extintivo ou modificativo, como o impõem a título de exemplo o pagamento ou a prescrição. Trata-se, pelo contrário, de um julgamento obrigacional de imputação de responsabilidade geradora de um direito de crédito/garantia de tutela.

XXIV. Note-se, até, que o direito à redução do preço, previsto no artigo 911.º e 913.º do CC, exige a culpa do devedor (culpa efectiva ou presumida), funcionando o regime em articulação como regime da responsabilidade civil.

XXV. Dessarte, e nos termos sucintamente expostos, não é possível reconduzir-se o verdadeiro pedido, a uma mera alegação de excepção, antes uma reconvenção não deduzida e não admissível atendendo tanto ao objecto, como à forma de processo sub judice.

XXVI. Aliás, o momento do seu surgimento no articulado da Recorrente – a final e imediatamente antes do momento em que apresenta a sua (ilícita diga-se também) reconvenção, é suficientemente indicador do lapso da Recorrente.

XXVII. A excepção de não cumprimento e a redução de preço nos termos do regime da compra e venda de coisa defeituosa são regimes completamente diferentes. Um traduz-se num fundamento para o incumprimento (lícito)da obrigação. Outro funda-se num direito concedido ao credor de requerer e ver-lhe reconhecido um tal direito (redução do preço), gerando na sua esfera um verdadeiro crédito; Crédito esse que apenas após se ter efectivamente gerado, poderá eventualmente ser passível de compensação.

XXVIII. Nesta senda, pela natureza do pedido, o mesmo não tem lugar - não poderá ser admissível - no seio da AECOP.

XXIX. Quanto à compensação, sempre se diga que olvidou ainda a Recorrente o básico: 1) não a alegou ou peticionou e 2) não se pode compensar um crédito que não ainda existe na sua esfera. (847.º e seguintes do Código Civil).

XXX. Assim sendo, e ainda que, em tese, ao abrigo da adequação formal se admitisse a arguição da compensação como excepção peremptória, ou se adequasse formalmente a AECOP, o que não se concede e o que tem sido também jurisprudência assente, também, por esta via, não seria possível de alegar uma qualquer compensação de créditos nos termos do artigo 847.º e ss do Código Civil.

XXXI. Ademais, e em todo o caso, é jurisprudência assente que a compensação de créditos não não pode ser deduzida a título subsidiário. Ora, no limite, sendo-o – como sempre o seria neste caso – então também por esse motivo teria de improceder o dito pedido.

XXXII. Neste sentido veja-se o que refere o Tribunal da Relação do Porto, no seu aresto de 18 de Junho de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 586/19.6T8VNG-A.P1 e Tribunal da Relação de Guimarães, no seu aresto de 16 de Dezembro de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 704/21.4T8BRG-A.G1.

EM FACE AO EXPOSTO

XXXIII. andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu não sendo censurável a sua decisão, merecendo a mesma total confirmação.”.

Questão objecto do recurso: admissibilidade do pedido, formulado pela ré, que se prende com a redução do preço dos bens a que os presentes autos se reportam.


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II – FUNDAMENTOS.

2.1. Fundamentação de facto.

Com interesse para a apreciação do presente recurso, importar considerar a tramitação processual que vem descrita no relatório antecedente.


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2.2. Enquadramento jurídico.

Conforme resulta das competentes peças processuais, as partes divergem relativamente à admissibilidade do pedido, formulado pela ré, que se prende com a redução do preço dos bens vendidos pela autora, sendo que o argumento essencial que a apelada invoca diz respeito à celeridade do procedimento de injunção e, consequentemente, ao modo como o mesmo se encontra estruturado do ponto de vista processual.

Seguindo a orientação sustentada pela recorrida e pelo Tribunal a quo, uma parte significativa da jurisprudência tem defendido que no âmbito do referido procedimento não é possível a dedução de pretensões a título reconvencional, como é o caso dos seguintes Arestos:

- Acórdão da Relação de Lisboa de  10/10/2024 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/62bff6e0f471b31080258bbf003e0211?OpenDocument): “Nas injunções transmutadas em acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a metade da alçada da Relação, não é admissível a dedução de reconvenção quando esta tem por fundamento a excepção de não cumprimento decorrente de cumprimento defeituoso.”;

- Acórdão da Relação de Lisboa de 26/9/2024 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/239392701c82bf7080258bb20032a3f5?OpenDocument): “No procedimento de injunção e no âmbito do processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que o pedido é inferior a 15.000,00 €, a dedução de reconvenção não é, em circunstância alguma, admissível.”;

- Acórdão da Relação de Évora de 10/7/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/389f2c5ef2c000bc80258cd20047ad90?OpenDocument): “Não é admissível a reconvenção deduzida pela Requerida na oposição onde pede indemnização fundada em cumprimento defeituoso da venda de produtos que lhe foi efectuada pela Requerente e que deu origem às facturas cujo pagamento vem peticionado na injunção.”.

- Acórdão da Relação de Évora de 30/5/2019 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/a860cf4fd6476c4480258412002efec3?OpenDocument): “não é admissível a reconvenção em sede de oposição no procedimento de injunção destinado à cobrança de dívida de valor não superior a € 15.000,00.”,

- Acórdão da Relação de Coimbra de 28/9/2022 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/a43fe19a03894c6c802588e200400ef5?OpenDocument): “I - Os procedimentos especiais a que se reporta o DLei n.º 269/98, de 01/09, mormente de injunção, traduzem mecanismos marcados pela simplicidade e celeridade, vocacionados para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas.

II - O procedimento de injunção, direcionado para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, tal como a decorrente ação declarativa especial transmutada (procedimento/ação de cumprimento), com o figurino processual que o legislador quis manter até ao presente (mesmo após a entrada em vigor do NCPCiv., com a filosofia e soluções incorporadas por este), não constituem meio processualmente adequado para discutir obrigação indemnizatória fundada em incumprimento contratual do senhorio quanto à sua obrigação de realização de obras necessárias no prédio urbano locado (ação de responsabilidade).

III - Nem para dirimir litígios referentes a relações contratuais de natureza complexa/duradoura, com múltiplas atribuições patrimoniais reciprocas pelas partes e decorrentes deveres contratuais e legais.

IV - Não sendo o procedimento adotado pela parte o meio adequado, existe um obstáculo processual impeditivo do conhecimento de meritis, ocasionando exceção dilatória inominada, a determinar a absolvição da instância.”.

V - Porém, sendo a parte demandada em procedimento de injunção, ao deduzir oposição, a formular reconvenção, para pedir aquela indemnização fundada em incumprimento contratual do senhorio, é de rejeitar tal reconvenção, por inadmissibilidade legal face à forma de processo, incluindo a ação declarativa especial (transmutada) para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.”

Em sentido contrário, com especial enfoque nas situações em que o demandado pretende invocar a compensação de créditos, podemos citar, a título meramente exemplificativo, o seguinte Aresto:

- Acórdão da Relação de Guimarães de 31/10/2024 (disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2024:3954.21.0T8BRG.A.G1.19): “No âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) deve ser dada a possibilidade ao réu de, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o da autora.”.

Concordamos com o entendimento expresso no Acórdão desta Relação (Coimbra) de 22/9/2022 no sentido de que o procedimento em causa não é adequado para dirimir relações contratuais de natureza complexa, pois um dos princípios que resulta do DL n.º 269/98 é, sem margem para dúvidas, a celeridade, princípio que torna incompatível, no quadro dos procedimentos em causa, a apreciação de matérias que envolvem questões diversificadas ao nível factual e jurídico.

O problema tem sido analisado, muito particularmente, no que diz respeito à compensação, pois a forma como se encontra redigido o art. 266º, nº2, alínea c), do C.P.C., tem dado lugar a polémica, a nível doutrinal [1] e jurisprudencial.  

A norma em apreço dispõe que “A reconvenção é admissível (…) c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;  “.

A propósito desta matéria, no Acórdão da Relação de Coimbra de  9/10/2024 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d 8f56b22802576c0005637dc/e39b944959378e7c80258bbf004bf507?OpenDocument) fixou-se o seguinte entendimento:

1. O artigo 266º, n.º 2, alínea c), do CPC não impõe que a invocação da compensação de créditos tenha de ser sempre feita através de reconvenção, apenas referindo que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, mas não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.

2. Em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção, ao Réu deverá ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de exceção, sob pena de lhe ser coartado um importante meio de defesa e da necessidade de interposição de ação autónoma posterior, com o risco de futuro não recebimento.”.

Por sua vez, no Acórdão da Relação de 17/5/2022 (disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2022:4456.20.7YIPRT.P2.62) foram exaradas as seguintes observações:

I – Enquanto não surge uniformização jurisprudencial, entendemos que na AECOP é admissível a invocação da compensação de créditos pelo réu, por meio de defesa por excepção peremptória, decorrente de uma interpretação (restritiva) do preceituado na al. c) do n.º2 do art.º 266.º do C.P.Civil, ou seja, entendendo que este preceito legal, não obstante a sua inserção sistemática, se aplica tão só às formas de processo que admitem reconvenção.

II - Consequentemente, e em respeito pelo direito do contraditório, cfr. art.º 3.º n.º4 do C.P.Civil, à oposição do réu onde esta venha peticionar a compensação de créditos, por dedução de excepção peremptória, é legitimo ao autor responder à matéria de tal excepção, (como aliás a outra qualquer que seja deduzida) por “articulado impróprio” este, que tem de ser admissível na AECOP.

III - Tudo sem olvidar que na realidade, e no caso, o efeito prático-jurídico que o réu pretende é que seja apreciado e decidido o contra-crédito que alega deter sobre o autor e a consequente operação de compensação, sendo-lhe indiferente que tal apreciação ocorra sob a égide da figura processual da excepção ou da reconvenção”.

Segundo julgamos, a análise desta problemática tem de partir, antes de mais, dos princípios que o legislador consagrou no DL n.º 269/98, de 1/9.

E, para o efeito, devemos atentar no preâmbulo desse diploma, o qual, na parte relevante, apresenta o seguinte teor:

A instauração de acções de baixa densidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores, está a causar efeitos perversos, que é inadiável contrariar.

Na verdade, colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores, os tribunais correm o risco de se converter, sobretudo nos grandes meios urbanos, em órgãos que são meras extensões dessas empresas, com o que se postergam decisões, em tempo útil, que interessam aos cidadãos, fonte legitimadora do seu poder soberano. Acresce, como já alguém observou, que, a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da 'funcionalização' dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e de sentenças.

É impossível uma melhoria do sistema sem se atacarem a montante as causas que o asfixiam, de que se destaca a concessão indiscriminada de crédito, sem averiguação da solvabilidade daqueles a quem é concedido.

Não podendo limitar-se o direito de acção, importa que se encarem vias de desjudicialização consensual de certo tipo de litígios, máxime do que acima se apontou. Com efeito, a solução não é a de um quotidiano aumento de tribunais, de magistrados, de oficiais de justiça, na certeza de que sempre ficariam aquém das necessidades.

É elevadíssimo o número de acções propostas para cumprimento de obrigações pecuniárias, sobretudo nos tribunais dos grandes centros urbanos.

Como ilustração, atente-se em que, apenas nos tribunais de pequena instância cível de Lisboa, deram entrada nos anos de 1995, 1996 e 1997 respectivamente 46760, 56667 e 88523 acções, quase todas com o referido objecto.

O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, previu a possibilidade da criação de processos com tramitação própria no âmbito da competência daqueles tribunais.

É oportuno concretizar esse propósito, mas generalizando-o ao conjunto dos tribunais judiciais, pelo que se avança, no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, com medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não oposição do demandado.

Paralelamente, a injunção, instituída pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, no intuito de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, 'de forma célere e simplificada', de um título executivo, no mesmo triénio mereceu uma aceitação inexpressiva, que se cifra, em todo o País, em cerca de 2500 providências por ano.”.

Resulta claro, face ao preâmbulo que acabamos de transcrever, que o procedimento de injunção e a acção para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato regem-se por critérios de celeridade e simplificação, tendo sido utilizado como modelo a acção sumaríssima, que se encontrava prevista no Código de Processo Civil de 1961.

O processo sumaríssimo apenas comportava dois articulados (arts. 793º e 794º do C.P.C. de 1961), o que também sucede na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (art. 1º do anexo ao DL n.º 269/98), podendo deduzir-se do quadro legal vigente até à entrada em vigor do actual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº41/2013, de 26/6/2013) que não havia lugar a reconvenção na acção sumaríssima [2] e, pela mesma ordem de razões, no procedimento a que os autos dizem respeito [3].

O problema, no entanto, de acordo com os princípios que vieram a ser consagrados no Código de Processo Civil vigente, deve passar a ser analisado sob outro prisma, uma vez que as questões de ordem formal não podem, em regra, sobrepor-se a matérias que se revestem de natureza ou carácter substantivo, como seja a faculdade, que assiste às partes, face ao ordenamento jurídico vigente, de fazer valer em juízo um direito que lhes assiste de harmonia com o quadro legal aplicável.

Recorde-se que o art. 2º, nº2 do C.P.C. estabelece que “A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo (…) [4]”, o que constitui, no plano processual, uma emanação do princípio previsto no art. 20º, nº1 da Lei Fundamental [5].

Ora, um dos princípios que se encontram previstos no C.P.C. é o da adequação formal, dispondo o art. 547º deste diploma legal, a este propósito, o seguinte: “O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.”.

Voltando ao caso em análise, não se afigura, salvo melhor entendimento, que o princípio da celeridade constitua um obstáculo à análise do pedido referente à redução do preço, uma vez que o mesmo (princípio) tem de ser conciliado com a possibilidade, que assiste à ré, de se defender por excepção e extrair dessa defesa as necessárias consequências.

Com efeito, o DL n.º 269/98 não regula os moldes em que deve ser estruturada, do ponto de vista do respectivo conteúdo, a oposição ao requerimento inicial (no caso de o procedimento se iniciar por um formulário de injunção) ou a contestação (tratando-se, ab initio, de uma acção declarativa), sendo apenas feita referência à desnecessidade de ser adoptada a forma articulada (art. 1º, nº3, do DL n.º 269/98) [6].

Porque estamos perante um processo especial, é necessário levar em consideração, na ausência de normas, inseridas no DL n.º 269/98, que estabeleçam um regime diverso, as regras do processo comum que se encontram previstas no Código de Processo Civil, por força do art. 549º, nº1, deste diploma legal.

Nesse âmbito (processo comum), é conferida ao réu a possibilidade de se defender por impugnação e por excepção, atento o disposto no art. 571º do C.P.C., sem prejuízo de ser admitida a dedução de um pedido reconvencional, nas situações a que alude o art. 266º, nº1, do C.P.C..

Para além do caso, já referenciado, previsto na alínea c) do nº2 do art. 266º do C.P.C. – reconhecimento de um crédito – o legislador contemplou ainda a possibilidade de ser deduzida reconvenção quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa (alínea a) do nº2 do art. 266º).

Independentemente da posição que se adopte a propósito da admissibilidade (em termos formais) do pedido reconvencional, não podem restar quaisquer dúvidas que a ré, no caso vertente, se defendeu por excepção, pois sustenta que os bens (ou parte dos bens) fornecidos pela autora padeciam de deficiências, sendo com base nesse acervo factual – e respectivo enquadramento jurídico – que formula a pretensão que incide sobre a redução do preço.

Numa acção comum, quer se considere que a reconvenção se enquadra na referida alínea a) do nº2 art. 266º do C.P.C., quer se entenda que se trata de um caso previsto na alínea c) do nº2 do mesmo artigo, o pedido reconvencional teria cabimento e deveria ser liminarmente admitido, sem prejuízo de, após produção dos respectivos meios probatórios, vir a ser julgado improcedente.

A questão que a ré suscita, aliás, não assume uma (especial) complexidade que impeça o seu conhecimento no quadro de um procedimento com as características que temos vindo a analisar.

Recorde-se que a celeridade, neste caso e em situações idênticas, tem de ser conciliada com o princípio, já referido, que concede à parte a possibilidade de estruturar a defesa nos moldes que se mostrem adequados a salvaguardar o direito que alega existir na sua esfera jurídica.

E não faz sentido, em nosso entender, admitir a defesa por excepção, como é o caso, e depois negar a possibilidade de extrair da mesma as necessárias consequências [7].

A posição contrária à que defendemos pode conduzir a litígios sucessivos e desnecessários, com todos os inconvenientes que daí resultam para as partes, seja ao nível dos encargos que um processo judicial sempre acarreta, seja no que diz respeito à própria posição que as partes pretendem acautelar, pois correria o risco de se voltarem a abordar questões anteriormente suscitadas ou de se analisarem matérias que, não tendo sido inicialmente abordadas, colocariam em causa os efeitos que resultavam de uma decisão anteriormente proferida.   

Anote-se, para terminar, que quem optou pela injunção foi a autora e, dessa opção, não podem resultar coarctados os direitos da ré.

Em face do exposto, o recurso procede, devendo decidir-se em conformidade.


*****

III – DECISÃO.

Nestes termos, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido, admitindo-se liminarmente o pedido reconvencional formulado pela ré que diz respeito à redução do preço.        

Custas pela apelada.


Coimbra, 20 de Novembro de 2025

(assinado digitalmente)

Luís Manuel de Carvalho Ricardo

(relator)

Hugo Meireles

(1º adjunto)

Cristina Neves

(2ª adjunta)



[1] Sobre esta matéria, cf. Jorge Manuel Leitão Leal, “AECOP, compensação e gestão processual”, artigo publicado na Revista Eléctrónica de Direito, Junho de 2021, nº2, Vol. 25, págs. 185 a 209, disponível em https://cij.up.pt/client/files/0000000001/8-jorge-leal_1743.pdf.
[2] Neste sentido, cf. o estudo, bastante desenvolvido do Prof. João de Castro Mendes, “Sobre a Admissibilidade da Reconvenção em Processo Sumaríssimo”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XVI, 1963, págs. 307 a 333, disponível em https://repositorio.ulisboa.pt/entities/publication/8e94f8c1-d749-454f-983c-56bb6836d7a9.
[3] A questão, no âmbito do processo sumaríssimo, não era completamente pacífica, havendo quem defendesse que se existisse alteração do valor da causa, por força do pedido reconvencional deduzido, seguir-se-iam os termos do processo sumário – cf., neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 19/11/2002, cujo sumário se encontra disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e41d39bcc82a541d80256c8b003b5fe6?OpenDocument.
[4] O sublinhado é nosso.
[5] Art. 20º, nº1, da Constituição da República Portuguesa: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…) ”.
[6] Na acção comum, havendo mandatário constituído, é obrigatória a dedução por artigos dos factos que interessam à fundamentação da acção ou da defesa ()art. 147º, nº2, do C.P.C.)..
[7] Estaríamos perante o seguinte paradoxo: a ré alegou que os bens fornecidos apresentam defeitos ou patologias e essa alegação mostrar-se-ia irrelevante, uma vez que não seria possível, por via reconvencional, peticionar a redução do preço.