I - É em função de considerações exclusivamente preventivas, sobretudo de ordem geral, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.
II - Os maus tratos a idosos em contexto de lares ou estruturas de acolhimento causam grande alarme social, dado incidirem sobre vítimas particularmente vulneráveis, pelo que as exigências de prevenção geral são muito significativas.
III - Sendo o legislador responsável pela criação da tutela penal do bem jurídico subjacente à incriminação de maus tratos a idosos, aos tribunais é exigível a inabalável reconstrução do poder contrafáctico da norma.
IV - Não é por faltar com pancada no corpo das pessoas idosas que os atos e omissões do agente deixam de lacerar a integridade pessoal, a dignidade humana, a autoestima, o bem estar físico e psíquico, de quem, na sua condição já muito frágil, pouco lhe sobra quando se vê forçado e rendido a ir para um lar.
V - A maior consciência social do significado chocante destes crimes reclama a aplicação de uma pena ajustada à sua gravidade e repercussão na comunidade, prevenindo – outrossim – o funcionamento lucrativo de espaços de acolhimento para idosos, à margem do necessário licenciamento administrativo capaz de assegurar as condições minimamente adequadas para o efeito.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Relator
João Pedro Pereira Cardoso
Adjuntos
1-Isabel Maria Trocado Monteiro
2-Jorge Langweg
Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
1. RELATÓRIO
Após realização da audiência de julgamento no Processo 899/22.0GBOAZ, Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 3, por acórdão de 16 de junho de 2025, foi decidido, além do mais:
a) Absolver a arguida AA da prática de 4 (quatro) crimes de maus tratos de que vinha acusada;
b) Condenar a arguida AA pela prática, como autora material, de um crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 14º, 1, 26º, 1ª proposição, e 348º, 1, b), C. Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), no total de € 455,00 (quatrocentos e cinquenta e cinco euros);
c) Condenar a arguida AA pela prática, como autora material, de 6 (seis) crimes de maus tratos, p. e p. pelos arts. 14º, 1, 26º, 1ª proposição, e 152º-A, 1, a), C. Penal, nas seguintes penas parcelares:
- Quanto ao idoso BB: 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;
- Quanto ao idoso CC: 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
- Quanto ao idoso DD: 1 (um) ano de prisão;
- Quanto à idosa EE: 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
- Quanto à idosa FF: 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
- Quanto ao idoso GG: 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
d) Em cúmulo jurídico, condenar a arguida na pena única efetiva de 5 (cinco) anos de prisão;
e) Absolver a arguida HH da prática de 2 (dois) crimes de maus tratos de que vinha acusada;
f) Condenar a arguida HH pela prática, como autora material, de 9 (nove) crimes de maus tratos, p. e p. pelos arts. 14º, 1, 26º, 1ª proposição, e 152º-A, 1, a), C. Penal, nas seguintes penas parcelares:
- Quanto ao idoso II: 1 (um) ano de prisão;
- Quanto à idosa JJ: 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
- Quanto à idosa KK: 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
- Quanto à idosa LL: 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
- Quanto à idosa MM: 1 (um) ano de prisão;
- Quanto à idosa NN: 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
- Quanto ao idoso OO: 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
- Quanto ao idoso PP: 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
- Quanto à idosa QQ: 1 (um) ano de prisão.
g) Em cúmulo jurídico, condenar a arguida na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
h) Suspender a execução da pena de prisão aplicada à arguida HH pelo mesmo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, mediante a imposição de regime de prova direcionado à consciencialização do desvalor da conduta ilícita e da necessidade de respeito por valores fundamentais, com vista a potenciar o processo de ressocialização e a promover um comportamento social e juridicamente ajustado, mediante acompanhamento e supervisão da DGRSP, bem como ao dever de efectuar, no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, o pagamento das indemnizações a favor das vítimas fixadas na al. m) do dispositivo – arts. 53º, 1 e 2, e 51º, 1, a), C. Penal;
i) Absolver o arguido RR da prática, como cúmplice, dos crimes de maus tratos de que vinha acusado;
j) Absolver a arguida SS da prática, como cúmplice, dos crimes de maus tratos de que vinha acusada;
k) Absolver o arguido TT da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada de que vinha acusado;
l) Arbitrar às vítimas (ou respectivos herdeiros, caso aquelas hajam falecido) os seguintes valores indemnizatórios, a liquidar pela arguida AA (arts. 16º, 2, Lei nº 130/2015, de 4 de setembro, e 82º-A, CPP):
- Vítima BB: € 3.500,00;
- Vítima CC: € 1.500,00;
- Vítima DD: € 1.000,00;
- Vítima EE: € 1.200,00;
- Vítima FF: € 1.500,00;
- Vítima GG: € 1.200,00;
m) Arbitrar às vítimas (ou respectivos herdeiros, caso aquelas hajam falecido) os seguintes valores indemnizatórios, a liquidar pela arguida HH (arts. 16º, 2, Lei nº 130/2015, de 4 de setembro, e 82º-A, CPP):
- Vítima II: € 750,00;
- Vítima JJ: € 1.200,00;
- Vítima KK: € 1.500,00;
- Vítima LL: € 1.000,00;
- Vítima MM: € 750,00;
- Vítima NN: € 2.000,00;
- Vítima OO: € 1.500,00;
- Vítima PP: € 1.300,00;
- Vítima QQ: € 1.000,00.
n) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado pelas demandantes UU e VV contra a arguida/ demandada AA, absolvendo esta do pedido.
- Declarações de AA, prestadas na sessão de julgamento do dia 10.04.2025, entre as 12h22m e as 12h34m, gravadas no sistema citius media studio e aí armazenadas [passagem 03:25-03:40]
5. No tocante à alínea i) dos factos não provados e ainda, aos eventos, também havidos como não demonstrados, constantes nos art.s 297º e 298º da acusação pública, impõe uma decisão diversa e a mobilização da referida materialidade para o quadro assente [cfr. art. 431º-b) do CPP], a seguinte prova:
- produto da interceção telefónica do alvo 134017060, sessão 15017, de 09.03.2024, 11h01m;
- produto da interceção telefónica do alvo 134017060, sessão 15023, de 09.03.2024, 12h11m;
- depoimento de WW, prestado na sessão de julgamento do dia 05.05.2025, entre as 14h27m e as 14h48m, gravadas no sistema citius media studio e aí armazenadas [passagem 10:50-12:04]
- declarações de AA, prestadas na sessão de julgamento do dia 10.04.2025, entre as 12h22m e as 12h34m, gravadas no sistema citius media studio e aí armazenadas [passagem 06:20-09:28]
- Relatório de avaliação médico-legal realizada a 13.03.2024, ao idoso CC, de fls. 2785, verso e ss.
6. Resulta do produto da interceção telefónica do alvo 134017060, sessão 15023, de 09.03.2024, 12h11m que AA transmitiu ao filho, XX, que o padrasto deste, o arguido TT, no decurso da altercação com CC “foi lá por duas vezes e também lhe deu”(sic), querendo significar, como a própria admitiu, que o referido arguido, tal como ela, também agrediu o idoso, embora tentasse explicar - quanto a nós sem qualquer credibilidade - que isso não teria acontecido, procurando apenas acalmar o filho;
7. O referido conteúdo frásico proferido em tempo real, contemporaneamente à agressão e em discurso livre, quando a arguida estava sob escuta, sem o saber, constitui um elemento de prova relevantíssimo, uma autêntica “confissão por interposta pessoa”, um testemunho vivo do que efetivamente aconteceu;
8. TT associou-se voluntariamente ao comportamento delituoso de AA na agressão ao corpo de CC, atuando em equipa e de forma convergente com aquela, sabendo que os atos que a companheira praticasse, também lhe seriam imputados solidariamente, como é próprio da coautoria - cfr. art. 26º do CP;
9. Na procedência da impugnação, será imperioso condenar TT pela prática de um crime de Ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos art.s 143º, 145º/1-a) e 2 com referência ao art. 132º/2-c) do CP, na forma consumada, cometido sobre a pessoa de CC, preenchidos que se mostram os correspondentes elementos objetivos e subjetivos- quanto ao arguido TT, desenvolvidamente, vide “Capítulo A” do presente recurso;
10. HH foi condenada pela comissão, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efetivo, de nove crimes de Maus tratos, p. e p. no art. 152º-A/1 do CP;
11. As penas parcelares e a pena única que daquelas resultou, de três anos e seis de prisão, suspensa na sua execução, manifestamente não satisfazem as necessidades punitivas, aliás a segunda nem alcança o “ponto mínimo” da prevenção geral, tornando imperativo o seu agravamento;
12. Na verdade, a pena unitária irrogada, considerando o número de ofendidos, representa, em termos relativos, quatro meses e vinte dias de prisão por cada crime;
13. Em termos práticos, a decisão a quo entendeu ser adequada uma resposta penal inferior àquela que o legislador estabelece como o mínimo necessário para censurar um único crime de Maus tratos, mesmo quando os factos se repetiram, em série, contra nove vítimas distintas, ao longo de um período significativo de tempo;
14. Analisando a conduta global da arguida HH, tendo por referência o máximo desvalor abarcado pela norma infringida e o bem jurídico “saúde” nas suas múltiplas refrações, constata-se um grau de ilicitude elevado, movido por dolo direto, como aliás, igualmente o Coletivo recenseou, transportando a fasquia da prevenção geral de integração para o patamar dos seis anos de prisão, isto dentro da moldura refeita com base no agravamento de algumas das penas parcelares, moldura desenhada entre os dois anos e quatro meses e os doze anos e sete meses de prisão;
15. Num plano ligeiramente inferior, percecionam-se as carências de ressocialização, face à ausência de antecedentes criminais da arguida, muito embora, como o acórdão dá nota, o desvalor da conduta não tivesse sido plenamente assimilado;
16. Esta fasquia encontra-se suportada in totum pela culpa diretamente dolosa, sendo de destacar, nesta especificidade, a privação de alimentação e de água, a ausência de higiene, a consciente administração de medicação não prescrita bem como a ocultação, devido a motivos meramente economicistas, de lesões físicas significativas, permitindo o galopante agravamento destas, sem esquecer o número de vitimas, nove (!) idosos especialmente frágeis que, por contrato, HH se obrigara a cuidar e proteger;
17. A arguida demonstrou uma personalidade caracterizada pela frieza, insensibilidade e ausência de empatia, tratando os idosos não como pessoas, mas objetos, como se infere das escutas telefónicas coligidas, cujo tom surge suficientemente revelador de um distanciamento moral absoluto face às vítimas e ao sofrimento infligido;
18. Perante estas luzes, impõe-se, como expressão da prevenção geral e especial positivas, a aplicação de uma pena de cinco anos e nove meses de prisão, correspondente a um terço da moldura do concurso; 19. Caso se entendesse que a pena não se devia superiorizar a cinco anos de prisão - cenário apenas colocado no plano exclusivamente teorético - não haveria espaço para optar pela suspensão da respetiva execução;
20. Tal solução, além de profundamente injusta para com as vítimas, seria compensatória para o infrator e atrativa para quem, sem escrúpulos, pretendesse explorar economicamente esta realidade social;
21. Transmitiria à sociedade uma mensagem de impunidade, ainda mais grave, quando dirigida a quem expôs deliberadamente idosos à fome e sede, lhes administrou abusivamente medicação, negligenciou cuidados e higiene e omitiu cuidados médicos essenciais;
22. Por aqui se compreende que a prisão efetiva se mostra necessária para atingir a ressocialização e será, outrossim, indispensável em termos de prevenção geral de integração, pois só assim a comunidade perceberá que o art.152º-A do CP persiste merecedor de acato;
23. Conclui-se assim que a instância violou o disposto no art. 50º do CP ao aplicar a suspensão da execução da pena de prisão, em vez de determinar a execução institucional desta, o que deverá a Veneranda Relação, em nome da justiça, ordenar - quanto à arguida HH, desenvolvidamente vide “Capítulo B”;
24. AA foi condenada, entre o mais, pela comissão, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efetivo, de seis crimes de Maus Tratos, p. e p. no art. 152º-A/1 do CP;
25. A moldura do concurso extremou-se entre o mínimo de três anos e dois meses e o máximo de nove anos e cinco meses, aplicando-se-lhe a pena única de cinco anos de prisão;
26. Com absoluto acerto, exarou-se no Veredito a quo “No caso sub judice, as exigências de prevenção geral revestem-se de enorme acuidade pois a prática de maus tratos sobre idosos (incluindo em contexto de acolhimento em lares ou estruturas residenciais para idosos) é um comportamento que se constata vir a agravar-se progressivamente no nosso país”;
27. Versando sobre os factos cometidos por AA, o acórdão destacou a “intensidade do seu dolo, pois actuou na modalidade mais forte (dolo directo) – art. 71º, 2, b)” bem assim “O grau de ilicitude da sua conduta é muito elevado, posto que se tratam de múltiplas situações de violência física e psicológica, com particular ênfase quanto à vítima BB – art. 71º, 2, a)” e no plano da culpa “Depõe também contra a arguida os sentimentos de crueldade e insensibilidade pela debilidade das vítimas manifestados no cometimento dos crimes”;
28. Face aos doutos considerandos que, com a devia vénia sufragamos, a reeducação da arguida AA em direção aos valores axiológica e normativamente vigentes, demanda uma pena não inferior a cinco anos e seis meses de prisão, não sendo necessário pena maior ante o seu passado criminal impoluto no que respeita a atentados contra bens jurídicos eminentemente pessoais e à confissão parcial, embora cingida a um pequeno conjunto de factos – quanto à arguida AA, desenvolvidamente, vide “Capítulo C”;
29. As penas ora promovidas, não pecam por excesso, respeitam o limite da culpa, afigurando-se justas, adequadas e proporcionais - cfr. art.s 41º/1, 71º, 77º/1 e 2 do CP e 18º/2 da CRP.
1. O presente recurso tem como objeto matéria de direito do acórdão proferido nos presentes autos, em 16 de junho de 2025, o qual condenou a arguida como autora material, de 6 (seis) crimes de maus tratos, p. e p. pelos arts. 14º, 1, 26º, 1ª proposição, e 152º-A, 1, a), C. Penal, na pena única de 5 anos de prisão efetiva .
2. VV, requereu, atempadamente, nos presentes autos a sua constituição como assistente;
3. O tribunal a quo não deu despacho a admitir ou rejeitar o requerimento de constituição de assistente de VV ;
4. VV apresentou acusação particular e o tribunal a quo não se pronunciou ;
5. Consequentemente, a arguida AA não exerceu o contraditório sobre o pedido de constituição de assistente da VV, assim como, a acusação contra si deduzida por esta .
6. VV foi ouvida como testemunha, tendo pendente um requerimento de constituição de assistente, subscrito por mandatário com intervenção na audiência de julgamento, enquanto representante da assistente UU .
7. O Tribunal recorrido proferiu acórdão em 16 de junho de 2025 sem se pronunciar sobre a admissibilidade da VV como assistente, nem sobre a acusação deduzida por esta.
8. VV, não desistiu do seu requerimento de constituição de assistente .
9. Estando a correr prazo para recurso, os serviços de secretaria insistem com a Segurança Social para se pronunciar relativamente ao pedido de apoio judiciário formulado por VV – Dispensa total de taxas de justiça e demais encargos com o processo, assim como atribuição de agente de execução. A finalidade do pedido é intervenção no processo.
10. Entendemos, que o tribunal a quo não observou formalidades essenciais ao desenvolvimento válido do processo- como é o caso da falta de despacho de admissão da assistente que é obrigatório (art.68 do CPP ) .
11. Esta falta compromete a validade de atos seguintes (como a acusação particular/subordinada ), contaminando todo processo incluindo o acórdão.
12. A arguida ficou efetivamente prejudicada, pois, não teve oportunidade de impugnar o requerimento de pedido de constituição interposto por VV. A arguida não teve possibilidade de questionar a legitimidade da acusação particular, nem a regularidade da sua admissão ou não admissão. Isto representa uma violação do princípio do contraditório e do direito de defesa, com relevância constitucional (art.32 da CRP)
13. A omissão do despacho de admissão ou rejeição do requerimento de constituição de assistente interposto por VV, antes da leitura do acórdão implica, implica que esta não esteja representada em juízo e perda do direito ao recurso ainda que subordinado ao Ministério Público .
14. A ausência de despacho de admissão da requerente do pedido de constituição de assistente – VV, conjugada com a dedução de acusação particular por quem formalmente nunca foi admitida como assistente, implica preterição de formalidade essencial- impedindo desde logo, o exercício do contraditório por parte da arguida sobre a admissibilidade da constituição de assistente e sobre a legitimidade da acusação deduzida.
15- Proferido o acórdão com requerimento de constituição de assistente pendente e respetiva acusação, sem que a arguida se possa pronunciar, compromete o exercício pleno do direito de defesa e viola do artigo 32 nº 1, 5 e 7 da Constituição da República Portuguesa.
16- O douto acórdão ao não se pronunciar sobre requerimentos pendentes, como o de constituição de assistente é nulo nos termos do artigo 379 n 1 alínea c) do CPP.
Acresce que,
17- Nos termos do artigo 50 nº 1 do Código Penal, o tribunal recorrido deveria ter ponderado seriamente a possibilidade de suspensão da pena de prisão, porquanto a pena única aplicada (5) anos permite legalmente essa medida.
18- O acórdão recorrido reconhece a existência de circunstâncias favoráveis à arguida:
. ausência de antecedentes criminais;
. boa integração familiar e social:. Conduta institucional adequada no Estabelecimento Prisional;
. colaboração com a justiça, desde a fase da contestação até ao final do julgamento;
19- A decisão do tribunal recorrido em não suspender a pena assenta exclusivamente em argumentos de prevenção geral, sem uma ponderação equilibrada das exigências de prevenção especial e das condições subjetivas da arguida, violando assim o espírito e a ratio do artigo 50 do código Penal
20- O tribunal considera que os crimes em causa causam alarme social e que a suspensão da pena daria um sinal de impunidade – no entanto, tal fundamentação é incoerente quando confrontada com a aplicação da suspensão da pena a arguida HH que ;
. foi condenada por mais crimes de maus tratos (9 contra 6 )
. teve uma pena concreta inferior (3 anos e 6 meses contra 5 anos)
- do somatório das penas resulta uma pena mais elevada (11 contra 9,5 )
- registou um incidente disciplinar em meio prisional ao contrário da arguida recorrente.
- já depois da última sessão de julgamento o tribunal a quo mantem os pressupostos da prisão preventiva a ambas as arguidas a poucos dias da leitura do acórdão
O tribunal a quo ao suspender a execução da pena a uma arguida, a quem dias antes mantinha a prisão preventiva com fundamento na manutenção dos pressupostos da prisão preventiva, tal como à arguida recorrente, não tendo concedido a esta a suspensão da execução da pena, cria uma discrepância entre as arguidas AA e HH, fere o principio da igualdade (artigo 13 da CRP ) e da proporcionalidade (artigo 18 nº 2 da CRP )
21- A arguida tem 62 anos e sofre de diabetes, o que torna o cumprimento da pena em reclusão especialmente penosos e agrava os efeitos, no plano pessoal e social, devendo tal ser valorado nos termos do artigo 71 do Código Penal.
22- O douto acórdão é omisso quanto ao facto de dentro de três meses a arguida está em condições de requerer a adaptação à liberdade condicional. A omissão desta análise poderá configurar violação dos princípios da proporcionalidade da pena e do respeito pela dignidade humana, consagrados nos artigos 18, 27 e 30 da Constituição da República Portuguesa. A manutenção da prisão efetiva sem qualquer apreciação expressa sobre a proximidade do cumprimento dos requisitos para adaptação à liberdade condicional – configura uma falha – que justifica uma reapreciação judicial da decisão de não aplicação da suspensão da execução da pena.
23- A censura do facto e a ameaça da pena são medidas suficientes para assegurar os fins da punição, especialmente à prevenção especial, sem prejuízo da proteção da sociedade e das vítimas.
Acresce que:
- Não é compreensível que duas semanas antes de se colocar uma arguida em liberdade com suspensão da execução da pena, se mantenham os pressupostos da prisão preventiva;
Assim como,
- Não é compreensível que se mantenha em prisão preventiva quem dentro de três meses está em condições de requerer a liberdade condicional;
24- O tribunal emite pronuncia e tem em consideração os 15 meses já cumpridos pela arguida, mas não faz um juízo critico sobre a proximidade de adaptação à liberdade condicional.
A proximidade legal de pedido de adaptação à liberdade condicional enfraquece toda a fundamentação utilizada pelo tribunal para a não aplicação da suspensão da execução da pena.
Face à iminente, adaptação à liberdade condicional, o tribunal devia ter suspendido a execução da pena nos termos do artigo 50 nº 1 e do 2 do CP .Pois. teria sido a solução mais adequada e proporcional
25- Assim, ao aplicar pena efetiva por apenas mais três meses — que logo darão lugar a um pedido de adaptação à liberdade condicional - compromete o princípio da proporcionalidade e desvirtua o fim ressocializador da pena. O sistema penal não deve insistir na privação de liberdade quando esta deixa de se justificar face à evolução do processo de reintegração social da reclusa.
Termos em que e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, em consequência:
I-Considerar nulo o acórdão nos termos do artigo 379 nº 1 al c) do Código de Processo Penal.
II- Aplicar a suspensão da execução da pena à arguida AA nos termos do artigo 50 nº 2 do Código Penal”.
Respondeu o Ministério Público ao recurso da arguida AA, entendendo que o mesmo deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
Concorda-se no essencial com o recurso do Ministério Público, destacando-se em primeiro lugar e no que diz respeito à impugnação de facto relativamente à decisão de absolvição do arguido que o invocado erro de julgamento ocorreu, perante a prova produzida, relativamente ao episódio fáctico descrito nos factos provados em 41.º, 42.º, e protagonizado pela arguida AA e sendo ofendido o utente CC, dado que nessa mesma situação, o arguido TT também atingiu fisicamente o ofendido CC.
Com estes factos provados se ligava o facto dado como não provado
« i) Que, na mesma ocasião, logo de imediato, o arguido TT, atuando em conjugação de esforços e intentos com a arguida AA, desferiu pancadas de modo não concretamente apurado no corpo de CC, atingindo-o nos membros superiores, no intuito logrado de lhe causar dores e mau estar físico;
No recurso interposto pelo Ministério Público faz-se ainda referência ao facto dado como provado em 42.º
« Poucos instantes depois, o idoso voltou a agredir a arguida AA de modo não concretamente apurado e, em resposta, a arguida muniu-se de uma esfregona e desferiu com a mesma vários golpes no corpo do idoso, em particular nas costas, empregando força física suficiente para entortar a esfregona e provocar dores nas zonas atingidas e escoriações nas costas daquele
E defende-se que o termo “em particular” deve ser retirado, por que com o mesmo se deturpa o que realmente foi apurado, ou seja, de que a arguida AA atingiu CC nas costas, e não, como entende resultar da redacção adoptada no artigo 42.º, essencialmente nas costas mas também em outras zonas do corpo.
Quanto a este particular, entende-se que a utilização “ em particular” só pode ser interpretada no sentido de essencialmente, sendo que o facto dado como provado retém o fundamental, ou seja, que a arguida AA atingiu o ofendido CC no corpo, nomeadamente, nas costas, com várias pancadas desferidas com uma esfregona, provocando-lhe para além de dor, várias marcas visíveis durante algum tempo, mas deixa subentendido que o ofendido também foi atingido em outras zonas do corpo, embora não seja especificado.
Quanto ao facto dado como não provado e já acima assinalado, concorda-se com a fundamentação apresentada em sede de Recurso, entendendo-se que o arguido TT na mesma ocasião também agrediu por duas vezes o ofendido CC.
Vejamos!
O arguido TT estava junto ao ofendido e à arguida AA quando esta agrediu o ofendido CC, como é reconhecido pelo próprio tribunal a quo na sua fundamentação de facto- escuta parcialmente transcrita em que reconhece a voz do arguido TT.
Por outro lado, reconhece-se que ninguém assistiu aos factos, a não ser os próprios arguidos, sendo certo que a negação dos factos pelo arguido TT, e pela própria arguida AA, não se torna determinante, considerando que na escuta à qual também se faz referência na fundamentação de facto da sentença recorrida, a AA diz claramente à sua filha que o arguido TT também “lhe deu” duas vezes.
Defende o tribunal a quo que a expressão “deu-lhe duas vezes” poderia ser equívoco, podendo ter vários significados, mas o entendimento defendido fere as regras da experiência comum e da lógica perante a conversa escutada e o facto de ambas falarem do episódio em concreto em que a arguida AA admite ter batido ao ofendido CC, ouvindo-se o som das pancadas em outra escuta, também parcialmente transcrita.
Nesse contexto a expressão utilizada “deu-lhe duas vezes” só tem um sentido, com resulta para a generalidade das pessoas perante as circunstâncias da conversa em que a expressão é utilizada, e é o de que também o arguido TT atingiu fisicamente o ofendido CC.
A tal não belisca o próprio ofendido CC ter comentado com o filho que o arguido TT até era boa pessoa, mas não se referindo à situação concreta, pois também, na verdade, este é o único facto típico atribuído ao arguido TT.
De notar, que por ocasião dos factos em questão, o próprio ofendido YY tinha já agredido por duas vezes a arguida AA e foi nesse contexto que os factos ocorreram.
Quanto às penas únicas encontradas e admitindo que se mantêm as penas parcelares aplicadas, olhando-se ao conjunto dos factos praticados e sua gravidade e a personalidade das arguidas relevadas nos mesmos, entende-se deverem as mesmas ser alteradas no sentido do seu agravamento, pelas razões apontadas em sede de Recurso e que de modo essencial subscrevemos.
Concorda-se ainda que quanto à suspensão da execução da pena única aplicada à arguida HH a mesma assentou num juízo de prognose favorável relativamente a esta arguida que não podia ser feito, considerando todo o seu trajecto criminoso e não obstante ser delinquente primária.
A arguida HH, nora da arguida AA, e com quem residiu até meados de 2023, sem qualquer preparação para o efeito, e observando o modo de proceder da arguida AA, resolveu ela própria arrendar uma casa para acolher idosos e com isso obter lucro económico.
Assim procedeu, sem ter qualquer formação, sem ter condições de espaço, de conforto e de gestão.
Nos factos que lhe são imputados resulta que a arguida HH apesar de ter chegado a ter um rendimento de 6000 euros com a sua actividade, teve um comportamento deliberado de omissão relativamente à satisfação das necessidades básicas das pessoas idosas que acolhia e que estavam à sua responsabilidade, chegando mesmo a admitir mais pessoas do que aquelas que podia acolher.
Mesmo já em ambiente prisional, tentou ter actividade lucrativa, não permitida, e por isso foi sancionada.
Ou seja, a personalidade da arguida revelada nos factos, e já no seu comportamento posterior aos factos, denota uma enorme falta de empatia pelos seres humanos em situação de vulnerabilidade, uma indiferença grande pela sua saúde, bem-estar e pela sua dignidade, sobrepondo claramente a protecção desses bens jurídicos violados ao seu propósito de obtenção de lucro, sem qualquer hesitação ou arrependimento.
Questão prévia. Nulidade prevista na alínea c) do n.º1 do artigo 379.º do CPP.
Não assiste qualquer razão à Recorrente, não constituindo a falta de decisão sobre a constituição como assistente de VV omissão de decisão sobre questão revelante que tenha interferido na prolação do acórdão recorrido.
VV, ouvida como testemunha nos autos, e demandante civil, é irmã da assistente UU e ambas são filhas da ofendida EE.
A assistente UU havido deduzido acusação particular, conjuntamente com a sua irmã, ainda não assistente nos autos, acusação que foi rejeitada.
A arguida AA não tem por outro lado qualquer interesse em agir ao invocar a nulidade levantada, não havendo para o efeito qualquer violação do contraditório.
A conduta criminal da arguida AA, a sua persistência na mesma desde 2016, a sua absoluta indiferença, e evidente, crueldade, para com os ofendidos e o seu desprezo pelas autoridades oficiais, que de modo inequívoco disseram não à continuação da sua actividade, tendo mesmo esta arguida chegado a ser condenada por crime de desobediência, não permitem, como é evidente, formular qualquer juízo de prognose favorável de que a mera ameaça de cumprimento de pena a demova e afaste da prática criminosa”.
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior - artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
Posto isto,
as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal:
Do recurso do Ministério Público
1. Da impugnação ampla da matéria de facto
2. Do preenchimento do tipo legal de crime de ofensa à integridade física qualificada: arguido TT;
3. Da medida concreta da pena a aplicar ao arguido TT
4. Da substituição da pena aplicada ao arguido TT
5. Da medida concreta das penas parcelares e da única de prisão aplicada à arguida HH e a sua não suspensão;
6. Da medida concreta da pena única de prisão aplicada à arguida AA;
Do recurso da arguida AA
7. Falta de contraditório da arguida AA e omissão de pronúncia sobre o pedido de constituição como assistente e à acusação particular de VV;
8. Da suspensão da execução da pena de prisão aplicada: princípio da igualdade (artigo 13 da CRP ) e da proporcionalidade (artigo 18 nº 2 da CRP ) e aproximação da adaptação à liberdade condicional
1- Desde o ano de 2016 que a arguida AA se dedica ao negócio de acolhimento de idosos a tempo inteiro, com alojamento permanente, no âmbito do qual, em contrapartida do recebimento mensal de quantias variáveis, acrescidas de despesas com fraldas e medicação, convencionou, com os idosos EE, BB, CC, ZZ, FF, GG, AAA, BBB, CCC e DD, e respectivos familiares, fornecer, aos seus utentes, alojamento, prestação de cuidados diários de alimentação, higiene, limpeza e conforto, proporcionar momentos de lazer, zelar pelo bem-estar físico e psicológico e pela prestação de cuidados de saúde aos mesmos, designadamente através da marcação e encaminhamento para consultas médicas e, se necessário, intervenção em contexto hospitalar;
2- Fruto das várias acções inspectivas realizadas pelo Instituto da Segurança Social, das decisões administrativas de encerramento das estruturas residenciais de acolhimento de idosos que foi explorando, e das coimas aplicadas, a arguida AA sabia que não reunia as condições mínimas necessárias para proporcionar o bem-estar físico, clínico e psicológico aos idosos acolhidos, não tendo respeitado tais decisões, mesmo perante uma condenação criminal transitada em julgado pelo prática do crime de desobediência, referente a uma ordem de encerramento da estrutura residencial;
3- Com efeito, no âmbito do PROAVE (“Processo de Averiguações da Segurança Social”) nº ..., foi desencadeado o encerramento imediato e urgente da estrutura residencial para pessoas idosas, sito na Travessa ..., ..., ... ..., explorada pela arguida AA, com retirada das pessoas idosas, na sequência da acção de fiscalização realizada em 5 de agosto de 2019, ratificado por deliberação do Conselho Diretivo do “ISS, IP” nº 168/2019, de 29 de agosto de 2019;
4- Posteriormente, na sequência da intervenção assumida em 5 de maio de 2020 pela Comissão Municipal de Protecção Civil do concelho de Santa Maria da Feira, junto do mesmo estabelecimento, face à indicação da Autoridade de Saúde Pública quanto à ausência de condições sanitárias, os idosos foram retirados e colocados em equipamento de retaguarda para pessoas COVID positivos, tendo sido desencadeada a aplicação do regime sancionatório e a participação quanto a indícios da prática do crime de desobediência (PROAVE nº ...);
5- Do PROAVE nº ..., face ao apurado nas diligências concretizadas em 28 de março de 2022 e em 21 de abril de 2022, e em função da avaliação efectuada quanto aos perigos aí observados, resultou ordem de encerramento administrativo imediato da estrutura residencial para pessoas idosas a funcionar na Av. ..., ... ..., Oliveira de Azeméis, explorada pela arguida AA, por deliberação do Conselho Diretivo do “ISS, IP”, nº ..., de 15 de setembro de 2022;
6- A arguida foi notificada de tal deliberação, por contacto pessoal, em 11 de outubro de 2022, tendo ficado ciente de que incorreria na prática de crime de desobediência se reabrisse o estabelecimento/ estrutura residencial ou se continuasse a actividade de apoio social de forma ilegal;
7- Não obstante, desde tal data e até 13 de março de 2024, de forma ininterrupta, a arguida continuou a desenvolver a sua actividade e negócio no imóvel arrendado na morada indicada em 5);
8- Consigo habitavam o seu companheiro TT, o filho DDD, os múltiplos idosos que foi acolhendo, em número sempre igual ou superior a cinco, e sete canídeos;
9- Em anexo autónomo, mas integrado no imóvel sito na Avenida ..., ... ..., Oliveira de Azeméis, residia a arguida SS, filha da arguida AA;
10- O imóvel sito na Avenida ..., ... ..., Oliveira de Azeméis, onde se encontra instalada a estrutura residencial, é composto de rés-do-chão e 1º andar, constituídos por diversos espaços e divisões, sendo as divisões do 1º andar acessíveis através de uma escadaria interior, estreita, que não está dotada de cadeira elevador;
11- O imóvel é igualmente composto por uma garagem, com acesso para o pátio e com acesso para o interior, através de uma porta adjacente a uma divisão no rés-do-chão, que é utilizada como oficina de reparação de automóveis por EEE, neto da arguida;
BB
12- O idoso BB, nascido a ../../1963, foi acolhido na estrutura residencial da arguida AA em data não concretamente apurada, mas situada entre finais de 2021 e inícios de 2022, padecendo de doença ortopédica, com dificuldades de locomoção, o que o limitava nas actividades diárias;
13- Até ao dia 13 de setembro de 2023, a arguida AA, por diversas vezes e em circunstâncias não concretamente apuradas, desferiu àquele idoso murros e golpes de mão fechada na testa, pontapés nos membros inferiores e pancadas na cabeça através de peças de calçado (em regra, sapatilhas), causando-lhe dores, hematomas e escoriações nas partes corporais atingidas;
14- Fruto da sua idade e das dificuldades de locomoção, BB não era capaz de se defender e a arguida nunca o encaminhou para tratamento médico;
15- Durante período não concretamente apurado, a arguida chegou a colocar o idoso a dormir na garagem, em ambiente frio, numa cama de madeira que aí foi colocada, e a passar longos períodos do dia sozinho, sentado num banco de madeira sem nenhuma almofada, fazendo aquele também as refeições nesse espaço;
16- Durante o período em que acolheu BB na sua estrutura residencial, a arguida AA, muitas vezes, não lhe dava banho nem providenciava para que o idoso tomasse banho, e não lhe trocava a fralda com frequência, exalando o mesmo, frequentemente, odor a urina;
17- Outras vezes, a arguida dava-lhe banho de mangueira com água fria, estando o idoso de pé;
18- A arguida também não lhe cortava regularmente a barba nem o cabelo, nem providenciava nesse sentido, e por vezes o idoso apresentava-se de roupa suja ou a envergar a roupa de outros utentes daquela residência;
19- Durante aquele período, era habitual os familiares de BB lhe levarem, aquando das visitas, alguns alimentos; porém, em regra, o idoso não chegava a consumi-los, porque a arguida lhes dava outro destino;
20- Numa ocasião em que foi visitado pela enfermeira FFF, pelas 10:30/ 11:00 horas, o idoso ainda se encontrava em jejum, pois a arguida não havia providenciado por nenhuma refeição para o mesmo desde as 20:30 horas do dia anterior;
21- Por vezes havia urina de cão na varanda onde habitualmente o idoso aguardava a chegada daquela enfermeira;
22- Numa ocasião em que BB estava a ser visitado pela irmã GGG, AA acompanhou-o ao WC do 1º andar e, na presença daquela familiar, a arguida desferiu uma pancada com a mão na testa do idoso;
23- Noutra ocasião, em que aquele se prestava para se sentar numa cadeira no seu quarto, a arguida puxou essa cadeira e deu um empurrão no idoso, o qual só não caiu ao chão porque se agarrou a uma mesa ali existente;
24- O idoso tinha má postura corporal, com tendência para se inclinar para a frente, e, numa ocasião, estando aquele sentado num banco com os cotovelos em cima da cama, a arguida desferiu-lhe uma pancada com a mão na testa para o endireitar no assento;
25- Numa outra situação, na cozinha, a arguida deu um pontapé no banco onde o idoso BB estava sentado, fazendo com que este caísse ao chão;
26- Durante o período em que BB esteve acolhido na estrutura residencial da arguida AA, esta, normalmente, não permitia que o idoso conversasse privadamente com os familiares que o visitavam, impondo a sua presença nessas ocasiões e, por vezes, intrometia-se nas conversas entre os mesmos;
27- A arguida gritava frequentemente com o idoso e este tinha bastante medo daquela; não obstante, o utente habitualmente não se queixava aos familiares por receio de represálias por parte da arguida;
28- Em datas não concretamente apuradas do Verão de 2023, pelo menos em duas ocasiões, a arguida AA deixou o idoso BB nu, sem fralda e com um lençol a cobrir-lhe as pernas, sentado numa cadeira, numa altura em que partilhava quarto com os idosos GG e DD, o que foi presenciado por II, filho de DD, aquando de uma visita ao pai;
29- No dia 13 de setembro de 2023, antes das 10 horas, BB apresentava-se com agravamento do quadro clínico de desequilíbrio e perda de força muscular;
30- Por essa razão, viu-se incapaz de atender à solicitação da arguida AA para se levantar autonomamente da cama;
31- Nessa sequência, a arguida apossou-se de uma peça de calçado do idoso e, com o mesmo, desferiu-lhe pancadas, pelo menos, na zona do nariz, causando-lhe dores e sangramento daquele órgão;
32- Nessa mesma manhã dirigiram-se ao local a enfermeira FFF e a médica HHH, a fim de se inteirarem do agravamento do estado de saúde do idoso, tendo-o encontrado ferido na zona atingida, abatido e sujo de sangue;
33- BB perdeu bastante peso durante o tempo em que esteve acolhido na residência da arguida e, quando foi daí retirado, apresentava-se bastante traumatizado psicologicamente, com choro frequente;
34- Poucos dias após esse episódio, o idoso deslocou-se a casa de familiares e já não mais regressou à estrutura residencial da arguida;
CC
35- No dia 16 de janeiro de 2024, WW, cônjuge de CC, nascido a ../../1947, a padecer de demência e que havia sido sujeito a uma colostomia, entrou em contacto telefónico com a arguida AA, contratando o acolhimento do idoso na estrutura residência daquela, pela contrapartida mensal de € 800,00, acrescida de despesas com fraldas e medicação;
36- Em conversa telefónica tida com III, assistente social do Hospital ..., em S. M. Feira, ocorrida naquele dia, pelas 11:09 horas, a arguida referiu que estava habituada a lidar com os sobreditos problemas de saúde, designadamente do saco de colostomia, por se dedicar à actividade há muitos anos;
37- Quando o repositório de fezes (saco) se solta por algum motivo, há a probabilidade de as fezes vazarem directamente do interior do corpo para o exterior;
38- Foi o que sucedeu logo no primeiro dia de acolhimento, a 17 de janeiro de 2024, antes das 10:00 horas, tendo a cama do idoso e as áreas circundantes ficado sujas de fezes, o que causou irritação na arguida AA pela necessidade de proceder à limpeza;
39- Desconhecendo como substituir ou voltar a colocar o saco para as fezes, em conversa telefónica nesse mesmo dia, pelas 10:19 horas, a arguida AA pediu ajuda às arguidas SS e HH para pesquisarem na internet o modo de substituição do saco;
40- No dia 22 de fevereiro de 2024, depois de um conflito com o idoso CC, em que este, de modo não concretamente apurado, agrediu a arguida AA, esta desferiu-lhe, com a mão, um número não concretamente apurado de pancadas no corpo, causando-lhe, pelo menos, dores corporais nas zonas atingidas;
41- No dia 9 de março de 2024, em momento anterior às 11:01 horas, a arguida e aquele idoso envolveram-se noutra discussão, tendo o segundo agredido a primeira, pelo menos, através de arranhões com as unhas na cara e, em resposta, a arguida agarrou o idoso pelos genitais;
42- Poucos instantes depois, o idoso voltou a agredir a arguida AA de modo não concretamente apurado e, em resposta, a arguida muniu-se de uma esfregona e desferiu com a mesma vários golpes no corpo do idoso, em particular nas costas, empregando força física suficiente para entortar a esfregona e provocar dores nas zonas atingidas e escoriações nas costas daquele;
43- No dia 13 de março seguinte, aquando da realização de busca domiciliária à estrutura residencial da arguida AA, ainda eram visíveis as lesões nas costas do idoso CC;
BBB
44- No dia 12 de fevereiro de 2024, da parte da manhã, a idosa acolhida BBB, nascida a ../../1936, queixou-se à arguida AA do frio que se fazia sentir no interior da residência, mostrando-se desagradada por esta lhe ter retirado um cobertor fino da cama;
45- Nessa sequência, em conversa telefónica com a arguida SS, a arguida anunciou que tinha tido uma discussão “feia” com a idosa e lhe iria retirar o aquecedor do quarto;
46- Pelo menos desde o início de dezembro de 2023, a arguida AA tinha seis ou mais idosos acolhidos de forma permanente, prestando cuidados praticamente sozinha (o que sucedeu até 13 de março de 2024), contando com a ajuda pontual dos elementos do agregado familiar que no momento se encontrassem no interior da residência;
ZZ
47- Queixando-se da comida confecionada pela arguida AA, nomeadamente a falta de dieta à base de peixe, a idosa ZZ, nascida a ../../1937, manifestou, a 2 de dezembro de 2023, pelas 14:50 horas, em conversa telefónica à sua filha JJJ, a vontade de abandonar a estrutura residencial;
48- No dia 23 de janeiro de 2024, pelas 16:00 horas, em mais uma conversa telefónica entre ZZ e a sua filha JJJ, a primeira, que se encontrava contrariada pela decisão da filha em colocá-la na residência de AA, manifestou recusa de comer a comida confecionada pela arguida e a intenção de abandonar aquela estrutura residencial, ao que a segunda respondeu que a mãe não sabia o que queria;
49- A arguida AA presenciou a conversa e, concordando com o que a filha da idosa estava a dizer, interveio, dizendo, nomeadamente: “ela não sabe”, “ela não está em condições”, “nem sabe dar valor a quem trata bem dela”;
50- Em data não concretamente apurada, mas situada entre o dia 23 de janeiro e o dia 26 de janeiro de 2024, de madrugada, aquela utente tentou esgueirar-se para o exterior da residência, tendo sido impedida por DDD, neto da arguida;
51- No dia 26 de janeiro de 2024, a idosa acolhida mais uma vez tentou e dessa vez conseguiu esgueirar-se para o exterior da residência, tocando à campainha de uma vizinha, por forma a que lhe fosse prestado auxílio para sair daquele local, o que não sucedeu pela intervenção rápida da arguida;
DD
52- O idoso DD, nascido a ../../1936, e que havia sofrido mais do que um AVC, ficou aos cuidados da arguida AA, pelo menos, desde novembro de 2021, na habitação sita na Av. ..., ... ..., Oliveira de Azeméis, em contrapartida do pagamento de € 600,00 mensais, acrescido do valor mensal de € 50,00 referente a fraldas;
53- DD tinha dificuldades de locomoção e padecia de anemia e diabetes e foi diagnosticado com cancro na pele quando já se encontrava a residir na habitação da arguida;
54- Aquando da entrada daquele idoso na estrutura residencial de AA, o filho KKK questionou a arguida sobre como proceder com a fisioterapia a realizar na sequência dos AVC´s sofridos pelo idoso;
55- Durante período de tempo não concretamente apurado, mas, pelo menos, no decurso do ano de 2024, a arguida AA não procedeu à higiene das partes íntimas e das virilhas do idoso DD;
56- A 13 de março de 2024, na sequência da retirada do idoso e sua colocação no lar da Santa Casa da Misericórdia ..., DD apresentava inchaço nas coxas e inflamação no pénis, como consequência directa e necessária da aludida ausência de lavagem;
57- A 13 de março de 2024, o idoso DD apresentava também os pés e a região do abdómen e umbigo amarelados e com descamação;
58- Ao cabo de apenas dezoito dias de acolhimento no lar da Santa Casa da Misericórdia ..., o idoso DD ganhou peso e foram notadas melhoras significativas na sua autonomia, passando a comer sem auxílio;
EE
59- A idosa EE, nascida a ../../1935, foi acolhida na estrutura residencial da arguida AA no dia 16 de abril de 2022, advinda de internamento no “Centro Hospitalar ...”, padecendo, pelo menos, de demência, insuficiência cardíaca, bloqueio auriculoventricular completo (portadora de pacemaker), hipertensão, doença cardíaca isquémica crónica, diabetes e depressão;
60- Não obstante, a idosa encontrava-se reactiva, capaz de articular discurso e reconhecia os seus familiares;
61- Poucos dias após ingressar na residência da arguida, EE sofreu um acidente vascular cerebral, tendo sido admitida no hospital em 30 de abril de 2022;
62- Após esse evento, o estado de saúde geral da idosa agravou-se, tendo deixado mesmo de falar;
63- EE passava muito tempo sentada em cadeira de rodas, inicialmente sem almofada, tendo depois a família levado uma almofada própria para colocar naquela cadeira;
64- A 11 de julho de 2022, a utente encontrava-se completamente apática, não reactiva, sem articular discurso, tendo perdido bastante peso;
65- Após internamento hospitalar em 2 de agosto de 2022, por AVC isquémico, em que também ocorreu abordagem clínica a ingestão alimentar e hídrica inadequada e hipoglicemia, EE recebeu alta clínica no dia 8 seguinte e reingressou na estrutura residencial da arguida AA;
66- Por determinação médica foi suspensa a administração do medicamento antidepressivo “Mirtazapina”, o que foi do conhecimento da arguida AA, que recebeu a documentação clínica referente à alta;
67- Após a idosa ter regressado à residência da arguida AA, esta administrou-lhe, sem indicação ou prescrição médica, o fármaco “Ciamemazina”, que é um antipsicótico sujeito a receita médica e presente em medicamentos como o “Tercian”, comummente utilizados para dormir;
68- Aquele medicamento exige muitas cautelas quando tomado por doentes com historial de AVC, demência e diabetes, na medida em que apresenta efeitos adversos significativos no sistema cardiovascular, como hipotensão, prolongamento do intervalo cardíaco e, em alguns casos, arritmias ventriculares graves, que podem ser fatais, especialmente em doentes com condições cardíacas pré-existentes, bem risco aumentado de acidentes vasculares cerebrais e morte em doentes idosos com demência tratados com antipsicóticos;
69- EE veio a falecer no dia 13 de agosto de 2022, na estrutura residencial da arguida, devido a um enfarte agudo do miocárdio, tendo a autópsia revelado lesões consistentes com isquemia miocárdica transmural (entre 4-12 horas de evolução), sobre uma base de cardiopatia isquémica crónica e aterosclerose coronária com estenose de cerca de 50%, bem como edema e hemorragia alveolar, pneumonia aguda supurada e atrofia cortical renal com necrose tubular aguda;
70- O exame toxicológico realizado em contexto de autópsia revelou a presença de “Ciamemazina”, em concentração estimada de 14ng/ml, e de “Mirtazapina”, em concentração estimada de 30ng/ml;
71- Durante o período em que EE esteve acolhida na estrutura residencial da arguida AA, esta, em regra, não permitia que a idosa convivesse em privacidade com os familiares que a visitavam, impondo quase sempre a sua presença;
72- A arguida era frequentemente rude com a idosa, falando-lhe em tom elevado de voz;
FF
73- No dia 3 de setembro de 2022, data do seu 98º aniversário, a idosa FF, nascida a ../../1924, encontrava-se sem hematomas visíveis no corpo, em bom estado de consciência e de saúde geral;
74- No dia 7 ou 8 de dezembro de 2022, em contrapartida da quantia mensal de € 800,00, a arguida AA acolheu a idosa FF na sua estrutura residencial;
75- Entre aquela data e o dia 21 seguinte, a arguida AA não forneceu água nem alimentos em suficiência às necessidades daquela idosa, de modo que, durante visita do seu filho LLL, aquela referiu estar com sede e fome, pelo que a arguida se prontificou a fornecer-lhe um croissant e um iogurte, que a utente ingeriu com rapidez;
76- Também naquele período, a arguida AA não diligenciou para prevenir potenciais quedas da idosa, que vieram a ocorrer em número não concretamente apurado, uma das quais ocorrida em data próxima do dia 21 de dezembro de 2022 e da qual resultaram hematomas de grandes dimensões na cabeça e na perna esquerda;
77- No dia 21 de dezembro de 2022, a neta e a nora de FF encontraram a idosa sentada numa cadeira de rodas, amarrada com uma fita que lhe passava por debaixo dos seios, a fim de prevenir quedas, apresentando-se aquela sem reações e com ferimentos de grande dimensão na cabeça, no braço esquerdo e na perna esquerda;
78- FF foi retirada da residência nesse dia e encaminhada para unidade hospitalar, onde deu entrada em urgência com diagnóstico, entre o mais, de desidratação, prostração e múltiplos hematomas em diferentes regiões corporais, o que decorreu das omissões da arguida AA mencionadas em 75) e 76);
GG
79- No dia 19 de janeiro de 2023, no decurso de uma visita inspectiva realizada pelo “Instituto da Segurança Social, IP” à residência da arguida AA, o idoso acolhido GG, nascido a ../../1940, encontrava-se em estado cadavérico, tendo a arguida afirmado às inspectoras da Segurança Social que já havia contactado o INEM e a Polícia, o que não correspondia à verdade;
80- Pelas 12:14 horas desse dia foi certificado o óbito do utente, por morte natural, devida a insuficiência cardíaca crónica;
81- Pelo menos na parte final do período em que acolheu o idoso GG na sua estrutura residencial, entre finais de 2022 e o dia 19 de janeiro de 2023, a arguida não lhe fornecia os alimentos que os familiares do utente, sabendo que este apreciava bastante comer, lhe levavam (como iogurtes e bolachas), lhe levavam, dando-lhes aquela outro destino;
82- Pelo menos também durante aquele período, a arguida era habitualmente rude no trato com o idoso, o que lhe provocava medo;
83- Em data não concretamente apurada, mas situada naquele hiato temporal, numa ocasião em que GG foi visitado pela nora MMM, aproximadamente pelas 11:00 horas, o idoso ainda se encontrava em jejum, pois a arguida não havia providenciado pelo pequeno-almoço;
No dia 13 de março de 2024
84- No dia 13 de março de 2024, no decurso da busca domiciliária encetada à estrutura residencial da arguida AA, foram encontrados, no interior frigorífico instalado na cozinha da residência, dois tupperwares contendo no seu interior produtos alimentares com bolor e impróprios ao consumo humano, bem como um doce de frutos silvestres cuja validade havia expirado em março de 2017, mas ainda por estrear, e um frasco de maionese cuja validade havia expirado em março de 2023;
85- Também nesse dia o interior micro-ondas existente na cozinha da residência encontrava-se em estado de profunda sujidade;
86- Na mesma ocasião foram identificados sete canídeos no interior da estrutura residencial, quatro dos quais recém-nascidos, e todas as divisões apresentavam bastante mau cheiro, com excrementos de canídeos no quarto da arguida e no quarto do filho EEE;
87- Nesse momento, as caixas de preparação individual da medicação encontravam-se numa gaveta da cozinha sem indicação do idoso a quem se destinavam;
88- A 13 de março de 2024, encontravam-se acolhidos na estrutura residencial da arguida AA os seguintes idosos:
- KK, nascida a ../../1932;
- ZZ, nascida a ../../1937;
- AAA, nascida a ../../1938;
- BBB, nascida a ../../1936;
- CCC, nascida a ../../1933;
- NNN, nascida a ../../1951;
- CC, nascido a ../../1947;
- DD, nascido a ../../1936;
89- Nesse dia, na primeira abordagem à residência da arguida AA, foi o Cabo do NIAVE, OOO, quem tocou à campainha;
90- Durante os cinco minutos seguintes, a arguida encaminhou as idosas ZZ (que se desloca com apoio em andarilho), AAA, BBB e CCC para o interior da garagem/ oficina, para que a sua presença não fosse detectada, tendo as mesmas aí sido encontradas cerca de cinco minutos depois pelas autoridades que realizaram a diligência de busca e apreensão;
91- A arguida fez da descrita actividade o seu modo de vida, devido às dificuldades financeiras que na altura sentia, por ser o principal meio de subsistência do seu agregado familiar;
Dolo arguido AA
92- Ao actuar da forma descrita, a arguida AA agiu de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que, ao continuar a desenvolver a descrita actividade depois de 11 de outubro de 2022, sem licenciamento e na mesma estrutura residencial, desobedecia a ordem regularmente emanada de autoridade competente e devidamente notificada na sua pessoa, e que tal a faria incorrer na prática de um crime de desobediência;
93- AA sabia também que os idosos que se encontravam acolhidos na sua residência eram particularmente débeis e indefesos, fruto da idade e das comorbidades físicas e psíquicas de cada um, e que os descritos comportamentos, activos e omissivos, que assumiu agravavam a situação de saúde física e psíquica dos mesmos e atentavam contra a respectiva dignidade;
94- Sabia igualmente que havia assumido para com tais idosos os deveres de lhes prestar cuidados diários de alimentação, higiene e conforto, proporcionar momentos de lazer, zelar pelo bem-estar físico e psicológico e pela prestação de cuidados de saúde;
95- Agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que a sua conduta era censurável e proibida e punida por lei;
arguida HH
96- Em data não concretamente apurada, mas em meados do ano de 2023, a arguida HH arrendou a residência sita na Rua ..., ..., Oliveira de Azeméis, aí passando a residir com os dois filhos menores e com o companheiro e arguido RR, filho da arguida AA;
97- Fê-lo com o propósito de se dedicar à mesma actividade e negócio lucrativo a que se dedicava a arguida AA, com quem residia até então na Av. ..., ... ..., O. Azeméis;
98- Desde setembro de 2023, a arguida HH implementou na sua residência um negócio lucrativo de acolhimento de idosos a tempo inteiro, com alojamento permanente, no âmbito do qual, em contrapartida do recebimento mensal de quantias que variaram entre os € 600,00 e, no mínimo, € 750,00, acrescidas de despesas, pelo menos, com medicação, convencionou com os idosos LL, JJ, OO, KK, II, QQ, PPP, PP, NN, QQQ e MM, e respectivos familiares, prestar, aos utentes, cuidados diários de alimentação, higiene, limpeza e conforto, proporcionar-lhes momentos de lazer e zelar pelo seu bem-estar físico e psicológico e pela sua saúde, designadamente através da marcação e encaminhamento para consultas médicas e, se necessário, intervenção em contexto hospitalar;
99- Durante o período em que exerceu a actividade, mas em alturas temporais não concretamente apuradas, a arguida teve ao seu serviço, em momentos distintos, duas funcionárias, bem como a ajuda não permanente da arguida SS, filha da arguida AA;
100- SS dedicava-se sobretudo ao trabalho na cozinha e, por vezes, ajudava na mudança de fraldas e na medicação dos utentes;
101- A arguida HH não possuía formação específica na área da geriatria, enfermagem ou de qualquer outra área relevante para a prossecução daquela actividade, tendo apenas a experiência de um mês de trabalho em lar de idosos numa Fundação sita em ..., Oliveira de Azeméis;
102- Pelo menos desde 3 de dezembro de 2023 até 13 de março de 2024, a arguida HH teve a seu cuidado seis ou mais idosos em simultâneo, residentes de forma permanente e ininterrupta, sem tentar obter o necessário licenciamento para explorar aquela estrutura residencial para pessoas idosas, sabendo que não dispunha de condições económicas para providenciar pela prestação dos cuidados básicos aos idosos acolhidos;
103- Pelo menos no descrito hiato temporal, apesar de saber ser incapaz de providenciar sozinha ou com a ajuda das pessoas indicadas em 99) e do arguido RR, dos cuidados necessários aos idosos acolhidos, a arguida HH encetou esforços para celebrar mais contratos de acolhimento de utentes, focada na ampliação dos proveitos económicos da actividade, devido às dificuldades financeiras que atravessava;
104- Com efeito, pelo menos desde o dia 18 de dezembro de 2023 que a arguida HH publicou um anúncio no site “A...”, posteriormente renovado, onde comunicou, em contrapartida do valor-base de € 700,00 mensais, o acolhimento de idosos em regime permanente, num “ambiente familiar, amor, carinho e muita compreensão, facilitando a adopção dos mais idosos para que se sintam em casa”, oferecendo cuidados de “enfermagem, médico e todos os cuidados necessários no nosso domicílio”, bem como “cuidados de beleza como corte de cabelo, manicure, sobrancelhas, etc.”, ainda afiançando tratar-se de uma “moradia adaptada com todas as condições, espaço exterior para actividades e passatempos”;
105- A arguida também sabia que o edifício onde os idosos se encontravam a residir não possuía condições de espaço para albergar tanta gente em simultâneo, existindo humidade e bolor em várias paredes da residência;
106- O edifício sito na Rua ..., ..., Oliveira de Azeméis, onde a arguida HH explorava a actividade de estrutura residencial de acolhimento de idosos, é um local frio, particularmente no Inverno, sem aquecimento central, onde se verificam concentrações de humidade e bolor nas paredes de várias divisões, circunstância que verificou pelo menos entre a primeira semana do mês de dezembro de 2023 até ao dia 13 de março seguinte;
107- Porém, a residência possuía recuperador de calor, que habitualmente era aceso logo de manhã;
108- O arguido RR, ainda que não concordasse com o exercício da referida actividade pela sua mulher HH, aceitou que a mesma a levasse a cabo na casa de morada de família e disponibilizou a sua conta bancária para o recebimento dos valores referentes às prestações mensais e outros valores de contrapartida da exploração da actividade, os quais foram também utilizados pelo próprio e se destinaram a todo o agregado familiar;
109- Assim, durante a exploração do referido negócio e até 13 de março de 2024, no contacto que encetou com os familiares dos idosos acolhidos, a arguida HH, com o consentimento do arguido RR, indicou o IBAN deste para que alguns familiares de idosos acolhidos efectuassem o pagamento correspondente à prestação mensal, despesas com fraldas e medicação ou o pagamento de uma caução, que servia o propósito de reservar o lugar do idoso acolhido no futuro acolhimento;
110- Tendo sido efectivamente efectuadas, pelo menos, as seguintes transferências bancárias para a conta bancária com o IBAN ..., pertencente ao arguido RR:
II
111- Durante período não concretamente apurado, entre 5 e 20 de dezembro de 2023, mas pelo menos na noite de 19 para 20 de dezembro, a arguida HH privou o utente II, nascido a ../../1931, de uso de cobertor na cama, bem sabendo que, dessa forma, o idoso sentiria frio durante a noite, deixando-o apenas coberto por um lençol e uma colcha, apesar de aquele ter verbalizado ter frio na cama, bem sabendo a arguida que o mesmo padecia de doença pulmonar obstrutiva crónica, com utilização diária de concentrador de oxigénio, e que a exposição ao frio é um factor de afectação dos pulmões e das vias áreas e potenciador de infecção respiratória;
112- Pelo menos até 4 de dezembro de 2023, a arguida HH não dispunha, não adquiriu nem utilizou qualquer desumidificador nas divisões húmidas da residência;
113- Pelo menos entre os dias 3 e 4 de dezembro de 2023, sete dos oito idosos encontravam-se com doença respiratória não concretamente apurada;
114- No dia 13 de março de 2024, as divisões da residência, incluindo os locais onde os idosos dormiam, encontravam-se em estado de abundância de humidade e bolor nas paredes e nos cantos, e em locais de grande proximidade com as camas, como era o caso da cama onde dormia o idoso OO, nascido a ../../1946, e próximo da cama onde dormia o idoso II;
115- O que se verificou mesmo depois do próprio irmão da arguida, chamado RRR, a alertar para a perpetração de maus-tratos aos idosos acolhidos, em conversação telefónica havida a 23 de janeiro de 2024, pelas 13:47 horas;
116- A sala ampla da residência, convertida para acolher quatro idosos em simultâneo, com quatro camas para o efeito, com duas janelas/ portadas de grande dimensão, tinha como única fonte de aquecimento, no dia 13 de março de 2024, um aquecedor pequeno colocado junto da porta;
JJ
117- No dia 28 de janeiro de 2024, a idosa acolhida JJ, nascida a ../../1949, portadora de Alzheimer e Parkinson, abriu o estore até cima, tendo a arguida HH conversado telefonicamente com a arguida AA sobre tal circunstância, dizendo: “a minha vontade era dar-lhe um murro no meio daquela cara”, “quero-a embora daqui, a família que se foda”;
118- A utente JJ esteve acolhida na estrutura residencial da arguida HH desde 7 de novembro de 2023 até 8 de março de 2024, tendo sido colocada na sala convertida em quarto, juntamente com outros três idosos, dois dos quais do sexo feminino e um do sexo masculino, sendo que este último se ausentava do quarto quando a arguida carecia de trocar a roupa de alguma das idosas;
119- Pelo menos em vésperas do dia 4 de dezembro de 2023 e durante a semana que antecedeu o dia 17 de dezembro seguinte, a arguida HH acumulou dentro da residência todo o lixo diário aí produzido, sem o colocar em contentores na via pública ou o encaminhar para locais de recolha, deixando-o exposto ao contacto de todos os residentes, no interior e no pátio, com emanação de mau-cheiro que propagou para os vizinhos e transeuntes na via pública;
120- No dia 4 de dezembro de 2023, a parte exterior das peças de louça utilizadas pelos utentes da arguida HH apresentava acumulação de sujidade, tendo a arguida SS procedido à sua lavagem com lixívia;
121- Fruto dos problemas de incontinência e falta de mobilidade dos idosos acolhidos, e principalmente durante a noite, os idosos faziam as necessidades fisiológicas na cama para as fraldas que a arguida HH convencionou fornecer;
122- Por vezes, durante a noite, quando os idosos satisfaziam as suas necessidades fisiológicas, os dejectos passavam para os lençóis e para a própria cama, também porque a arguida HH nem sempre adquiria nem colocava resguardos nas camas;
123- Por tal motivo, a arguida tinha por hábito colocar duas fraldas em simultâneo nos idosos;
124- No dia 22 de dezembro de 2023, um dos canídeos da arguida HH, apelidado “B...”, urinou em, pelo menos, três camas de idosos acolhidos;
125- Pelo menos no período de 15 de fevereiro de 2024 a 5 de março seguinte, a arguida HH não providenciou pelo banho aos idosos LL, KK, JJ, OO, QQ e PP;
KK
126- A idosa KK ingressou na estrutura residencial da arguida HH em data não apurada de dezembro de 2023, à contrapartida do pagamento mensal de € 600,00, acrescido de despesas com fraldas e medicação e do pagamento de um valor inicial de € 600,00;
127- A idosa tinha dificuldades de audição, utilizando dois aparelhos auditivos, de locomoção (fruto de queda e fractura do fémur à direita a 17 de junho de 2023) e padecia de doença pulmonar crónica, HTA, deterioração cognitiva e síndrome depressivo, sendo dependente de terceiros para as actividades da vida diária;
128- Permaneceu na estrutura residencial de HH até 11 de março de 2024, altura em que se transferiu para a estrutura residencial da arguida AA;
129- Naquele hiato temporal, e sempre que visitada pelos filhos, SSS e TTT, a idosa apresentava-se com o cabelo oleoso, não lavado, sendo visíveis os sinais de falta de higiene, tanto mais que à idosa não foi providenciado um único banho durante todo o período da sua permanência;
130- Durante o período em que KK esteve acolhida na estrutura residencial da arguida HH, esta nunca providenciou pelo corte das unhas dos pés da idosa, o que provocava dores nos pés da mesma;
131- Pelo menos até ao dia 12 de dezembro de 2023, a arguida HH não garantiu a existência, na estrutura residencial, de um oxímetro, dispositivo que mede a saturação de oxigénio no sangue de forma não invasiva, de aquisição livre e a baixo custo, não tendo, desde o início da sua actividade e pelo menos até àquela data, monitorizado os níveis de saturação de oxigénio no sangue dos idosos acolhidos, mesmo em face do surto de doença respiratória já referido;
LL
132- No dia 23 de dezembro de 2023, de manhã, a arguida SS, a solicitação da arguida HH, deu a medicação à idosa acolhida LL, nascida a ../../1942, tendo colocado a caixa de medicação destinada a outra idosa junto do pequeno almoço de LL;
133- No entretanto, quando a arguida SS acompanhou a outra idosa ao quarto de banho, a utente LL apossou-se da medicação destinada àquela idosa, designadamente donepezilo, sertralina e folicil, e engoliu os medicamentos;
134- Quando ainda nessa manhã a arguida HH se apercebeu do sucedido, e desconhecendo a função daqueles medicamentos, decidiu abster-se de comunicar o sucedido à familiar da idosa LL e de procurar auxílio ou conselho médico, conformando-se com a possibilidade de a toma daquela medicação, que não era destinada àquela utente, causar à mesma alguma reacção clínica adversa, omissões essas que foram sugeridas e instigadas pela arguida AA;
135- Devido à falta de higiene mencionada em 125), a idosa LL chegou a evidenciar mau cheiro;
MM
136- A idosa MM, nascida a ../../1947, ingressou na estrutura residencial da arguida HH no dia 12 de março de 2024, tendo a familiar UUU travado conhecimento do negócio explorado pela arguida através do anúncio publicado por esta no A..., à contrapartida da quantia mensal de € 700,00, acrescida do montante correspondente a um dos subsídios de férias ou de Natal auferidos pela idosa, tendo ainda sido liquidada a quantia de € 700,00 como “caução”;
137- Aquela idosa padece de demência, diabetes, colesterol e hipertensão arterial, fazendo toma bi-diária, de manhã e à noite, de um comprimido de “Respiridona”, que é um medicamento antipsicótico;
138- Logo no primeiro dia, a arguida HH contrariou o prescrito medicamente e, conformando-se com a possibilidade de poder causar reações clínicas adversas à idosa acolhida, decidiu duplicar a quantidade daquele medicamento, tendo-lhe administrado dois comprimidos à noite;
NN
139- No dia 18 de dezembro de 2023, pelas 10:00 horas, a arguida HH detectou uma ferida (escara) sangrante numa nádega da idosa acolhida NN, nascida a ../../1926 e utente da arguida desde 1 de novembro de 2023, e por não dispor de pensos acolchoados para tapar a ferida, solicitou telefonicamente à arguida AA que lhe disponibilizasse um;
140- Às 11:34 horas daquele dia, foi a vez da arguida SS fazer a mesma solicitação à arguida AA, tendo esta última aconselhado que a arguida HH procurasse ajuda no centro de saúde;
141- Nesse mesmo dia, a idosa NN apresentava um quadro clínico de vómitos e diarreia, tendo deixado de se alimentar autonomamente;
142- Não tendo formação ou conhecimentos para proceder a um diagnóstico, e percebendo o estado de saúde debilitado da idosa acolhida, a arguida HH vaticinou que aquela estaria em fim de vida e, conformando-se com essa possibilidade, absteve-se de encaminhá-la para o hospital ou de accionar qualquer meio de socorro, mostrando-se apenas preocupada com a perspectiva de o neto da idosa não pagar a próxima prestação mensal do acolhimento, caso a idosa viesse a falecer antes da data de pagamento;
143- Entre o dia 18 de dezembro de 2023 e o dia 22 de janeiro seguinte, a arguida HH não providenciou por auxílio de enfermagem para proceder aos necessários e diários curativos na ferida daquela utente, o que causou um agravamento dos sintomas e do quadro clínico, infecionando a escara, com tecido necrótico e mau cheiro;
144- Durante tal período, a arguida não adquiriu nem providenciou junto de familiar da idosa pela obtenção de um colchão anti-escaras, apesar de estar ciente de que, fruto do sangramento da escara, a utente necessitava de dormir e estar acamada sob um colchão anti-escaras conformando-se com a possibilidade de a ferida se agravar;
145- Também durante aquele período, a idosa NN continuou com vómitos e diarreias frequentes;
146- No dia 22 de janeiro de 2024, a arguida HH acionou, finalmente, uma enfermeira da clínica privada “C...”, sita em ..., que se deslocou à estrutura residencial, observou a idosa NN e procedeu à colocação de novo penso;
147- Nessa deslocação, e depois de observação da idosa acolhida, a enfermeira aconselhou a arguida HH a garantir que a idosa ficava deitada sob colchão anti-escaras;
148- Só nesse dia, pelas 10:20 horas, a arguida HH contactou telefonicamente a arguida AA e questionou-a se podia dispensar um colchão antiescaras, explicando a conversa que havia tido com a enfermeira;
149- Também nesse dia, finalmente, a arguida HH deslocou-se à USF ..., procurando que diariamente uma enfermeira daquela unidade de saúde se deslocasse à estrutura residencial para proceder à mudança regular do penso e ao curativo diário;
150- No dia 24 de janeiro de 2024, uma enfermeira deslocou-se à estrutura residencial, encontrando a idosa NN com uma infecção necrótica na zona da escara e procedeu à remoção do tecido superficial morto, aconselhando o encaminhamento hospitalar da idosa para observação médica;
151- Nessa ocasião, a arguida HH mentiu à enfermeira, afirmando que a ferida/escara já existia à data em que o familiar a fez ingressar naquela estrutura residencial, o que foi motivo para a arguida não ter encaminhado de imediato a idosa para atendimento hospitalar de urgência, temendo as consequências legais da falsa afirmação caso viesse a ser descoberta;
152- Sucede que, nesse dia 24 de janeiro de 2024, fruto da infecção, o estado de saúde da idosa NN estava bastante periclitante, apresentando glicemia (diabetes) a 400mg/dl, como medido pela arguida HH;
153- No mesmo dia, cerca das 22:00 horas, a arguida HH acionou os serviços de emergência, tendo a idosa NN dado entrada no serviço de urgência do Hospital 1..., com posterior encaminhamento para o Hospital ..., com sinais de alguma desidratação e glicemia elevada originada pela infecção da escara;
154- Após a idosa ter alta clícia, a arguida HH voltou a acolhê-la na estrutura residencial;
155- No dia 13 de fevereiro de 2024, a arguida teve de voltar a acionar o serviço de emergência, tendo a idosa NN dado entrada em urgência no Hospital 1... e posteriormente no Hospital ..., com diagnóstico de infecção urinária complicada, lesão renal aguda e hipernatremia (défice água em relação ao sódio);
156- A 9 de março de 2024, a idosa NN entrou em paragem cardiorrespiratória na estrutura residencial, com diabetes a 600mg/dl, com posterior reversão e transporte para hospital, onde veio a falecer;
OO
157- O idoso OO, nascido a ../../1946, foi acolhido na residência da arguida HH a 25 de setembro de 2023, altura em que pesava aproximadamente 56 quilogramas e padecia de síndrome demencial, insuficiência cardíaca e hipertensão arterial;
158- O Idoso pagava, mensalmente, a quantia de € 750,00, acrescida de custos de medicação;
159- Na noite de 21 de dezembro de 2023, conformando-se com a possibilidade de provocar reações clínicas adversas, a arguida HH decidiu aumentar, sem indicação médica, a medicação ansiolítica e antipsicótica de OO, administrando-lhe uma dosagem quatro vezes superior ao prescrito de quetiapina (200mg) e três vezes superior ao prescrito de rivotril/ clonazepam (1,5mg), deixando-o de tal modo sedado que, no dia seguinte, pelas 11:00 horas, o idoso ainda não tinha acordado;
160- Em data não concretamente apurada, mas próxima do dia 19 de janeiro de 2024, aquele utente teve de dormir pelo menos uma noite num colchão instalado no chão, uma vez que o estrado da cama partiu e a arguida não dispôs, no imediato, de alternativa de conforto para o mesmo dormir;
161- Não obstante, a arguida aceitou acolher um novo utente que deu entrada no dia 19 de janeiro de 2024;
162- OO saiu da estrutura residencial da arguida HH no dia 13 de março de 2024, altura em que pesava apenas 51 quilogramas;
163- Aquele idoso deu entrada no lar da Santa Casa da Misericórdia ... com sinais de falta de higiene nas partes íntimas, uma vez que a arguida HH, habitualmente, não lhe dava banho, nem providenciava para que aquele tomasse banho;
PP
164- PP ingressou na estrutura residencial explorada pela arguida HH a 15 de janeiro de 2024 e aí permaneceu ininterruptamente até 12 de março seguinte, com excepção de duas deslocações a urgência hospitalar;
165- Pelos familiares do idoso, VVV e WWW, foi suportado um custo total de € 2.800,00, entregue à arguida HH, ora através de transferências bancárias para a sua conta bancária ora através de transferências bancárias para a conta bancária titulada pelo arguido RR;
166- PP encontrou-se totalmente dependente para as actividades da vida diária, na sequência de AVC isquémico sofrido em 2012 e trauma crânioencefálico sofrido em julho de 2023;
167- Durante o período de permanência na estrutura residencial, o idoso PP padecia de disfasia, com dificuldade em deglutir e engolir, encontrando-se habitualmente deitado e prostrado;
168- Como tal, a alimentação a fornecer ao idoso devia conter espessante alimentar, o que a arguida HH sabia;
169- O idoso PP, depois de ter sido sujeito a internamento hospitalar no dia 4 de fevereiro de 2024, por infecção urinária, voltou à estrutura residencial, com toma de antibiótico, que terminou no dia 12 seguinte;
170- Quando observado por enfermeira na estrutura residencial da arguida HH, no dia 12 de fevereiro de 2024, aquela sugeriu que o idoso fosse encaminhado para serviço de urgência, o que efectivamente sucedeu;
171- Após observação médica e sujeição a exames (TAC), o idoso foi diagnosticado com desidratação, tendo sido sujeito a novo internamento hospitalar;
172- No dia 13 de março de 2024, durante o decurso da busca domiciliária na estrutura residencial da arguida HH, as caixas de preparação individual da medicação encontravam-se na banca da cozinha ao lado da louça suja;
173- No dia 8 de março de 2024, a arguida SS, por engano, trocou a medicação que a arguida HH lhe havia solicitado ministrar ao utente PP, tendo dado de manhã o comprimido que deveria ser dado à noite;
174- À data, o idoso PP tinha prescrita a seguinte medicação: Pantoprazol ao pequeno almoço; Levetiracetam 250 mg 2 x dia; Tansulosina 0.4 mg 1 x dia; Alopurinol, 300 mg; Carvedilol, 6.25 mg 2 x dia; Alprazolam 1 mg; Venlafaxina 75mg; Sinvastatina 20mg; Quetiapina 50 mg 1 comp. à noite; Risperidona 1 mg noite; Apixabano 5 mg id; Memantina 10 mg;
175- No dia 12 de março de 2024, o idoso PP deu entrada em urgência no “Centro Hospitalar ...”, tendo sido diagnosticado com infecção respiratória, infecção do trato urinário e hipotermia, tendo vindo a falecer em ambiente hospitalar no dia seguinte, pelas 7:51 horas, devido a pneumonia aguda;
176- No dia 11 de dezembro de 2023, pelas 16:17 horas, a arguida SS encontrava-se a confeccionar um bolo com pouco açúcar, porque a arguida HH não tinha açúcar suficiente na residência, e em conversa telefónica esta última indicou a quantidade de fatias a dar ao lanche aos idosos acolhidos;
177- Referindo-se à idosa QQ, acolhida na estrutura residencial de HH desde inícios de novembro de 2023, esta última apelidou-a de “nojenta” e pediu à arguida SS que lhe oferecesse uma fatia de bolo, já antevendo que seria recusado pela idosa, que era diabética e controlava ela própria a sua dieta;
178- Aventando essa possibilidade, a arguida HH disse à arguida SS para lhe oferecer, nesse caso, um pão, contudo, sem insistir muito, porque a idosa já comia muito para quem não pagava a mensalidade;
179- A arguida HH equacionou a possibilidade de os idosos acolhidos não consoarem juntamente com a arguida e o seu agregado, incluindo os seus pais, pensando em dar-lhes a refeição mais cedo;
180- Contudo, tal não sucedeu, por interferência da mãe da arguida, sendo que, durante tal conversação telefónica, a arguida HH acabou por decidir colocar os idosos acolhidos numa ponta da mesa, para assim também respeitar a aversão do arguido RR em jantar com os idosos;
181- Pelo menos entre dezembro de 2023 e o dia 13 de março seguinte, e sabendo ter acolhidos idosos com demência, dificuldade de locomoção, total ou parcialmente dependentes nas actividades da vida diária, a arguida HH ausentou-se diversas vezes da residência por curtos períodos de 5/10 minutos, mormente para comprar pão, altura em que os idosos acolhidos ficavam sozinhos e sem supervisão;
182- Nas ocasiões em que carecia de se ausentar por períodos mais alargados, a arguida HH solicitava a alguma das funcionárias que ficassem em vigilância dos utentes;
183- Em data não concretamente apurada do mês de dezembro de 2023, TTT, filha da idosa acolhida KK, deslocou-se à estrutura residencial da arguida HH para visitar a sua progenitora;
184- Aí chegada, e sensivelmente nos 10 minutos seguintes, os oito idosos acolhidos estavam sozinhos no interior da estrutura residencial, uma vez que a arguida HH se havia ausentado para ir buscar os filhos;
185- No dia 27 de dezembro de 2023, pelas 19:27 horas, a idosa KK começou a chamar pela arguida HH, uma vez que se tinha deslocado ao quarto de banho, pensando que, posteriormente, aquela iria ajudá-la a levantar-se da sanita e a voltar para a cama;
186- Nessa sequência, o arguido RR, ao aperceber-se do que se passava, telefonou à arguida HH, que se havia ausentado da residência devido ao internamento de urgência do avô, dando-lhe conta do sucedido;
187- Em resposta, a arguida HH solicitou ao arguido RR que fosse ajudar a idosa a levantar-se, ao que aquele, por constrangimento, se recusou, dado que se tratava de pessoa do sexo feminino sentada na sanita;
188- De seguida, pelas 19:29 horas, a arguida HH telefonou à arguida SS a pedir ajuda para ir levantar a idosa à casa de banho, ao que a segunda acedeu em momento anterior às 19:46 horas;
189- Durante o lapso temporal compreendido entre o início de dezembro de 2023 e o dia 13 de março seguinte, não existia, na estrutura residencial da arguida HH, algum plano nutricional para os idosos acolhidos;
190- Durante aquele período temporal, devido à falta de leite, a arguida HH diluía ou mandava diluir o leite em água, que, depois de fervido, fornecia aos idosos acolhidos para a toma do pequeno almoço e lanche, por forma a aumentar a quantidade, mesmo sabendo que desse modo reduzia a qualidade nutricional do alimento;
191- No dia 28 de dezembro de 2023, a arguida HH solicitou ao arguido RR que confecionasse uma sopa para o jantar dos idosos, ao que o mesmo acedeu;
192- Os idosos apreciaram a sopa fornecida e II e PPP pediram para repetir, mas a quantidade de sopa confecionada não permitiu servir-lhes segundo prato;
193- No dia 3 de janeiro de 2024, a arguida HH nada tinha para confecionar ao jantar para os idosos acolhidos, tendo solicitado ao companheiro RR que adquirisse pão de forma para assim alimentar os idosos ao jantar;
194- No dia 21 de fevereiro de 2024, a arguida HH não tinha alimentos para confecionar as refeições dos idosos, tendo-se deslocado ao supermercado para efectuar tais compras;
QQQ
195- A idosa QQQ, nascida a ../../1947, ingressou na estrutura residencial da arguida HH a 21 de janeiro de 2024, com problemas de intestino preso e dificuldade de locomoção;
196- A contrapartida estipulada foi a quantia de € 600,00 mensais, acrescida de despesas com medicação, além de um subsídio de Natal ou férias a liquidar uma vez por ano e uma caução paga inicialmente no montante de € 600,00;
197- No dia 25 de janeiro de 2024, aquela idosa pediu à arguida HH para fazer toma de chá de feno grego, que a mesma vinha utilizando para os problemas de intestino;
198- No dia seguinte, pelas 14:21 horas, a arguida SS solicitou à arguida AA se podia disponibilizar tal produto;
199- Em data não concretamente apurada, mas em momento posterior ao referido em 198), a arguida HH solicitou a XXX, neta da sobredita idosa, que levasse o aludido laxante, ao que a mesma acedeu;
200- No dia 28 seguinte, a mesma idosa queixou-se à arguida HH de que a sopa fornecida não tinha suficiente verdura;
201- No dia 19 de fevereiro de 2024, como habitualmente, a arguida HH forneceu sopa, ao almoço e ao jantar, aos idosos acolhidos;
202- Como tal sopa, ao almoço, não incluiu quaisquer legumes, aquela arguida, pelas 17:33 horas, solicitou à arguida SS que arranjasse em casa da arguida AA alguns legumes para a sopa do jantar, ao que SS se prontificou;
203- No dia 21 de fevereiro de 2024, pelas 10:56 horas, a arguida HH possuía, na estrutura residencial, carne em quantidade suficiente apenas para a refeição do almoço;
PP
204- No dia 23 seguinte, pelas 14 horas, ainda não havia sido fornecido o almoço ao idoso, sendo já habitual que o mesmo almoçasse mais tarde do que os demais utentes, dado o seu estado de prostração e de dificuldade em alimentar-se;
205- Nessa altura chegou à estrutura residencial a filha do utente, chamada WWW, para o visitar;
206- Por forma a evitar que aquela se apercebesse de que o pai ainda não havia almoçado, a arguida SS deu indicação a YYY, funcionária da arguida HH, para lhe fornecer um iogurte em vez da sopa;
207- Nesse dia, quando eram 22:49 horas, apenas tinha sido fornecido àquele idoso o iogurte referido em 206);
208- Durante o período de tempo em que PP esteve acolhido na estrutura residencial da arguida HH, entre 15 de janeiro de 2024 e 12 de março seguinte, perdeu bastante peso, em quantidade não apurada, o que se deveu, em especial, ao estado de prostração e de recusa alimentar;
209- No dia 13 de março de 2024, pelas 10 horas, a arguida HH não tinha garrafas nem garrafões de água, leite, batatas nem arroz, não tinha outros hidratos de carbono com suficiência para fornecer o almoço para todos os seis idosos acolhidos e restantes habitantes, e não tinha quaisquer verduras frescas, limitando-se, nesse particular, a ter sacos de ervilhas congeladas;
210- Em regra, a arguida apenas fornecia água aos idosos acolhidos durante as refeições e quando os mesmos lhe solicitavam, não obstante saber que a maioria destes se encontrava total ou parcialmente dependente para as actividades da vida diária, padecendo de deterioração cognitiva e demência, e que, por essa razão, tinham dificuldade de decidir ou prover pela sua hidratação, como era o caso dos idosos LL, NN, KK, JJ e PP;
211- Habitualmente, o pequeno almoço fornecido pela arguida HH aos utentes continha leite (misturado com água) com cevada, cereais, pão e bolachas;
212- O almoço era constituído por sopa, prato principal (frequentemente, carne estufada com arroz ou massa) e fruta de sobremesa;
213- A sopa, por norma, continha batata, cenoura, couves, cebola e, pelo menos às vezes, também brócolos, alho francês, nabos e ervilhas;
214- Ao lanche, era habitual ser fornecido, pelo menos, iogurte, pão de leite e bolachas;
215- O jantar, normalmente, era constituído por sopa, uma sande e sobremesa;
216- Nos descritos hiatos temporais e até 13 de março de 2024, as arguidas AA e HH nunca se abstiveram de conseguir acolher mais idosos nas respectivas estruturas residenciais, fosse por indicação de assistentes sociais de unidades hospitalares do Centro Hospitalar ... ou por outras fontes, afirmando ambas terem pelo menos mais uma vaga disponível, de modo a enganar os familiares quanto ao número de idosos acolhidos naquele momento, apesar de saberem que não reuniam condições habitacionais nem humanas para prestarem um adequado serviço de acolhimento;
217- Em 27 de fevereiro de 2024 ocorreu uma acção inspectiva da Segurança Social, tendo as inspectoras encontrado a estrutura residencial em condição aceitável de salubridade e limpeza;
218- Nesse momento, em finais de fevereiro de 2024, encontravam-se acolhidos na estrutura residencial da arguida HH os seguintes idosos:
- LL, nascida a ../../1942;
- JJ, nascida a ../../1949;
- OO, nascido a ../../1946;
- KK, nascida a ../../1932;
- II, nascido a ../../1931;
- QQ, nascida a ../../1935;
- PPP, nascida a ../../1952;
- PP, nascido a ../../1941;
219- Perante as inspectoras da Segurança Social, a arguida HH afirmou que aí instalações residiam apenas cinco idosos e que os outros três permaneciam nas instalações apenas durante o dia, sem pernoita;
220- A 13 de março de 2024, a arguida HH já tinha acolhido uma nova idosa, MM, nascida a ../../1947, sendo que a idosa KK havia sido transferida para a estrutura residencial de AA dois dias antes;
221- A 13 de março de 2024, encontravam-se acolhidos na estrutura residencial da arguida HH os idosos mencionados em 219), com excepção de KK, JJ e PP, e também ali estava acolhida MM, aludida em 221);
Dolo arguida HH
222- HH sabia que os idosos que estavam acolhidos na sua residência eram particularmente débeis e indefesos, fruto da sua idade e das comorbilidades físicas e psíquicas de cada um, e que os descritos comportamentos, activos e omissivos, que assumiu agravavam a situação de saúde física e psíquica dos mesmos e atentavam contra a respectiva dignidade;
223- Sabia também que havia assumido para com tais idosos os deveres de lhes prestar cuidados diários de alimentação, higiene e conforto, proporcionar momentos de lazer, zelar pelo bem-estar físico e psicológico e pela prestação de cuidados de saúde;
224- Agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que a sua conduta era censurável e proibida e punida por lei;
225- No sobredito lapso temporal, a arguida HH fez da descrita actividade o seu modo de vida, devido às dificuldades financeiras que na altura sentia, por ser o principal meio de subsistência do seu agregado familiar;
226- Em particular a partir de inícios de 2024, a arguida começou a revelar grande desgaste físico e emocional, devido ao elevado número de idosos que acolhia e ao reduzido apoio de que dispunha;
227- Durante o período de tempo em que HH desenvolveu a sobredita actividade, o arguido RR era conhecedor da generalidade dos factos ocorridos na estrutura residencial da arguida, sabendo que os comportamentos activos e omissivos que a mesma assumiu agravavam a situação de saúde física e psíquica dos idosos ali acolhidos e atentavam contra a respectiva dignidade;
228- Não obstante, o arguido não se opôs a que HH prosseguisse, nos termos descritos, a actividade gizada por esta e aceitou continuar a disponibilizar a sua conta bancária para o recebimento dos pagamentos dos utentes, assim beneficiando de tais quantias enquanto membro do agregado familiar da arguida HH;
229- Pelo menos desde dezembro de 2023 e até 13 de março de 2024, a arguida SS era conhecedora da generalidade dos factos ocorridos na estrutura residencial da arguida HH e, não obstante, aceitou prosseguir a sua colaboração, mormente através do recebimento de quantias pecuniárias, nunca tendo denunciado tais factos às autoridades públicas, nem tendo dado conhecimento dos mesmos aos familiares dos idosos acolhidos, para que pudessem ponderar a recolocação dos mesmos;
Situação pessoal Arguida AA
230- No período a que se reportam os factos contidos na acusação, a arguida AA tinha de rendimento mensal uma pensão da segurança social de cerca de € 40,00;
231- Faziam parte do seu agregado familiar o companheiro e um neto, desempregado;
232- Pela casa morada de família a arguida pagava de renda € 800,00/ mês;
233- A arguida acolhia as pessoas na sua casa morada de família, ficando o quarto da arguida ao lado de quartos dos idosos;
234- A arguida estava a pagar 4 camas articuladas que comprou com vista a acomodar os idosos;
235- Pagava contas de luz na ordem de € 200,00/ € 300,00 mensais;
236- A residia na Av. ..., ... ..., Oliveira de Azeméis, conjuntamente com a filha SS, três netos e o seu companheiro;
237- Refere que detinha como fonte de rendimento a actividade laboral de cuidadora de idosos, na sua habitação domiciliada naquela morada;
238- AA pretende integrar o agregado familiar da sua filha ZZZ, de 43 anos, solteira, habilitada com o 3º ciclo do ensino e doméstica;
239- O núcleo familiar compõe-se pela própria, pelo companheiro, AAAA, de 33 anos, solteiro, habilitado com o 3º ciclo do ensino, activo como operário fabril, e dois descendentes;
240- Este agregado habita em casa arrendada por € 550,00, moradia V6, de dois pisos, situada na Rua .... ... ..., Oliveira de Azeméis, e inserida em zona residencial de meio rural, ao qual não têm sido particularmente reportadas problemáticas sociais ou delinquenciais;
241- AA nunca residiu naquele contexto habitacional e social;
242- A convivência da arguida com estes familiares era feita por visitas, não tendo estabelecido contactos com a rede vicinal;
243- AA é a primogénita da fratria de seis, do casamento dos pais;
244- Refere ter beneficiado de ambiente familiar carinhoso, tendo frequentado o ensino até conclusão do 7º ano de escolaridade;
245- Posteriormente, concluiu o 9º ano em curso de Cozinha, quando trabalhou na Cruz Vermelha ...;
246- Terá exercido actividade laboral no ramo da hotelaria;
247- Do matrimónio mantido durante 13 anos, o casal teve 4 filhos;
248- Cerca de dois anos após a separação, encetou relacionamento com o actual companheiro e co-arguido TT, tendo ambos um filho;
249- Este relacionamento perdura há cerca de 30 anos;
250- Por padecer de problemas saúde diversos, ósseos, de hipertensão e de diabetes, a arguida era acompanhada na Unidade de Saúde Familiar ...;
251- AA deu entrada no EP de ... em 15 de março de 2024, em cumprimento da medida de coacção de prisão preventiva, à ordem deste processo;
252- Em contexto prisional, a arguida detém acompanhamento médico e psiquiátrico e cumpre farmacoterapia instituída;
253- Apresenta conduta de ajuste às regras disciplinares e adaptada à realidade carcerária;
254- AA pretende manter o relacionamento com TT;
255- A filha ZZZ declara respeitar a decisão da progenitora e ter disponibilidade para acolher o casal;
256- A proximidade relacional às pessoas mais significativas, como a filha ZZZ, tem sido mantida pela regularidade de contactos telefónicos;
257- É entendimento da DGRSP de que, em caso de condenação, será fundamental que a arguida seja alvo de uma intervenção direccionada para o reforço da consciencialização da gravidade da sua conduta, o respeito pelos direitos dos idosos e potencie a cidadania inclusiva;
258- Do CRC da arguida consta um crime de desobediência, praticado em 8 de agosto de 2019, pelo qual foi condenada na pena de 90 dias de multa, por decisão proferida no P. Sumaríssimo nº ..., do Juízo Local Criminal de O. Azeméis, transitada em julgado em 26 de setembro de 2023;
Arguida HH
259- Aquando dos ilícitos criminais inscritos na acusação deduzida no presente processo, a arguida HH residia com o seu cônjuge e co-arguido, RR, com quem contraiu matrimónio em 17 de setembro de 2021;
260- Deste relacionamento nasceu a filha do casal, em 31 de maio de 2022, e com os mesmos reside ainda o descendente da arguida, BBBB, de 5 anos de idade, respeitante a uma anterior relação;
261- O agregado residia num imóvel sito em ..., O. Azeméis, inserido em meio sócio rural;
262- Inicialmente, entre meados de 2022 e maio 2023, a arguida integrou o agregado de origem do seu cônjuge, constituído pelos pais deste, TT e AA (co-arguidos), um sobrinho do cônjuge e os idosos que a sogra acolhia naquela habitação, sita na Av. ..., ..., O. Azeméis;
263- Morava ainda num anexo autónomo, mas integrado no imóvel, a irmã do arguido, SS (co-arguida) e duas sobrinhas menores;
264- Este imóvel era composto de rés do chão e 1º andar, constituído por diversos espaços e divisões, sendo ainda igualmente composto por uma garagem;
265- Não obstante, por via da instabilidade vivencial que a arguida mantinha com a sua sogra, afirmando que a auxiliava no cuidado aos idosos sem qualquer retribuição, o que não lhe garantia independência financeira, o casal decidiu alterar a sua residência para uma habitação que distanciava cerca de 50 metros da anterior;
266- Perante este contexto, a arguida ficou com três idosos a seu cargo, que se encontravam na habitação da sogra, dos quais, em contrapartida, começou a receber as respetivas mensalidades, o que lhe permitiu autonomizar-se e deter maior independência financeira;
267- Em agosto/ setembro de 2023, HH arrendou uma nova residência, de maiores dimensões, sita na Rua ..., ..., Oliveira de Azeméis, o que lhe permitia acolher mais idosos, passando aí residir com o seu agregado familiar;
268- A habitação correspondia a uma moradia de tipologia T4, descrita com frágeis condições de habitabilidade;
269- O agregado familiar constituído da arguida manteve residência nesta morada até sensivelmente meados de março de 2024, momento em que sucedeu a sua detenção no âmbito do presente processo judicial;
270- O cônjuge e a filha menor encontram-se a residir com o seu sogro, porém, com uma situação delicada, dada a existência de um litígio inerente a um processo de despejo;
271- Em termos económicos, à data dos factos, HH descreveu uma situação capaz de fazer face às despesas, dedicando-se ao acolhimento de idosos a tempo inteiro, com alojamento permanente, no âmbito do qual indica o recebimento das mensalidades que rondavam o valor total de cerca de € 6.000,00;
272- Como despesas relata a renda da habitação no valor de € 700,00 mensais, despesas gerais no valor de € 200,00 mensais, a que acrescia a alimentação no valor de € 500,00/semanais;
273- A par disso, a arguida ainda relata um crédito automóvel no valor de € 180,00 mensais, uma dívida numa loja de eletrodomésticos no valor de € 210,00 mensais e um encargo aos serviços de finanças, não sabendo precisar o valor nem a que respeita a respetiva obrigação;
274- Aquela era a única fonte de rendimento que o casal detinha naquele momento, não exercendo o seu cônjuge até ao momento da sua reclusão qualquer ocupação laboral, auxiliando-a apenas na exploração daquela atividade;
275- Relativamente à sua trajetória de vida, a arguida apresenta um percurso formativo regular até ao 6º ano de escolaridade, altura que registou a sua primeira reprovação, que associa a comportamentos de agressividade de colegas para consigo e ao desinteresse pelas atividades escolares;
276- Contudo, conseguiu ultrapassar essa fase de instabilidade e concluiu o 12º ano de escolaridade através do curso profissional de comércio, com cerca de 17/18 anos de idade;
277- Profissionalmente, iniciou o seu percurso com 16 anos de idade numa fábrica de calçado onde trabalha a sua mãe;
278- Mais tarde, no âmbito da frequência de um estágio não remunerado, efetuou trabalhos de forma irregular na organização de festas, dedicando-se a esta atividade durante dois anos, altura em que foi integrada, como operária, numa empresa de produção de velas, com contrato, e onde permaneceu durante dois anos;
279- Posteriormente, emigrou para Inglaterra, onde desempenhou trabalhos de limpezas, regressando a Portugal decorrido um ano;
280- Ainda efetuou trabalhos como operária na produção de peças e como funcionária num lar, por um curto período de tempo, registando a sua última atividade por conta de outrem em 2021;
281- Ao nível das relações afetivas, regista anterior relacionamento quando tinha 19 anos de idade, sendo fruto deste relacionamento o seu filho mais velho, estando a guarda do menor a cargo do pai desde a presente reclusão;
282- Esta relação perdurou até 2020, com coabitação, relacionamento que veio a terminar;
283- HH, presa preventivamente desde 15 de março de 2024, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional ..., tem assumido uma conduta globalmente adequada aos normativos institucionais, ainda que com registo de uma infração disciplinar por envolvimento em negócios não autorizados no interior do estabelecimento prisional, com aplicação de uma repreensão escrita;
284- Não obstante, encontrou-se integrada nas oficinas até fevereiro de 2024;
285- Em meio prisional, possui acompanhamento de psicologia e psiquiatria regular;
286- No que respeita ao impacto da presente situação prisional, a arguida demonstra preocupação pelo desfecho da situação jurídica penal, equacionando consequências penalizantes no seu futuro, em caso de privação da liberdade, nomeadamente, o afastamento dos seus descendentes;
287- Em termos familiares, mantém os contactos com o exterior, designadamente, com os filhos e a mãe, constituindo-se a ascendente um elemento essencial para si durante a reclusão;
288- Manteve contactos com o seu cônjuge até certo momento, o que mais tarde veio a cessar no decurso da medida de coação em vigor;
289- Em meio livre, apesar de a arguida, numa fase inicial, adotar um discurso ambivalente relativamente à manutenção da relação com o cônjuge, motivado pela guarda da sua filha menor, de 5 anos de idade, a mesma perspetiva integrar, com a sua descendente, o agregado familiar dos progenitores, sito na Rua ..., ..., em Oliveira de Azeméis, verbalizando a arguida não pretender manter o relacionamento com RR;
290- Neste sentido, os progenitores da arguida demonstram indisponibilidade em acolher RR naquela habitação, nunca tendo a relação sido bem aceite por aqueles;
291- É entendimento da DGRSP de que em caso de condenação, haverá necessidade de uma intervenção direcionada, sobretudo, para a consciencialização do desvalor da conduta ilícita e da necessidade de respeito por valores fundamentais, com vista a potenciar o seu processo de ressocialização e a promover, dessa forma, comportamento social e juridicamente ajustado;
292- Do CRC da arguida nada consta;
Arguido RR
293- Actualmente, o arguido RR reside com o pai (TT, 71 anos, reformado) e com a sua filha (CCCC, 2 anos de idade) na morada sita na Av. ..., ..., ... Oliveira de Azeméis;
294- Nos anexos da casa reside a irmã do arguido (SS) e o filho desta (com 21 anos de idade, mecânico) e a sua namorada, organizando a sua vivência de forma autónoma;
295- A referida morada, arrendada, corresponde a uma moradia constituída por rés-do-chão e primeiro andar, com anexos, inserida em meio social de características predominantemente rurais;
296- RR indica beneficiar do suporte do seu pai e da sua irmã quanto às questões da filha de menor de idade;
297- Em 2022, o arguido residia com os seus pais na morada supra indicada;
298- No decurso do ano de 2022, o arguido encetou relação afetiva com a arguida HH, passando os mesmos a viver, a posteriori, no rés-do-chão da habitação correspondente à morada sita na Av. ..., ..., ... Oliveira de Azeméis, com vivência autonomizada;
299- HH encontrava-se desempregada, efetuando ocasionalmente tarefas para um estabelecimento comercial de familiar;
300- Em setembro de 2023, RR passou a residir com a sua companheira, HH, na Rua ..., ..., ..., Oliveira de Azeméis, tratando-se de uma moradia arrendada, com aparentes condições habitacionais, inserida em meio social rural;
301- O agregado familiar era constituído, para além do arguido e da sua companheira, da filha do casal (CCCC, atualmente, com cerca de dois anos de idade) e do menor de idade (BBBB, com 4 anos de idade), filho da sua companheira, fruto de uma relação anterior:
302- HH, numa primeira fase, acolheu os seus avós e verbalizando intenção de se dedicar de forma profissional, a acolher pessoas de idade, viria a albergar mais idosos na habitação onde viviam na Rua ..., ..., ..., Oliveira de Azeméis;
303- RR manteve residência com o descrito agregado familiar na mencionada morada até sensivelmente meados de março de 2024, altura em que a sua companheira e a sua mãe foram presas preventivamente no âmbito do presente processo judicial;
304- O arguido expõe manter relacionamento com HH, com visitas regulares no estabelecimento prisional, e suporte financeiro à mesma;
305- A morada indicada nos autos, Rua ...- ..., ... ..., Oliveira de Azeméis, pertence à habitação dos pais de HH, onde RR residiu temporariamente, com a filha menor de idade, após a detenção daquela;
306- RR tem o 9º ano de escolaridade, adquirido através da frequência de curso de formação profissional de informática;
307- Em termos profissionais, RR evidencia um percurso laboral instável com alguns períodos de desemprego;
308- No decurso do ano de 2022, e após período de desemprego de cerca de cinco meses, o arguido trabalhou como operário fabril para a empresa “D...”, entre outubro de 2022 a fevereiro de 2023;
309- Posteriormente, o arguido expondo ausência de atividade regular, concretizou tarefas ocasionais para um sobrinho, assim como realizou diligências no sentido de abrir atividade laboral de limpeza de automóveis, a que alegadamente, se dedicava, em espaço habitacional onde residia à data dos factos em apreço nos autos;
310- Desde 12 de abril de 2024, RR exerce atividade na empresa “E...”, em Oliveira de Azeméis, como gestor de resíduos, com contrato de trabalho através de uma empresa temporária de trabalho;
311- Actualmente, RR caracteriza a sua condição económica como modesta, auferindo de vencimento salarial líquido de cerca de € 815,00, a acrescer a cartão de alimentação no valor de € 100,00/ mês;
312- As despesas de eletricidade e gás são suportadas pelo pai e irmã, não estando a prestação da renda, no valor de € 800,00/ mês, a ser concretizada há vários meses, com referência a processo judicial em curso para ordem de despejo;
313- O arguido indica, atualmente, como despesas fixas mensais, o pagamento de € 200,00 relativo a prestação de crédito para eletrodomésticos e de € 100,00 de veículo automóvel, acrescido de ajuda mensal à sua companheira na ordem dos € 250,00 mensais;
314- Quando o arguido e a sua companheira viveram na Rua ..., ..., ..., Oliveira de Azeméis, pagavam € 450,00 de renda da habitação, acrescido do pagamento de água, eletricidade e gás no montante de € 150,00;
315- No período compreendido entre abril/ maio de 2023 e agosto de 2023, RR viveu com a companheira HH, a filha do casal (CCCC) e o filho da sua companheira, fruto de uma relação anterior (BBBB), na Rua ..., ..., Oliveira de Azeméis;
316- Tratava-se de uma habitação arrendada, no valor de € 700,00/ mês;
317- Nesta data, o arguido e companheira estavam desempregados, e esta começou a cuidar dos seus avós na morada em causa;
318- No período em que o arguido viveu com a sua companheira no espaço habitacional dos seus pais, eram estes que asseguravam as despesas inerentes ao mesmo;
319- RR descreve um quotidiano protagonizado em função do seu trabalho e da filha de menor de idade, usufruindo do apoio da sua família de origem e dos pais da sua companheira quanto às dinâmicas relacionadas com a descendente:
320- A filha do arguido encontra-se inserida na creche em ..., sendo os pais da sua companheira que a vão buscar ao fim do dia e lhe dão a refeição do jantar;
321- No âmbito de decisão judicial condenatória, o arguido encontra-se proibido de conduzir, alegando que é o seu sobrinho que de uma forma geral lhe assegura o transporte para o trabalho;
322- No meio sócio-comunitário da residência, não se denotam indicadores de rejeição quanto à presença do arguido, tendo o actual processo constituído alguma surpresa no meio social;
323- RR manifesta preocupação com o desfecho do presente processo e as suas repercussões, mostrando recetividade, em caso de eventual decisão judicial condenatória para o cumprimento de uma medida judicial de execução na comunidade;
324- Do CRC do arguido consta o seguinte:
- Um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 24 de outubro de 2019, pelo qual foi condenado na pena de 60 dias de multa, por decisão proferida no PS nº ..., do Juízo Local Criminal de S. M. Feira – J2, transitada em julgado em 31 de outubro de 2019;
- Um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 7 de novembro de 2019, pelo qual foi condenado na pena de 90 dias de multa, por decisão proferida no PS nº ..., do Juízo Local Criminal de S. M. Feira – J2, transitada em julgado em 16 de dezembro de 2019;
- Um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 1 de novembro de 2018, pelo qual foi condenado na pena de 90 dias de multa, por decisão proferida no PCS nº ..., do Juízo Local Criminal de S. M. Feira – J3, transitada em julgado em 12 de maio de 2021;
- Um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 31 de maio de 2023, pelo qual foi condenado na pena de 60 dias de multa, por decisão proferida no PA nº ..., do Juízo Local Criminal de O. Azeméis, transitada em julgado em 28 de junho de 2024;
- Um crime de condução sem habilitação legal, um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, praticados em 19 de janeiro de 2020, pelos quais foi condenado na pena única de 90 dias de multa, por decisão proferida no PCS nº ..., do Juízo Local Criminal de S. M. Feira – J2, transitada em julgado em 15 de outubro de 2024;
325- RR está em acompanhamento da DGRSP desde 25 de outubro de 2024, no âmbito do Proc. nº ..., do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2, com suspensão da execução da pena de prisão, com data de termo da pena previsto para 25 de outubro de 2027, pelos crimes de resistência e coação sobre funcionário e de condução sem habilitação legal, mostrando, até ao momento, uma postura de colaboração com estes serviços de reinserção social;
326- RR esteve em acompanhamento pela DGRSP no âmbito do NUIPC nº ..., do DIAP de S. M. Feira, não tendo cumprido com as injunções determinadas, pelo que foi deduzida acusação quanto ao mesmo;
327- É entendimento da DGRSP de que, caso o arguido venha a ser condenado, e se vier a ser considerada oportuna a aplicação de medida de execução na comunidade, esta deverá ser executada com a supervisão da DGRSP e dirigida à reflexão sobre o percurso criminal e suas consequências, assim como, à interiorização e consolidação das vantagens da adoção de atitude pró-social;
Arguida SS
328- O agregado familiar da arguida SS é constituído pela própria, desempregada, pelo companheiro, de 37 anos de idade, soldador, pelo filho mais velho da arguida, de 21 anos de idade, pintor de automóveis, e pelos dois filhos do casal, de 7 e 4 anos de idade;
329- O ambiente familiar é descrito pelos elementos como equilibrado e gratificante, assente em sentimentos de afeto, solidariedade, coesão familiar e cooperação entre os elementos;
330- A arguida refere habitar, desde 2021, o edifício anexo (T2) de uma moradia principal, na qual habita o padrasto, TT (co-arguido), o irmão RR (co-arguido), a sobrinha CCCC, o filho EEE e a companheira deste, DDDD, que se encontra grávida;
331- O valor da renda referente à casa principal é de € 800,00/ mês, sendo que a arguida nunca comparticipou com qualquer valor para o pagamento da mesma, contando com essa ajuda da parte da mãe;
332- A arguida perspetiva a mudança para outra habitação, eventualmente para a freguesia ..., onde irá pagar um valor mensal de renda de € 550,00;
333- SS possui de habilitações literárias o 9º ano de escolaridade;
334- Posteriormente, concluiu o curso profissional de cozinheira de 1ª, referindo encontrar-se desempregada há cerca de 7 anos e inscrita no IEFP;
335- O companheiro da arguida aufere cerca de € 2.000,00/ mês;
336- O agregado beneficia ainda de um valor de € 144,00/ mês referente a abono e possui despesas/ encargos mensais fixos de sensivelmente € 100,00;
337- SS reside na freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, desde 2021, tendo criado nesta localidade laços de proximidade com a população local, na qual é conhecida pela ligação à moradia que albergava idosos, não sendo a arguida relacionada com comportamentos fora do normativo;
338- O seu quotidiano direciona-se para o tempo que passa em casa, para a leitura, para o tempo que dedica aos filhos e convívio familiar;
339- SS refere ter diagnóstico de bronquite asmática e epilepsia;
340- O presente processo é o primeiro contacto da arguida com o sistema de justiça penal;
341- Quanto ao presente processo, SS observa o mesmo com preocupação, mostrando-se expectante quanto ao seu desfecho;
342- Do CRC da arguida nada consta;
arguido TT
343- O arguido TT vive em união de facto com AA desde há cerca de 30 anos, tendo um único filho em comum;
344- Do agregado foram também fazendo parte os quatro enteados do arguido, os quais este ajudou a criar, desde a infância, estando agora autónomos (incluindo a co-arguida SS);
345- Do primeiro casamento, contraído aos 18 anos de idade e que durou 20 anos, o arguido teve quatro filhos, dos quais dois já faleceram, mantendo contacto com os outros dois, residentes no Porto;
346- Oriundo de uma aldeia do concelho de Monção, de onde saiu aos 7 anos de idade, o arguido passou a viver com os pais na cidade do Porto (pai operário fabril e mãe empregada doméstica e padeira);
347- A morada de residência correspondente a uma moradia, constituída por rés-do chão e primeiro andar (ocupado pelo agregado do arguido), com anexos, arrendada e inserida em meio social de características predominantemente rurais;
348- O arguido perspetiva uma eventual mudança para o agregado de uma das filhas da companheira AA, EEEE, residente em ..., juntamente com a companheira, caso esta saia em liberdade após o julgamento;
349- No entanto, este enquadramento será sempre provisório, no entender do próprio arguido, pretendendo uma vivência autónoma com a companheira;
350- O arguido possui de habilitações literárias a 4ª classe;
351- Encontra-se reformado desde os 67 anos de idade;
352- Possui trajeto profissional regular e sem períodos de inatividade, precocemente iniciado aos 10 anos de idade, como «moço de recados» em armazém de materiais para calçado;
353- Aos 14 anos começou a trabalhar na sua área de eleição e que manteve durante todo o seu percurso laboral, a hotelaria/ restauração;
354- Exerceu a atividade de cozinheiro e empregado de mesa/ balcão em restaurantes da área do Porto e Vila Nova de Gaia;
355- À data dos factos em apreço nos autos, o arguido ajudava na confeção das refeições para as pessoas acolhidas pela sua companheira AA;
356- O arguido aufere € 518,00/ mês de reforma e € 339,00/ mês de subsídio da segurança social;
357- O valor total dos encargos fixos mais significativos do agregado é de € 200,00/ mês de eletricidade e gás, divididos pelo arguido e pela enteada SS, não estando a prestação da renda, no valor de € 800,00/ mês, a ser concretizada há vários meses;
358- No meio residencial, o arguido não está sinalizado como elemento preocupante em termos comportamentais, sendo socialmente referenciado como pessoa educada e ordeira;
359- Não se detetaram sinais de rejeição ou constrangimentos associados à mediatização do processo em causa na comunidade local;
360- O seu quotidiano direciona-se para o tempo que passa em casa, maioritariamente, e para o tempo que dedica ao filho, neta e convívio familiar;
361- São referidos problemas associados às dificuldades de mobilidade (movimento dos membros inferiores), estando a ser seguido em consultas de neurologia CH... e no Hospital 2..., no Porto;
362- A sua condição de saúde é apontada pelo arguido como a causa da paragem laboral, o que perceciona com pesar;
363- Presentemente, o arguido desenvolve um modo de vida que sugere conformidade com os imperativos éticos vigentes;
364- Do seu CRC nada consta;
a) Que os cães circulavam livremente em todas as divisões da residência da arguida AA;
b) Que, nas ocasiões aludidas em 13), a arguida AA apodou BB de “boi”, “cabrão”, “filho da puta” e “comedor”, neste particular criticando o apetite do idoso;
c) Que, no dia 7 de julho de 2023, o idoso BB foi admitido na Unidade de Cuidados ..., apresentando um quadro clínico de desequilíbrio franco e perda de força muscular;
d) Que, ao colocar o utente BB num quarto no piso superior da residência, acessível pela escadaria sem elevador, a arguida quis impedir o idoso de circular pelas restantes divisões térreas da habitação, coarctando assim a possibilidade de aquele se deslocar para o pátio da residência e assim ter contacto com o meio ambiente;
e) Que a arguida AA deixou o idoso BB na situação descrita em 28) durante, pelo menos, hora e meia;
f) Que, pelo menos entre 16 de abril de 2022 e 13 de março de 2024, a arguida AA absteve-se de vestir o idoso BB, de lhe colocar fralda ou de o colocar em divisão em que pudesse salvaguardar a sua privacidade e a exposição do seu corpo a terceiros;
g) Que, na sequência do descrito em 38) e 39), a arguida AA decidiu colocar muitas vezes o idoso CC amarrado à cama e administrarlhe tranquilizantes e calmantes, por forma a que estivesse sedado e grande parte do tempo a dormir;
h) Que, na ocasião descrita em 42), a arguida AA apodou o idoso CC de “filho da puta” e lhe disse que o mataria de pancada;
i) Que, na mesma ocasião, logo de imediato, o arguido TT, atuando em conjugação de esforços e intentos com a arguida AA, desferiu pancadas de modo não concretamente apurado no corpo de CC, atingindo-o nos membros superiores, no intuito logrado de lhe causar dores e mau estar físico;
j) Que, no dia 1 de dezembro de 2023 e, pelo menos, nos dias imediatamente anteriores, a arguida AA não vestiu nem garantiu que a idosa ZZ utilizava pijama durante as noites, fazendo-a sentir-se constantemente com frio;
k) Que, durante todo o período de exploração da actividade, a dieta diária providenciada pela arguida AA aos idosos acolhidos era geralmente um pão simples ou com manteiga e cevada ao pequeno-almoço, um único prato de sopa acompanhado de água ao almoço (sem dieta proteica complementar), um pão durante o lanche e mais um prato de sopa e um pão doce ao jantar;
l) Que, frequentemente, a sopa confecionada pela arguida AA e fornecida aos idosos acolhidos continha apenas água e farinha de batata;
m) Que, pelo menos desde 2022, em data não concretamente apurada, mas coincidente com o ingresso na estrutura residencial de BBB, e até 13 de março de 2024, a arguida AA nunca seguiu o plano alimentar da idosa delineado pela médica de família e tampouco lhe forneceu alimentos com a periodicidade de 2 em 2 horas, como definido clinicamente;
n) Que, durante todo o período de acolhimento do idoso BB e até 13 de março de 2024, os canídeos da arguida AA circulavam livremente em todas as divisões da residência, incluindo na zona de refeições e os quartos dos idosos, e os canídeos defecavam e urinavam habitualmente no chão, nas camas e nos móveis, em qualquer uma daquelas divisões, criando constante mau cheiro e tornando insalubres as divisões da residência, sem que a arguida AA providenciasse pela limpeza atempada dos dejectos;
o) Que, deste o início de 2022, por ausência de limpeza da arguida AA, a estrutura residencial da mesma apresentava normalmente forte cheiro a urina e odor aos canídeos em todas as divisões, encontrando-se estas desarrumadas e desorganizadas;
p) Que a arguida AA, por forma a minimizar os esforços pessoais, mas sabendo que dessa forma expunha os idosos à falta de higiene pessoal, apenas mudava a roupa (vestuário) dos mesmos uma vez por semana;
q) Que, pretendendo evitar que terceiras pessoas, profissionais de saúde, se deslocassem ao interior da estrutura residencial e presenciassem a sua falta de condições e o número total de idosos acolhidos em simultâneo, a arguida AA, sem qualquer conhecimento cientifico ou técnico para o efeito, informou KKK que sessões de fisioterapia seriam infrutíferas para o caso do seu pai DD, assim privando o idoso de tratamento fisioterapêutico desde a data da entrada naquela residência até 13 de março de 2024;
r) Que a descamação e o tom amarelado dos pés e da região do abdómen e umbigo do idoso DD foram consequência directa e necessária da falta de cuidados de higiene da arguida AA;
s) Que, pelo menos entre 16 de abril de 2022 e 13 de março de 2024, a arguida AA nunca respeitou a intimidade e privacidade de género dos idosos acolhidos, colocando-os sempre a dormir com idosos do género oposto sem providenciar pela instalação de separadores que permitissem conceber momentos de privacidade íntima;
t) Que, à chegada da estrutura residencial da arguida AA, após alta de internamento por Covid-19, a idosa EE encontrava-se em notório estado de consciência e em bom estado de saúde geral;
u) Que o estado de EE descrito em 64) se deveu a falta alimentação e hidratação adequados e a falta de estímulo físico e intelectual, por omissão da arguida AA;
v) Que a arguida AA ignorou a indicação médica referida em 66) e continuou a administrar o medicamento Mirtazapina à idosa EE;
w) Que a arguida AA não garantiu nem providenciou fontes de aquecimento corporal à idosa FF;
x) Que a arguida AA se absteve de accionar o serviço de emergência, quer na iminência do falecimento do idoso GG, quer para que fosse eventualmente possível reanimá-lo, assim que se apercebeu do seu estado não reactivo;
y) Que o micro-ondas referido em 85) fosse utilizado pela arguida AA;
z) Que, na situação descrita em 90), a arguida AA se conformou com a possibilidade de sujeitar as idosas ali indicadas a várias horas de enclausuramento naquele local, sem qualquer pouso onde se pudessem sentar;
aa) Que a atividade exercida pela arguida AA não tinha por finalidade a obtenção de lucro;
bb) Que aquela arguida não dispunha de rendimentos para pagar outra habitação;
cc) Que todas as divisões da estrutura residencial onde a arguida HH desenvolvia a sua actividade eram muito frias, pelo menos de Inverno;
dd) Que, desde o início da actividade e pelo menos até ao dia 5 de dezembro de 2023, a arguida HH não forneceu aos idosos ali acolhidos, para além de II, cobertores, edredons ou cobertas, apenas cobrindo esses idosos com lençóis simples durante o sono, causando-lhes frio e potenciando doenças respiratórias;
ee) Que, pelo menos até 19 de dezembro de 2023, a arguida HH não dispunha, não adquiriu e não forneceu aquecedores ou outros sistemas de aquecimento para as divisões da residência, incluindo os locais onde os idosos dormiam ou se encontravam permanentemente acamados, o que causava descontentamento generalizado dos idosos acolhidos, que sentiam constantemente frio no interior da residência, e agudizava problemas osteopáticos e respiratórios;
ff) Que, durante o surto de doença respiratória aludido em 113), a arguida HH não contactou nenhum dos familiares dos sete idosos doentes a informar das patologias, não procedeu à marcação de consultas médicas nem solicitou a presença de enfermeiros ou médicos na residência, não levou nem solicitou que qualquer idoso fosse transportado ao hospital, apesar de, pelo menos, um dos idosos acolhido ter passado as noites a tossir, com tosse seca, a ponto de vomitar e, nessa sequência, ter a garganta inflamada e dores no peito;
gg) Que, em datas anteriores a 13 de março de 2024, a única fonte de aquecimento da sala era o aquecedor mencionado em 116), e que o mesmo não tinha capacidade suficiente de propagação de calor;
hh) Que, ainda que estivesse um dia luminoso, a arguida HH proibia os idosos de abrirem os estores das janelas/ portadas, uma vez que, se abertos, seria possível aos vizinhos e transeuntes ver para o interior e aperceberem-se da existência dos idosos e da conversão de uma sala num local de dormida de quatro pessoas;
ii) Que a arguida HH impedia que os idosos circulassem no exterior da habitação, privando-os de apanhar ar fresco e, nessa decorrência, obrigando-os a suportar constantemente a humidade do interior da residência;
jj) Que a acumulação de lixo indicada em 119) durou todo o mês de dezembro de 2023;
kk) Que, entre janeiro de 2024 e 13 de março seguinte, a arguida HH e o arguido RR deixavam frequentemente o lixo produzido na estrutura residencial dentro da pia da cozinha, em local imediatamente contíguo ao de preparação de refeições para os idosos acolhidos;
ll) Que, desde data não apurada até ao dia 4 de dezembro de 2023, a arguida HH forneceu as refeições diárias aos idosos acolhidos sem antes ter lavado a parte exterior das peças de louça e sem garantir que outra pessoa as lavava, fornecendo refeições em peças de louça com acumulação de sujidade;
mm) Que, frequentemente, e durante todo o hiato temporal entre dezembro de 2023 e 13 de março de 2024, a arguida HH não garantiu a prévia aquisição de fraldas e resguardos para a cama, de modo a estar munida de uma quantidade suficiente às necessidades quotidianas dos idosos acolhidos;
nn) Que, mesmo quando requisitava fraldas que a arguida AA tivesse em excesso, para satisfazer as necessidades do momento, ou quando as comprava ou mandava comprar, a arguida HH não cuidava de adquirir e disponibilizar aos idosos fraldas de tamanho personalizado às dimensões de cada um;
oo) Que a arguida HH sabia que causava desconforto aos idosos quando lhes colocava duas fraldas em simultâneo;
pp) Que, pelo menos até ao dia 7 de dezembro de 2023, a arguida HH, habitualmente, não lavava nem mandava lavar os lençóis, nem cuidou de adquirir equipamentos de lavagem de roupa;
qq) Que, durante todo o período de exploração da actividade, a arguida HH permitiu que os seus dois canídeos, um deles da raça “pitbull”, e um gato acedessem a todas as divisões da estrutura residencial, incluindo os quartos onde os idosos acolhidos dormiam ou se encontravam durante o dia e noite, sem garantir que o canídeo “pitbull” não urinava nas camas dos idosos acolhidos;
rr) Que, no dia 13 de março de 2024, no decurso da busca domiciliária realizada à estrutura residencial da arguida HH, o canídeo “B...” teve de ser fechado na garagem pela sua impetuosidade e pelo seu entusiasmo, que o levou a provocar o contacto com as pessoas de forma agressiva, pelo menos por uma vez, na cozinha da residência;
ss) Que, pelo menos entre 3 de dezembro de 2023 e 13 de março seguinte, foram múltiplas as situações de falta de limpeza na estrutura residencial, ora pela incapacidade da arguida HH em proceder à higienização atempada e regular das divisões da residência, por falta de disponibilidade por si provocada ao aceitar o cuidado permanente e em simultâneo de seis a nove idosos, ora por deliberadamente se abster de qualquer acção no sentido de colmatar essa dificuldade ou de garantir condições de salubridade, higiene e conforto dos idosos acolhidos e restantes elementos do agregado familiar;
tt) Que, pelo menos no período de 15 de fevereiro a 5 de março de 2024, a arguida HH deu indicação a YYY, prestadora de serviços de limpeza na estrutura residencial, para não proceder à mudança periódica dos lençóis urinados e usados colocados nas camas dos idosos acolhidos, com excepção dos colocados na cama da idosa JJ, dizendo-lhe que apenas devia proceder à mudança de lençóis quando estivessem visivelmente sujos;
uu) Que, naquele período temporal, e por determinação da arguida HH, as roupas de cama dos idosos acolhidos apenas foram trocadas nos dias 26 de fevereiro e 4 de março de 2024;
vv) Que a falta de banho à idosa KK foi causa directa e necessária do surgimento de infeções micóticas/ fúngicas em todas as unhas dos pés;
ww) Que, durante o período temporal compreendido entre 18 de dezembro de 2023 e 22 de janeiro seguinte, apesar de a idosa NN continuar com vómitos e diarreias frequentes, que a arguida HH sabia serem causas de desidratação, principalmente quando combinadas, não prestou qualquer cuidado acrescido à idosa, abstendo-lhe de fornecer água suficiente para combater a possível desidratação;
xx) Que o estado da utente NN descrito em 155) se deveu ao facto de a arguida HH ter continuando a não fornecer suficiente quantidade de água à idosa e a não higienizar as partes íntimas da mesma;
yy) Que, ao longo da permanência do idoso OO na estrutura residencial da arguida HH, esta não lhe providenciou alimentos em quantidade suficiente, o que foi causa direta e necessária da perda de peso aludida em 162);
zz) Que, naquele hiato temporal, o idoso OO desenvolveu anemia;
aaa) Que a arguida HH não atendeu aos cuidados de saúde do idoso acolhido PP, abstendo-se de lhe fornecer água em quantidade suficiente e providenciar pelo modo adequado de o alimentar;
bbb) Que, pelo menos entre 14 de fevereiro a 5 de março de 2024, a arguida HH deliberadamente se absteve de administrar ou pedir que administrassem a alimentação, essencialmente à base de “Nestum”, ao idoso PP com espessante alimentar, apenas o fazendo aquando da presença dos familiares do idoso durante os períodos de visita;
ccc) Que o engano de medicação aludido em 173) se deveu a falta de organização e coerência do doseamento e preparação individual da medicação de cada idoso acolhido;
ddd) Que, bem sabendo que os idosos acolhidos tinham pouco contacto com os familiares, e sabendo a importância para aqueles idosos da celebração do Natal e do impacto emocional que aquela celebração desperta no sentimento humano, a arguida HH proibiu que os cinco idosos acolhidos que iam consoar na estrutura residencial de recebessem visitas dos seus familiares nos dias 24 e 25 de dezembro de 2023, chegando mesmo a negar a visita, no dia 24 de dezembro, a um familiar que lá se deslocou para estar com um idoso acolhido;
eee) Que, no dia 12 de fevereiro de 2024, YYY se dirigiu à estrutura residencial de HH para iniciar a prestação de serviço de limpeza e não encontrou aí a arguida nem o arguido RR;
fff) Que, pelo menos entre as 17:50 horas e as 18:10 horas desse dia, a arguida HH deixou os 8 idosos acolhidos que se encontravam no seu interior (ZZ, KK, YY, JJ, MM, OO, QQ e PP) sozinhos e sem supervisão;
ggg) Que, durante todo o período temporal entre o início de dezembro de 2023 e o dia 13 de março seguinte, e apesar dos proveitos económicos mensais da actividade, a arguida HH não adquiriu alimentos com suficiência para confeccionar e alimentar os idosos acolhidos, chegando a privá-los de almoço, lanche e/ ou jantar;
hhh) Que a arguida HH desconsiderou em absoluto quer a aquisição quer o fornecimento do chá de feno à idosa QQQ;
iii) Que, no dia 28 de janeiro de 2024, a arguida HH alimentou os idosos durante o dia só com pão, iogurte e bolachas;
jjj) Que, nesse dia, a arguida HH confecionou uma sopa sem qualquer tipo de verduras;
kkk) Que, como prática reiterada, a água que a arguida HH fornecia aos idosos era da rede de abastecimento público;
lll) Que as arguidas AA e HH nunca demonstraram preocupação, em todos os contactos mencionados em 216), em compreender as específicas e personalizadas carências e necessidades dos idosos que aceitaram acolher, com mostras de indiferença para a efectiva incapacidade de cada uma zelar pelos cuidados adequados, diários, permanentes e personalizados de um número elevado de idosos acolhidos nas respectivas estruturas residenciais;
mmm) Que os familiares da idosa JJ, acolhida pela arguida HH, a retiraram da estrutura residencial, uma vez que a arguida havia mentido quanto ao número total de idosos acolhidos à data da celebração do contrato verbal, dizendo-lhes que acolhia cinco idosos quando acolhia um total de entre seis a nove idosos em simultâneo;
nnn) Que, durante todo o descrito hiato temporal, ambas as arguidas encetaram sérios esforços para que a sua actividade e todas as acções e omissões descritas não fossem conhecidas, notadas, sinalizadas e/ou impedidas, perante vizinhos, por profissionais da área da saúde, pelas autoridades policiais, pela Autoridade Tributária e pelos serviços de inspecção do Instituto da Segurança Social, IP;
ooo) Que, na sequência de uma denúncia recebida a 11 de janeiro de 2024, dando conta de que a arguida HH não passava recibo pela actividade de acolhimento de um idoso, pelo valor mensal de € 750,00, e que “dava fome à noite aos idosos”, foi agendada para o dia 27 de fevereiro de 2024 uma acção inspectiva na estrutura residencial da arguida, desencadeada pelo “Departamento de Fiscalização da Unidade de Fiscalização do Centro do Instituto da Segurança Social, IP”;
ppp) Que, para preparação dessa acção inspectiva, alguma inspectora não identificada se deslocou, no dia 20 de fevereiro de 2024, cerca das 9:00 horas, à via pública junto à estrutura residencial, permanecendo no interior de um veículo caracterizado com os dizeres “Segurança Social” ou “Instituto da Segurança Social”;
qqq) Que o arguido RR agiu de comum acordo com a arguida HH nos actos e omissões levados a cabo por esta sobre os idosos acolhidos na sua estrutura residencial, os quais potenciou, ao auxiliar a arguida, sempre que lhe era solicitado, no emprego de castigos psicológicos, na privação da dignidade enquanto pessoas, na desnutrição, desidratação e na exposição à doença ou ao agravamento das patologias clínicas de cada um, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
rrr) Que a arguida SS agiu de comum acordo com a arguida HH nos actos e omissões levados a cabo por esta relativamente aos idosos acolhidos na sua estrutura residencial, os quais potenciou, ao auxiliar a arguida, sempre que lhe era solicitado, no emprego de castigos psicológicos, na privação da dignidade enquanto pessoas, na desnutrição, desidratação e na exposição à doença ou ao agravamento das patologias clínicas de cada um, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
sss) Que, no período compreendido entre 16 de abril de 2022 e 13 de agosto seguinte, a arguida AA desferiu fortes bofetadas nas mãos de EE, em número não concretamente apurado, sempre que a idosa mexia nas cortinas da estrutura residencial;
ttt) Que, após o AVC aludido em 61), a idosa EE foi piorando, dia após dia, a uma velocidade anormal;
uuu) Que, entre abril e agosto de 2022, a arguida AA administrou irregularmente a medicação de EE, mormente “Ciamemazina”, não lhe prestou cuidados alimentares necessários e não procedeu ao controlo e medição dos seus níveis de diabetes;
vvv) Que a administração do medicamento “Ciamemazina”, aludido em 65), contribuiu indiretamente para a descompensação cardiovascular da falecida EE, originando o enfarte agudo do miocárdio;
www) Que, durante o hiato temporal decorrido entre abril e agosto de 2022, em que a falecida EE permaneceu nas instalações da residência da arguida AA, os dois episódios de acidentes vasculares cerebrais sofridos por esta foram provocados pela administração do medicamento “Ciamemazina”;
xxx) Que a arguida AA deixava a idosa EE por longos períodos deitada sem colchão anti-escaras;
yyy) Que a morte de EE foi devida a falta de alimentação e nutrição adequada, a falta de condições de mobiliário, como camas e almofadas específicas e adequadas para a sua necessidade, a falta de cuidados no que toca à medição dos seus diabetes ou a falta de locomoção por se encontrar durante longos períodos de tempo deitada na cama ou sentada numa cadeira de rodas;
zzz) Que, apesar da tenra idade da falecida e do seu histórico clínico, esta não faleceu por razões de doença ou de idade;
aaaa) Que, apesar de receber mensalmente quantias avultadas em dinheiro, a arguida AA não alimentava a idosa EE, não lhe fornecia roupas quentes, não lhe providenciava quarto aquecido ou não a higienizava;
bbbb) Que, por isso, as demandantes sentem dor, revolta, impotência e raiva.
Por seu turno, as reproduções fotográficas e transcrições de escutas telefónicas constantes do libelo acusatório constituem meios de prova e não factos em si mesmos, pelo que tiveram de ser expurgadas da matéria de facto acima elencada.
No ordenamento processual penal vigente, são admissíveis os meios de prova que não forem proibidos por lei – art. 125º CPP.
O que significa que não são só os meios tipificados, isto é, regulamentados por lei, que são admitidos, mas, diversamente, todos os que não forem proibidos, mesmo sendo atípicos.
A prova, por outro lado, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente – art. 127º CPP.
A livre apreciação da prova comporta duas vertentes: por um lado, quem decide fá-lo de acordo com a sua íntima convicção em face do material probatório produzido em audiência e constante do processo; por outro lado, essa convicção, objectivamente formada com apoio em regras técnicas e de experiência, não está sujeita, salvo em contados casos especialmente previstos, a critérios legais predeterminados do valor a atribuir às provas.
Para além da prova directa, a lei admite a comummente denominada prova indirecta ou indiciária.
Na verdade, como decidido pelo Acórdão da Relação do Porto de 14 de janeiro de 2015 (no Proc. nº 502/12.6PJPRT.P1, relatado por Eduarda Lobo, in www.dgsi.pt), a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial.
Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, as provas que não forem proibidas pela lei, nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cfr. art. 349º C. Civil), as quais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto imediato de prova, sendo exactamente através deste que, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, procura formar a sua convicção sobre o facto desconhecido – cfr. a este propósito, v. g., o Acórdão da Relação do Porto de 14 de janeiro de 2015, no Proc. nº 184/13.8GAMGD.P1, relatado por Lígia Figueiredo, in www.dgsi.pt.
Assim,
revertendo à situação dos autos, levamos em conta a conjugação dos seguintes meios probatórios:
- Reconhecimento, pela arguida AA, da actividade de acolhimento de idosos, do local onde tal ocorreu, das características da habitação e das pessoas que integravam o seu agregado familiar – factos provados sob os nºs 1 e 8 a 11;
- Confissão da mesma relativamente aos factos imputados a título do crime de desobediência, em conjugação com o teor do ofício e da certidão dos serviços de segurança social de fls. 3208 a 3212 – factos provados sob os nºs 2 a 7 e 92;
- Reconhecimento, pela arguida, da matéria constante dos arts. 26º, 34º, 35º, 42º, 48º, 51º, 52º, 54º, 55º e 70º – factos provados sob os nºs 32, 38, 39, 42, 46, 48, 50, 51 e 53;
- Depoimento para memória futura da vítima YY (lido em audiência – cfr. acta sob a ref. 138617957), a descrever, com bastante pormenor, as múltiplas agressões e humilhações de variada ordem que lhe foram perpetradas pela arguida AA durante o largo período de tempo em que esteve acolhido na residência daquela;
- O relato da vítima foi rodeado de grande emoção, dado o trauma, revolta e indignação ainda sentidos pelas situações vividas às mãos da arguida, o que não lhe retirou o necessário discernimento para descrever com objectividade toda a factualidade em apreço, conferindo-lhe antes maior verosimilhança;
- Tal depoimento foi corroborado pelos vários familiares do idoso que o visitaram regularmente na residência da arguida, as quais, por isso, depuseram com conhecimento de causa;
- Assim, a testemunha FFFF, irmã do ofendido, deu conta, em particular, das privações de alimentos, da falta de higiene, da falta de cuidado com o asseio pessoal ou da rudeza no trato por que o irmão passou enquanto ali esteve acolhido (cfr. depoimento de fls. 3441 a 3443, lido em audiência – acta sob a ref. 137967360);
- GGG, também irmã daquele ofendido, confirmou a falta de higiene que BB denotava, a privação de alimentos (eram sonegados os que a família lhe levava), as marcas no corpo que o mesmo chegou a evidenciar (devido, em especial, a passar largo tempo na garagem – onde a testemunha chegou a encontrá-lo – sentado num banco de madeira sem almofada), as agressões perpetradas pela arguida que presenciou (para além das que o ofendido posteriormente relatou à família) e as lesões no corpo do ofendido que também visualizou, a falta de privacidade que sentiam nas visitas ao irmão e os grandes traumas psicológicos de que aquele ficou a padecer após ser retirado da estrutura residencial da arguida;
- A testemunha GGGG, irmã do utente BB, atestou, em especial, as duas agressões da arguida ao ofendido que presenciou (a acrescer às demais que o irmão relatou), as lesões que o ofendido evidenciou, a falta de higiene que o irmão revelava (a testemunha fazia sempre questão de lhe dar banho quando o idoso ia passar fins de semana a sua casa), a sujidade na indumentária que envergava (que por vezes era de outros utentes) e o tom rude e agressivo da arguida para com o idoso;
- A testemunha FFF, enfermeira que visitou BB ao longo de três meses, a qual, plena de isenção, descreveu a ocasião em que, tendo notado o ofendido muito agitado e perturbado e com vestígios de sangue no nariz, este lhe relatou as agressões que a arguida lhe havia desferido com um sapato na cabeça, o que motivou a apresentação de queixa da testemunha na GNR, bem como a situação, a meio duma manhã, em que, notando o utente com fraqueza, este lhe relatou ainda estar em jejum;
- Estes dois factos foram corroborados pela testemunha HHH, médica que acompanhou a enfermeira FFF nessas ocasiões e que, por isso, também os presenciou;
- Com relevância, FFF mais aludiu ao odor a urina que sentia na varanda onde o idoso habitualmente esperava por si, às denúncias que este lhe fez de a arguida ser rude no trato consigo (pedindo à testemunha que não revelasse nada a ninguém, por recear represálias) e ao estado traumatizado em que BB se encontrava quando deixou a residência da arguida;
- A testemunha HHHH, enfermeira e sobrinha do idoso BB, atestou a agressão da arguida ao ofendido que presenciou (a acrescer a outras que aquele relatou), a falta de higiene que tio denotava (a testemunha dava-lhe banho quando o idoso ia passar fins de semana a casa da família), frequentemente com a fralda cheia de urina sem ser trocada, o estado apático (a babar-se), em notórios sinais de estar «dopado», em que chegaram a encontrá-lo, bem como o acentuado emagrecimento do tio durante o tempo em que esteve naquela residência;
- A testemunha II, filho do utente DD, que durante certo período partilhou quarto com o ofendido BB, relatou as duas ocasiões em que presenciou este último, no quarto, sentado numa cadeira nu e sem fralda, apenas com um lençol a cobrir-lhe as pernas;
- Por outro lado, atentamos no teor da conversa telefónica entre a arguida HH e uma amiga de nome IIII, em que a primeira alude expressamente às agressões perpetradas pela arguida AA em relação ao utente BB (Alvo 134155040, Sessão 07003, de 20 de fevereiro de 2024, transcrita no art. 267º da acusação);
- Na conjugação dos aludidos meios de prova, foi dada como provada, sem qualquer dúvida razoável, a factualidade inserta em 12 a 34;
- Diversamente, nenhum meio de prova foi produzido em audiência ou consta documentalmente dos autos (seja prova documental ou por intercepções telefónicas) quanto à matéria descrita nas als. b), c), d) e f) do acervo factual não provado, sendo que a testemunha KKK não asseverou quanto tempo duraram as situações atrás mencionadas – daí o facto não provado sob a al. e);
- Depoimento da testemunha WW, mulher do idoso CC, a qual deu conta dos termos e da data em que o marido entrou para a residência da arguida AA, tendo a testemunha III, assistente social do Hospital ..., melhor explicitado as circunstâncias em que tal ocorreu (o que igualmente resultou do teor da conversa telefónica entre a arguida e aquela assistente social – Alvo 134017060, Sessão 05375) – factos provados sob os nºs 35 e 36;
- A factualidade inserta no ponto 37 é do conhecimento comum;
- Com relevância, WW aludiu também às lesões que o marido ostentava quando foi transferido da residência da arguida para a Santa Casa 1...;
- No que concerne ao circunstancialismo que rodeou as agressões infligidas pela arguida ao utente CC, atendemos, para além da confissão da arguida, ao teor da conversa telefónica entre a arguida e a filha JJJJ, em que a primeira reconhece as agressões ocorridas no dia 22 de fevereiro (Alvo 134017060, Sessão 12725), e ao teor da conversa entre a arguida e a filha ZZZ, em que aquela alude ao confronto físico ocorrido em momento anterior ao telefonema, sendo audíveis, em tal intercepção, os sons das pancadas infligidas com a esfregona no corpo do ofendido, concomitantes com as frases “você está a brincar comigo?!” proferidas por AA (Alvo 134017060, Sessão 15017) – factos provados sob os nºs 40 a 42;
- A fotografia constante do auto de busca e apreensão e reproduzida no art. 45º da acusação atesta o facto provado sob o nº 43;
- Diversamente, da última intercepção telefónica referida não resulta que, em tal situação, a arguida haja insultado directamente o utente CC ou o tenha ameaçado de morte (as expressões referidas na acusação foram utilizadas na conversa com a filha) – facto não provado sob a al. h);
- A propósito da intervenção do arguido TT em tal ocorrência, é de referir, desde logo, que aquele e AA negaram qualquer agressão que o primeiro haja infligido ao sobredito idoso, tendo ambos asseverado que TT se limitou a apaziguar os ânimos entre o utente e a arguida;
- Ouvindo com atenção a conversação telefónica entre AA e a filha ZZZ, durante a qual o conflito surge, não é perceptível, em nenhum momento, o som de agressões com as mãos no corpo do idoso, ouvindo-se, sim, a data altura, uma voz a dar ordem para o utente ir para a cama (que a transcrição da intercepção atribui ao arguido TT);
- Aliás, no início do telefonema, quando se reportava à primeira agressão que o idoso lhe infligiu (e que reiterou em audiência – arranhões na cara com as unhas), AA diz à filha que “o senhor TT veio separar” e, mais adiante, após a segunda altercação com o utente, a arguida refere que “o senhor TT mal pode com ele…”;
- Por outro lado, nenhuma testemunha presenciou tal situação;
- Acresce que a testemunha KKK, filho do utente DD, ao relatar que este lhe contou a agressão infligida ao idoso CC com um cabo de vassoura, asseverou que o seu pai nada disse quanto à alegada participação do arguido TT em tal situação, referindo apenas que o progenitor lhe dizia que o TT era “boa pessoa”;
- Assim, da conversa seguinte havida entre AA e o filho DDD (Alvo 134017060, Sessão 15023), em que a arguida diz que “o pai foi lá por duas vezes e também lhe deu”, não é possível retirar, sem dúvida razoável, a ilação de que o arguido TT perpetrou alguma agressão no idoso;
- Com efeito, a expressão “também lhe deu” é vaga, sem qualquer concretização (pode ter múltiplos significados), sendo que AA está a aludir a duas situações e, quanto à primeira, a própria referiu à filha ZZZ que “o senhor Sousa veio separar” (como atrás mencionado);
- Por outro lado, a explicação dada em audiência pela arguida, no sentido de que quis dar algum conforto moral ao filho, não é, ao menos em teoria, totalmente desprovida de sentido, pois a progenitora poderá ter pretendido não dar «parte fraca» da própria e do marido (posto que o filho questionou se o pai não teria ido auxiliar a arguida);
- Assim, à míngua de elementos probatórios bastantes para deslindar toda a envolvência na situação em apreço (ao menos quanto ao arguido TT), subsistindo dúvida razoável em relação ao verdadeiro decurso dos acontecimentos, teve tal matéria de ser julgada não provada ao abrigo do princípio constitucional de in dubio pro reo;
- Daí o facto não provado sob a al. i);
- Nenhum meio de prova foi produzido em audiência ou consta documentalmente dos autos (seja prova documental ou por intercepções telefónicas) quanto à matéria descrita na al. g) do acervo factual não provado;
- Teor da conversa telefónica entre as arguidas AA e SS, em que a primeira alude ao facto de ter tirado um coberto fino da cama da utente BBB e anuncia que iria tirar o aquecedor (Alvo 134017060, Sessão 10481, transcrita no art. 47º da acusação), tendo em audiência asseverado que não o fez (o que a acusação também não lhe imputa) – factos provados sob os nºs 45 e 46;
- Nenhuma prova foi produzida em audiência ou consta documentalmente dos autos (seja prova documental ou por intercepções telefónicas) quanto à matéria descrita na al. m) do acervo factual não provado, tendo a testemunha KKKK, filho da idosa BBB, referido não saber se a arguida respeitava os horários de alimentação da utente;
- A arguida, por seu turno (que também é diabética), reconheceu ter conhecimento da situação de saúde daquela utente e asseverou que a idosa tinha plena autonomia (o que foi confirmado por KKKK, dizendo que a mãe se injetava de insulina) e que a mesma, sempre que queria, servia-se do cesto da fruta existente na cozinha (o que foi corroborado pela testemunha LLLL, também filho daquela utente);
- Teor da conversa telefónica entre a idosa ZZ e a filha JJJ, em que AA a dada altura interveio, na qual a primeira se queixou da comida confecionada pela arguida AA, nomeadamente a falta de dieta à base de peixe, manifestando vontade de abandonar a estrutura residencial, e em que foi contrariada pela filha e pela arguida (Alvo 134017060, Sessão 00150) – factos provados sob os nºs 48 e 49;
- Nenhum meio de prova foi produzido em audiência ou consta documentalmente dos autos (mormente por intercepções telefónicas) quanto à matéria descrita na al. j) do acervo factual não provado, porquanto, na conversa telefónica a que alude o art. 49º da acusação (Alvo 134017060, Sessão 00150), é uma filha da arguida AA quem lhe pede para enviar pijamas por causa do frio;
- Acresce que a testemunha JJJ reconheceu que a mãe nunca se queixou de frio ou de não usar pijama;
- Declarações da arguida AA quanto à data aproximada em que o idoso DD foi acolhido na sua estrutura residencial e aos valores acordados, tendo confirmado que o filho do utente questionou a arguida sobre como proceder em relação à fisioterapia do pai – factos provados sob os nºs 52 e 54;
- Teor do relatório clínico de fls. 3702 do processo físico, a atestar o estado em que o idoso DD se encontrava quando deu entrada na Santa Casa da Misericórdia de ..., o que permite a ilação lógica de que a arguida não diligenciou pela higiene íntima do utente, tanto mais que se tratava de pessoa com debilidades resultantes dos AVC´s que havia sofrido, não colhendo a explicação dada por AA no sentido de que a vermelhidão se deveu à acidez da urina e ao facto de, no dia da busca, só ter conseguido fazer a higiene do idoso pelas 11 da manhã – factos provados sob os nºs 55 a 57;
- Por seu turno, a testemunha KKK confirmou que, na instituição para onde o pai foi a seguir encaminhado, lhe disseram que o idoso apresentava falta de higiene nas coxas e no pénis, tendo a testemunha atestado, por outro lado, que o mesmo recuperou peso e teve melhorias significativas na sua autonomia – facto provado sob o nº 58;
- Diversamente, não resultou de prova testemunhal, documental (mormente clínica) ou por intercepções telefónicas que a descamação e o tom amarelado dos pés e da região do abdómen e umbigo do idoso DD foram consequência da falta de cuidados de higiene da arguida, tanto mais que o utente padecia de cancro da pele, podendo ser essa a causa daquele estado – facto não provado sob a al. r);
- De igual forma, nenhum meio de prova foi produzido em audiência ou consta documentalmente dos autos (seja prova documental ou por intercepções telefónicas) quanto à matéria descrita na 2ª parte da al. q) do acervo factual não provado, sendo certo, em todo o caso, que não faria sentido que o filho do utente se bastasse com a opinião da arguida sobre a necessidade de o seu pai realizar ou não fisioterapia, pois aquela é pessoa leiga em questões médicas;
- Por outro lado, da audiência de julgamento resultou que a residência da arguida era visitada frequentemente por várias pessoas (em especial familiares dos utentes, mas também profissionais de saúde e outras pessoas), pelo que não possui fundamento o alegado propósito de a arguida pretender omitir o número de pessoas que estava a acolher – facto não provado sob a al. q), 1ª parte;
- Também nenhuma prova concludente foi produzida a propósito da alegada constante insuficiência ou má qualidade da alimentação fornecida pela arguida, tendo a testemunha LLLL referido que a mãe nunca se queixou de a comida ser insuficiente e reconhecido que a sopa não tinha mau aspecto (nas vezes em que presenciou a mãe a comer sopa) e que chegou a ver o marido da arguida entrar em casa com legumes que havia ido comprar, a testemunha JJJ também deu conta de que a mãe não se queixava da alimentação e a testemunha MMMM, que ali entrou muitas vezes para dar a comunhão aos utentes (desde finais de 2022 até ao encerramento da residência), asseverou ter visto os idosos a almoçar à mesa com a família da arguida e que ao lanche era habitual haver pão, queijo e fiambre;
- Por seu turno, a arguida negou a factualidade descrita nos arts. 56º e 57º da acusação, tendo explicado de que constavam as várias refeições dadas aos utentes;
- Atenta a ausência de prova cabal sobre tal matéria, impôs-se dar a mesma como não provada – als. k) e l);
- No tocante ao estado de limpeza e arrumação da residência da arguida, os depoimentos prestados em audiência foram díspares, tendo havido testemunhas a realçar o odor a urina que ali se fazia sentir, a frequente entrada e saída de cães (que por vezes aí fariam necessidades) ou a desarrumação dos quartos e cozinha;
- Porém, houve vários testemunhos em sentido diverso, a asseverar os cuidados da arguida com o asseio da residência, como a testemunha MMMM, a própria assistente UU, a quem tudo pareceu “normal” no estado de limpeza e arrumação da habitação, e a sua irmã NNNN, que via o quarto da mãe limpo; a testemunha FFFF, que presenciou a arguida a enxotar os cães quando estes pretendiam entrar na residência (o que foi confirmado pela demandante VV e pela testemunha OOOO, enfermeira), ou a testemunha LLLL, a quem o quarto da mãe lhe pareceu limpo;
- Diga-se, neste conspecto, que, de acordo com as regras de experiência comum, é natural que, ao longo do dia, vá havendo oscilações de limpeza e arrumação numa habitação, mais ainda quando se trata de uma residência para idosos, sendo compreensível que, em determinadas alturas, se note alguma desorganização nos espaços ocupados pelos utentes ou se sinta odor a urina devido a mudança de fraldas, tendo a testemunha PPPP, médico que visitou aquela casa em consultas a utentes, dado conta de que não deu especial importância às situações em que notou algum cheiro a urina no quarto dos idosos;
- Daí a factualidade não provada sob as als. n) e o);
- Por outro lado, não foi apurado cabalmente (seja por prova testemunhal, documental ou por intercepções telefónicas) que, entre todo o período
- Nenhuma prova foi produzida em audiência ou consta documentalmente dos autos (mormente por intercepções telefónicas) quanto à matéria descrita na al. p) do acervo factual não provado, porquanto, na conversa telefónica a que alude o art. 67º da acusação (Alvo 134017060, Sessão 00384), quem diz que apenas mudava a roupa dos utentes uma vez por semana é a filha da arguida (ZZZ);
- Também não foi produzida prova cabal quanto ao facto de, ao longo de sensivelmente dois anos, a arguida ter colocado os idosos sempre a dormir com pessoas do género oposto sem providenciar pela instalação de separadores entre os mesmos, tendo a mesma explicado, em termos reputados credíveis pelo tribunal, que tal não ocorreu em permanência, mas pontualmente, como foi o caso da utente NNN, que gostava de conversar com o utente DD, e, como não trocava de roupa nem mudava de fralda no quarto, a arguida acedeu ao pedido daquela para ficar no mesmo quarto do referido idoso;
- Daí o facto não provado sob a al. s);
- Declarações da arguida, no sentido de que a idosa EE foi admitida na sua estrutura residencial na sequência de internamento no Hospital 3..., constando do relatório clínico de fls. 2696 do processo físico que tal ocorreu no dia 16 de abril de 2022 – facto provado sob o nº 59;
- As comorbilidades da utente mostram-se também descritas naquele instrumento – mesmo facto;
- Declarações da demandante VV e da assistente UU (filhas de EE) e depoimento das testemunhas QQQQ (neta) e NNNN, unânimes em asseverar que, à data da entrada na residência da arguida, a utente ainda se encontrava reativa, capaz de articular discurso e reconhecia os seus familiares – facto provado sob o nº 60;
- Diversamente, não se apurou, e contraria as elementares regras de experiência comum, que a idosa se encontrava em pleno estado de consciência e em bom estado de saúde geral (o sobredito relatório clínico atesta exactamente o contrário);
- Daí o facto não provado sob a al. t);
- O agravamento do estado de saúde da idosa, na sequência dos AVC´s que sofreu, resulta (para além das regras de experiência comum) do teor das notas de alta de fls. 2700 a 2703 e 2704-2705 do processo físico, tendo a assistente reconhecido que, após o primeiro AVC, a mãe deixou mesmo de falar – factos provados sob os nºs 61, 62, 64 e 65;
- Ora, face à saúde muito debilitada da utente (que a testemunha NNNN classificou como de demência profunda), é manifestamente inviável concluir que o estado apático, não reactivo, emagrecido e sem articular discurso, que EE revelou após o primeiro AVC, se ficou a dever a omissão de alimentação e hidratação adequados e de estímulo físico e intelectual por parte da arguida AA, mostrando-se muito mais plausível que a idosa tenha ficado prostrada e começado a rejeitar alimentação, tal como explicado pela arguida;
- Daí o facto não provado sob a al. u);
- De igual forma não é possível concluir, nem ficou demonstrado por qualquer meio de prova, que o agravamento do estado de saúde da idosa tenha ocorrido a “velocidade anormal” – facto não provado sob a al. ttt);
- Resulta das regras de experiência comum que uma idosa no estado de debilidade física e psíquica em que EE se encontrava passe a maior parte do tempo sentada (o que foi confirmado pela demandante VV), tendo a testemunha QQQQ explicado que a família levou uma almofada para a avó se sentir mais confortável – facto provado sob o nº 63;
- Teor do relatório de autópsia constante do apenso B (ref. 15008013 do apenso) – factos provados sob os nºs 69 e 70;
- De tal relatório não é possível concluir que o falecimento da idosa se deveu a maus tratos (activos ou omissivos) por parte da arguida, nem tal facto ficou demonstrado em audiência por qualquer meio de prova produzido;
- Daí os factos não provados sob as als. yyy) e zzz);
- Da nota de alta de fls. 2704-2705 do processo físico consta que, após o internamento em questão, foi suspensa a prescrição do antidepressivo “Mirtazapina”, do que a arguida AA tomou conhecimento, uma vez que a própria reconheceu ter perguntado aos enfermeiros se tinha havido alguma alteração, pelo que tal informação certamente lhe foi transmitida;
- Acresce que a testemunha NNNN referiu estar convencida de que as notas de alta eram entregues à arguida (como cuidadora), o que resulta aliás das regras de experiência comum e foi também confirmado pela testemunha RRRR, enfermeira (a propósito de outra idosa);
- Daí o facto provado sob o nº 66;
- Porém, importa atentar no facto de a idosa tomar já aquele medicamento há bastante tempo (como é comum na medicação antidepressiva, sobretudo em idosos), constando tal fármaco da guia de tratamento de 21 de junho de 2021 (a fls. 2698 do processo físico);
- Ora, a mirtazapina é um medicamento de semivida longa, entre 20 a 40 horas (https://pt.wikipedia.org/wiki/Mirtazapina), ou seja, demora esse tempo até chegar a 50% da sua concentração no sangue (https://www.efsa.europa.eu/pt/glossary/half-life), podendo persistir no organismo por mais de uma semana, dependendo da dosagem usada, do tempo prévio de duração da terapêutica, do funcionamento hepático do doente, da sua idade, do metabolismo individual ou, ainda, de alguns medicamentos que estejam a ser tomados em simultâneo;
- Assim, tendo em conta que o fármaco só havia sido suspenso cerca de uma semana antes da autópsia e que a idosa tomava a medicação há muito tempo, é mais plausível concluir que a concentração detectada tenha sido resultante da anterior administração do fármaco do que de medicação abusiva da cuidadora (que a arguida negou ter realizado);
- Daí o facto não provado sob a al. v);
- Por outro lado, o relatório de autópsia revelou uma concentração estimada de 14ng/ml do antipsicótico “Ciamemazina”, o qual não fazia parte da medicação habitual da utente (cfr. notas de alta de 2700 a 2705), nem havia sido levado pela família para a residência da arguida (como asseverado pela testemunha SSSS, farmacêutica e neta da idosa, que fazia os pedidos de medicação da avó);
- Ora, sendo a arguida AA a única pessoa que ministrava medicação aos seus utentes, não se vislumbra outra explicação que não seja ter a mesma medicado indevidamente aquela idosa com o referido fármaco (de proveniência que se desconhece) – facto provado sob o nº 67;
- Os possíveis efeitos secundários da “Ciamemazina” constam da respectivabula “https://www.indice.eu/pt/medicamentos/DCI/ciamemazina/informacao-geral”) – facto provado sob o nº 68;
- Declarações da demandante VV, confirmadas pela assistente UU, ambas em termos reputados sinceros pelo tribunal, no sentido de que a arguida era rude no trato com a idosa EE e não permitia que as visitas estivessem a sós com a mesma – factos provados sob os nºs 71 e 72;
- Com relevância, VV mais reconheceu que a mãe dormia em colchão anti-escaras;
- Daí o facto não provado sob a al. xxx);
- Diversamente, nenhuma prova foi produzida em audiência ou consta documentalmente dos autos (mormente por intercepções telefónicas) quanto à alegada medicação abusiva desse fármaco no período compreendido entre abril e agosto de 2022 e, bem assim, quanto à alegada relação entre tal medicação abusiva e os AVC´s e enfarte de miocárdio sofridos pela idosa (sendo tais alegações totalmente especulativas e sem o menor suporte probatório);
- Daí os factos não provados sob as als. uuu), vvv) e www);
- A testemunha NNNN aludiu à ocasião em que, na sua presença, a arguida deu uma leve palmada na mão da idosa EE, ao mesmo tempo que lhe dizia que se ela mexesse nos cortinados lhe daria esse «castigo»;
- Porém, nem aquela nem nenhuma outra testemunha atestaram que isso haja ocorrido mais alguma vez, nem NNNN asseverou que a palmada haja sido de forte intensidade;
- Daí o facto não provado sob a al. sss);
- De igual forma, não foi produzida prova cabal quanto à alegada falta de alimentação, de higiene, de roupas quentes ou de quarto aquecido em relação à idosa EE, tendo as próprias filhas NNNN e UU reconhecido que nada de mal se aperceberam no quarto da mãe e a demandante VV asseverado ter visto a arguida a ministrar insulina à utente;
- Daí os factos não provados sob as als. aaaa) e uuu);
- Da falta de prova dos aludidos factos decorre necessariamente a não demonstração da dor, revolta, impotência e raiva alegadas pelas demandantes, pois são reportadas às apontadas falhas da arguida– cfr. facto não provado sob a al. bbbb);
- De salientar, outrossim, que se afigura pouco aceitável a atitude tomada pelas familiares de colocarem a idosa numa estrutura residencial que as próprias demandantes classificam de imprópria para o efeito (cfr. art. 60º do pedido cível), tanto mais que se tratava de pessoa com várias e graves comorbilidades, a demandar cuidados médicos especializados, e não préstimos de cuidadora informal;
- Daí que se compreenda melhor a “culpa” que as demandantes dizem sentir (art. 80º do pedido cível);
- Depoimento das testemunhas TTTT, UUUU e LLL, respectivamente, neta, nora e filho de FF, os quais, com conhecimento de causa, pelo convívio regular com a idosa (antes e depois de esta ingressar na residência da arguida), atestaram a data em que a sogra foi acolhida na residência da arguida AA, o estado de saúde da mesma antes e depois de dar entrada naquela habitação, as privações que a utente aí passou, as faltas de cuidado que a arguida revelou para com a idosa, o que se mostra bem ilustrado nas fotos constantes do art. 98º da acusação – factos provados sob os nºs 73 a 77;
- Teor dos relatórios clínicos de fls. 90 a 92 do processo físico, quanto às mazelas evidenciadas pela idosa, sendo que resulta das regras de experiência comum que as sucessivas quedas da mesma (que a arguida confirmou) seriam evitáveis caso houvesse vigilância adequada por parte da cuidadora (e se esta não acolhesse tantos utentes em simultâneo), não se afigurando credível a explicação dada por AA, no sentido de que as feridas nas pernas eram resultantes de esta se coçar e bater constantemente com o membro na cadeira de rodas, pois a testemunha UUUU asseverou nunca ter visto a sogra a ter esses gestos;
- Daí o facto provado sob o nº 78;
- No tocante ao idoso GG, a arguida AA reconheceu a factualidade dada como provada sob o nº 79;
- Teor do assento de óbito de fls. 242-243 do processo físico – facto provado sob o nº 80;
- Depoimento da testemunha MMM, nora de GG, a qual, com conhecimento de causa, por ter visitado o sogro praticamente todos os fins-desemana, deu conta da privação de alimentos de que o utente foi vítima, seja por lhe serem sonegados os “miminhos” que a família lhe levava (dado que o idoso apreciava bastante comer), seja da ocasião em que, pelas 11 horas da manhã, a arguida ainda não lhe havia fornecido o pequeno almoço (o que o idoso DD confirmou à testemunha);
- Com relevância, mais asseverou a rudeza que a arguida tinha no trato com o sogro, provocando-lhe medo, o que a testemunha também notou em relação ao utente DD, pois ambos falavam em tom baixo para aquela não ouvir;
- Por outro lado, com isenção, a testemunha reconheceu que a arguida chamava a ambulância quando o idoso tinha algum problema de saúde (o que se mostra corroborado pelas facturas emitidas pelos bombeiros de O. Azeméis – fls. 3570 e ss. do processo físico) e que, poucos dias antes de o sogro falecer, aquela chamou a família para informar que o estado de saúde do utente se estava a agravar;
- Em face do que antecede, foi dada como provada, sem dúvida razoável, a matéria constante dos pontos 81 a 83 e como não provada a factualidade inserta na al. x);
- Teor do auto de busca e apreensão à residência de AA, e respectivo relatório fotográfico, constante de fls. 1842 a 1915 do processo físico, corroborado em audiência pelas testemunhas OOO e VVVV, militares da GNR que levaram a cabo tal diligência – factos provados sob os nºs 84 a 90;
- Com relevância, OOO mais asseverou que as idosas encontradas na garagem (cerca de cinco minutos após o início da diligência) ali haviam sido escondidas para tentar ocultar a presença das mesmas na residência (face ao número elevado, contrário à lei), pelo que se reputou de verosímil a versão da arguida no sentido de que não pretendia deixar as idosas ali escondidas durante muito tempo;
- Daí o facto não provado sob a al. z);
- AA garantiu que o micro-ondas aludido em 85) não era há muito utilizado, o que não foi contrariado por nenhuma prova produzida em audiência, mormente pelos militares da GNR que procederam à diligência de busca e apreensão em casa da arguida – facto não provado sob a al. y);
- A arguida reconheceu, de forma inequívoca, que se dedicou à actividade de acolhimento de idosos e que aceitou utentes em número elevado devido às dificuldades financeiras que na altura sentia, sendo a própria o principal sustento de todo o agregado;
- Daí o facto provado sob o nº 91 e o facto não provado sob a al. aa);
- Nenhuma prova foi feita em audiência ou resulta documentalmente dos autos quanto à incapacidade de a arguida AA pagar outra habitação – facto não provado sob a al. bb);
- Reconhecimento, pela arguida HH, da matéria constante dos arts. 103º a 105º (este último em parte), 106º (parte), 107º (parte), 109º, 110º (parte), 111º, 117º, 118º, 129º, 132º (parte), 140º, 144º (parte), 154º a 156º, 160º, 166º, 170º, 171º, 178º (parte), 179º, 180º, 185º a 187º, 193º, 194º (parte), 197º, 202º a 206º, 208º, 212º (parte), 219º, 220º, 235º (parte), 241º a 243º, 269º, 270º e 274º;
- Daí os factos provados sob os nºs 96 a 99, 101 a 104, 108 a 110, 115, 118, 121, 123, 126 a 128, 131, 136, 139, 140, 143 (2ª parte), 146, 147, 150 a 152, 156, 157, 160, 164 a 169, 173, 179, 180, 189, 195 a 197 e 218 a 220;
- A arguida confirmou também os factos provados sob os nºs 161, 191 e 192;
- Teor do auto de busca e apreensão à residência de HH, e respectivo relatório fotográfico, constante de fls. 1916 a 1921 e 1923 a 2084 do processo físico, corroborado em audiência pelas testemunhas WWWW e VVVV, militares da GNR que levaram a cabo tal diligência – factos provados sob os nºs 105, 106, 114, 116, 209 e 221;
- Resulta das regras de experiência comum para qualquer pessoa de médio senso que a habitação da arguida HH não era dispunha de espaço suficiente para albergar o número de pessoas que ali estavam em simultâneo – facto provado sob o nº 105 (1ª parte);
- Declarações da arguida, a asseverar que ligava o recuperador de calor logo pela manhã, tendo a testemunha XXXX (filha da idosa JJ) atestado que havia dois ou três aquecedores ligados em causa, a testemunha YYYY (filho do utente PP) aludiu ao aquecedor a óleo existente no quarto do pai e a testemunha TTT (filha da idosa KK) realçou que a cozinha estava quentinha e que havia lareira e aquecedor a óleo na sala;
- Daí o facto provado sob o nº 107 e os factos não provados sob as als. cc), ee) e gg);
- Nenhuma prova foi produzida em audiência ou consta documentalmente dos autos (mormente por intercepções telefónicas) quanto à matéria inserta na al. dd) do elenco factual não provado;
- Teor da conversa telefónica entre a arguida HH e a arguida AA, em que a primeira alude ao frio que o idoso II passou de noite (Alvo 134017060, Sessão 00836), tendo a arguida confirmado saber dos problemas de saúde do utente – facto provado sob o nº 111;
- Teor da conversa telefónica entre a arguida HH e a arguida AA, em que a segunda recomenda à primeira a compra de um desumidificador (Alvo 134017060, Sessão 00209) – facto provado sob o nº 112;
- Teor da conversa telefónica entre a arguida HH e a arguida AA, em que a primeira alude à doença respiratória de que estavam acometidos os seus utentes (Alvo 134017060, Sessão 00168) – facto provado sob o nº 113;
- Teor da conversa telefónica entre a arguida HH e a arguida AA, em que a primeira alude à utente JJ (Alvo 134017060, Sessão 07722) – facto provado sob o nº 117;
- Teor da conversa telefónica entre a arguida SS e a arguida AA, em que a primeira alude à acumulação de lixo na residência da arguida HH (Alvo 134017060, Sessão 00265, transcrita no art. 136º da acusação, e Alvo 134017060, Sessão 01229, transcrita no art. 137º da acusação) – facto provado sob o nº119;
- Teor da conversa telefónica entre a arguida SS e a arguida AA, em que a primeira alude à falta de resguardos nas camas (Alvo 134017060, Sessão 00265) – facto provado sob o nº 122;
- Teor da conversa telefónica entre a arguida HH e a arguida AA, em que a primeira alude ao facto de um dos canídeos ter urinado na cama de três utentes (Alvo 134017060, Sessão 02043) – facto provado sob o nº 124;
- Depoimento da testemunha YYY, funcionária da arguida HH, a qual, de forma pormenorizada, com conhecimento de causa e sem denotar qualquer animosidade em relação à arguida, atestou a matéria dada como provada sob os pontos nºs 100, 125, 181, 182, 190 e 210 a 215 e infirmou a matéria dada como não provada sob as als. pp), ss), tt), uu), eee), fff) e ggg);
- Depoimento das testemunhas SSS e TTT (filhos da idosa KK), a asseverar a factualidade inserta no ponto 129;
- A testemunha TTT confirmou também os factos provados sob os nºs 183 e 184;
- A testemunha ZZZZ (filha da idosa KK) atestou a matéria inserta no ponto 130;
- Teor da conversa telefónica entre a arguida HH e a arguida AA, em que aludem à troca da medicação ocorrida com a idosa LL (Alvo 134017060, Sessão 02071, e Alvo 134017060, Sessão 02074) – factos provados sob os nºs 132 a 135;
- Depoimento da testemunha AAAAA, a dar conta dos sinais da falta de higiene que a sua tia LL passou a revelar a partir de certa altura em casa da arguida HH – facto provado sob o nº 135;
- Com relevância, aludiu igualmente à qualidade da sopa confecionada pela arguida – facto provado sob o nº 213 (2ª parte);
- Depoimento da testemunha BBBBB, filha do idoso OO, a atestar a matéria constante dos pontos 158, 162 e 163;
- Teor da conversa telefónica entre a arguida HH e a arguida AA ..., em que aludem à sobredosagem da medicação do idoso OO (Alvo 134017060, Sessão 02043) – facto provado sob o nºs 159;
- Teor da conversa telefónica entre a arguida HH e a arguida SS DD, em que aludem à sobredosagem da medicação da idosa MM (Alvo 134155040, Sessão 9481, e Alvo 134155040, Sessão 9494) – factos provados sob os nºs 137 e 138;
- Teor das intercepções telefónicas indicadas (e parcialmente transcritas) nos arts. 170º, 171º, 173º, 176º, 177º, 181º, 183º a 187º da acusação, as quais demonstram de forma cristalina a factualidade dada como provada nos pontos 141 a 154, tendo as testemunhas RRRR e OOOO (ambas enfermeiras) explicado o quadro clínico da idosa NN, mormente a gravidade da escara na nádega, e a testemunha CCCCC, neto da utente, asseverou que a avó não padecia dessa maleita quando entrou para a estrutura residencial da arguida HH;
- Teor do relatório clínico de fls. 2479-verso – facto provado sob o nº 155;
- Teor das intercepções telefónicas indicadas no art. 210º da acusação, as quais demonstram cabalmente a factualidade dada como provada nos pontos 170 e 171;
- Teor do relatório de autópsia de fls. 22-23 e elementos clínicos de fls. 2471 a 2473 do processo físico – factos provados sob os nºs 174 e 175;
- Teor das intercepções telefónicas indicadas nos arts. 239º e 240º da acusação, as quais demonstram cabalmente a factualidade dada como provada nos pontos 193 e 194;
- Teor das intercepções telefónicas indicadas no art. 244º, 145º, 248º e 249º da acusação, as quais demonstram cabalmente a factualidade dada como provada nos pontos 198 a 203, tendo a testemunha XXX (neta da idosa QQQ) confirmado que, a pedido da arguida, levou a medicação de que a avó precisava (ponto 199), do que resultou o facto não provado inserto em hhh);
- Depoimento da testemunha WWW (filha do utente PP), a atestar a matéria dada como provada sob os pontos 204 a 207, o que se mostrou corroborado pelo teor da intercepção telefónica indicada no art. 252º da acusação;
- Da conjugação do depoimento das testemunhas WWW e VVV (também filha daquele idoso) com a explicação dada pela arguida (mormente quanto ao estado de prostração do utente) resultou o facto provado sob o nº 208;
- Depoimento das testemunhas DDDDD e EEEEE, inspectoras da segurança social, corroborando o teor do relatório junto aos autos (fls. 3487 a 3513 do processo físico), de que decorreu o facto provado sob o nº 217 e os factos não provados sob as als. ooo), ppp) e hh) – as testemunhas constataram as janelas abertas;
- Não foi produzida prova cabal em audiência nem consta documentalmente dos autos (mormente por intercepções telefónicas) quanto à matéria inserta nas als. ff), jj), kk), ll), nn), oo), qq), rr), ww), xx), yy), zz), aaa), bbb), ddd), iii), kkk), lll) e mmm) do elenco factual não provado;
- As testemunhas BBBBB e TTT asseveraram ter visto alguns idosos a apanhar sol no exterior, assim contrariando a matéria dada como não provada sob a al. ii);
- Das facturas juntas pela arguida HH sob a ref. 17243520 resulta infirmada a matéria constante da al. mm) do acervo fáctico não provado;
- A testemunha ZZZZ reconheceu que a mãe já padecia de micose nos pés quando entrou para a residência da arguida HH – facto não provado sob a al. vv);
- As inspectoras de segurança social reconheceram que a medicação dos idosos se encontrava organizada, o que se mostra atestado pelas capas apreendidas naquela residência, as quais denotam plena organização;
- Daí o facto não provado sob a al. ccc);
- Da escuta transcrita no art. 245º da acusação que a arguida HH solicitou verduras para o dia seguinte e que a idosa QQQ se queixou de que precisava de muita verdura, mas não resulta que a sopa não tivesse quaisquer legumes;
- Daí o facto não provado sob a al. jjj);
- A matéria inserta na al. nnn) do elenco factual não apurado mostra-se contrariada pelas regras de experiência comum, pois a constante entrada de pessoas na residência da arguida (como visitas dos utentes e profissionais de saúde) era incompatível com qualquer tentativa de encobrir o que ocorresse no interior da habitação;
- Confirmação, pelo arguido RR, da matéria constante dos arts. 115º e 116º da acusação, mais asseverando, em termos que resultaram demonstrados pela própria arguida HH (cfr. facto provado sob o nº 180, parte final) – factos provados sob os nºs 108º e 109º;
- O arguido mais reconheceu a matéria dada como provada sob o nº 187, reputando-se de verosímil a razão invocada (pudor de ver uma senhora descomposta no WC);
- O arguido reconheceu também a matéria dada como provada sob os nºs 227 e 228;
- Confirmação, pela arguida SS, da matéria constante dos arts. 139º, 212º (parte), 215º a 217º, 231º e 232º da acusação – factos provados sob os nºs 120, 173, 176, 177, 178, 186 e 188;
- A arguida reconheceu também a matéria dada como provada sob o nº 229 (o que foi igualmente confirmado pela testemunha YYY);
- De toda a prova produzida em audiência, incluindo a versão dos arguidos, mostrou-se inequívoco dar como não provada a matéria inserta nas als. qqq) e rrr), não havendo qualquer elemento probatório que aponte no sentido de os arguidos RR e SS estarem relacionados, na prática, com os actos levados a cabo pela arguida HH;
- A prova do dolo faz-se, normalmente, de forma indireta, com recurso a inferências lógicas e presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às chamadas máximas da vida e regras da experiência, pelo que, na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos que realizam o tipo objectivo de crime e ter consciência do seu caráter ilícito, a prova terá de fazer-se por ilações, a partir do comportamento exterior do agente – cfr., a este propósito, v. g., o Acórdão da Relação do Porto de 10 de novembro de 2021, no Proc. nº 229/19.8GCVFR.P1, relatado por João Pereira Cardoso, ou o Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de maio de 2022, no Proc. nº 200/15.9PBOER.L1-5, relatado por Cristina Almeida e Sousa, in www.dgsi.pt;
- Assim, sendo as arguidas pessoas de normal senso, apreende-se claramente dos actos praticados que as mesmas agiram de forma livre, deliberada e consciente, com a intenção criminosa descrita na acusação, resultando do senso comum e das regras de experiência que os actos e omissões em questão agravaram a situação de saúde física e psíquica dos idosos e atentavam contra a respectiva dignidade – factos provados sob os nºs 93, 95, 222 e 224;
- De toda a factualidade apurada e dos meios de prova já indicados, resulta sem qualquer reserva a factualidade inserta em 216 e 223;
- Teor dos relatórios sociais juntos aos autos, complementados pelas declarações prestadas pelos arguidos em audiência e pelo teor do recibo de renda junto aos autos pela arguida AA – factos provados sob os nºs 230 a 258, 260 a 293, 295 a 325, 327 a 343 e 345 a 365;
- Teor dos CRC juntos aos autos – factos provados sob os nºs 259, 294, 326, 344 e 366;
- EEE e ZZZ, respectivamente, neto e filha de AA, prestaram sobretudo depoimento abonatório da arguida.
cumpre analisar.
Da falta de contraditório da arguida AA sobre o pedido de constituição como assistente e a acusação particular de VV
A arguida AA veio arguir a invalidade do processado por falta de contraditório sobre o pedido de constituição como assistente e a acusação particular de VV.
Contudo, não assiste razão à arguida AA.
Com efeito, em 13 de novembro de 2024 ref.... foi junta aos autos a pronúncia da arguida AA sobre o pedido de constituição como assistente de VV, ao qual aquela se opôs com os fundamentos ali expressos.
Por conseguinte, ainda que VV tivesse, entretanto, desistido do pedido de constituição como assistente, mediante requerimento apresentado em 25 de agosto de 2025 Ref. 18134121, considerado sem efeito por despacho de 3.09.2025 Referência: 140144825, verdade é que oportunamente foi assegurado o exercício do respetiva contraditório pela arguida AA.
Consigna-se que por despacho de 18.11.2024 Referência: 135783754 apenas foi admitida a intervir como assistente a requerente UU, também filha e parente sucessível da ofendida falecida EE.
Quanto à acusação de VV, cumpre esclarecer que por despacho sob ref. 136589182 apenas foi admitida a adesão à acusação pública feita concomitantemente pela assistente UU em 27.09.2024, despacho que não admitiu a acusação subordinada deduzida pela mesma, por importar uma alteração substancial da matéria inserta na acusação pública, ao ter por efeito a agravação do limite máximo da sanção aplicável (arts. 1º, f), e 284º, 1, CPP).
Jamais foi admitida a adesão à acusação pública e/ou a acusação subordinada feita por VV, nem podia sê-lo, já que nunca foi admitida a intervir nos autos como assistente, qualidade que não se confunde com a de demandante cível, razão pela qual não havia lugar ao respetivo contraditório, ainda que a arguida AA tivesse apresentado contestação nos autos.
Dizer – sem mais - que a arguida ficou prejudicada, por não ter oportunidade de impugnar o requerimento de pedido de constituição como assistente de VV, nem possibilidade de questionar a legitimidade da acusação particular, nem a regularidade da sua admissão ou não admissão, é uma afirmação lacónica, esvaziada de conteúdo argumentativo capaz de alicerçar a invocada violação do princípio do contraditório e do direito de defesa (art.32º, nº 1, 5 e 7, da CRP).
Com efeito, a arguida não específica em que ato ocorreu tal intervenção como assistente ou a ponderação da acusação de VV que influenciou efetivamente a decisão final recorrida, nem tanto ocorreu.
Vale isto dizer que o tribunal a quo não extraiu, no plano decisório, consequências relevantes para a defesa da arguida AA, a partir do pedido de constituição como assistente e/ou apresentação de acusação de VV.
Nesse caso, a ter acontecido, o que – repete-se – não se verificou, a violação da regra do contraditório não teve efeitos processuais relevantes para a defesa da arguida AA, sendo inócua para a decisória recorrida a apresentação daquele pedido e/ou da acusação de VV.
Quanto à alegada omissão de pronúncia sobre o pedido de constituição como assistente e à acusação particular de VV, cumpre clarificar que a arguida AA não tem interesse processual em arguir a sua não admissão, pois a falta desta não afetou a sua posição processual nos autos.
Por conseguinte, improcede nesta parte o recurso.
Nos termos do art. 428º, nº 1, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por outro lado, dispõe o art. 412º, nº 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.
O Ministério Público veio impugnar a seguinte matéria de facto:
- do §42 dos factos provados unicamente a expressão “em particular” que deve ser suprimida, tendo aquele o seguinte teor: “42-Poucos instantes depois, o idoso voltou a agredir a arguida AA de modo não concretamente apurado e, em resposta, a arguida muniu-se de uma esfregona e desferiu com a mesma vários golpes no corpo do idoso, em particular nas costas, empregando força física suficiente para entortar a esfregona e provocar dores nas zonas atingidas e escoriações nas costas daquele”.
- a alínea i) dos factos não provados, a saber: “i) Que, na mesma ocasião, logo de imediato, o arguido TT, atuando em conjugação de esforços e intentos com a arguida AA, desferiu pancadas de modo não concretamente apurado no corpo de CC, atingindo-o nos membros superiores, no intuito logrado de lhe causar dores e mau estar físico”;
- ainda, a matéria, também havida por não demonstrada, constante nos art.s 297º e 298º da acusação pública, a saber:
“297. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido TT de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de agredir fisicamente o idoso CC e assim lhe causar lesões físicas, bem sabendo que CC padecia de demência, que tinha graves problemas de saúde e dificuldade de locomoção, sabendo e querendo agredi-lo apesar do idoso ser uma pessoa incapaz de se defender.
298. O arguido TT sabia da censurabilidade e punibilidade criminal da sua conduta”.
Exige-se ao recorrente a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado.
Para além disso, a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.
Na situação dos autos, o recorrente Ministério Público cumpriu o referido ónus de especificação quanto aos factos que impugna.
Isto dito, cumpre reconhecer que o termo “em particular” dado como provado no ponto 42 só pode ser interpretada no sentido de o ofendido também ter sido atingido em outras zonas do corpo que não as costas.
Na verdade, a agressão nas costas resulta clara da foto do corpo da vítima (fotografia constante de fls.2261-2 captada aquando da busca realizada no dia 13.03.2024), do teor da interceção telefónica do alvo 134017060, sessão 15023, de 09.03.2024, 12h11m (conversa entre a arguida AA e o filho DDD) e da confissão da arguida AA (Declarações de AA, prestadas na sessão de julgamento do dia 10.04.2025, entre as 12h22m e as 12h34m, gravadas no sistema citius media studio e aí armazenadas [passagem 03:25-03:40 e 05:00]).
Este facto é claramente desfavorável à arguida AA, pelo que a impugnação correspondente do Ministério Público a favorece.
Ora, além de se tratar de uma afirmação genérica, já que a decisão recorrida não específica outras zonas do corpo atingidas pela esfregona, certo é que a própria motivação daquela, por referência à prova produzida em julgamento (confissão da arguida e foto do corpo da vítima), não refere que outras zonas do corpo da vítima tenham sido atingidas nesse ato.
Ademais, a agressão com a esfregona noutras zonas do corpo da vítima não constava da acusação pública (ponto 42 da acusação) e, portanto, foi objeto de aditamento no acórdão recorrido.
Na verdade, das interceções telefónicas a que alude a motivação tão pouco resulta que no dia 9 de março de 2024, em momento anterior às 11:01 horas, a arguida AA tivesse agredido a vítima, com a esfregona, noutras partes do corpo que não as costas, concretamente:
- conversa telefónica entre a arguida e a filha ZZZ, em que aquela alude ao confronto físico ocorrido em momento anterior ao telefonema, sendo audíveis, em tal intercepção, os sons de pancadas infligidas no corpo do ofendido (Alvo 134017060, Sessão 15017, 9-3-2024, pelas 11h01) – factos provados sob os nºs 40 a 42;
- da conversa telefónica seguinte havida entre AA e o filho DDD (Alvo 134017060, Sessão 15023, 9-3-2024, pelas 12h11), em que a arguida diz que “o pai foi lá por duas vezes e também lhe deu”.
No mais, em relação aos factos imputados na acusação pública ao arguido TT, o Ministério Público veio impugnar aqueles dados como não provados:
- na alínea i) dos factos não provados, a saber: “i) Que, na mesma ocasião (descrita em 42)), logo de imediato, o arguido TT, atuando em conjugação de esforços e intentos com a arguida AA, desferiu pancadas de modo não concretamente apurado no corpo de CC, atingindo-o nos membros superiores, no intuito logrado de lhe causar dores e mau estar físico”;
- ainda, a matéria, também havida por não demonstrada, constante nos art.s 297º e 298º da acusação pública, a saber:
“297. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido TT de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de agredir fisicamente o idoso CC e assim lhe causar lesões físicas, bem sabendo que CC padecia de demência, que tinha graves problemas de saúde e dificuldade de locomoção, sabendo e querendo agredi-lo apesar do idoso ser uma pessoa incapaz de se defender.
298. O arguido TT sabia da censurabilidade e punibilidade criminal da sua conduta”.
Todos estes factos se reportam à subsunção do tipo de crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c) do Código de Penal, do qual, na ótica da acusação, foi vítima o utente CC, na ocasião descrita no ponto 42 no dia 9-3-2024.
O arguido TT foi absolvido desse crime pelo qual vinha acusado.
Na motivação do acórdão pode ler-se que, nessa ocasião, em relação à atuação do arguido TT contra o utente CC, aquele e a companheira AA negaram qualquer agressão que o primeiro haja infligido ao sobredito idoso, tendo ambos asseverado que o arguido TT se limitou a apaziguar os ânimos entre o utente e a arguida.
Acrescentou-se ainda na motivação do acórdão recorrido que na conversação telefónica entre AA e a filha ZZZ (Alvo 134017060, Sessão 15017, 9-3-2024, pelas 11h01), “durante a qual o conflito surge, não é perceptível, em nenhum momento, o som de agressões com as mãos no corpo do idoso, ouvindo-se, sim, a data altura, uma voz a dar ordem para o utente ir para a cama (que a transcrição da intercepção atribui ao arguido TT)”.
Com relevância, afirma-se ainda que nenhuma testemunha presenciou tal situação e a testemunha KKK nada relatou nesse sentido quando ouviu dizer do pai o relato do episódio.
Quanto à conversa telefónica havida entre AA e o filho DDD (Alvo 134017060, Sessão 15023, 9-3-2024, pelas 12h11), em que a arguida diz que “o pai foi lá por duas vezes e também lhe deu”, o Tribunal a quo concluiu que do teor da mesma não é possível retirar, sem dúvida razoável, a ilação de que o arguido TT perpetrou alguma agressão no idoso CC.
Isto porque, no entender do acórdão recorrido, “a expressão “também lhe deu” é vaga, sem qualquer concretização (pode ter múltiplos significados), sendo que AA está a aludir a duas situações e, quanto à primeira, a própria referiu à filha ZZZ que “o senhor Sousa veio separar” (como atrás mencionado)”.
Por outro lado, afirma-se na motivação do acórdão que a explicação dada em audiência pela arguida, “no sentido de que quis dar algum conforto moral ao filho, não é, ao menos em teoria, totalmente desprovida de sentido, pois a progenitora poderá ter pretendido não dar «parte fraca» da própria e do marido (posto que o filho questionou se o pai não teria ido auxiliar a arguida)”.
Daí o Tribunal a quo ter considerado, em relação ao arguido TT, subsistir uma dúvida razoável quanto à perpretação de agressões corporais ao utente CC, donde julgar não provados os correspondentes factos impugnados (alínea i) e pontos 297 e 298º da acusação), ao abrigo do princípio in dubio pro reo.
Cumpre apreciar.
Escuda-se a impugnação do Ministério Público na seguinte prova, por si especificada, que impõe uma decisão diversa [cfr. art.s 412º, nº3, e art.431º-b) do CPP]:
produto da interceção telefónica do alvo 134017060, sessão 15017, de 09.03.2024, 11h01m;
produto da interceção telefónica do alvo 134017060, sessão 15023, de 09.03.2024, 12h11m;
depoimento de WW, prestado na sessão de julgamento do dia 05.05.2025, entre as 14h27m e as 14h48m, gravadas no sistema citius media studio e aí armazenadas [passagem 10:50-12:04]
declarações de AA, prestadas na sessão de julgamento do dia 10.04.2025, entre as 12h22m e as 12h34m, gravadas no sistema citius media studio e aí armazenadas [passagem 06:20-09:28]
Relatório de avaliação médico-legal realizada a 13.03.2024, ao idoso CC, de fls. 2785, verso e ss.
Explicita o impugnante Ministério Público que resulta da interceção telefónica do alvo 134017060, sessão 15023, de 09.03.2024, 12h11m que AA transmitiu ao filho, XX, que o padrasto deste, o arguido TT, no decurso da altercação com CC “foi lá por duas vezes e também lhe deu”(sic).
Diferente do Tribunal a quo, o Ministério Público entende que essa expressão quer significar que o referido arguido TT, tal como ela, também agrediu o idoso.
Não está em causa o conteúdo real e a espontaneidade da referida expressão utilizada pela arguida nessa conversa (“foi lá por duas vezes e também lhe deu”).
Cumpre analisar.
A questão que se coloca consiste em saber se do teor daquela conversação, conjugada com a restante prova produzida em julgamento, designadamente aquela especificada pelo recorrente, se impõe dar como provado o facto impugnado descrito na alínea i).
A arguida AA Diligência 20250410122257_4426194_2870451, minuto 5´40´´, afirmou em julgamento que o companheiro TT não agrediu o utente.
Confrontada com o teor da interceção telefónica do alvo 134017060, sessão 15023, de 09.03.2024, 12h11m, no segmento em que AA transmitiu ao filho, XX, que o padrasto deste, o arguido TT, no decurso da altercação com CC “foi lá por duas vezes e também lhe deu”(sic), a arguida AA Diligência 20250410122257_4426194_2870451, minuto 6´50´´, afirmou em julgamento ter dito isso, mas foi só para tranquilizar o filho.
Portanto, a arguida AA, em julgamento, não admitiu essa agressão perpetrada pelo companheiro TT.
Diferente é saber se tem credibilidade a explicação daquela arguida, em julgamento, para a utilização da aludida expressão.
O arguido TT também negou ter agredido o utente CC, afirmando que apenas o puxou para o separar da companheira AA (Diligência 20250313170030_4426194_2870451, min 1´50´´ e seguintes).
Confrontado igualmente com o teor da conversação da companheira com o filho DDD (alvo 134017060, sessão 15023, de 09.03.2024, 12h11m), o arguido TT afirmou que aquele DDD não é nervoso, mas para não ficar alterado, a arguida AA disse-lhe que também o arguido TT lhe tinha batido (min 8´00´´).
A testemunha WW, mulher do utente CC (Diligência 20250505142747_4426194_2870451, min 12´00 e seguintes), afirmou que o marido nada lhe relatou sobre o episódio, mas que, cerca de uma semana depois, o viu com “negras” nos membros superiores e costas.
De resto, no exame objetivo realizado no dia 13.03.2024, no âmbito da perícia médico legal a fls.2786, o utente CC apresentava eritema da região peri-ostomia e diversas lesões e equimoses situadas na região frontal, no pescoço, hemitorax direito, antebraço esquerdo, no dorso da mão e na perna esquerda.
Posto isto,
- a presença desses vestígios traumáticos no corpo do utente, observados pela perícia forense, quatro dias depois do episódio;
- o significado literal da expressão usada pela arguida AA na conversação intercetada com o filho DDD (Alvo 134017060, Sessão 15023, 9-3-2024, pelas 12h11), em que a arguida diz que “o pai foi lá por duas vezes e também lhe deu”, quando interpelada pelo filho sobre a reação do arguido TT à agressão do utente sobre a interlocutora, após a arguida lhe ter transmitido que ela lhe batera, designadamente com a esfregona;
- o conteúdo da sessão gravada da conversa telefónica entre a arguida AA e a filha ZZZ (Alvo 134017060, Sessão 15017, 9-3-2024, pelas 11h01), ouvindo-se sons de pancadas, enquanto a arguida AA conversava com a filha ao telefone, são provas inequívocas de que o arguido TT, associando-se imediatamente ao propósito da companheira que viu agredida, também “lhe deu” pancadas no corpo.
Evidencia-o a audição e o excerto da transcrição dessa conversação entre a arguida AA e a filha ZZZ (Sessão 15017, 9-3-2024, pelas 11h01 - Alvo 134017060), à chegada do arguido TT:
“AA - MAS VOCÊ ESTÁ A BRINCAR COMIGO? MAS VOCÊ ESTÁ A BRINCAR COMIGO? ESTÁ? (sons de confrontos) (imperceptível) MAS VOCÊ ESTÁ A BRINCAR COMIGO? (SONS DE PANCADAS) MAS (PANCADAS) VOCÊ (PANCADAS) ESTÁ (PANCADAS) A (PANCADAS) BRINCAR (PANCADAS) COMIGO?
ZZZ - Oh mãe queres que eu vá aí?
AA - ESTÁ A BRINCAR COMIGO?
ZZZ - É o velho, virado a ela.
AA - (Gritos impercetíveis)
ZZZ - Não está lá ninguém, está lá o senhor Sousa.
Voz não identificada (Possivelmente TT) - PARA A CAMA JÁ.
AA - Acabou.
Voz não identificada (Possivelmente TT) - PARA A CAMA JÁ, ENTÃO PARA A CAMA JÁ.
Idoso YY- Acabou, acabou, acabou. Acabou, acabou. (sons de objeto de madeira a cair no chão)
ZZZ - Quem é que está a dizer acabou? Mãe.
AA - Tou Xana (Ofegante)
ZZZ - Quem é que está a dizer acabou?
AA - É ELE. E DEPOIS A GENTE VIRA COSTAS E ELE DESAFIA-NOS”.
De acordo com os padrões racionais de comportamento e com os critérios de normalidade social, os vestígios traumáticos observados no corpo do utente quatro dias depois e os sons de pancadas ouvidos durante a conversa da arguida com a filha HH, são indícios fortes, precisos e concordantes com a irrefutável interpretação de que a expressão daquela para o filho DDD, afirmando que o arguido TT também “lhe deu”, no contexto em que foram verbalizadas, não pode deixar de ter o sentido comum da agressão que lhe é atribuída.
Não é minimamente plausível no contexto da forte e extensa verbalização violenta desenvolvida por parte da arguida e do filho DDD, conforme o teor da transcrição da Sessão 15023, 9-3-2024, pelas 12h11 (Alvo 134017060), que cerca de uma hora depois do episódio a arguida quisesse tranquilizar o filho, mentindo-lhe sobre a real atuação do companheiro TT, no contexto das agressões recíprocas a que assistia, quando o filho lhe perguntou, exclamando, “então e o pai não fez nada”, referindo-se ao arguido TT.
Em momento algum da conversa com o filho DDD se percebe a vontade séria de o tranquilizar, no contexto em que a mesma se desenvolveu, já que ambos os interlocutores inflamavam a violência da sua conversação com promessas do DDD de forte pancadaria no corpo do utente, a mesma que a arguida tivera com a filha HH quando a agressão ocorreu.
A este tribunal de recurso, atenta a natureza do meio impugnatório em causa, cabe aferir da correção da razoabilidade da dúvida fundada sobre aquele comportamento agressivo do arguido TT, dúvida que levou o tribunal a quo a dar esse facto como não provado na alínea i).
Naturalmente que a arguida AA, ao proferir aquela expressão para o filho DDD, podia – em abstrato - ter mentido.
Mas a lógica argumentativa apresentada, no contexto do exame crítico da referida prova concatenada, não suporta a razoabilidade da dúvida que sempre haverá de ser fundada para ser resolvida a favor do arguido TT, ao abrigo do princípio in dubio pro reo.
Escapa à normalidade das coisas e da vida que, no apontado contexto, a arguida AA tivesse dito ao filho que o arguido Inocência também deu pancadas no corpo da vítima, quando, se verdade fosse, apenas os separara fisicamente, tudo isto enquanto via agredir a sua companheira e como se o utente não fosse, como foi, especialmente incapaz de se defender.
Não se quer com isto dizer que, em abstrato, o seu contrário não seja possível, como se defende no acórdão recorrido.
Mas seguramente que essa possibilidade, por ser incomum e ilógica, não constitui uma regra da experiência capaz de servir à razoabilidade da dúvida que, no referido contexto probatório, se exige séria e fundada em torno do princípio do in dubio pro reo, no quadro da livre apreciação do tribunal – art.127º, do Código Processo Penal.
A decisão recorrida dá por não provados factos que contrariam com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar, sem suporte nas regras da experiência comum.
Existe uma incorreção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, quando o tribunal retira de um facto, como foi o caso, uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
As regras ou normas da experiência, como refere Cavaleiro Ferreira [1], são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto "sub judice", assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação de alicerçam, mas para além dos quais têm validade.
A liberdade de apreciação da prova não se traduz em meras conjeturas e impressões sensitivas injustificáveis e não objetiváveis [2].
As regras da experiência a atender são aquelas que comummente sucedem e que, como ser socialmente integrado, o juiz deve ter presente, sob pena de nos transportar para um estádio puramente subjetivo, pessoal, emocional, imotivável, tutelado pelo arbítrio [3], convocando o juiz a sua experiência, baseada em pré-juízos, argumentos e estereótipos e não na normalidade do acontecer.
No caso particular, nenhum dado externo permite afiançar, sequer fundamentar a dúvida objetiva e séria, que a arguida AA, ao afirmar para o filho DDD que o arguido TT também lhe deu, quando interpelada sobre a reação deste à agressão do utente sobre a interlocutora e depois de ela lhe ter dito que ela lhe batera com a esfregona, não dissesse exatamente a verdade que a letra e o contexto da expressão utilizada fortemente induzem.
Como bem se refere no parecer apresentado pelo Ministério Público neste Tribunal de recurso, o “referido conteúdo frásico proferido em tempo real, contemporaneamente à agressão e em discurso livre, quando a arguida estava sob escuta, sem o saber, constitui um elemento de prova relevantíssimo, uma autêntica “confissão por interposta pessoa”, um testemunho vivo do que efetivamente aconteceu”.
Contudo, da prova referida não resulta que tivesse sido nos membros superiores do utente que o arguido TT o atingiu.
Ademais, não constava da acusação pública, nem foi objeto de comunicação posterior nos termos do art.358º do Código Processo Penal, o segmento descrito na alínea i) dos factos não provados que o arguido TT tivesse atuado “em conjugação de esforços e intentos com a arguida AA”, assim se compreendendo que venha acusado como autor material (e não coautor) de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada.
Assim, deverá manter-se como não provado que o arguido TT atingiu o utente nos membros superiores e que atuou “em conjugação de esforços e intentos com a arguida AA”.
No mais, deverão considerar-se provados todos os restantes factos dados como não provados da alínea i) do acórdão recorrida.
É simplesmente ilógico, à luz das regras da experiência, que perante todo o relatado comportamento da arguida e do próprio utente, no referido contexto, aquela não quisesse dizer a verdade no que expressa e claramente afirmou ao filho DDD, como ela pretende fazer crer e o acórdão erradamente julgou.
Nem sequer é razoável que o tribunal tivesse ficado com uma dúvida fundada a esse respeito, não obstante a livre apreciação – que não arbitrariedade - da prova - art.127º, do Código Processo Penal.
As regras da experiência comum, conjugadas os elementos de prova indicados, exigem, isso sim, decisão diversa sobre aqueles factos não provados, por ser evidente ou flagrante o erro do tribunal a quo, em função daquelas, no julgamento da matéria de facto.
Não havendo, como não deveria haver, qualquer dúvida insanável, séria e fundada [4] sobre os factos dados como não provados, deve ser alterada a decisão correspondente e, assim, considerados provados aqueles impugnados, reconhecida que está a violação do princípio do dubio pro reo, previsto no art.32º, nº2, da C.R.P..
Os motivos objetivos agora apontados justificam a modificação da matéria de facto não provada sob alínea i) (impugnada) nos precisos termos referidos e determinam o afastamento do raciocínio ilógico desenvolvido pelo tribunal a quo, por não se confirmarem os fundamentos em que se alicerçou a convicção negativa daquele.
A racionalidade do julgamento da matéria de facto não provada corresponde, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida, impondo-se decisão diversa da recorrida - cfr. art. 412º, nº 3, al. b).
Isto dito, também os factos constantes dos art.s 297º e 298º da acusação pública, atenta a sua natureza subjetiva, deverão considerar-se provados, com a confissão complementar do arguido TT quanto ao conhecimento que tinha dos utentes, aqui incluída a vítima CC (Diligência 20250313170030_4426194_2870451).
A prova do dolo e da consciência da ilicitude, assim como de qualquer outro estado subjetivo, tem que ser feita por inferência, isto é, terá que resultar da conjugação da prova de factos objetivos – em particular, dos que integram o tipo objetivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum.
Além da confissão do arguido, o que aqui não se verifica, o único meio de prova que realmente satisfaz a necessidade de provar o dolo e consciência da ilicitude é a prova indiciária (ou prova indireta).
Retomando o caso concreto, de acordo com as máximas da lógica e da experiência comum, baseadas no consenso social sobre a normalidade da vida, é inequívoco que a ação do arguido TT constitui o indicador seguro de que aquele agiu com o conhecimento e vontade de praticar os factos descritos no ponto 297º da acusação pública, sem poder ignorar que tal conduta lhe era proibida e punida por lei.
Ergo, os factos descritos no ponto 297 e 298 da acusação devem ser considerados provados.
Em conclusão, procede parcialmente a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto apresentada pelo Ministério Público.
Do que se vem dizendo, e como se antevê, alterada a matéria de facto provada, imediatamente se impõe concluir pela procedência do recurso do Ministério Público quanto ao preenchimento do tipo legal de crime de ofensa à integridade física qualificada pelo qual o arguido TT vinha acusado e foi absolvido, dispensando-nos tal clarividência de aturadas, por impertinentes, considerações retóricas a esse respeito.
Vejamos.
O arguido TT vinha acusado, como autor material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c) do Código de Penal.
Provado ficou que, na ocasião descrita no ponto 42 dos factos provados, logo de imediato, o arguido TT desferiu pancadas de modo não concretamente apurado no corpo de CC, no intuito logrado de lhe causar dores e mau estar físico.
Demonstrado ficou ainda que, ao atuar da forma descrita, agiu o arguido TT de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de agredir fisicamente o idoso CC e assim lhe causar lesões físicas, bem sabendo que CC padecia de demência, que tinha graves problemas de saúde e dificuldade de locomoção, sabendo e querendo agredi-lo apesar do idoso ser uma pessoa incapaz de se defender.
Finalmente considerou-se provado que o arguido TT sabia da censurabilidade e punibilidade criminal da sua conduta.
Não oferece dúvida que tal conduta é subsumível no art.143º, nº1, do Código Penal, incriminação na qual incorre quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa.
Essa ofensa à integridade física é qualificada, nos termos do art.145.º, n.º 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c) do Código de Penal, se for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, entendendo-se como tal, aquela praticada contra pessoa particularmente indefesa, em razão – além do mais – da idade, deficiência ou doença.
Tal conduta é punível com pena de prisão até 4 anos – art.145º, nº1, al.a), do Código Penal.
Ora, ficou provado no ponto 35 que o utente CC nasceu a ../../1947, padecia de demência e havia sido sujeito a uma colostomia;
Deu entrada na estrutura residencial da arguida AA em 17 de janeiro de 2024 (ponto 38 dos factos provados).
Em 9 de março de 2024, data dos factos imputados ao arguido TT (ponto 42º-A aditado), o utente CC tinha, portanto, 76 anos de idade, padecia de demência e era doente.
Demonstrado ficou ainda que, ao atuar da forma descrita, agiu o arguido TT de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de agredir fisicamente o idoso CC e assim lhe causar lesões físicas, bem sabendo que CC padecia de demência, que tinha graves problemas de saúde e dificuldade de locomoção, sabendo e querendo agredi-lo apesar do idoso ser uma pessoa incapaz de se defender.
A descrita conduta do arguido TT é, pois, típica, por subsumível à disposição legal constante dos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c) do Código de Penal, sendo inelutável que a vítima era pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência ou doença.
A conduta do arguido TT é igualmente ilícita, por objetivamente contrária ao ordenamento jurídico. Estão verificados os dois elementos do tipo-de-ilícito: objetivo, que consiste na lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, traduzindo o desvalor do resultado provocado pelas ações desvaliosas, e subjetivo, incidindo sobre o desvalor da ação – dolosa e sob a sua forma mais intensa: dolo direto: art. 14º, 1, C. Penal.
Estão preenchidos os dois elementos do dolo: intelectual, consistindo na consciência, conhecimento ou representação dos elementos objetivos do tipo, e volitivo, traduzido na vontade manifestada de realizar aqueles elementos.
Inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude da atuação do arguido TT.
A atuação do arguido TT foi culposa, por censurável, pois era de exigir-lhe um comportamento de acordo com o Direito, abstendo-se de levar a cabo a agressão corporal infligida à vítima, e não, como ocorreu, uma atitude contrária ou indiferente à ordem jurídica.
Não se verificam quaisquer causas de exclusão da culpa do arguido TT.
O arguido TT cometeu, como autor material e na forma consumada, 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c), todos do Código de Penal, punível com pena de prisão até 4 anos.
Na determinação do quantitativo mínimo da pena deve o julgador atender, às circunstâncias envolventes do concreto crime cometido pelo agente, especialmente de tempo, lugar e modo, dando assim satisfação às exigências de prevenção geral que o caso em apreço demanda para além da pressuposta pelos valores tutelados pela norma de conduta.
Na determinação da pena concreta o julgador deverá ter presente que «as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade [5].
Para a determinação concreta da pena, balizada pela moldura penal abstrata, importa apreciar três fatores: a culpa manifestada pelo arguido na prática do(s) crime(s) em causa, como limite máximo da pena concreta; as necessidades de prevenção geral, como limite mínimo necessário para tutelar o ordenamento jurídico, de modo a repor a confiança no efeito tutelar das normas violadas em relação aos valores e bens jurídicos que lhe subjazem; e as necessidades de prevenção especial manifestadas pelo arguido, que vão determinar, dentro daqueles limites, qual o quantum da pena necessário para o reintegrar socialmente, se for caso disso, e/ou ter sobre ele um efeito preventivo no cometimento de novos crimes.
Nessa conformidade, nos termos do nº 2, do artº 71º, do Código Penal, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (na medida em que já foram valoradas pelo legislador ao fixar os limites abstratos da moldura legal), funcionem como atenuantes ou agravantes, circunstâncias essas que estão elencadas exemplificativamente no n.º 2 do referido preceito legal.
No caso concreto, as circunstâncias agravantes gerais relacionadas com o contexto da atuação do agente surgem temperadas pela ação típica de menor desvalor de ilicitude, por não serem conhecidas as concretas lesões resultantes da atuação do arguido TT, o que não significa que ainda assim, no quadro global da sua conduta, a ilicitude do facto não seja elevada, por ser a vítima utente de um lar de idosos e redobradamente vulnerável em razão de múltiplos fatores (idade, demência, doença).
Assim, o grau da ilicitude dos factos, sem perder de vista a gravidade própria valorada na moldura abstrata correspondente, afigura-se ligeiramente elevada, a determinar uma gradação da pena correspondente, atenta a intensidade e natureza dos atos praticados;
Sem qualquer freio ético-jurídico, o arguido TT, nascido a ../../1954, com 69 anos de idade à data dos factos, não mostrou qualquer fator inibidor sobre a integridade física e psíquica do utente especialmente vulnerável, aliás, entregue aos cuidados do lar que a companheira explorava;
O dolo do arguido foi direto e intenso.
Ainda que a ilicitude da sua conduta não esteja minimamente justificada, a favor do arguido apresentam-se os motivos que a determinaram, após ver a sua companheira agredida pelo utente.
O arguido não tem antecedentes criminais e beneficia de inserção social e familiar, encontrando-se reformado.
Não revela consciência critica em relação à anomia e a anomalia da sua conduta, cujo significado e impacto na vítima facilmente adivinharia, sendo a conduta do arguido objeto da maior repulsa social.
Embora o arguido não possa ser prejudicado pela negação dos factos, também dela não pode colher benefícios.
As exigências de prevenção geral neste tipo de crimes, é sabido, têm vindo a ganhar crescente relevância na sociedade contemporânea, a significar uma preocupação comunitária da maior grandeza pelas suas dimensões e gravíssimas consequências, tanto individual como coletivamente, constituindo a sua ofensa motivo de generalizado e crescente repúdio social.
Os crimes cometidos contra idosos, no contexto de internamento em lares, com quebra da confiança estabelecida entre a vítima/utente e o agressor/colaborador, como sucedeu na situação dos autos, constituem um dos fatores que provoca maior perturbação e comoção social, designadamente em face dos riscos (e danos) para bens e valores fundamentais que causam e da insegurança que geram e ampliam na comunidade.
A necessidade de proteção do bem jurídico protegido também releva com particular intensidade em face da vulnerabilidade das vítimas no referido contexto.
O arguido regista um percurso de vida pessoal, familiar e profissional que pode ser enquadrado dentro dos parâmetros considerados normais, fatores favorecedores na sua reinserção social, mas que são habituais neste tipo de criminalidade.
Por tudo isto, tendo em conta os critérios do art.71º e as finalidades da punição, vista a pena parcelar de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão aplicada à arguida AA pelo crime de maus tratos, p. e p. pelo art.152º-A, 1, a), C. Penal, perpetrados ao idoso CC, afigura-se adequada e proporcionada a pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime previsto no art.145º, nº1, al.a), do Código Penal, cometido pelo arguido TT, cuja moldura é de um mês e quatro anos de prisão.
A arguida AA foi condenada pela prática, como autora material:
- de um crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 14º, 1, 26º, 1ª proposição, e 348º, 1, b), C. Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), no total de € 455,00 (quatrocentos e cinquenta e cinco euros); e
- de 6 (seis) crimes de maus tratos, p. e p. pelos arts. 14º, 1, 26º, 1ª proposição, e 152º-A, 1, a), C. Penal, nas seguintes penas parcelares:
Quanto ao idoso BB: 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;
Quanto ao idoso CC: 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
Quanto ao idoso DD: 1 (um) ano de prisão;
Quanto à idosa EE: 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
Quanto à idosa FF: 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
Quanto ao idoso GG: 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico foi condenada na pena única efetiva de 5 (cinco) anos de prisão.
A arguida HH foi condenada pela prática, como autora material, de 9 (nove) crimes de maus tratos, p. e p. pelos arts. 14º, 1, 26º, 1ª proposição, e 152º-A, 1, a), C. Penal, nas seguintes penas parcelares:
- Quanto ao idoso II: 1 (um) ano de prisão;
- Quanto à idosa JJ: 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
- Quanto à idosa KK: 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
- Quanto à idosa LL: 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
- Quanto à idosa MM: 1 (um) ano de prisão;
- Quanto à idosa NN: 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
- Quanto ao idoso OO: 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
- Quanto ao idoso PP: 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
- Quanto à idosa QQ: 1 (um) ano de prisão.
Em cúmulo jurídico a arguida HH foi condenada na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, mediante a imposição de regime de prova.
O Ministério Público impugna de forma genérica as penas parcelares aplicadas à arguida HH, afirmando que manifestamente não satisfazem as necessidades punitivas.
Sendo o recurso de direito, como é o caso, a lei impõe que sejam indicadas, além do mais, “as normas jurídicas violadas” e “o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela deveria ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada” (als. a) e b) do n.º 2 do art. 412.º do mesmo Código).
O recorrente Ministério Público tinha o ónus de apresentar as concretas razões da sua discordância relativamente a cada uma das penas parcelares aplicadas à arguida HH, condensando-as nas respetivas conclusões, enunciando as questões que pretende ver reapreciadas, aí resumindo “as razões do pedido” (n.º 1 do citado art. 412.º).
Com efeito, o Tribunal de recurso não formula um novo juízo sobre a responsabilidade penal dos arguidos com fundamento no quadro factual apurado em primeira instância, nem tão pouco aplica novamente as penas.
O Tribunal ad quem reaprecia uma decisão judicial de acordo com os argumentos que a possam infirmar, de acordo com as conclusões do recorrente.
Portanto, não basta ao recorrente clamar que as penas parcelares devem ser agravadas por não satisfazerem as finalidades punitivas.
Impunha-se ao recorrente Ministério Público que justificasse o porquê, baseado, consoante o caso, nos factos apurados ou nos preceitos legais aplicáveis, bem como que indicasse, qual, no seu entendimento, seria a decisão justa ou a medida adequada da pena nos limites da moldura abstrata correspondente.
Sucede que o Ministério Público recorrente não deu cumprimento ao referido ónus de especificação que lhe é imposto pelo art.412º, nº2, do Código Processo Penal.
Ao tribunal de recurso, em sede de determinação da medida da pena, compete apenas controlar os erros apontados no recurso, alterando a pena se houver violação clara dos princípios da proporcionalidade e necessidade e/ou omissão ou manifesta ponderação errada de algum critério legal ou facto relevante.
Ora, tendo em conta a moldura abstrata correspondente, ponderando todos os elementos mencionados em sede determinação da pena concreta, entende-se não se justificar a intervenção corretiva deste tribunal quanto às penas parcelares aplicadas à arguida HH.
Das penas únicas: cúmulo jurídico
O recorrente Ministério Público insurge-se ainda contra a medida da pena única:
- de 5 (cinco) anos de prisão aplicada à arguida AA, pela prática como autora material, de 6 (seis) crimes de maus tratos, p. e p. pelos arts. 14º, 1, 26º, 1ª proposição, e 152º-A, 1, a), C. Penal, numa moldura abstrata cujo mínimo é de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão (idoso BB - pena parcelar mais elevada) e o máximo de 9 anos e 5 meses (soma das penas de prisão parcelares); e
- de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada à arguida HH como autora material, de 9 (nove) crimes de maus tratos, p. e p. pelos arts. 14º, 1, 26º, 1ª proposição, e 152º-A, 1, a), C. Penal, numa moldura abstrata cujo mínimo é de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão (pena parcelar mais elevada - idosa NN) e o máximo 11 anos e 2 meses (soma das penas de prisão parcelares).
No quadro das referidas molduras abstratas, o recorrente Ministério Público considera as penas únicas aplicadas desadequadas, por reduzidas, à gravidade global dos factos e à personalidade das arguidas.
Nos termos do artº 77º, do Código Penal, o juiz deverá determinar a pena a aplicar ao arguido, atendendo, em conjunto, à gravidade dos diversos factos praticados, e à personalidade do agente.
A razão de ser desta norma é de todos conhecida e reside no facto de que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário – cf. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, II, pág. 152.
Na punição unitária do concurso importa determinar uma única pena concreta a aplicar ao agente, pela prática dos vários crimes em concurso, que responda às finalidades da punição: tutela dos bens jurídicos e reintegração do delinquente na sociedade, no que é necessário atender à gravidade dos factos ilícitos e ao grau de culpa, na perspetiva da tutela dos bens jurídicos, e à culpa e personalidade do agente, na perspetiva da sua reintegração.
Nos factos no seu conjunto há que ver, por exemplo, se eles revelam ou não um acontecimento isolado na vida do agente, ou se são antes reflexo de uma tendência ou carreira criminosa.
Na personalidade do agente, há que atender à sua personalidade mais ou menos desviante -, manifestada nos factos praticados, e que nos permite aferir da sua maior ou menor perigosidade social, funcionando a pena a aplicar como um fator de ressocialização daquele.
A pena de concurso tem como limite mínimo a pena mais elevada das parcelares e a máxima, sem exceder 25 anos, a soma aritmética de todas elas - art.° 77.° n.° 2, do CP, que tanto pode resultar de uma mera acumulação material, em exacerbação dela, pelas circunstâncias do caso, como de uma sua redução, quedando-se na parcelar mais elevada ou num distanciamento desta, mas sempre, sobretudo na pequena e média criminalidade, evitando-se que se atinja aquele limite máximo, de 25 anos.
A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as características da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no ordenamento punitivo cfr. STJ 13-02-2019 (Nuno Gonçalves), in www.dgsi.pt.
Retomando o caso concreto, importa ponderar o elevado número de crimes cometido por cada uma das arguidas AA e HH, não apenas contra várias pessoas, respetivamente seis e nove idosos, como pluriofensivos da integridade pessoal de cada uma das vítimas, fator que reforça acentuadamente a gradação da pena.
A circunstância da generalidade das vítimas ser especialmente vulnerável, por múltiplos fatores (idade, doença, demência), reforça sobremaneira a gravidade global dos crimes cometidos por cada uma das arguidas e a deformação da respetiva personalidade.
A conduta da arguida AA, pior do que falta de empatia perante aqueles utentes, é reveladora de atrocidades absolutamente intoleráveis, frequentes e violentas agressões físicas, fome, incutindo medo, coartando contactos livres com familiares, desnudando-os perante outros utentes e visitas, tudo comportamentos cruéis, degradantes e desumanos para qualquer pessoa, quer física, quer psiquicamente, a mais quando particularmente vulneráveis, em contexto de institucionalização remunerada e em relação a alguns deles durante período de tempo bastante prolongado.
Desde o ano de 2016 que a arguida AA se dedica ao negócio de acolhimento remunerado de idosos a tempo inteiro, com alojamento permanente.
Fruto das várias acções inspectivas realizadas pelo Instituto da Segurança Social, das decisões administrativas de encerramento das estruturas residenciais de acolhimento de idosos que foi explorando, e das coimas aplicadas, a arguida AA sabia que não reunia as condições mínimas necessárias para proporcionar o bem-estar físico, clínico e psicológico aos idosos acolhidos, não tendo respeitado tais decisões, mesmo perante uma condenação criminal transitada em julgado pelo prática do crime de desobediência, referente a uma ordem de encerramento da estrutura residencial, Sucede que a para delas cuidar.
Com efeito, no âmbito do PROAVE (“Processo de Averiguações da Segurança Social”) nº ..., foi desencadeado o encerramento imediato e urgente da estrutura residencial para pessoas idosas, sito na Travessa ..., ..., ... ..., explorada pela arguida AA, com retirada das pessoas idosas, na sequência da acção de fiscalização realizada em 5 de agosto de 2019.
Posteriormente, na sequência da intervenção assumida em 5 de maio de 2020 pela Comissão Municipal de Protecção Civil do concelho de Santa Maria da Feira, junto do mesmo estabelecimento, face à indicação da Autoridade de Saúde Pública quanto à ausência de condições sanitárias, os idosos foram retirados e colocados em equipamento de retaguarda para pessoas COVID positivos, tendo sido desencadeada a aplicação do regime sancionatório e a participação quanto a indícios da prática do crime de desobediência (PROAVE nº ...);
Do PROAVE nº ..., face ao apurado nas diligências concretizadas em 28 de março de 2022 e em 21 de abril de 2022, e em função da avaliação efectuada quanto aos perigos aí observados, resultou ordem de encerramento administrativo imediato da estrutura residencial para pessoas idosas a funcionar na Av. ..., ... ..., Oliveira de Azeméis, explorada pela arguida AA.
A arguida foi notificada de tal deliberação, por contacto pessoal, em 11 de outubro de 2022, tendo ficado ciente de que incorreria na prática de crime de desobediência se reabrisse o estabelecimento/ estrutura residencial ou se continuasse a actividade de apoio social de forma ilegal.
Não obstante, desde tal data e até 13 de março de 2024, de forma ininterrupta, a arguida continuou a desenvolver e explorar a sua actividade no imóvel arrendado na Av. ..., ... ..., Oliveira de Azeméis, o que revela uma personalidade totalmente indiferente às ordens administrativas de controlo da atividade, persistindo nesse negócio, noutro e no mesmo lugar, não obstantes as sucessivas determinações para encerrar e a retirada dos utentes pelas autoridades administrativas por falta de condições sanitárias.
Assim, em 13 de março de 2024, encontravam-se acolhidos na estrutura residencial da arguida AA oito idosos, mantendo-se a falta de condições para os acolher e deles cuidar, tendo sido detetada designadamente falta de salubridade, mau cheiro, com excrementos de canídeos, medicamentos desorganizados, alimentos avariados e fora de validade no frigorífico.
A arguida AA fez da descrita atividade o seu modo de vida, sendo o principal meio de subsistência do seu agregado familiar.
De resto, a arguida AA colaborava com a filha HH na exploração familiar paralela do mesmo negócio lucrativo, apesar da falta de condições para desenvolver essa atividade.
A arguida AA tem uma condenação por crime de desobediência, praticado em 8 de agosto de 2019, pelo qual foi condenada na pena de 90 dias de multa, por decisão proferida no P. Sumaríssimo nº ..., do Juízo Local Criminal de O. Azeméis, transitada em julgado em 26 de setembro de 2023.
A arguida HH
não possuía formação específica na área da geriatria, enfermagem ou de qualquer outra área relevante para a prossecução daquela actividade, tendo apenas a experiência de um mês de trabalho em lar de idosos.
Contudo, em setembro de 2023 implementou na sua residência um negócio lucrativo de acolhimento de idosos a tempo inteiro, com alojamento permanente.
Pelo menos desde 3 de dezembro de 2023 até 13 de março de 2024, a arguida HH teve a seu cuidado seis ou mais idosos em simultâneo, residentes de forma permanente e ininterrupta, sem tentar obter o necessário licenciamento para explorar aquela estrutura residencial para pessoas idosas, sabendo que não dispunha de condições económicas nem colaboradores em número e formação adequados para providenciar pela prestação dos cuidados básicos aos idosos acolhidos.
A arguida HH também sabia que o edifício onde os idosos se encontravam a residir não possuía condições de espaço para albergar tanta gente em simultâneo, existindo humidade e bolor em várias paredes da residência;
O edifício sito na Rua ..., ..., Oliveira de Azeméis, onde a arguida HH explorava a atividade de estrutura residencial de acolhimento de idosos, é um local frio, particularmente no Inverno, sem aquecimento central, onde se verificam concentrações de humidade e bolor nas paredes de várias divisões, circunstância que verificou pelo menos entre a primeira semana do mês de dezembro de 2023 até ao dia 13 de março seguinte.
Em finais de fevereiro de 2024, encontravam-se acolhidos na estrutura residencial da arguida HH oito idosos.
No sobredito lapso temporal, a arguida HH fez da descrita actividade o seu modo de vida, devido às dificuldades financeiras que na altura sentia, por ser o principal meio de subsistência do seu agregado familiar;
Dos factos provados ressalta que a arguida HH, desde dezembro de 2023 até ao dia 13 de março de 2024, permitia que os utentes sofressem frio e humidade, dia e noite, mesmo aqueles que sofriam de doenças pulmonares, fator de risco de doenças respiratórias, sem que a arguida providenciasse pela disponibilidade de um equipamento de monitorização dos níveis de saturação de oxigénio no sangue e mesmo colchões anti-escaras (usual neste tipo de instituições) apesar de ser premente a sua utilização para os utentes.
Não espanta que sete dos oitos idosos se encontrassem com doenças respiratórias entre os dias 3 e 4 de dezembro de 2023.
No dia 13 de março de 2024, as divisões da residência, incluindo os locais onde os idosos dormiam, encontravam-se em estado de abundância de humidade e bolor nas paredes e nos cantos, e em locais de grande proximidade com as camas, como era o caso da cama onde dormia o idoso OO, nascido a ../../1946, e próximo da cama onde dormia o idoso II.
A sala ampla da residência, convertida para acolher quatro idosos em simultâneo, três do sexo feminino e outro do sexo masculino, com quatro camas para o efeito, com duas janelas/ portadas de grande dimensão, tinha como única fonte de aquecimento, no dia 13 de março de 2024, um aquecedor pequeno colocado junto da porta.
No dia 28 de janeiro de 2024, a idosa acolhida JJ, nascida a ../../1949, portadora de Alzheimer e Parkinson, abriu o estore até cima, tendo a arguida HH conversado telefonicamente com a arguida AA sobre tal circunstância, dizendo: “a minha vontade era dar-lhe um murro no meio daquela cara”, “quero-a embora daqui, a família que se foda”.
A transcrição desta conversação entre as arguidas a respeito de uma das idosas, está longe muito longe de conseguir descrever o carácter violento de ambas percecionado na audição das escutas telefónicas.
O registo áudio da interceção telefónica do alvo 134017060, sessão 15023, de 09.03.2024, 12h11m, relativo à conversa entre a arguida AA e o filho, XX, bem assim a interceção telefónica entre a arguida AA e a filha ZZZ (Alvo 134017060, Sessão 15017, 9-3-2024, pelas 11h01), são bem ilustrativos da extrema violência física e psíquica a que os utentes estavam sujeitos, bem assim do temperamento displicente, agressivo e frio das arguidas em relação a pessoas especialmente vulneráveis.
A falta de condições sanitárias chegava ao ponto da arguida HH deixar acumular o lixo diário no interior e no pátio da residência, a sujidade na loiça utilizada pelos utentes, a sujidade de dejetos fisiológicos nos colchões dos utentes, urina dos cães na cama dos idosos .
A arguida HH não providenciava, durante períodos de tempo prolongado, pela tomada de banho e corte das unhas dos pés a vários idosos, evidenciando estes mau cheiro, assim como não administrou e/ou controlou a toma da medicação por vários idosos doentes, havendo sobredosagem daquela prescrita, o que potenciava risco elevado para a saúde e bem estar físico e psíquico destes.
A arguida não procurava atempado auxílio ou conselho médico, hospitalar e/ou de enfermagem para os utentes idosos doentes, quando carentes dessa intervenção, nem transmitia os incidentes de saúde aos respetivos familiares, aqui incluída a necessidade de providenciarem por equipamento necessário, chegando a mentir à enfermeira por não ter encaminhado de imediato a idosa NN para atendimento hospitalar de urgência.
O utente OO chegou a dormir pelo menos uma noite num colchão instalado no chão.
A arguida chegava a ausentar-se da residência, ainda que por breves minutos, deixando os utentes sozinhos.
Durante o lapso temporal compreendido entre o início de dezembro de 2023 e o dia 13 de março seguinte, não existia, na estrutura residencial da arguida HH, algum plano nutricional para os idosos acolhidos.
Noutras ocasiões, a arguida não dispunha de alimentos bastantes e/ou adequados para os utentes.
Durante aquele período temporal, devido à falta de leite, a arguida HH diluía ou mandava diluir o leite em água, que, depois de fervido, fornecia aos idosos acolhidos para a toma do pequeno almoço e lanche, por forma a aumentar a quantidade, mesmo sabendo que desse modo reduzia a qualidade nutricional do alimento.
A arguida HH não tem antecedentes criminais.
Nenhuma das arguidas revelou consciência critica sobre a ilicitude do seu comportamento, circunstância reveladora de uma personalidade empedernidamente desconforme com o dever ser solidário e diligente que o exercício da atividade lucrativa de cuidadoras lhes impunha.
Concluímos desta forma que, sendo as necessidades de prevenção geral elevadíssimas, também aquelas de prevenção especial são ponderosas, tanto mais que as arguidas AA e HH praticaram aqueles maus tratos já depois da primeira ter visto ordenado o encerramento da atividade de acolhimento dos idosos.
Na avaliação global dos crimes sobressai a intensidade da ofensa e dimensão dos bens jurídicos pluriofensivos, ligados à dimensão pessoal e a tendência para a atividade criminosa expressa pelo número de infrações praticado por cada uma das arguidas.
Quanto à personalidade expressa nos factos deve ser ponderado todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade.
A conexão estreita entre os factos em concurso é natural no contexto de institucionalização em que os crimes ocorreram, em número e gravidade elevados.
Relevante é a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Aqui são especialmente diferenciadores, com especial expressão na dosimetria da pena única, a ausência de antecedentes criminais da arguida HH, ao contrário da arguida AA que conta com uma condenação por crime de desobediência.
Neste contexto, e face aos elementos que os autos nos revelam, ter-se-á em conta que as necessidades de prevenção especial são, pois, fortes e as de prevenção geral também significativas, na medida em que são comportamentos como os das arguidas que puxam pelo sentimento de insegurança, incerteza e medo normalmente associado, por parte dos idosos necessitados e dos seus familiares, a este tipo de resposta institucional ao problema social de acompanhamento e cuidados a prestar aos idosos.
Assim, nos termos do art.77º, nº1, do Código Penal, considerando que o desvalor global de ilicitude dos factos cometidos pelas arguidas se mostra elevado, à semelhança da culpa, sem desconsiderar a deformação da personalidade que aquelas ali evidenciam, considerando as elevadas exigências de prevenção geral e especial, afigura-se adequada e proporcional a pena única de:
- a pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão necessariamente efetiva para a arguida AA, ficando assim prejudicada, por inadmissível, a suspensão da sua execução, nos termos do art.50º, nº1, do Código Penal;
- a pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão para a arguida HH.
O arguido TT foi condenado, como autor material e na forma consumada, 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c), todos do Código de Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.
Nos termos do art.45º, nº1, do Código Penal, “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º”.
Considerando os fatores que estiveram na base da determinação da pena concreta aplicada ao arguido TT, em especial por se tratar de um episódio isolado, a execução da pena de prisão aplicada não se mostra exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, mostrando-se a pena substitutiva de multa uma injunção suficientemente forte e responsabilizadora para determinar a assunção de um comportamento normativo.
O arguido aufere € 518,00/ mês de reforma e € 339,00/ mês de subsídio da segurança social.
Tendo em conta os factos supra enunciados sobre a dosimetria da pena de prisão, os quais aqui se mantém válidos, afigura-se adequado e proporcionado, de acordo com os critérios estabelecidos no art.71º, nº1, do C. Penal, substituir a pena de prisão aplicada de um ano, por igual tempo de multa (365 dias de multa) [6], à taxa diária de €7,00, o que perfaz uma multa global de €2.555,00 (dois mil, quinhentos e cinquenta e cinco euros).
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Da suspensão da execução da pena de prisão aplicada às arguidas AA e HH
A arguida AA veio pugnar, no pressuposto de não ver agravada a pena de prisão aplicada, pela suspensão da sua execução, o que fica prejudicado, por inadmissível, nos termos do art.50º, nº1, do Código Penal, já que, na procedência do recurso do Ministério Público, aquela é superior a cinco anos de prisão, improcedendo necessariamente, nessa parte, o recurso da arguida AA.
Em relação à arguida HH, embora em abstrato seja admissível a suspensão da execução da pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, “não deverá aquela ser decretada, mesmo quando se conclui por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (arts. 50º, 1, e 40º, 1, C. Penal), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois “só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto” (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, as Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, pág. 344).
Dispõe o artigo 50º, nº 1, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, sabido que estas se circunscrevem à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º1, do Código Penal.
É em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e prevenção especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.
Seguindo de perto a impressiva clareza do Ac. STJ 14-05-2014 (Oliveira Mendes) www.dgsi, para suspensão da execução da pena “é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Em segundo lugar, é necessário que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade”.
Essencial é que as exigências mínimas de prevenção geral fiquem também satisfeitas com a aplicação da pena de substituição [7].
Este preceito consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos, configurando a mesma uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.
Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
O sobredito prognóstico consiste na esperança de que o agente ficará devidamente avisado com a sentença e não cometerá nenhum outro delito - cfr. Jescheck in “Tratado de Derecho Penal”, Editorial Comares, Granada, 4ª Edição, pág. 760.
Tal prognóstico, ensina Figueiredo Dias, é reportado ao momento da decisão e não ao momento da prática do facto, razão pela qual devem ser tidos em consideração, influenciando-o negativa ou positivamente, designadamente, crimes cometidos posteriormente ao(s) crime(s) objecto do processo e circunstâncias posteriores ao facto, "ainda mesmo quando elas tenham já tomadas em consideração (...) em sede de medida da pena".
A este propósito, escreve Jescheck, ob. citada, pág. 761, o prognóstico requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitam uma conclusão acerca do comportamento futuro do agente, nas quais se incluem, entre outras, a sua personalidade (inteligência e carácter), a sua vida anterior (as condenações anteriores por crime de igual ou diferente espécie), as circunstâncias do delito (motivações e fins), a conduta depois dos factos (a reparação e o arrependimento), as circunstâncias de vida (profissão, estado civil, família) e os presumíveis efeitos da suspensão. De resto, a finalidade politico-criminal da suspensão da pena é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (...) Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» - cfr. Figueiredo Dias, ob. citada, pág. 343, par. 519.
E o Tribunal deve estar disposto a correr um risco prudente ou aceitável. Porém, se tiver dúvidas sobre a capacidade do agente para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver negativamente a questão do prognóstico – cfr. Jescheck, obra e pág. citadas.
Concorda-se, como referido no acórdão recorrido, que “os maus tratos a idosos em contexto de lares ou estruturas de acolhimento causam grande alarme social, dado incidirem sobre vítimas particularmente vulneráveis (em razão da idade e do precário estado de saúde, in casu, em especial, de estado de demência), muitas vezes abandonadas à sua sorte pela família mais próxima, pelo que as exigências de prevenção geral são muito significativas”.
Os atos reiteradamente praticados pela arguida HH, em contexto lucrativo de acolhimento, são atos absolutamente cruéis quando praticados, como foram, contra nove pessoas física e psiquicamente muito vulneráveis.
A suspensão de execução da pena de prisão daria à comunidade um sinal de impunidade, perante condutas de particular gravidade e que causam enorme indignação.
Não é por lhes faltar com pancada no corpo, como frequentemente o fazia a arguida AA, que os atos e omissões graves da arguida HH deixam de lacerar a integridade pessoal, a dignidade humana, a autoestima, o bem estar físico e psíquico, a quem, na sua condição já muito frágil, pouco lhe sobra quando se vê forçado e rendido a ir para um lar.
Os idosos têm vários medos, mas uma das coisas que mais os atemoriza é a ida para um lar.
Não é apenas a perda de autonomia e da liberdade na sua vida que os apavora.
São também os maus tratos de quem um dia ouviram falar, através de experiências pessoais e/ou noticiados pela comunicação social.
Disso é exemplo o caso dos autos, que – como tantos outros - mereceu e mantém ampla divulgação na internet.
Acresce que a arguida HH não revelou consciência critica do desvalor da sua conduta em relação a todos estes idosos que maltratou, o que nada abona a seriedade de um juízo de prognose quanto ao seu comportamento futuro.
A circunstância da arguida HH não possuir quaisquer antecedentes criminais e de estar bem integrada do ponto de vista social e familiar, como é habitual neste tipo de criminalidade, em nada mitiga as elevadas exigências de prevenção geral que o caso reclama.
Sendo o legislador responsável pela criação da tutela penal do bem jurídico subjacente à incriminação de maus tratos a idosos, aos tribunais é exigido, na realização jurisdicional dessa proteção, a inabalável reconstrução do poder contrafáctico da norma.
É fundamental reforçar a consciência social relativamente a estes crimes que constituem uma tenebrosa ameaça à saúde e à vida das pessoas idosas em acolhimento institucional.
A incúria prolongada que revelou em relação ao estado de saúde dos idosos, a medicação que não ministrava ou ministrou abusivamente aos idosos, o estado de insalubridade generalizado em que os mantinha, incluindo dejetos e urina nas camas, sem providenciar pelo banho dos utentes, a deficiente hidratação de alguns deles, o contacto com o frio, o bolor e a humidade, mesmo quando sofriam de doenças pulmonares e respiratórias, a falta de plano nutricional e, pior, de alimentação ou alimentação desadequada, os impropérios e ímpetos de violência contra idosos, a falta de auxílio ou conselho médico, hospitalar e/ou de enfermagem para os utentes idosos doentes, deixando-os sozinhos nas ausências temporárias, não são atos de menor censurabilidade ético-juridica, nem com consequências menos gravosas para os idosos, doentes e dementes que a arguida HH ali (a)colhia, a troco de dinheiro.
Tudo acontecia num espaço ilegal, exíguo para tantos utentes, às mãos e ordens de quem pouca ou nenhuma formação tinha para o efeito, sem infraestruturas, recursos humanos e equipamentos necessários para os acompanhar, sabendo da especial vulnerabilidade destes nove idosos / doentes que lhe pagavam para os acolher.
De resto, é sabido que os maus tratos a idosos tendem a ficar invisíveis, por ser a vítima a única testemunha, por dependência desta em relação ao agressor, já que receiam represálias, por demência ou estado incapacitante daquela, ou simplesmente não saber como proceder para denunciar o maltratante.
Enquanto isto, os demais colaboradores da instituição não denunciam e/ou desvalorizam as atrocidades a que assistem.
Vale isto dizer que este crime ocorre em circunstâncias específicas e de oportunidade, cuja prova é difícil e que deixam em aberto o risco de voltar a acontecer.
O impacto físico dos maus tratos a pessoas idosas, por agravamentos das condições patológicas preexistentes ou como efeito direto daqueles na saúde das vítimas, assim como as consequências psicológicas daqueles, agravando a insegurança, medo, depressão, fraca autoestima, são bem diferentes daqueles que se repercutem noutras idades.
A maior consciência social do significado chocante destes crimes reclama a aplicação de uma pena ajustada à sua gravidade e repercussão na comunidade, prevenindo – outrossim – o funcionamento lucrativo de espaços de acolhimento para idosos, à margem do necessário licenciamento administrativo capaz de assegurar as condições minimamente adequadas para o efeito.
Naturalmente que a privação da liberdade causará transtorno à arguida e aos seus familiares, como sucedeu durante a prisão preventiva que sofreu, mas só o cumprimento daquela cumpre com o desiderato de satisfazer as fortíssimas exigências de prevenção geral que o caso reclama.
De resto, os factos provados revelam que, à semelhança da arguida AA, também a arguida HH foi capaz de deslocar o acolhimento de idosos para espaços diferentes, pelo que também não é deslocado recear que, uma vez em liberdade, volte a desenvolver tal atividade.
Assim, a suspensão da execução da pena de prisão não permite realizar de forma curial e suficiente as finalidades da punição, sem comprometer as aludidas exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
No caso, razões de prevenção geral constituem um sério obstáculo à suspensão da pena aplicada à arguida HH, independentemente da sua modalidade.
Com efeito, são muito elevadas as exigências de prevenção geral e integração, as quais se sobrelevam sobre o facto de a arguida se mostrar integrada e não ter antecedentes criminais.
Como já antes se deixou dito, estamos perante crimes com forte repercussão negativa na sociedade, que espera do sistema judiciário uma resposta firme, perentória e severa no combate ao flagelo que constitui, além de causador de um grande alarme, reprovação e insegurança social no sistema de acolhimento dominante das pessoas idosas.
É certo que a arguida tem vindo a revelar um percurso normativo e encontra-se inserida social e familiarmente.
No entanto, estas circunstâncias não a impediram de cometer noves crimes de maus tratos, tantos quantas as pessoas idosas que abusou, nada permitindo sequer afastar o risco de prossecução da atividade criminosa.
Assim, perante todo o circunstancialismo referido, consideramos não ser possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de suspender a execução da pena aqui aplicada à arguida HH, independentemente da sua modalidade, tanto mais que são sobretudo fortíssimas exigências de prevenção geral que no caso são perseguidas como finalidade da punição.
A penosidade que a prisão acarreta e a introspeção que lhe imporá mostram-se também determinantes para a arguida repensar os valores infringidos pela sua conduta.
Pelo exposto, forçoso será de concluir que a pena de prisão em que a arguida HH vai condenada, deve ser uma pena de prisão efetiva e não suspensa, de qualquer modo, na sua execução, por inexistirem os pressupostos materiais legalmente previstos e admissíveis para o efeito, só assim se satisfazendo as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
Com efeito, são muito elevadas as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, já que este tipo de criminalidade tem uma especial ressonância social sobretudo quando cometido em número alargado e prolongado, no contexto de acolhimento institucional, como aquele que aqui se apresenta.
Necessidades de prevenção geral decorrentes do maior sentimento de repulsa da comunidade no domínio destes crimes, intranquilidade pública e forte alarme social que lhes está associado.
Há, portanto, fortes expectativas comunitárias no poder contrafáctico das normas que cumpre respeitar e cuja vulneração impõe que a sanção a aplicar atinja a severidade correspondente à sanação dessa lesão, justificando resposta punitiva firme.
A suspensão da execução da pena, no caso concreto, além do alarme social e intranquilidade pública, cria no sentimento jurídico comunitário a maior repulsa e sinal de fraqueza quando o agente dos crimes, pese embora a sua gravidade e as consequências que deles decorrem, nenhuma autocritica revela em relação à sua inaceitável atuação.
Não pode é o julgador valorizar como consciência critica ou conferir algum beneficio na atitude processual (contrária) de quem falsamente negou os factos, o que não viola o artigo 70.º do CP, nem é atentatório do direito de defesa e do direito à não autoincriminação (art.32º, nº1, da CRP), mostrando-se respeitado o principio da presunção da inocência (art.32º, nº2, da CRP).
Neste quadro factual, ao ser convocado para formular um juízo de prognose sobre o comportamento futuro da arguida HH, não obstante a ausência de antecedentes criminais e a inserção social e familiar, o tribunal já não se depara perante um “risco prudencial” do agente não cometer novos crimes, antes a certeza que o perigo de perturbação da paz jurídica, resultante da manutenção da arguida em liberdade, se tornou comunitariamente insuportável.
Também a gravidade global dos crimes agora conhecidos, associada ao dolo direto e intenso da sua atuação, a elevada culpa da agressora, a frequência com que este tipo de criminalidade ocorre e o impacto que tem na sociedade, não consentem no caso a suspensão da execução da pena, independentemente da sua modalidade.
Aliás, o juízo de prognose favorável teria de se fundamentar em factos concretos que apontassem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida, reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de atos ilícitos.
Ora, no caso não se vislumbram fatores atenuativos que permitam uma visão benevolente sobre o comportamento da arguida HH, solução que a sociedade jamais aceitará, sobretudo depois de não ver atestada a incapacidade de a arguida revelar consciência critica sobre o seu comportamento, ao qual foi irrelevante a integração familiar, social e ocupacional que agora propala para garantir que evitará o que antes provocou dolosamente.
De qualquer modo, como bem refere a doutrina de Anabela Rodrigues, in Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao “Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984 p. 40 e 41, em caso de conflito entre os vetores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral [8].
Como escreve André Lamas Leite [9], “ a comunidade só é capaz de voltar a acreditar no bem jurídico em que se baseia a regra jurídico-penal infringida se o sistema que a suporta for capaz de demonstrar ao comum dos indivíduos que tal se fará, também, no respeito pela sua segurança. Na verdade, o direito à segurança é um direito fundamental clássico. Mais do que funcionar como limite da prevenção geral positiva, entendemo-lo como verdadeiro fundamento dessa teoria, dado inexistir confiança sem segurança”.
Consequentemente, procede também nesta parte o recurso do Ministério Público.
Nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 1 e 2 da Lei 130/2015, de 4 de Setembro (Estatuto da Vítima), ex vi artigos 82.º-A e 67.º-A, n.º 1, alíneas a), subalínea i), b), c), 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal e artigos 483.º e 486.º do Código Penal, o Ministério Público promoveu que, em caso de condenação dos arguidos, seja pelo Tribunal arbitrada uma quantia a cada uma das vítimas dos crimes pelos quais forem condenados, a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos.
O arguido TT vai agora condenado pela prática, sob a forma de coautoria com a arguida AA, de um crime de Ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos art.s 143º, 145º/1-a) e 2 com referência ao art. 132º/2-c) do CP, cometido sobre a pessoa de CC.
Em consequência, nos termos do art.403º, nº3, do Código Processo Penal, impõe-se retirar dessa decisão as consequências legalmente impostas relativamente ao pedido de arbitramento da indemnização civil à vítima CC.
No acórdão recorrido foi decidido arbitrar à vítima CC (ou respectivos herdeiros, caso aquelas hajam falecido) o valor indemnizatório de €1.500,00, a liquidar pela arguida AA (arts. 16º, 2, Lei nº 130/2015, de 4 de setembro, e 82º-A, CPP).
Provado ficou que, na ocasião descrita no ponto 42 dos factos provados, logo de imediato, o arguido TT desferiu pancadas de modo não concretamente apurado no corpo de CC, no intuito logrado de lhe causar dores e mau estar físico.
Demonstrado ficou ainda que, ao atuar da forma descrita, agiu o arguido TT de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de agredir fisicamente o idoso CC e assim lhe causar lesões físicas, bem sabendo que CC padecia de demência, que tinha graves problemas de saúde e dificuldade de locomoção, sabendo e querendo agredi-lo apesar do idoso ser uma pessoa incapaz de se defender.
Nos termos do referido art. 16º, 2, “há sempre lugar à aplicação do disposto no art. 82º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”.
Por seu turno, segundo o art. 67º-A, 1, b), CPP, considera-se “vítima especialmente vulnerável' aquela “cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência (…)”, sendo sempre consideradas como tal as vítimas de criminalidade violenta, nesta se inserindo o crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º-A, 1, C. Penal – cfr. disposições conjugadas dos arts. 67º-A, 3, e 1º, j), CPP.
A indemnização em apreço destina-se a reparar os danos sofridos pela vítima em consequência do crime, designadamente danos não patrimoniais (como sofrimento físico ou psicológico).
Ora, no caso sub judice, em consequência da agressão infligida pelo arguido TT, a vítima CC sofreu dores e mau estar físico.
Assim, considerando a natureza dos danos emocionais causados pelo arguido TT e as condições económicas deste, reputamos justa, necessária e equitativa a indemnização de 800€ (oitocentos) euros a favor de CC.
Até ao referido valor de 800€ (oitocentos) euros, de acordo com o art.497º, nº1, do Código Civil, ex vi art.129º, do Código Penal, a responsabilidade civil do arguido TT é solidária com a da arguida AA.
Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
I) Conceder parcialmente provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e em consequência:
a) Alterar a decisão sobre a matéria de facto impugnada, reformulando-a nos seguintes termos:
- Ponto 42º-A aditado aos factos provados: “Na ocasião descrita no ponto 42 dos factos provados, logo de imediato, o arguido TT desferiu pancadas de modo não concretamente apurado no corpo de CC, no intuito logrado de lhe causar dores e mau estar físico”;
- Ponto 42º-B aditado aos factos provados: “Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido TT de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de agredir fisicamente o idoso CC e assim lhe causar lesões físicas, bem sabendo que CC padecia de demência, que tinha graves problemas de saúde e dificuldade de locomoção, sabendo e querendo agredi-lo apesar do idoso ser uma pessoa incapaz de se defender”;
- Ponto 42º-C aditado aos factos provados: “O arguido TT sabia da censurabilidade e punibilidade criminal da sua conduta”;
- alínea i) dos factos não provados passa a constar apenas a seguinte redação: “as pancadas aludidas no Ponto 42º-A aditado aos factos provados atingiram os membros superiores de CC, tendo o arguido TT atuado em conjugação de esforços e intentos com a arguida AA”;
Notifique.
Porto, 5.11.2025
(Elaborado e revisto pelo relator – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).
João Pedro Pereira Cardoso
Isabel Monteiro
Jorge Langweg
____________________
[1] Curso de Processo Penal, reimpressão da Universidade Católica, Lisboa, 1981, pg.300.
[2] Cfr. Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, pág. 254.
[3] As máximas de experiência “são regras de comportamento que exprimem aquilo que sucede na maior parte das vezes”, mais precisamente é uma regra que se extrai dos casos semelhantes, generalizações empíricas que dão lugar a um juiz de probabilidades e não de certeza - cfr. José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, anot. Art.127, tomo II, 2019, pg.79-80.
[4] O qual só atua em caso de dúvida insanável, razoável e motivável, definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”(Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615).
Como, citando Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997, se refere no Ac. STJ 10/1/08, proc. nº 07P4198, “«A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given). Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal»”.
Em matéria de presunções naturais que interferem na valoração da prova indiciária, recorda-se o ac STJ 06-10-2010 (Henriques Gaspar) www.dgsi.pt: “XVIII - O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada. XIX - Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões. XX - A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na al. c)”.
[5] Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida da tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectactivas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada» (cfr. Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, p.227) – cfr. artº 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
[6] Segundo o AUJ nº8/2013, DR 19.04.2013, I Série, “a pena de multa que resulte, nos termos dos atuais art.s 43º, nº1 e 47º, do C. Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no nº1, do art.71º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída”.
[7] Ac. RP 10.09.2014 (Eduarda Lobo) www.dgsi, recordando que se impõe que “a comunidade jurídica suporte a substituição da pena, pois só assim se dá satisfação às exigências de defesa do ordenamento jurídico e, consequentemente, se realiza uma certa ideia de prevenção geral. A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral, isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. Em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral hão-de funcionar como limite ao que, de uma perspetiva de prevenção especial, podia ser aconselhável.
Citando o Ac. do STJ de 28.07.2007, Proc. nº 1488/07, rel. Consº. Rodrigues da Costa, louvado na lição de Figueiredo Dias, supra cit., o sentido das penas de substituição é “o de se imporem como limite às exigências de prevenção especial, constituindo então o conteúdo mínimo de prevenção geral de integração de que se não pode prescindir para que não sejam, em último recurso, defraudadas as expetativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos”.
[8] Cfr. RL 28/10/2009 in www.dgsi.pt.
[9] 25 André Lamas Leite, in Contributo para a evolução histórica das penas substitutivas, RJLB, Ano 5 (2019), nº 3, pg.256
(disponível https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/121982/2/347608.pdf).