REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DECAIMENTO
Sumário

I - O artigo 14º, nº9, do Regulamento das Custas Processuais aplica-se ainda que o responsável pelo impulso processual seja, a final, condenado parcialmente.
II - No caso do remanescente da taxa de justiça, é exigível o pagamento desta parcela no momento processual posterior à prolacção da decisão final, ou seja, quando as partes já têm conhecimento do respectivo decaimento ou vencimento e em que medida.
III - Ao impor-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça e não o pagamento, dentro desse valor, da parte proporcional ao decaimento da parte, a parte condenada parcialmente no pedido estará a efectuar o pagamento de quantia que excede a sua responsabilidade que já se encontra definida na decisão final proferida.
IV - Nessa situação, significa que o responsável pelo impulso processual que seja condenado parcialmente no pedido e que essa condenação represente uma pequena parcela, considerando a globalidade do pedido, irá suportar o pagamento de quantia superior à medida da sua responsabilidade, correndo os mesmos riscos que o responsável pelo impulso processual que seja absolvido de todos os pedidos.
V - Sendo o responsável pelo impulso processual condenado parcialmente, a final, deve suportar o pagamento do remanescente da taxa de justiça proporcional à medida do decaimento.

Texto Integral

Processo nº 8270/22.7T8PRT.P1


Acordam os Juízes da 5.ª Secção (3ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Desembargadora Anabela Mendes Morais

Primeira Adjunta: Desembargadora Teresa Maria Sena Fonseca


Segundo Adjunto: Desembargador Carlos Gil

I_ Relatório

A..., S.A. intentou a presente acção declarativa de condenação contra B..., LDA., pedindo que:
a) seja declarada ilícita e sem quaisquer efeitos a resolução contratual comunicada, pela R., à A., em 11 de Janeiro de 2022 e, consequentemente, seja declarada a cessação da actividade da loja, no dia 21 de Janeiro de 2021;
b) seja declarada a resolução do contrato de utilização de loja em Centro Comercial, celebrado entre as partes em 15/05/2019, por factos imputáveis à R., em virtude dos incumprimentos das suas obrigações contratuais, com efeitos a 10 de Março de 2022;
c) seja condenada a R. na imediata desocupação da loja, entregando-a livre de pessoas e bens, por ausência de título que legitime a sua ocupação e exploração comercial, com todas as benfeitorias na mesma introduzidas, em perfeito estado de conservação e limpeza e com todas as suas chaves;
d) seja condenada a R. no pagamento à A. de uma indemnização, a título de encerramento indevido da loja, até 10 de Março de 2022, no valor de €88.500,00, deduzida, por compensação, do valor da caução de €16.000,00 (dezasseis mil euros), prestada pela R. como garantia do bom cumprimento das obrigações emergentes do contrato;
e) seja condenada a R. no pagamento de uma indemnização à A., a título de privação de uso da loja ilicitamente ocupada pela R., após a data da resolução contratual (10 de Março de 2022), a quantia de €750,00 diários até à data da entrega da loja livre e devoluta, calculado no valor de €41.250,00, até à data da propositura da acção;
f) seja condenada a R. no pagamento de uma indemnização de €804,94 mensais, contados desde 1 de Fevereiro de 2022 até à efectiva restituição da loja, a título de custos gerais e que perfazem, à data da propositura da acção, a quantia de €2.414,82;
g) seja condenada a R. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na devolução da loja, em valor diário não inferior a €500,00, a contar da data da citação.

I.1_ A ré apresentou contestação e deduziu reconvenção, pedindo que:
1. seja declarado resolvido, ao abrigo do art.437.º do C.C., por alteração unilateral das circunstâncias contratuais, por notificação datada de 11 de Janeiro de 2022 (e com efeitos a 31 de Janeiro de 2022), o contrato de utilização, celebrado entre reconvinte e reconvinda em 15/05/2019, e consequentemente, seja a reconvinda condenada a:
a. devolver, ao reconvinte, a quantia de €16.000,00 (dezasseis mil euros) que lhe foi entregue a título de garantia/caução, acrescida dos juros legais, contados desde 31/01/2022 até efectivo pagamento;
b. a pagar ao reconvinte as seguintes quantias:
i) a quantia de €163.273,75 (cento e sessenta e três mil, duzentos e setenta e três euros e setenta e cinco cêntimos), relativo ao custo (investimento) na construção, equipamento da loja e dos direitos de uso da marca “Companhia”, acrescida dos juros legais desde 31/01/2022 até efectivo pagamento;
ii) a quantia de €31.940,44 (trinta e um mil, novecentos e quarenta euros e quarenta e quatro cêntimos) relativa ao prejuízo de exploração no exercício do ano de 2020, acrescida dos juros legais desde 31/01/2022 até efectivo pagamento;
iii) a quantia de €64.025,77 (sessenta e quatro mil e vinte e cinco euros e setenta e sete cêntimos), relativa ao prejuízo de exploração no exercício do ano de 2021, acrescida dos juros legais desde 31/01/2022 até efectivo pagamento;
iv) a quantia de €313.962,29 (trezentos e treze mil novecentos e sessenta e dois euros e vinte e nove cêntimos), relativa aos lucros cessantes referentes aos anos 2022, 2023, 2024 e 2025, acrescida dos juros legais desde 31/01/2022 até efectivo pagamento.
v) a quantia a liquidar em execução de sentença, relativa a todas as despesas decorrentes do encerramento do estabelecimento da reconvinte, nomeadamente, indemnizações laborais e contratuais, acrescida dos juros legais desde 31/01/2022 até efectivo pagamento.

I.2_ A autora apresentou réplica.

I.3_ Na audiência prévia, realizada em 25/5/2023, foi admitido o pedido reconvencional e fixado o valor da acção em €721.367,07. Nessa diligência, foi, ainda, proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

I.4_ Realizado o julgamento, foi proferida sentença, constando do dispositivo:
Nestes termos, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, o tribunal:
a) Julga a ação totalmente improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos contra si deduzidos;
b) Julga a reconvenção parcialmente procedente e, em conformidade:
a. Julga o contrato celebrado entre a autora e a ré referido nos factos provados como válido e eficazmente resolvido pela ré, em virtude de alteração superveniente das circunstâncias;
b. Condena a autora a restituir à ré o valor por esta entregue a título de caução, no montante de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da data dos efeitos da interpelação/resolução efetuada pela ré (31.01.2022) e até efetivo e integral pagamento:
c. Absolve a autora dos demais pedidos reconvencionais.

*

Custas da ação pela autora.
Custas da reconvenção pela ré e pela autora, na proporção do decaimento.
Notifique e registe.”.

I.5_ Não se conformando com o segmento da decisão que absolveu a autora “dos demais pedidos reconvencionais”, a ré/reconvinte interpôs recurso, pretendendo a condenação da autora também nos restantes pedidos que formulara em reconvenção, ou seja:
_ pedido de condenação da reconvinda a pagar ao reconvinte a quantia de €163.273,75 (cento e sessenta e três mil, duzentos e setenta e três euros e setenta e cinco cêntimos), relativo ao custo (investimento) na construção, equipamento da loja e dos direitos de uso da marca “Companhia”, acrescida dos juros legais desde 31/01/2022 até efectivo pagamento;
_ pedido de condenação da reconvinda a pagar ao reconvinte a quantia de €31.940,44 (trinta e um mil, novecentos e quarenta euros e quarenta e quatro cêntimos) relativa ao prejuízo de exploração no exercício do ano de 2020, acrescida dos juros legais desde 31.01.2022 até efectivo pagamento;
_ pedido de condenação da reconvinda a pagar ao reconvinte a quantia de €64.025,77 (sessenta e quatro mil e vinte e cinco euros e setenta e sete cêntimos), relativa ao prejuízo de exploração no exercício do ano de 2021, acrescida dos juros legais desde 31/01/2022 até efectivo pagamento;
_ pedido de condenação da reconvinda a pagar ao reconvinte a quantia de €313.962,29 (trezentos e treze mil novecentos e sessenta e dois euros e vinte e nove cêntimos), relativa aos lucros cessantes referentes aos anos 2022, 2023, 2024 e 2025, acrescida dos juros legais desde 31/01/2022 até efectivo pagamento;
__ pedido de condenação da reconvinda a pagar ao reconvinte a quantia a liquidar em execução de sentença, relativa a todas as despesas decorrentes do encerramento do estabelecimento da Reconvinte, nomeadamente, indemnizações laborais e contratuais, acrescida dos juros legais desde 31/01/2022 até efectivo pagamento.

I.6_ Por Acórdão proferido por esta Relação foi decidido “negar provimento ao recurso, com o que confirmam integralmente a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.”.

I.7_ Elaborada a conta, a autora, por requerimento de 17/7/2024, apresentou reclamação, alegando, em síntese, que:
_ Não há qualquer valor a pagar pela reclamante porquanto, a taxa de justiça (que corresponde nos termos do disposto no n.º1 do artigo 6.º do RCP, ao montante devido pelo impulso processual) foi plenamente satisfeita por si e só paga taxa de justiça remanescente, sem prejuízo da sua dispensa ou mesmo redução, a parte vencida nas causas de valor superior a €275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), tendo esta acção o valor de €132.164,82 (cento e trinta e dois mil centos e sessenta e quatro euros).
_ Consta da sentença proferida em 05/01/2014, “Custas da acção pela autora”, pelo que a autora, ora reclamante, não tem de efectuar qualquer pagamento de taxa de justiça remanescente, no que respeita à mesma.
_ Consta ainda da sentença “Custas da reconvenção pela ré e pela autora, na proporção do decaimento”, tendo a autora sido condenada “a restituir à ré o valor por esta entregou a título de caução, no montante de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da data dos efeitos da interpelação/resolução efetuada pela ré (31.01.2022) e até efetivo e integral pagamento”. Em função do valor do decaimento, a reclamante, na parte em que ficou vencida, não atinge o valor dos € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), não havendo, por conseguinte, taxa de justiça remanescente a pagar.
_ O recurso interposto pela ré/reconvinte foi julgado improcedente, tendo a mesma sido condenado nas custas, pelo que não existe qualquer taxa de justiça remanescente a pagar pela ora reclamante.
Conclui, pedindo que seja ordenada a anulação da conta e respectiva guia de pagamento.

I.8_ Em cumprimento do disposto no nº 4 do artigo 31º do RCP, o Senhor Funcionário informou que a conta encontra-se “tecnicamente bem elaborada” e foi efectuada para apurar as custas em dívida, nos termos do artº 6º, nº 7, do RCP em virtude de não haver um vencimento total de uma das partes.

I.9_ O Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação da conta, aduzindo os seguintes argumentos:
_ O valor da causa foi fixado em €721.367,07 (soma do valor da acção com o da reconvenção), por decisão de 25/05/2023, transitada em julgado, sendo este o montante a atender para efeitos de custas, mostrando-se desprovido o fundamento alegado pela reclamante no que concerne à determinação de quaisquer outros valores como critério para aferir do montante da taxa de justiça.
_ Fixado o valor tributável, a taxa de justiça devida é calculada nos termos gerais do artigo 6.º, n.º 1 e da tabela I-A, do RCP.
_ Nos autos, é devido o remanescente da taxa de justiça pois não foi requerida, até ao momento, a dispensa do respectivo pagamento, sendo jurisprudência fixada por Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 1/2022 (DR, Iª Série, de 03/01/2022) que “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.
_ Há que calcular, ainda, a taxa de justiça devida pelo recurso, como o fez o Sr. Contador.

I.10_ Sobre a reclamação recaiu o seguinte despacho:
“A conta de custas é elaborada por aquele valor de 721.367,07 euros, levando em consideração o decaimento, tanto em primeira instância como em sede de recurso e mostra-se corretamente elabora e de acordo com tais critérios legais.
Termos em que, considerando corretamente elabora a conta de custas e porque a mesma não enferma de qualquer erro ou lapso, indefiro a reclamação.”

I.11_ Não se conformando com a decisão que indeferiu a reclamação da conta, a autora/reconvinda/reclamante A..., SA, interpôs recurso da mesma, formulando, a final, as seguintes conclusões:
(…)
Face ao exposto, [d]eve ser julgada procedente a presente apelação e assim, ser revogado o douto despacho recorrido e, em consequência, ordenar-se a reforma da conta de custas em conformidade com o acima explanado.»

I.12_ Não foi apresentada resposta.

I.13_ O recurso foi admitido com regime de subida e efeito adequados.

I.14_ Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II_ Questão

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.

Assim, perante as conclusões formuladas pela recorrente há que apreciar e decidir se o nº 9 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais aplica-se apenas aos casos de absolvição de todos os pedidos ou deve aplicar-se também, aos casos em que haja uma condenação parcial do responsável pelo impulso processual e, em caso afirmativo, se as partes só estão obrigadas ao pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte proporcional ao respectivo decaimento.

III_ Fundamentação de facto

Os factos a considerar são os referidos no relatório que antecede.

IV_ Fundamentação jurídica
Na peça de recurso [ponto 3 do corpo das alegações e conclusão b)], admite a recorrente que a acção tem o valor de €721.367,07 e que “o pagamento do remanescente não foi dispensado, nem total, nem parcialmente, pelo que é um facto que o mesmo terá de ser pago”. Advoga, no entanto, que se for tomado em consideração o seu decaimento, no total de €148.164,82, valor este muito inferior a € 275.000,00, não devia suportar o pagamento de qualquer quantia a título de remanescente da taxa de justiça, de acordo com a norma do artigo 14.º, n.º 9, do RCP.
Refere, ainda, que caso assim não se entenda, só está obrigada ao pagamento de 20,54% do remanescente da taxa de justiça, atendendo ao respectivo decaimento (€ 148.164,82). O remanescente da taxa de justiça, segundo a conta de custas elaborada, cifra-se em € 5.508,00 (valor não impugnado por nenhuma das partes), tal significa que terá de suportar o pagamento da quantia de €1.131,34 (mil cento e trinta e um euros e trinta e quatro cêntimos).
Atendendo a que os recursos têm autonomia processual para efeitos de custas, correspondendo-lhes um regime próprio de custas (artigos 527.º, n.º 1, do CPC, e 1.º, n.º 2, do RCP) e que no recurso, a ora apelante, foi a total vencedora, na conta das suas custas não devia ter sido inscrito o valor da taxa de justiça remanescente, pois de acordo com o disposto no artigo 14.º, n.º 9, do RCP, o pagamento de tal taxa é da responsabilidade da parte vencida, ou seja, da ora apelada.
Ao contrário do que se refere na decisão recorrida, a elaboração da conta não respeitou a proporção fixada, nem na sentença, nem no recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
De harmonia com o disposto no nº1 do artigo 527º do Código de Processo Civil, “[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”, estipulando o nº2 que “dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”.
O critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, ou seja, suporta as custas a parte vencida ou as partes vencidas na proporção em que o forem.
Nos termos do nº1 do artigo 529º do Código de Processo Civil, “[a]s custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte”, dispondo o nº 2 que “[a] taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.”.
Em anotação ao artigo 529º do Código de Processo Civil, escreve Salvador da Costa[1] que «[o impulso processual é grosso modo a prática do ato de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais, designadamente, a ação, a execução, o incidente, o procedimento, incluindo o cautelar, e o recurso», acrescentando «o responsável pelo pagamento de taxa de justiça é sempre a parte ou o sujeito processual autor do impulso processual, independentemente de a final ser vencedor ou [vencido]».
Atento o disposto no nº2 do artigo 529º do Código de Processo Civil, entende Salvador da Costa que a referência do artigo 527º do mesmo código, «às custas não abrange a vertente da taxa de justiça, salvo na perspectiva das custas de parte, cuja responsabilidade pelo pagamento passou a ser do sujeito processual que impulsionou à ação ou a defesa lato sensu.».
No mesmo sentido, referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[2], «[a]s custas podem ser entendidas em sentido amplo, abrangendo a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigo 529º nº 1; artigo 3º, nº, 1 do RCP) ou em sentido estrito, excluindo a taxa de justiça. Dos atuais artigos 529º, nº 2, e 530º, nº 1, resulta que a responsabilidade das partes pelo pagamento da taxa de justiça não deriva do decaimento da causa mas do mero impulso processual, independentemente da sucumbência da parte (RL 29-1-19,2100/07). Deste modo, o conceito de custas empregue neste artigo 527º só abarca os encargos e as custas de parte.».
Nos termos do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, “[a] taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”, estipulando o nº2 que “[n]os recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
A fixação da base tributável encontra-se regulada na secção II do Regulamento das Custas Processuais estipulando o artigo 11º, como regra geral, que “a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo”.
Dispõe o nº1 do artigo 530º do Código de Processo Civil “[a] taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais”, estipulando o nº2 que “[n]o caso de reconvenção ou intervenção principal, só é devida taxa de justiça suplementar quando o reconvinte deduza um pedido distinto do autor”, não se considerando distinto o pedido, designadamente, quando a parte pretenda conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter ou quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos – cfr. nº3.
Assim, a taxa de justiça corresponde a um quantitativo fixado a partir de um critério associado ao valor tributário, à natureza e à complexidade da acção, que é devido pela parte pelo mero impulso processual. Nas palavras de Salvador da Costa[3], em anotação ao artigo 530º do CPC, «o critério do vencimento não releva, em regra, para o efeito de pagamento de taxa de justiça, uma vez que a lei liga a responsabilidade pelo seu pagamento ao autor do respectivo impulso processual, seja do lado ativo, seja do lado passivo, como se fosse uma mera contrapartida do pedido de prestação de um serviço. Mas o vencedor, na proporção em que o for, tem direito a exigir do vencido, naquela proporção, no quadro das custas de parte, o valor da taxa de justiça paga em função de referido impulso processual.». Conclui, «[t]rata-se, assim, da obrigação de pagamento da taxa de justiça pelas partes a elas vinculadas, ou seja, os demandantes e os demandados em geral, independentemente da sua responsabilidade pela dívida de custas, certo que é mesma é devida aquando e por virtude do impulso processual a que a lei se reporta e ou no prazo legalmente estabelecido para o pagamento da segunda prestação. [Assim], o autor, o réu, o requerente, o requerido, o exequente, o executado, o recorrente e o recorrido, salvo se beneficiarem de isenção de custas ou de apoio judiciário, na respectiva modalidade, devem proceder ao pagamento da taxa de justiça relativa ao concernente impulso processual em uma ou duas prestações, conforme os casos.».
De harmonia com o disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais, o pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito e a segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final. Nas situações abrangidas pelo nº 6 do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais, a lei não exige, logo, o pagamento da taxa de justiça pelo valor total, dispensando, temporariamente, o pagamento da taxa que corresponde ao montante que excede os €275.000, sendo o remanescente que ficou por pagar inserido na conta final e exigido o seu pagamento, nesse momento.
Face ao que se prescreve no fim da tabela i, o referido remanescente corresponde ao acréscimo do valor da taxa de justiça de três unidades de conta relativamente a cada vertente do valor da causa equivalente a €25.000,00.
Prevê o nº 2 do artigo 30º do RCP que a conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos e deve ser elaborada uma só conta por cada sujeito processual responsável pelas custas, multas, e outras penalidades, que abranja o processo principal e os apensos. Nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 30º do RCP, a conta deve conter a discriminação das taxas de justiça devidas, no acto da contagem e, dentro destas, das taxas pagas.
No caso de interposição de recurso, como sucedeu nestes autos, não tendo sido impugnados todos os segmentos do dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, a aferição do vencimento, para efeitos da aplicação do artigo 14º, nº 9, do RCP, deve ser efectuada mediante articulação entre a parte da decisão que não foi impugnada, e o acórdão proferido pelo Tribunal de Recurso.
Pelo que se vem expondo, contrariamente ao defendido pela recorrente, o artigo 529.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, as taxas de justiça têm de ser pagas pelos sujeitos processuais que impulsionaram o processo (seja por acção ou por defesa), independentemente da condenação a final. A conta que se mostra elaborada não podia deixar de considerar o valor da acção correspondente ao somatório do valor do pedido deduzido na petição e do valor do pedido reconvencional, fixado por despacho proferido em 25/3/2023 e transitado em julgado.
Existe efectivamente equívoco do Tribunal da Primeira Instância, na decisão recorrida, porquanto na conta elaborada pelo Senhor Funcionário, não foi considerado o vencimento/decaimento das partes pois, caso assim fosse, não poderia ser igual o valor do remanescente da taxa de justiça da responsabilidade da autora e da ré, face à sentença proferida, na parte não impugnada, e ao acórdão proferido pelo tribunal de recurso.
Dispõe o nº 9 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais, com a redacção introduzida pela Lei nº27/2019, de 28 de Março, que “[n]as situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.”, estipulando o nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais que “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”[4].
O valor da acção foi fixado em €721.367,07 e não foi dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Sustenta a recorrente que tendo em consideração o seu decaimento, no valor total de €148.164,82, muito inferior a € 275.000,00, de acordo com a citada norma do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, não devia suportar o pagamento do remanescente da taxa de justiça [conclusões h) e i)].
Salvo o devido respeito, esta sua pretensão não tem fundamento legal. O montante de €275.000,00, mencionado no nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, respeita ao valor da causa e não ao vencimento/decaimento. Por outro lado, a ré/reconvinte foi absolvida de todos os pedidos deduzidos pela autora/reconvinda, ora apelante, e esta, por sua vez, não foi absolvida de todos os pedidos deduzidos pela primeira. Assim, ainda que fosse tomado em consideração o decaimento, a autora não se encontra desonerada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte proporcional ao seu decaimento. Relativamente ao valor da taxa de justiça que já se mostra paga por si, entendendo a apelante que não é devido, pode inseri-lo na nota justificativa a apresentar, nos termos do artigo 25º do RCP, ou seja, “[a]té 10 dias após o trânsito em julgado (…), as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida (…), a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas”.
Sustenta, ainda, a recorrente que a entender-se que está obrigada a proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, teria de ser efectuada apenas uma conta e tomado em consideração o decaimento. Ficou vencida no total de €148.164,82 (€132.164,82 + €16.000,00) e a ré, ora apelada, por sua vez, ficou vencida em €573.202,25. Em termos percentuais, o seu decaimento cifra-se em 20,54%, devendo ser proporcional ao mesmo o remanescente da taxa de justiça da sua responsabilidade. Em apoio desta interpretação da norma constante do nº9 do artigo 14º do RCP, invoca o Acórdão de 28/5/2024, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 1561/19.6T8PDL-A.L2-A.S1; o Acórdão proferido pelo TRL, de 29/10/2019, no processo nº994/12.3TBCSR.L2-1; e o Acórdão proferido em 19/03/2024, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 787/14.3TVLSB-C.L1-7.
Argumenta, ainda, que o instituto das custas de parte apenas tem relevância em sede de recuperação das taxas suportadas com o impulso processual em momento anterior à elaboração da conta final e as custas de parte “têm de ser pedidas antes da elaboração de tal conta final, nos termos definidos no artigo 25.º do RCP”.

A controvérsia quanto à norma constante do nº9 do artigo 14º do RCP respeita ao seu âmbito: para uma posição, circunscreve-se aos casos em que o autor do impulso processual fica totalmente vencedor; para outra posição, deve aplicar-se, também, aos casos em que haja uma condenação parcial do responsável pelo impulso processual e, nessa situação, as partes estão obrigadas ao pagamento do remanescente da taxa de justiça apenas na parte proporcional ao respectivo decaimento.

Sobre o artigo 14º, nº9, do RCP, escreveu Salvador da Costa[5], «[ao] invés do regime de pretérito, o atual normativo rege sobre a própria responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça da parte vencedora da causa, na medida em que a dispensa da obrigação do seu pagamento. [A expressão] normativa “o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final” significa que a parte vencida é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça de cujo pagamento a parte vencedora foi dispensada, e que o respetivo valor é inserido na conta final do processo sob averbamento de débito no confronto da primeira.

Esta nova solução legal conforma-se com o princípio tendencial da justiça gratuita para o vencedor, na medida em que o dispensa de exigir o referido remanescente à parte vencida a título de custas de parte, evitando-lhe o risco da impossibilidade da sua cobrança.».
No sentido da primeira posição, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 02-03-2023, proferido no processo nº 2209/14.0TBBRG-C.G1.S1[6]: «Quanto à interpretação do n.º 9 do art. 14.º do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, acompanha-se o entendimento de que a dispensa prevista em tal norma tem lugar apenas em caso de vencimento total».
Salvo o devido respeito, não se acompanha esse entendimento. Com a alteração introduzida pela Lei nº 7/2012, do artigo 14º do Regulamento das Custas Judiciais passou a constar o nº 9 com a seguinte redacção: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”.

No Acórdão nº 615/2018, de 21/11/2018, decidiu o Tribunal Constitucional «Julgar inconstitucional a norma que impõe a obrigatoriedade do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14º, nº9, do RCP.».

Pode ler-se na sua fundamentação do citado Acórdão que permitimo-nos respeitosamente transcrever: «[foi] também com o objetivo de impedir a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade que o legislador norteou as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, na parte em que se traduziram na eliminação da «restituição antecipada (independentemente de o vencido proceder ao pagamento das custas de sua responsabilidade), pelo Cofre Geral dos Tribunais, da taxa de justiça paga pelo vencedor no decurso da ação», transferindo, assim, para o vencedor o ónus de reaver do vencido o que adiantou através do mecanismo de custas de parte. [A] mesma explicação pode ser deduzida dos fins de sustentabilidade financeira que estiveram na origem das alterações introduzidas no Regulamento das Custas Processuais pela Lei n.º 7/2012. [Diante] de um tal fim de interesse público, e como decorre do acima já referido é inquestionável que a medida contida no artigo 14.º, n.º 9, do RCP, não encontra impedimento jurídico-constitucional por a Constituição não consagrar um princípio geral de gratuitidade da justiça. Sem colocar em causa o princípio da tendencial gratuitidade da justiça para o vencedor, visa-se evitar que o mesmo opere à custa da comunidade e do Estado, quando pode limitar-se a onerar quem foi parte na ação.».

Refere o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº615/2018 que “uma tal solução legislativa não se apresenta como desadequada ou desnecessária. Desde logo a medida em causa é apta para alcançar este objetivo, uma vez que garante o pagamento da taxa de justiça pelos seus utentes. Para além disso, se respeitada a equivalência dos encargos, não são vislumbráveis outras medidas menos onerosas, que permitam atingir os mesmos fins de eficácia na cobrança das taxas de justiça. Efetivamente, outras opções aumentariam o risco de não cobrança da taxa de justiça. De qualquer modo, a parte vencedora pode subsequentemente reaver a quantia despendida a título de custas de parte. [Mais] complexa se afigura, porém, a resposta referente à análise sobre a proporcionalidade stricto sensu desta solução legislativa. Desde logo por não dever ignorar-se as especificidades que caracterizam a situação do réu que, no final do processo, vem a ser absolvido do pedido.

A sua posição é diferente da assumida pelo autor da ação. [Quando] se exige do autor que garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte, do que se trata é de prevenir a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade. Nesta situação, a taxa de justiça que o autor como parte vencedora pagar deverá poder ser-lhe reembolsada pelo réu, parte vencida, a título de custas de parte.

[Haverá] razões que justifiquem a opção no sentido de ser a parte que litigou na ação que desencadeou a suportar a contrapartida do serviço público prestado e não a comunidade. Compreende-se que se exija a quem recorre à justiça (i.e., ao autor) que garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte.

Idêntica justificação já não é possível, porém, utilizar no que respeita a quem é acionado, sobretudo quando tem ganho final de causa. O réu é chamado à demanda, ficando designadamente sob o ónus de apresentação da contestação indispensável a prevenir a condenação no pedido. Se o réu que apenas dá resposta ao impulso processual do autor, meramente defendendo-se, obtém a absolvição a final relativamente à totalidade do pedido o que significa o desmerecimento da causa que o levou aos tribunais, não se pode sustentar que tenha causado custos significativos à administração da Justiça. Ora, quando se exige a quem não recorreu à justiça nem dela procurou retirar qualquer benefício, tendo sido absolvido da pretensão do autor, o pagamento de parte substancial dos seus custos, surge um problema de justificação ao nível do custo-benefício. Numa tal ponderação a desproporção torna-se evidente na exigência do pagamento da taxa na dimensão que excede a taxa de justiça inicialmente paga cujo pagamento é sempre legalmente exigido por necessariamente corresponder a uma ideia do custo básico inerente a uma litigância normal.»

Conclui o Tribunal Constitucional que «[o] réu, neste caso, não teve uma conduta que justifique o pagamento de custos que em muito ultrapassam a utilização que fez do sistema de justiça. [Por] outro lado, impor ao réu o impulso processual para reaver esse custo do autor vencido constitui sempre um ónus processual adicional e um risco acrescido que não encontram justificação nos interesses públicos prosseguidos, sendo, por isso desproporcionado e, nessa medida, excessivo.».

Por Acórdão do Tribunal Constitucional nº 69/2024, de 21 de Fevereiro, publicado no DR, I, de 21/2/2024, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pela Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro.

Pela Lei nº 27/2019, o legislador conferiu a redacção actual ao artigo 14º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais.

Entende este tribunal que as razões indicadas pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 615/2018, impõem-se, igualmente, no caso de absolvição parcial do pedido. Conforme se referiu, a responsabilidade das partes pelo pagamento da taxa de justiça não assenta, actualmente, no princípio da causalidade consubstanciado no decaimento na causa, mas no impulso processual, conforme decorre do disposto no artigo 530.º, n.º 1, do CPC. Todavia, no caso do remanescente da taxa de justiça, é exigível o pagamento desta parcela no momento processual posterior à prolacção da decisão final, ou seja, quando as partes já têm conhecimento do respectivo decaimento ou vencimento e em que medida.
Ao impor-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça e não o pagamento, dentro desse valor, da parte proporcional ao decaimento da parte, a parte condenada parcialmente no pedido estará a efectuar o pagamento de quantia que excede a sua responsabilidade que já se encontra definida na decisão final proferida. Significa que o responsável pelo impulso processual que seja condenado parcialmente no pedido e que essa condenação represente uma pequena parcela, considerando a globalidade do pedido, como sucedeu nestes autos, irá suportar o pagamento de quantia superior à medida da sua responsabilidade, correndo os mesmos riscos que o responsável pelo impulso processual que seja absolvido de todos os pedidos. Também nesta situação, a autora não teve uma conduta que justifique o pagamento de custos referentes ao valor da acção [€721.367,07 = acção (€132.164,82) + pedido reconvencional (€ 589.202,25)] face ao pedido deduzido, no valor de €132.164.164,82, julgado totalmente improcedente, e à condenação parcial do pedido reconvencional que envolve o pagamento da quantia de €16.000,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal.
Neste sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 24/11/2022 proferido no processo n.º 939/16.1T8LSB-H.L1-2[7]: «o sentido de que a norma só se aplica para o caso de o responsável pelo impulso processual não ter sido condenado em nada (isto é, vencimento/ decaimento total), [levaria] a uma óbvia inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade: para um caso em que a parte vence totalmente, a imputação da parte remanescente da sua taxa de justiça fica a cargo da [outra] parte, vencida, mas num caso em que a parte vence em 99%, a parte remanescente da sua taxa de justiça fica totalmente a seu cargo. Se fosse assim, a alteração legal não faria sentido: para quê alterar a norma apenas para resolver os casos em que há um vencimento total, e não para todos os outros casos em que há um vencimento parcial, que poderá ser um vencimento quase total? Qual a diferença substancial, entre um e outro caso, que justificaria a diferença de tratamento? Ora, para evitar este resultado e inconstitucionalidade, é possível fazer uma outra interpretação da norma que não tem dificuldade nenhuma. A norma rege para todos os casos em que uma das partes não seja a única condenada. Se for condenada em algo, a dispensa é para a parte proporcional em que não foi condenado. Ou seja, a norma deve ser lida como se dissesse: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja [único] condenado a final fica dispensado do referido pagamento [na parte proporcional ao seu vencimento], o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.».
Refere, ainda, o Tribunal da Relação de Lisboa, no citado Acórdão, «[a]s únicas razões que poderiam justificar tal regime estariam na complexidade acrescida da elaboração da conta – na conta de uma das partes passam a entrar dívidas que seriam da outra parte – e na dificuldade que o contador terá em determinar a proporção do vencimento, sempre que os juízes condenarem, sem concretização da percentagem da condenação. Mas aquela complexidade existirá sempre (pelo menos nos casos não discutíveis da não condenação total) e a dificuldade resolve-se com a possibilidade que o contador tem de pôr a dúvida antes de elaborar a conta, para que o MP se pronuncie e o juiz decida como é que ela deve ser elaborada na parte em causa (art.º 29/4 do RCP). De resto, quando houver razões para estas dúvidas, normalmente elas também se colocariam às partes ao elaborarem a sua nota justificativa de custas de parte e a questão sempre acabaria por ter de ser resolvida pelo juiz.».
Pronunciando-se sobre a questão, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão – citado pela recorrente - de 28/05/2024, proferido no processo nº1561/19.6T8PDL-A.L2-A.S1[8]:
«57. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018, de 21 de Novembro de 2018, decidiu julgar inconstitucional “a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14.º, n.º 9, do RCP”.
58. O fundamento do juízo de inconstitucionalidade encontrava-se no princípio da proporcionalidade, na vertente de proporcionalidade em sentido estrito:
“A exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que, por ser absolvido do pedido, venceu totalmente a acção civil e, por conseguinte, não é condenado em custas, obrigando-o a obter o montante que pagou em sede de custas de parte, revela-se […] uma solução inconstitucional porque comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição”.
59. A nova redacção do n.º 9.º do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais, ao dizer que “o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do […] pagamento [do remanescente da taxa de justiça]”, resolveu o problema, substituindo uma regra desproporcionada por uma regra proporcionada.
60. O contexto do n.º 9.º do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais depõe no sentido de que o n.º 9 do artigo 14.º se aplique ainda que o responsável pelo impulso processual seja condenado a final, desde que o seja só parcialmente.
61. A razão de ser da nova redacção do n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais é o princípio da proporcionalidade, na vertente de proporcionalidade em sentido estrito — ora, na perspectiva do princípio da proporcionalidade, na vertente de proporcionalidade em sentido estrito, é indiferente a circunstância de o responsável pelo impulso processual ter vencido totalmente o processo ou de o ter vencido quase totalmente.».

No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 25/10/2022, no processo nº 22640/18.1T8LSB.L1.S1[9]:

«Num quadro evolutivo em que o legislador revogou a anterior redação do artigo 14.º, n.º 9, do RCP (que obrigava a parte vencedora a pagar por inteiro o remanescente da taxa de justiça e a exigir a devolução do montante pago à parte vencida em sede de custas de parte), por respeito a um Acórdão do Tribunal Constitucional que entendeu que tal solução normativa comprimia excessivamente o direito fundamental dos cidadãos de acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), deve assumir-se a intenção do legislador de respeitar, na nova estipulação normativa consagrada, esse direito dos cidadãos de acordo com um princípio de proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP).

Assim, entendemos que a circunstância de o vencimento não ser total não tem por consequência a exclusão do caso dos autos do âmbito de aplicação da norma, que, a nosso ver, abrange no seu espírito estas hipóteses de vencimento parcial. O princípio da proporcionalidade não pode deixar de ser relevante como critério interpretativo da lei, nos casos em que o responsável pelo impulso processual, apesar de ser condenado a final, vence parcialmente a ação. Se o autor da iniciativa processual obtém ganho de causa, ainda que apenas parcialmente, não faz sentido, à luz da finalidade da alteração legislativa e do referido princípio da proporcionalidade, entender que continue a suportar o remanescente da taxa de justiça solidariamente com a outra parte. É que, na proporção em que a parte venceu, continua a ser aplicável o princípio da tendencial gratuidade do serviço prestado pelo Estado, o que não é compatível com o risco da insolvência da contraparte.»

Refere, ainda, o Supremo Tribunal de Justiça:

«A distinção entre a posição de autor e a de réu, a que procedeu o Acórdão n.º 615/2018, [não] teve respaldo na alteração legislativa efetuada, que beneficia a parte vencedora sem qualquer especificação quanto à posição processual ocupada, não tendo, portanto, força persuasiva como argumento para a interpretação do artigo 14.º, n.º 9, do RCP aqui em causa.

A exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao autor que venceu a ação cível parcialmente, obrigando-o a obter o montante que pagar em excesso em sede de custas de parte e a correr o risco de ter de instaurar nova ação judicial caso estas não sejam prontamente pagas pela contraparte2, tem por consequência que este seja tratado, nos casos de insolvência do réu, como quem perde a ação totalmente, resultado interpretativo que se encontra fora da ratio legis e da lógica de proporcionalidade que presidiu à norma.».

Pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão proferido em 10/7/2024, no processo nº 2368/14.2TBLRA-C.C1[10], foi entendido que «[o] legislador fixou a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, nas ações de valor superior a € 275.000,00, para a parte que não deu causa ao processo, obtendo vencimento a final, aqui se englobando quer as hipóteses de vencimento total quer parcial – sendo neste caso refletido na conta a elaborar o grau de responsabilidade fixado na decisão –, porquanto a ratio da regulação é similar para as duas situações, impondo-se essa interpretação (art. 9º do Cód. Civil. Donde, se o pagamento que for devido deve ser “imputado à parte vencida”, deve sê-lo, necessariamente, na medida do vencimento/decaimento.».

Revertendo aos presentes autos e acompanhando o entendimento que em caso de condenação parcial, as partes só estão obrigadas a proceder ao pagamento da parte proporcional do remanescente da taxa de justiça, impõe-se proceder à reforma da conta.

A autora/reconvinda foi condenada parcialmente no pedido reconvencional. A reconvenção constitui uma pretensão autónoma do réu sobre o autor que corresponde a uma acção própria, embora incorporada nos autos de outra acção.

Proferida sentença, decidiu o Tribunal da Primeira Instância julgar (i) a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos contra si deduzidos e (ii) «a reconvenção parcialmente procedente e, em conformidade:
a. Julga o contrato celebrado entre a autora e a ré referido nos factos provados como válido e eficazmente resolvido pela ré, em virtude de alteração superveniente das circunstâncias;
b. Condena a autora a restituir à ré o valor por esta entregue a título de caução, no montante de €16.000,00 (dezasseis mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da data dos efeitos da interpelação/resolução efetuada pela ré (31.01.2022) e até efetivo e integral pagamento:
c. Absolve a autora dos demais pedidos reconvencionais.».
Assim, deve ser reformulada a conta, refletindo a conta a elaborar o grau de responsabilidade das partes pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça na proporção do respectivo decaimento.
Pretende a apelante que a sua obrigação corresponda a 20,54% do remanescente da taxa de justiça, atendendo ao respectivo decaimento que computa no valor total de €148.164,82 [valor da acção € 132.164,82 + €16.000,00].
Analisados os autos, constata-se que a ré, na sua contestação, pediu a condenação da autora a restituir-lhe a quantia de €16.000,00, acrescida dos juros de mora vencidos desde 31/1/2022. Contudo, não procedeu à liquidação dos juros de mora vencidos até à data da apresentação do seu articulado. No valor atribuído à reconvenção, a ré não contabilizou qualquer quantia referente aos juros de mora já vencidos, sobre a quantia de €16.000,00. O valor fixado à acção resulta da soma entre o valor constante da petição e o valor constante da reconvenção, ou seja, não foram contabilizados os juros de mora vencidos à data da apresentação da contestação/reconvenção. Atento o disposto no artigo 11º do RCP, o mesmo sucedeu na determinação da taxa de justiça devida.
Significa que não tendo sido contabilizados, no cálculo da taxa de justiça devida, os juros de mora, contados sobre a quantia de €16.000,00, vencidos desde 31/1/2022 até à data da apresentação da reconvenção, também não devem ser tomados em consideração no cálculo do remanescente da taxa de justiça da responsabilidade da autora/recorrente. Caso contrário, a elaboração da conta conduzirá ao agravamento da responsabilidade da autora e à redução da responsabilidade da ré, sem fundamento legal.
Pelo exposto, no cálculo do remanescente da taxa de justiça da responsabilidade da autora, não devem ser considerados os juros de mora vencidos sobre a quantia de €16.000,00, desde 31/1/2022 até à data da apresentação do pedido reconvencional, mas o valor total de €148.164,82 [valor da acção € 132.164,82 + €16.000,00].
Procede, assim, parcialmente o recurso.

Custas
Pela apelada/ré/reconvinte não foi apresentada resposta, no recurso, nem oposição à reclamação da conta, não sendo da sua responsabilidade a elaboração da conta.
Pelo exposto, as custas do presente recurso são da responsabilidade da apelante (artigos 527º, nº1 e 535º, nº1, do Código de Processo Civil).


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V_ Decisão


Pelos fundamentos acima expostos, julga-se o presente recurso parcialmente procedente e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida, determinando a reforma da conta nos termos enunciados.

Custas do recurso pela autora/apelante (artigos 527º, nº1 e 535º, nº1, do Código de Processo Civil).

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Sumário:
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Porto, 24/11/2025

Anabela Morais

Teresa Maria Sena Fonseca

Carlos Gil






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[1] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª edição, Almedina, 2013, págs. 61 e 50.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado -  Parte geral e Processo de Declaração, vol. I, 3ª edição, Almedina, 2022, pág. 625.
[3]  Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª edição, Almedina, 2013, págs. 65 e 66.
[4] Por Acórdão  de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2022, de 3 de Janeiro, publicado no DR, I, de 3/1/2022, foi fixada a seguinte jurisprudência: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.
[5] Salvador da Costa, Alteração do Regime das Custas pela Lei nº 27/2019, de 28 de Março, 15/4/2019,  publicado no blog do IPPC, acessível em https://drive.google.com/file/d/1rBagyGN1ZLMvaWaUUA7tFzSGc4CR99BK/view.
[6] Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/561ceeb7d2ee531680258966005b5948?OpenDocument. Nesse acórdão,
Refere o Supremo Tribunal de Justiça que «[q]uanto à questão da invocada inconstitucionalidade desta interpretação normativa, pronunciou-se o Tribunal Constitucional pela Decisão Sumária n.º 432/2021, de 28-06-2021, confirmada em conferência pelo Acórdão n.º 812/2021, de 26-10-2021, decidindo: «Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na interpretação segundo a qual, nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o autor deve assumir o pagamento da taxa de justiça devida, independentemente da medida do vencimento ou decaimento da causa.».
[7] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b829022c999eb9c680258910004efd74?OpenDocument&Highlight=0,939%2F16.1T8LSB-H.L1.
[8] Acessível em https://juris.stj.pt/1561%2F19.6T8PDL-A.L2-A.S1/HPN07ujLdwA3qVoEwHE3Jywuzdo?search=Xgtb-NlXBj5kDIb8HNs.
[9] Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/54cd3e76570d625e802588e7003e9d49?OpenDocument.
[10] Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/779dbe20f7e057c080258ba100338ab9?OpenDocument.