CONTRATO DE COMPRA E VENDA
NULIDADE POR FALTA DE FORMA
USUCAPIÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário

I – Verificando-se a nulidade, por inobservância de uma das duas formas legalmente prescritas, de um contrato de compra e venda de quota parte ideal do direito de propriedade sobre um imóvel, tem de ser restituído tudo que tiver sido prestado, em conformidade aos artigos 875.º, 220.º, 280.º e 289.º do Código Civil, C.C.
II – Não deve ponderar-se a aplicação do instituto da usucapião previsto nos artigos 1287.º e seguintes do C.C. entre cônjuges, até porque conceber-se tal seria abrir a porta para uma derrogação do teor das normas imperativas dos regimes de bens no casamento, como sejam o da comunhão de adquiridos ou da separação de bens.
III – O art.º 474.º do C.C., sobre a subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, não levanta dúvidas jurisprudenciais. A aplicação do instituto do enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa de 5 pressupostos: 1) existência de um enriquecimento à custa de outrem; 2) existência de um empobrecimento; c) do nexo de causalidade entre esse enriquecimento e o correlativo empobrecimento; 4) da ausência de causa justificativa e, por fim, 5) da inexistência de uma ação apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído.

Texto Integral

APELAÇÃO N.º 2084/22.1T8PRT.P1



SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.):
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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo


Relator: Jorge Martins Ribeiro

1.º Adjunto: Miguel Baldaia de Morais e

2.º Adjunto: Manuel Fernandes.










ACÓRDÃO



I – RELATÓRIO



Nos presentes autos de ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, é autor (A.) AA, titular do N.I.F. ...58, residente na R. de ..., ... Matosinhos, e é ré (R.) BB, titular do N.I.F. ...13, residente na R. ..., ... Porto.
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Procedemos agora a uma síntese do processado relevante para o objeto do presente recurso.
1) Aos 08/11/2024 foi proferida a sentença objeto deste recurso.
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1.1) O objeto do processo foi nela resumido pelo seguinte modo([1]):
[A]purar se, como pretende o autor, AA, tem direito a, no confronto com a ré BB, ver reconhecido e declarado que o autor é comproprietário, conjuntamente com a ré, do imóvel urbano (fracção autónoma) que identifica na petição inicial, por ter adquirido metade indivisa do mesmo através do instituto jurídico da usucapião e/ou subsidiariamente, tem direito a reclamar da ré as quantias monetárias que discrimina, com fundamento, em resumo e no essencial, em que foram casados um com o outro entre 16.06.2007 e 22.06.2022. Porém, porque em 2004, durante a relação de namoro que então mantinham, acordaram que o autor adquiriria metade da fracção urbana em causa (titulada apenas pela ré), tendo pago a respectiva metade à ré e com ela contraindo mútuos bancários para pagamento do remanescente, conclui, como acima referido, pedindo lhe seja reconhecido o direito de compropriedade da fracção, nos seguintes termos:
«Termos em que, deve a presenta acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser proferida douta sentença que declare que o Autor é comproprietário na proporção de metade da fracção autónoma destinada à habitação, identificada pelas letras “AR”, sita ao nível do 8.º andar, com entrada pelo n.º ... da Rua..., descrita na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ...42/20031029 - AR da extinta freguesia ... e inscrita na respectiva matriz urbana sob o art.º ...80.º da União de Freguesias ... e ..., por compra à Ré concretizada em 30 de Novembro de 2004 e com efeitos reportados a essa data, sendo ambos, nessa altura, solteiros; ou, caso por qualquer motivo se mostre inviável o acima peticionado, ser proferida douta sentença que declare que o Autor adquiriu a metade da fracção autónoma em causa por usucapião, e, consequentemente e em ambas as circunstâncias, condenando a Ré a reconhecer esse direito do Autor; e ordenada a alteração do registo predial dessa fracção autónoma, de forma a que nele passe a constar que o Autor adquiriu metade dela, por compra à Ré nos termos e data acima descrita, ou, caso assim não for entendido por usucapião; bem como ordenado o averbamento na respectiva matriz, de forma a que nele conste que Autor e Ré são comproprietários da referida fracção autónoma na proporção de metade cada um; e ainda, caso assim não se entenda, ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €: 223.569,18, acrescida do valor correspondente a juros de mora, contabilizados à taxa legal desde a data da citação da Ré para contestar a presente acção até efectivo e integral pagamento; devendo a Ré ser também condenada a pagar ao Autor, todos os valores que este pague ao Banco 1... para cumprimento do financiamento dos autos, a partir de 31 de Dezembro de 2021, até extinção por pagamento integral, quantia esta a liquidar em incidente de liquidação de sentença, a interpor, ou a acumular, no final de cada ano; tudo com as necessárias e legais consequências».
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Em contraponto, como invocado pela ré em sede de contestação/reconvenção e «caso a acção for considerada procedente», constitui também objecto do processo, apurar se, contrariamente ao invocado pelo autor, nunca acordaram que este adquirisse metade indivisa daquela fracção, mas apenas que a mesma passasse a ser a casa de morada de família, razão pela qual a ré colocou fim a contrato de arrendamento da fracção, deixando assim de auferir as quantias a título de rendas que discrimina, reclamando o prejuízo que tal lhe causou, tudo também como melhor descreve no seu articulado de contestação/reconvenção, que assim conclui:
«Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exª doutamente suprirá, deve ser a acção julgada improcedente, por não provada e, em consequência, ser a ré absolvida de todos os pedidos formulados pelo autor.
Caso assim não se venha a decidir e a acção for considerada procedente, o que não se concebe, nem concede, e apenas por mera cautela e dever de patrocínio se admite:
Deve ser julgada procedente, por provada, a reconvenção e o autor/reconvindo ser condenado a pagar à ré a quantia de € 507.939,09, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a data da dedução da presente contestação com reconvenção, até efetivo e integral pagamento».
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Proferido despacho saneador do processo (cfr. acta de audiência prévia sob a ref. 453925746), prosseguiu a acção para julgamento, que foi realizado observando-se as pertinentes normas legais”.
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1.2) O dispositivo da decisão é do seguinte teor:
Pelo exposto e tudo ponderado, nos termos das disposições legais acima citadas, julgo a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção e, consequentemente, decido:
A- Condenar a ré, BB, a reconhecer que o autor, AA, é comproprietário, conjuntamente com ela, na proporção de metade para cada um deles, da fracção autónoma destinada à habitação, identificada pelas letras “AR”, sita ao nível do 8.º andar, com entrada pelo n.º ... da Rua..., descrita na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ...42/20031029 - AR da extinta freguesia ... e inscrita na respectiva matriz urbana sob o art.º ...80.º da União de Freguesias ... e ...;
B- Absolver a ré dos demais pedidos contra ela formulados pelo autor;
C- Absolver o autor dos pedidos contra si formulados pela ré em sede de reconvenção.
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Custas da acção e da reconvenção pela ré.
Valor da acção: já fixado em sede de despacho saneador do processo.
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Registe e notifique”.
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2) No dia 06/01/2025([2]) foi interposto recurso independente pela R.([3]), tendo por objeto a reapreciação da decisão da matéria de facto([4]) e da de Direito, tendo sido formuladas as seguintes conclusões([5]):

(…)

Termos em que decidindo conforme a posição expressa pela recorrente e dando provimento ao recurso apresentado, com a consequente reversão da sentença, farão V. Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, a costumada, JUSTIÇA!
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2.1) No dia 10/02/2025([6]) o A. apresentou contra-alegações.
Não formulou conclusões([7]) mas concluiu pelo seguinte modo:
Termos em que, e naqueles que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!”.
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3) Também no dia 10/02/2025 o A. apresentou recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões([8]).
(…)
Termos em que, e naqueles que Vossas Excelências superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deverá a douta sentença recorrida ser substituída por outra que condene a Ré nos termos requeridos.
Assim, decidindo, farão V. Exas. a acostumada JUSTIÇA!”.
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3.1) Aos 17/03/2025 a R. apresentou a sua resposta a tal recurso([9]).
Sem formular conclusões, terminou nos seguintes termos:
Face a tudo o exposto impõe-se a rejeição do recurso na parte em que o recorrente reclama a ampliação da matéria de facto, quanto à factualidade provada, por violação do disposto pelo art.º 640.º do C.P.C.
O recurso interposto pelo recorrente subordinado não merece provimento, por absoluta falta de fundamento legal.
Como já legado, a douta sentença a quo errou, de facto, mas nos termos e pelos fundamentos defendidos no recurso principal da ré, cujos argumentos e conclusões aqui se dão por integralmente reproduzidos e no seu sentido que a sentença a quo deve ser alterada.
Destarte, terão de perecer as, aliás, doutas conclusões do recorrente subordinado.
Termos em que, rejeitando o recurso subordinado interposto pelo recorrente subordinado, ou, quando assim não se entenda, negando provimento ao mesmo e alterando-se a douta sentença recorrida nos termos peticionados no recurso principal da ré, farão V. Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, a costumada, JUSTIÇA!”.
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4) Aos 20/03/2025 foi proferido despacho a admitir os requerimentos de interposição de recurso, como sendo de apelação e com subida nos autos e com efeito devolutivo.
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4.1) O efeito foi corrigido neste Tribunal pelo despacho que determinou a remessa aos vistos e a inscrição em tabela, porquanto o efeito não é devolutivo mas sim suspensivo, dado que se trata da casa de morada de família da R.([10]), nos termos dos artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a) e 647.º, n.º 3 b), todos do C.P.C.
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).
Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.

As questões (e não meras razões ou argumentos) a decidir são as seguintes:


A) Do recurso independente da R.

A 1) Da reapreciação da matéria de facto.
A 1a) Se os factos provados n.º 25, 26, 27, 42, 43, 44, 47, 49, 50, 51 e 52 devem ser considerados não provados.
A 1b) Se os factos provados n.º 28, 31, 33, 35 e 48 devem ter a sua redação alterada no sentido pretendido.
A 1c) Se devem ser aditados os dois novos factos pretendidos.
A 2d) Se os últimos dois factos não provados devem ser considerados provados com a redação sugerida.
A 2) Da aplicação do direito aos factos.
B) Do recurso subordinado do A.
B 1) Da reapreciação da matéria de facto (aditamento) e cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto.
B 2) Da aplicação do direito aos factos.




II – FUNDAMENTAÇÃO

Os factos

Na decisão recorrida([11]) foi decidida a seguinte matéria de facto([12]).

Factos provados
1- O autor, AA, e a ré, BB, casaram um com o outro no dia 16 de Junho de 2007, sem celebração de convenção antenupcial (doc. junto aos autos);
2- Encontram-se separados de factos desde Agosto de 2021;
3- Essa separação de facto foi fundamento para o autor requerer a regulação das responsabilidades parentais da filha de ambos;
4- Desde Agosto de 2021 que autor e ré vivem nas moradas agora indicadas como seus domicílios e, desde essa data, deixaram de viver em economia comum, cada um fazendo seus os rendimentos que aufere e pagando as suas despesas;
5- As únicas despesas suportadas em partes iguais por ambos, reportam-se ao pagamento do financiamento bancário contraído pelos dois e que se encontra garantido por hipoteca da fracção autónoma onde a ré vive e os pagamentos à administração do condomínio referentes a essa mesma fracção autónoma, hipoteca registada pela Ap. ...5 de 2004/09/15 (doc. junto aos autos),
6- A referida fracção autónoma destinada à habitação é identificada pelas letras «AR», sita ao nível do 8.º andar, com entrada pelo n.º ... da Rua..., no Porto e encontra-se descrita em nome da ré, na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ...42/20031029 - AR da extinta freguesia ... (doc. junto aos autos);
7- A fracção encontra-se inscrita na respectiva matriz urbana sob o art.º ...80.º da União de Freguesias ... e ..., apresentando o valor patrimonial de €: 337.589,64 (doc. junto aos autos);
8- Pela Ap. ...4 de 2004/09/15, a ré tem registada a seu favor a aquisição da descrita fracção autónoma;
9- Como resulta da referida Ap. ...4, a ré adquiriu a fracção autónoma em causa por divisão de coisa comum;
10- No dia 15 de Março de 2000, por escritura notarial, a ré adquiriu duzentos e catorze/dez mil avos do prédio urbano destinado à construção, descrito na Segunda Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ...42/19971021, pelo preço de novecentos e trinta mil escudos (doc. junto aos autos);
11- Na mesma data e por escritura outorgada no mesmo cartório notarial, a ré, em conjunto com outra comproprietária do mesmo prédio, contraiu um financiamento de quarenta e três milhões cento e oitenta mil escudos, junto da Banco 1..., dando de hipoteca voluntária a sua alíquota no descrito prédio (doc. junto aos autos);
12- Esta aquisição foi registada provisoriamente a favor da ré pela Ap. ...0 de 2000/01/13, convertida em definitiva pelo Averb. – Ap. ...6 de 2000/04/19 (doc. junto aos autos);
13- A agora mencionada hipoteca foi também registada provisoriamente a favor da Banco 1... pela Ap. ...2 de 2000/01/13, convertida em definitiva pelo Averb. – Ap. ...8 de 2000/04/19 (doc. junto aos autos);
14- Finalizada a construção do imóvel implantado no prédio acima identificado e constituída a respectiva propriedade horizontal, a ré adquiriu a acima descrita fracção autónoma por escritura notarial de divisão de coisa comum outorgada em 8 de Março de 2004 (doc. junto aos autos);
15- Nessa escritura a ré foi a 34.ª Outorgante, figurando como titular de 214/10.000 avos do prédio, tendo-lhe sido adjudicada a fracção «AR», com o valor de €: 160.000,00 (doc. junto aos autos);
16- Quando a ré consumou essa aquisição, a fracção autónoma encontrava-se onerada com três hipotecas voluntárias, resultantes de financiamentos contraídos por si para essa compra e subsequente divisão de coisa comum;
17- Após essa aquisição as referidas hipotecas mantiveram-se em vigor;
18- A ré deu essa fracção autónoma de arrendamento, fazendo suas as rendas recebidas;
19- A relação de namoro entre o Autor e a Ré que culminou no casamento, teve o seu início no ano de 2000;
20- Quando, em 16 de Junho de 2007, autor e ré casaram, depois de obras de remodelação, foram viver para a fracção autónoma acima referida;
21- Todas as despesas inerentes à fracção passaram a ser pagas por ambos, no âmbito da economia comum do casal;
22- O autor entregou à ré os seguintes três cheques bancários, sacados sobre uma conta do autor existente no Banco 2... e todos depositados pela ré na conta bancária onde se encontravam domiciliados os financiamentos relativos aos mútuos bancários:
a) De €: 25.000,00, com data de 3 de Junho de 2004, com o n.º ...52, à ordem da ré (doc. nº 11 da petição inicial);
b) De €: 55.000,00, com data de 2 de Julho de 2004, com o n.º ...92, à ordem da ré (doc. nº 12 da petição inicial);
c) De €: 70.000,00, com data de 4 de Agosto de 2004, com o n.º ...91, à ordem do Banco 1... (doc. nº 13 da petição inicial);
23- O casamento entre autor e ré foi dissolvido por divórcio no dia 22.06.2022;
24- Durante a relação de namoro entre ambos, em 2004, encontrando-se já construído o prédio do qual a fracção autónoma em causa faz parte, autor e ré ponderaram usar a fracção como sua habitação e casa de morada de família, após o casamento que projectavam;
25- Nessa sequência, autor e ré acordaram em que o autor passasse a ser também dono e comproprietário com a ré, da referida fracção;
26- Assim, para tal, acordaram que o autor entregaria à ré, como entregou, as quantias acima referidas em 22, num total de 150.000,00 euros e que correspondia a metade do valor da fracção autónoma;
27- Acordaram ainda autor e ré que tal quantia de 150.000,00 euros, seria usada, como foi, para pagamento e amortização dos valores referidos em 16 e 17 supra;
28- Acordaram também autor e ré que o valor que ainda resultasse em dívida após essa amortização dos referidos 150.000,00, seria integralmente pago por um novo financiamento contraído e pago por ambos, permitindo o cancelamento das anteriores hipotecas que oneravam a fracção autónoma (cfr. supra nº 5);
29- Assim, em Março de 2004, o autor e a ré abriram uma conta bancária, no Balcão do Porto-... do Banco 1..., conta a que foi atribuído o n....46-8 e sempre apresentou, e apresenta, o autor e a ré como seus titulares (docs. juntos aos autos);
30- Foi com a ajuda dos seus pais e avô, que o autor reuniu aquele valor de 150.000,00 euros para entregar à ré;
31- Tal como combinado entre ambos, esses 150.000,00 euros foram integralmente usados para amortização do valor ainda em dívida nos financiamentos bancários anteriores e dos quais a ré era a única devedora;
32- Após essa amortização, ficou ainda em dívida o valor de 88.396,72 euros, no âmbito dos referidos financiamentos garantidos pelas mencionadas hipotecas;
33- Cumprindo o que haviam acordado entre si, o autor e a ré, em conjunto e como contitulares da conta bancária acima referida em 29, solicitaram ao Banco 1... um crédito à habitação (contrato de mútuo com hipoteca para habitação própria permanente) de valor que lhes permitisse liquidar o mencionado valor de €: 88.396,72;
34- Essa proposta de crédito à habitação foi deferida no montante de €: 87.600,00, em 12 de Agosto de 2004 (doc. junto aos autos);
35- No seguimento da aprovação desse crédito, em 30 de Novembro de 2004 o autor e a ré celebraram com a Banco 1... uma escritura notarial de mútuo com hipoteca e, no âmbito desse contrato, o autor e a ré confessaram-se solidariamente devedores à Banco 1... da quantia de €: 87.600,00 que nesse acto dela receberam, a título de empréstimo para liquidação parcial de hipoteca, com garantia do imóvel hipotecado, a fracção aqui em causa (doc. junto aos autos);
36- Nesse mesmo dia, 30 de Novembro de 2004, esses €: 87.600,00 foram creditados na aludida conta bancária do autor e da ré (doc. junto aos autos);
37- O autor e a ré procederam então à transferência de €: 88.396,72, para a conta do Banco 1... titulada pela autora e onde se encontravam domiciliados os financiamentos acima referidos;
38- Com o pagamento que esta transferência espelha, esses financiamentos foram integralmente pagos e as hipotecas que os garantiam canceladas (doc. junto aos autos);
39- As prestações para pagamento deste financiamento de €: 87.600,00 foram sempre pagas através da conta titulada por ambos e acima referida;
40- Desde então, as prestações mensais do mútuo bancário foram pagas por ambos;
41- Após a celebração do casamento entre ambos, autor e ré passaram a viver em economia comum;
42- Com a entrega da quantia de 150 mil euros acima referida, pagamento de financiamentos anteriores apenas da responsabilidade da ré e com o contrato de mútuo bancário contraído por ambos, o autor passou a considerar-se a si mesmo como comproprietário na proporção de metade para si e de metade para a ré;
43- A partir de então, também a ré reconheceu o autor como comproprietário na proporção de metade daquela fracção autónoma;
44- A partir de então, passaram autor e ré a agir como se, de facto, a fracção autónoma fosse propriedade de ambos, em partes iguais;
45- Quando casaram um com o outro, em 2007, após algumas obras de remodelação da fracção, o casal que então formavam foi viver para a fracção autónoma em causa;
46- Todas as despesas inerentes à fracção passaram a ser pagas por ambos, no âmbito da economia comum do casal;
47- Após a separação de autor e ré, em Agosto de 2021, ambos conversaram sobre o destina a dar à fracção autónoma dos autos, tendo o autor transmitido à ré que estava disposto a ceder-lhe a sua metade, como também estava disposto a adquirir a metade dela;
48- Após negociações/conversas entre ambos, não lograram obter acordo, acabando a ré por lhe transmitir que não havia nada a comprar ou vender entre eles, uma vez que era a única proprietária da fracção autónoma em causa;
49- Desde a entrega da quantia de 150 mil euros acima referida, o autor passou a usar e fruir da fracção como seu dono, em conjunto com a ré;
50- Desde então, em conjunto com a ré, passou a proceder ao pagamento de todas as despesas inerentes a essa fracção, nomeadamente as prestações do financiamento bancário que ambos contraíram nos termos e para a finalidade supra descrita; dos valores relativos a obras, quer de conservação, quer de remodelação; dos seguros; do condomínio; do IMI;
51- Actos que o autor praticou, em conjunto com a ré, à vista e com o conhecimento de toda a gente, agindo o autor na convicção de que actuava como dono e proprietário da fracção, em conjunto com a ré;
52- O que o autor fez desde forma ininterrupta, sem oposição de quem quer que fosse, convencido de que, com tal actuação não lesava direito de outrem, convicto que estava de exercer um direito próprio e como se comproprietário fosse da fracção;
53- Até terem ido residir para a fracção autónoma, esta esteve arrendada a terceiras pessoas, por um valor de cerca de 2.000,00 euros mensais, rendas que eram depositadas em conta bancária comum de autor e ré;
54- Enquanto casados, autor e ré contribuíram com os rendimentos profissionais que obtinham, para a economia e vida familiar.



Factos não provados([13])

1 - Que, no âmbito do acordo entre autor e ré acima referido (factos nº 25 a 28), estes tenham usado a nomenclatura de “compra e venda” para caracterizar tal acordo que fizeram;
2 - Que as obras efectuadas na fracção, com vista a dela fazerem casa de morada de família, tenham sido pagas unicamente pela ré;
3 - Que a entrega pelo autor à ré das quantias acima referidas, tituladas por cheque, tenha sido efectuada pelo autor com intenção de as dar/doar à ré;
4 - Que o mútuo bancário efectuado por ambos em conjunto, tivesse como única finalidade libertar fundos para o casal utilizar no que considerasse necessário para a fracção, como seja, mobilá-la ou pagar as despesas do casamento que tiveram de suportar”.

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Passemos agora a responder às questões enunciadas.
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Ambas as partes pretendem a reapreciação da decisão da matéria de facto nos termos que enunciámos, sendo que ambas cumpriram os ónus previstos no art.º 640.º do C.P.C.
Antes de avançarmos para a concreta resposta às questões, passamos a fazer um breve enquadramento dos parâmetros que temos como válidos para a reapreciação da decisão da matéria de facto.
Matéria de facto é, obviamente, a factualidade, não conclusões, ou inferências, pretendidas pelas partes e apresentadas como sendo factos, conquanto não integrem verdadeiramente factos.
Citando António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “[n]o que concerne à distinção entre matéria de facto e matéria de direito, devem ser admitidas com mais naturalidade asserções que, no contexto da concreta ação, não correspondendo a puras «questões de direito», sejam algo mais do que puras «questões de facto» no sentido tradicional”([14]).
Contudo, e como estes autores clarificam, “[n]ão se encontra no CPC de 2013 uma norma como a do nº4 do art. 646º do CPC de 1961, que considerava «não escritas as respostas do [tribunal] sobre questões de direito». Esta opção não significa, obviamente, que seja admissível doravante a assimilação ente o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”([15]).
Também não pode ser confundida com um pretenso pedido de alteração da matéria de facto uma argumentação em torno dela.
Neste sentido, citamos o ponto V do recente acórdão desta Secção, datado de 27/10/2025, proferido no processo 16368/21.2T8PRT.P1, “[o] recorrente que pretenda impugnar validamente a decisão sobre a matéria de facto, ao enunciar os concretos meios de prova que, na sua perspetiva, conduzem a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise crítica de todos os meios de prova produzidos sobre a materialidade objeto dessa impugnação, não bastando, quando esteja em causa prova pessoal, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos sem correspondência com o sentido global dos mesmos”([16]).
Assim, independentemente de não atendermos ao que se nos afigurem juízos de valor (conclusivos), também os factos que, em si mesmos, se afigurem irrelevantes para a decisão de Direito a tomar perante as plausíveis soluções possíveis, serão desconsiderados – dado que, ainda que os pressupostos ónus da reapreciação da prova tenham sido cumpridos, nos termos dispostos no art.º 640.º do C.P.C., esta só deve ser efetuada se a eventual alteração da matéria de facto puder ser relevante para o enquadramento da questão à luz das diferentes e plausíveis soluções de Direito; se não o for, e não sendo o objetivo de uma reapreciação da matéria de facto uma tentativa de fixação da sua realidade ôntica (a ou uma verdade mas que seja juridicamente irrelevante), e como a lei proíbe a prática de anos inúteis, no art.º 130.º do C.P.C., não se justifica a reapreciação da decisão da matéria de facto irrelevante que seja pretendida em sede recursiva, sendo assim indeferida.
A este propósito, exemplificativamente e também desta Secção, citamos o ponto I do sumário do acórdão proferido no processo n.º 3558/20.4T8GDM-B “[a]tento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de atos inúteis (artigo 130.º do CPCivil)”([17]).
Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que é aplicável em casos de recurso sobre a matéria de facto, desde que cumpridos os ónus previstos no art.º 640.º do C.P.C., ou então, mesmo que não o tenham sido, se estiver em causa a violação do direito probatório material([18]).
Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes, “sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu proprio, se confronte com a generalidade dos meios de [prova] para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto indicou nas respetivas alegações que circunscrevem o objeto do recurso.
Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do objeto do recurso (da matéria de facto) através das alegações”([19]).
Sobre a asserção do autor citado, “à Relação não é [exigido] como se se tratasse de um novo julgamento”([20]), consideramos pertinente um outro considerando, referente ao instituto de recurso, propriamente dito, em processo civil, enquanto instrumento de reação contra uma ilegalidade ou uma (patente) injustiça.
Sem prejuízo dos referidos poderes-deveres de o Tribunal da Relação alterar a matéria de facto, próprio de um regime de recurso que, nesta vertente, é tipicamente de substituição, também não pode deixar de ser tida em conta a vantagem do tribunal recorrido no que respeita à ponderação resultante da imediação e da oralidade.
A este propósito, citamos novamente Abrantes Geraldes, “[é] inegável que a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (vídeo) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reações perante as objeções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da [memória], sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de perceção das referidas reações que, porventura, influenciaram a juiz da 1.ª instância. Na verdade, existem aspetos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas são percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”([21]).
Assim sendo, e por motivos metodológicos, se não fizermos expressa menção em sentido contrário, tal significa que a motivação da decisão de facto (e, inerentemente, esta) da primeira instância foi por nós acolhida.
Com o princípio da livre apreciação da prova, ao abrigo do disposto no 607.º, n.º 4 e n.º 5, do C.P.C., o legislador não pretende que se atinja a verdade ôntica – como já dissemos – mas a humanamente possível, atendendo-se aqui às dificuldades da natureza humana, a possível e plausível (à luz dos diferentes meios de prova disponíveis e nos termos da valoração legal dos mesmos ou direito probatório material – prova materialmente vinculada), tendo em conta a experiência comum e as regras da lógica, bastando-se assim um juízo de plausibilidade e verosimilhança para o standard, ou padrão, da prova: o de a realidade considerada provada ser mais provável do que a contrária.
Ou seja, na decisão da matéria de facto os juízos de experiência comum, de verosimilhança, de lógica e razoabilidade, têm um papel preponderante, não só por o Tribunal administrar a Justiça em nome do Povo, mas também por a decisão judicial ter como destinatários as partes e a comunidade.
Não obstante, a motivação de uma decisão da matéria de facto não pode – não tem de, nem deve – ser a reprodução escrita (exaustiva) do pensamento do julgador; basta-se com a possibilidade de o destinatário acompanhar e perceber as razões que nortearam tal processo gnosiológico.
Posto isto, e em conformidade, passaremos então a responder às questões; dada a extensão da reapreciação, a fim de facilitarmos a compreensão desta decisão, usaremos a seguinte metodologia: para cada facto transcreveremos a redação atual, a pretendida (apenas quando aplicável), a decisão e uma sucinta motivação, pois, como já dissemos, no que não dissidirmos expressamente acolhemos a motivação do tribunal a quo.


Da matéria de facto.

A) Do recurso independente da R.

A 1) Da reapreciação da matéria de facto.
A 1a) Se os factos provados n.º 25, 26, 27, 42, 43, 44, 47, 49, 50, 51 e 52 devem ser considerados não provados.
A 1b) Se os factos provados n.º 28, 31, 33, 35 e 48 devem ter a sua redação alterada no sentido pretendido
A 1c) Se devem ser aditados os dois novos factos pretendidos.
A 2d) Se os últimos dois factos não provados devem ser considerados provados com a redação sugerida.


B) Do recurso subordinado do A.
B 1) Da reapreciação da matéria de facto (aditamento) e cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto.
A1 a) Se devem passar a não provados os seguintes factos provados; números 25, 26, 27, 42, 43, 44, 47, 49, 50, 51 e 52.
Pelos motivos que adiante veremos, focaremos a nossa atenção no que da prova oralmente produzida concerne aos factos números 25, 26, 27, 42, 43, 44, 47, 49 e 50 – no fundo, os integrantes da versão do A., que entregou os 150000 Euros como preço de aquisição de metade do apartamento, que serviram para liquidar mútuos pendentes, da responsabilidade da R., garantidos por hipoteca, e que a partir de então ambos se consideraram donos do apartamento (por contraposição à versão da R., grosso modo, que se tratou de uma doação do dinheiro ou de contrapartida pela contribuição para as despesas do casal e habitação, pelo A., da casa).
O que nos parecer mais relevante de cada depoimento dos indicados, sem perdermos de vista o objetivo, será enunciado em frases, não em texto corrido.
Assim sendo:
CC (vizinho no imóvel em questão e amigo do ex-casal):
- Acompanhou o empreendimento desde o início, também promovido pelo arquiteto pai da R. e pelo irmão desta, igualmente arquiteto, bem como as diligências atinentes ao financiamento da construção.
- Na sequência da aquisição inicial e da divisão de coisa comum remanesceram em dívida, depois do que a R. tinha já pagado, cerca de 224000 Euros, garantidos por três hipotecas.
De relevante para o que está em causa, acabou por nada dizer.
DD (irmão do A.):
- Os pais venderam um terreno para ajudarem o irmão a comprar 50% do apartamento e entre o irmão e a R. foi feito o acordo que o apartamento seria dos dois; o pai mostrou preocupação em que o negócio fosse formalizado.
- Os pais também lhe deram 150000 Euros, como ao irmão, para comprar um apartamento.
- O dinheiro que os pais emprestaram ao irmão, 150000 Euros, em várias tranches (três cheques), foi para comprar metade do apartamento e com esse dinheiro a R. pagaria as três hipotecas que tinha; o empréstimo dos pais ao irmão foi por cheques e em tranches, porque tinha a ver também com o sinal e preço pagos pelo terreno que venderam.
- Houve também um empréstimo que era pago pelos dois, 86 ou 87 mil Euros para pagar o remanescente; foi através de um crédito que os dois (A. e R.) fizeram e que ainda hoje pagam em partes iguais.
- Enquanto o apartamento esteve arrendado a renda era depositada numa conta conjunta do irmão e da R.
- Por comodismo e por confiança do irmão na R. não chegaram a formalizar a compra e venda da metade, até por ela ter dito que tal não era necessário.
- Não tem dúvidas que a R. sempre reconheceu o irmão como coproprietário do apartamento.
- Aquando de uma chatice de casal da R. com o irmão do depoente (o irmão tinha saído de casa), em 2017, a pedido dos pais foi almoçar com a R. e como sabia a preocupação do pai por o apartamento não estar registado em nome dos dois, o acordo (de que cada um seria dono de metade) entre os dois não estar formalizado, e ela disse-lhe que isso nunca seria um problema por o apartamento ser dos dois, que isso nunca ia ser um tema.
- Aquando do divórcio o irmão disse à R. que tanto podia comprar metade como vender metade e a R. ficou de pensar, mas passados dois dias disse que o apartamento era só dela.
- As despesas do casal eram pagas através da conta conjunta de A. e R.
- Quem interagia com o condomínio era o irmão, relativamente às decisões tomadas por ele e R.
- O irmão portava-se como dono da casa.
- Na conta conjunta do casal entravam os dois ordenados, bem como a mesada dada pelo pai do A.
EE (amigo de A. e de R.):
- Antes de casarem o A. fez um pagamento para se tornar comproprietário do imóvel, só soube o montante depois de a ação entrar, mas do pagamento sempre soube.
- Antes de irem viver para o apartamento estava arrendado e o valor das rendas serviu para fazerem obras.
- O A. não se portava como alguém que estava na casa de outra pessoa, mas sim na própria casa.
- Por causa do processo de construção o apartamento começou por ser da R.
FF (amigo de A. e de R.):
- Sempre achou que o apartamento era dos dois e ficou surpreendido quanto o A. lhe disse que o apartamento não estava em nome dele.
- Tem ideia, por conversas com ambos, que o A. tinha “entrado” com 150000 Euros, mas não sabe em que foi gasto; soube que também fizeram um crédito comum, não sabendo o valor.
- Houve um projeto de ambos de aumentarem o apartamento, aproveitando o terraço por cima.
- Terão sido os pais do A. quem lhe emprestou os 150000 Euros.
GG (amigo de A. e de R.):
- O que transparecia aquando dos convívios, conversas, é que a casa era dos dois, mas pormenores não sabe, tal como era claro que a casa do Algarve era dos pais da R.
- Tinham os dois um crédito à habitação.
- O A. portava-se como dono da casa, estava à vontade.
HH (reformada, gerente no Banco 1... onde estavam domiciliadas as contas, tendo intervindo no processo de financiamento para a construção do imóvel sendo promotor o pai da R.):
- Foram depositados 150000 Euros na conta onde estavam domiciliados os três mútuos (à R.) existentes à data, garantidos por hipoteca, que com tal foram amortizados.
- O contrato de mútuo como crédito para habitação de 87600 Euros foi celebrado com A. e R. para liquidar o remanescente do crédito (tendo sido depositado e no mesmo dia transferido para uma conta interna do Banco 1... para liquidar o crédito pré-existente), ficando a ser pago em prestações.
- Sempre que lidou com o A. ele comportava-se como proprietário do apartamento, até porque era um crédito conjuto.
II (irmão da R.)([22]):
- Fez (entre o demais) o projeto de remodelação do apartamento e após o casamento, em 2007, a irmã e o A. foram viver para lá, até se divorciarem.
- Tinham conta em comum e ambos contribuíam para a vida em comum.
- Soube, mais tarde, que houve uma amortização, de 150000 Euros, que, segundo a irmã, o A. lhe tinha dado, e que ficou em dívida o remanescente do total em dívida.
- Em 2004 a escritura foi feita em nome da irmã e quanto ao título a que foram entregues pelo A. 150000 Euros a irmã nunca lhe falou que tivesse vendido metade; mais tarde ouviu que os pais dele o teriam ajudado.
- Acha que não faz sentido porque o apartamento no mercado valeria 600000 Euros e se a irmã vendesse iria ao mercado.
- São ambos economistas e das contas deles não sabe.
- Após a divisão de coisa comum havia três hipotecas e pensa que no fim do ano de 2003 estavam à volta de 250000 Euros, mas não sabe ao certo quanto estaria em dívida em 2004.
- Soube mais tarde que no mútuo para o pagamento do remanescente o ex-cunhado também interveio; quanto à forma como as 3 hipotecas foram pagas não sabe, mas mais tarde soube que o ex-cunhado tinha entregado 150000 Euros em agosto de 2004.
- Não sabe como hoje em dia é pago o mútuo do remanescente.
JJ (mãe da R.([23])):
- Relativamente à entrega do montante de 150000 Euros pelo A. à R., a filha nunca lhe disse nada, nem que tivesse vendido metade do apartamento ao A.
- Também nunca teve conversas com o A.
- A casa era da filha, a partir do momento em que fez a escritura foi sempre dela, nunca foi alterada.
- O A. só viveu no apartamento entre o casamento e a separação, saiu quando quis.
- Depois da divisão de coisa comum, em 2004, a filha ficou onerada com mútuo garantido (cerca de trezentos mil Euros) por três hipotecas e que nesse ano, posteriormente, foi feito um mútuo (oitenta e tal mil Euros) em que o A. também ficou corresponsabilizado, empréstimo que ainda hoje é pago por ambos.
- Relativamente à diferença entre montantes (entre o que estava em dívida em março de 2004 e depois a partir do mútuo contratado pelos dois, em novembro de 2004), acha que ele também terá contribuído, ele tinha dinheiro (e queria ir viver lá para casa) e a filha também.
Oficiosamente decidimos ouvir as declarações de parte do Autor.
Autor:
- Entregou a quantia de 150000 Euros em três cheques, em agosto de 2004, que a mesma depositou na conta do Banco 1... onde era debitado o mútuo garantido pelas três hipotecas, para o abater.
- Arranjou os 150000 Euros pedindo-os aos pais (e avô), que lhe entregaram três cheques, em três meses diferentes, que era para investir no apartamento.
- Foi liquidado o mútuo no Banco 1... que estava associado à construção e garantido por três hipotecas e para liquidar o remanescente ainda em dívida contraíram, em conjunto, novo crédito (à habitação), também no Banco 1....
- Nunca lhe passou pela cabeça que em momento algum o acordo feito com a R. pudesse ser posto em causa, confiou.
- O pai pretendia que a situação fosse regularizada, em termos registrais, pelo que foi a um solicitador reunir os documentos necessários; em 2021 referiu ao advogado que estava preocupado com a situação da filha (responsabilidades parentais), não com a situação do apartamento porque nunca lhe passou pela cabeça que o acordo pudesse ser posto em causa pela R.
- Quando fizeram o acordo, fizeram-no no sentido de ambos passarem a ser proprietários do apartamento, e desde que fizeram o crédito à habitação (e até hoje) liquidam as prestações a meias.
- Aquando ter saído de casa, em agosto de 2021, propôs à R. ou vender a metade dele ou comprar a metade dela, sendo que pela R. não foi questionada (as metades); só posteriormente é que a R. surgiu com a versão que o apartamento era dela.
Analisámos também os documentos juntos aos autos e da concertação do que ouvimos e do que lemos, consideramos que os factos em crise deverão continuar como provados, dado o standard ou padrão da prova já referidos.
É de crucial importância notarmos que a versão da R., à luz da lógica, das regras de juízos de experiência comum e de verosimilhança, é desprovida de sentido, pois ninguém, nas circunstâncias que a prova demonstra iria pedir emprestado aos pais 150000 Euros para doar à namorada, em 2004, dado que o casamento ocorreu em 2007.
Também não é lógico que tal montante fosse (como que por “antecipação”) para contribuir para as despesas do casal e / ou (do que seria sui generis) contrapartida por (vir a) coabitar com a cônjuge…
Tendo falado no standard da prova é muito (muitíssimo) mais provável a versão do A., aliás corroborada por diferentes testemunhas, que sempre percecionaram que o apartamento era dos dois.
N.º 25:
Redação atual:
25- Nessa sequência, autor e ré acordaram em que o autor passasse a ser também dono e comproprietário com a ré, da referida fracção;
Decisão: Improcedente, por falta de qualquer prova, resultando que a prova do facto está correta (em conformidade até ao que antes explicámos).
N.º 26:
Redação atual:
26- Assim, para tal, acordaram que o autor entregaria à ré, como entregou, as quantias acima referidas em 22, num total de 150.000,00 euros e que correspondia a metade do valor da fracção autónoma;
Decisão: Importa suprimir a parte final do facto (e alterar a redação para harmonização dos factos), por o montante “metade” não corresponder à verdade, dado que ainda teve de ser contratado o crédito de 87600 Euros (por o montante total pedido não ter sido deferido).
Assim, a nova redação passa a ser:
26 - Assim, para tal, acordaram que o autor entregaria à ré, como entregou, as quantias acima referidas em 22, num total de 150.000,00 euros, que foram utilizados para pagar a quantia garantida por três hipotecas, tendo ainda, ambos, contraído, também no Banco 1..., o já referido crédito à habitação, no montante de 87600 Euros para liquidação do remanescente então ainda em dívida, 88396,72 Euros”.
N.º 27:
Redação atual:
27- Acordaram ainda autor e ré que tal quantia de 150.000,00 euros, seria usada, como foi, para pagamento e amortização dos valores referidos em 16 e 17 supra;
Decisão: Improcedente, por falta de qualquer prova, resultando que a prova do facto está correta (em conformidade até ao que antes explicámos).
N.º 42:
Redação atual:
42- Com a entrega da quantia de 150 mil euros acima referida, pagamento de financiamentos anteriores apenas da responsabilidade da ré e com o contrato de mútuo bancário contraído por ambos, o autor passou a considerar-se a si mesmo como comproprietário na proporção de metade para si e de metade para a ré;
Decisão: Improcedente, por falta de qualquer prova, resultando que a prova do facto está correta (em conformidade até ao que antes explicámos).
N.º 43:
Redação atual:
43- A partir de então, também a ré reconheceu o autor como comproprietário na proporção de metade daquela fracção autónoma;
Decisão: Improcedente, por falta de qualquer prova, resultando que a prova do facto está correta (em conformidade até ao que antes explicámos).
N.º 44:
Redação atual:
44- A partir de então, passaram autor e ré a agir como se, de facto, a fracção autónoma fosse propriedade de ambos, em partes iguais;
Decisão: Improcedente, por falta de qualquer prova, resultando que a prova do facto está correta (em conformidade até ao que antes explicámos).
N.º 47:
Redação atual:
47- Após a separação de autor e ré, em Agosto de 2021, ambos conversaram sobre o destina a dar à fracção autónoma dos autos, tendo o autor transmitido à ré que estava disposto a ceder-lhe a sua metade, como também estava disposto a adquirir a metade dela;
Decisão: Improcedente, por falta de qualquer prova, resultando que a prova do facto está correta (em conformidade até ao que antes explicámos).
N.º 49:
Redação atual:
49- Desde a entrega da quantia de 150 mil euros acima referida, o autor passou a usar e fruir da fracção como seu dono, em conjunto com a ré;
Decisão: Improcedente, por falta de qualquer prova, resultando que a prova do facto está correta (em conformidade até ao que antes explicámos).
N.º 50:
Redação atual:
50- Desde então, em conjunto com a ré, passou a proceder ao pagamento de todas as despesas inerentes a essa fracção, nomeadamente as prestações do financiamento bancário que ambos contraíram nos termos e para a finalidade supra descrita; dos valores relativos a obras, quer de conservação, quer de remodelação; dos seguros; do condomínio; do IMI;
Decisão: Improcedente, por falta de qualquer prova, resultando que a prova do facto está correta (em conformidade até ao que antes explicámos).
N.º 51:
Redação atual:
51- Actos que o autor praticou, em conjunto com a ré, à vista e com o conhecimento de toda a gente, agindo o autor na convicção de que actuava como dono e proprietário da fracção, em conjunto com a ré;
Decisão: Improcedente; acresce que se trata de concetualização jurídica, não de factos propriamente ditos, como antes referimos, pelo que se terá como não escrito.
N.º 52:
Redação atual:
52- O que o autor fez desde forma ininterrupta, sem oposição de quem quer que fosse, convencido de que, com tal actuação não lesava direito de outrem, convicto que estava de exercer um direito próprio e como se comproprietário fosse da fracção;
Decisão: Improcedente; acresce que se trata de concetualização jurídica, não de factos propriamente ditos, como antes referimos, pelo que se terá como não escrito.

A 1b) Se os factos provados n.º 28, 31, 33, 35 e 48 devem ter a sua redação alterada no sentido pretendido.
N.º 28:
Redação atual:
28- Acordaram também autor e ré que o valor que ainda resultasse em dívida após essa amortização dos referidos 150.000,00, seria integralmente pago por um novo financiamento contraído e pago por ambos, permitindo o cancelamento das anteriores hipotecas que oneravam a fracção autónoma (cfr. supra nº 5);
Redação pretendida:
- n.º 28 – “O valor ainda em dívida após a amortização dos referidos 150.000,00, foi pago por um financiamento contraído e pago por ambos”.
Decisão: responderemos no facto n.º 33.
N.º 31:
Redação atual:
31- Tal como combinado entre ambos, esses 150.000,00 euros foram integralmente usados para amortização do valor ainda em dívida nos financiamentos bancários anteriores e dos quais a ré era a única devedora;
Redação pretendida:
- n.º 31 – “Os 150.000,00 euros foram integralmente usados para amortização do valor ainda em dívida nos financiamentos bancários anteriores e dos quais a ré era a única devedora;”
Decisão: responderemos no facto n.º 33.
N.º 33:
Redação atual:
33- Cumprindo o que haviam acordado entre si, o autor e a ré, em conjunto e como contitulares da conta bancária acima referida em 29, solicitaram ao Banco 1... um crédito à habitação (contrato de mútuo com hipoteca para habitação própria permanente) de valor que lhes permitisse liquidar o mencionado valor de €: 88.396,72;
Redação pretendida:
- n.º 33 – “O autor e a ré, em conjunto e como contitulares da conta bancária acima referida em 29, solicitaram ao Banco 1... um crédito à habitação (contrato de mútuo com hipoteca para habitação própria permanente) de valor que lhes permitisse liquidar o mencionado valor de €: 88.396,72;”.
Decisão: O que está em causa nos factos n.º 28, n.º 31 e neste 33 são as expressões que a R. pretende alterar, suprimir, respetivamente: “[a]cordaram também autor e ré que o valor que ainda resultasse em dívida após essa amortização dos referidos 150.000,00”; “[t]al como combinado entre ambos” e “[c]umprindo o que haviam acordado entre si”, ou seja, expressões que, na perspetiva da R., excluiriam a existência de qualquer acordo (não formalizado, atinente à compropriedade do imóvel em contrapartida da contribuição do A. com 150000 Euros e de terem seguidamente contratado um outro crédito, no montante pretendido de 88396,72 Euros mas concedido pelo valor de 87600 Euros).
Sucede que tal mostra-se improcedente, essencialmente, por três ordens de razão: não impugnou os factos provados n.º 16, 17, 22, 29, 30, 32, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 41 e 46, pelo que torna-se desprovido de sentido pretender estas alterações, tanto mais que – e chegamos à segunda razão – não foi invocado qualquer vício de vontade na atuação da R., ao longo de anos (subjacente aos mencionados factos não impugnados), tal como – e eis a terceira razão – à luz de juízos de lógica, verosimilhança de senso e de experiência comum, a realidade pretendida alterar seria incompatível com os mesmos, pelo que indeferimos as pretendidas alterações.
Acresce o que antes dissemos em A1 a).
N.º 35:
Redação atual:
35- No seguimento da aprovação desse crédito, em 30 de Novembro de 2004 o autor e a ré celebraram com a Banco 1... uma escritura notarial de mútuo com hipoteca e, no âmbito desse contrato, o autor e a ré confessaram-se solidariamente devedores à Banco 1... da quantia de €: 87.600,00 que nesse acto dela receberam, a título de empréstimo para liquidação parcial de hipoteca, com garantia do imóvel hipotecado, a fracção aqui em causa (doc. junto aos autos);
Redação pretendida:
- n.º 35 – “No seguimento da aprovação desse crédito, em 30 de Novembro de 2004 o autor e a ré celebraram com a Banco 1... uma escritura notarial de mútuo com hipoteca e, no âmbito desse contrato, o autor e a ré confessaram-se solidariamente devedores à Banco 1... da quantia de €: 87.600,00 que nesse acto dela receberam, a título de empréstimo para liquidação parcial de hipoteca, com garantia do imóvel propriedade da ré, a fracção aqui em causa (doc. junto aos autos)”;
Decisão: Improcedente por não ter relevo para a decisão da causa segundo as plausíveis soluções de Direito (sendo que a alteração “propriedade da R”([24]) é conclusiva e a realidade registral do imóvel resulta de outros factos); ou seja, pretende-se resolver por via “factual” o cerne da questão jurídica...
N.º 48:
Redação atual:
48- Após negociações/conversas entre ambos, não lograram obter acordo, acabando a ré por lhe transmitir que não havia nada a comprar ou vender entre eles, uma vez que era a única proprietária da fracção autónoma em causa;
Redação pretendida:
- n.º 48 “A ré considerava-se a única proprietária da fracção autónoma em causa;”
Decisão: Improcedente por não ter relevo para a decisão da causa segundo as plausíveis soluções de Direito; o que releva não é o que a R. veio defender aos autos mas o que se provou.

A 1c) Se devem ser aditados os dois novos factos pretendidos.
1.º- “O casamento de autor e ré foi dissolvido por divórcio em ../../2022 (doc. 1 junto com contestação).”
Trata-se de uma pretensão sem fundamento, porquanto o facto provado n.º 23 afirma isso mesmo: “23- O casamento entre autor e ré foi dissolvido por divórcio no dia 22.06.2022”.
2.º- “Autor e ré procederam à partilha do património conjugal em 27 de Julho de 2022 (doc. 2 junto com a contestação)”.
Trata-se de uma pretensão que não será atendida por ser irrelevante para a aplicação do Direito ao caso, porquanto não é, como sabemos, por ter sido feita uma partilha que haja impedimento para uma partilha adicional, se for o caso, ou para se discutir em processo autónomo eventual direito que uma das partes se arrogue sobre uma determinada coisa – como sucede neste.

A 2d) Se os últimos dois factos não provados devem ser considerados provados com a redação sugerida.
São eles:
3 - Que a entrega pelo autor à ré das quantias acima referidas, tituladas por cheque, tenha sido efectuada pelo autor com intenção de as dar/doar à ré;
4 - Que o mútuo bancário efectuado por ambos em conjunto, tivesse como única finalidade libertar fundos para o casal utilizar no que considerasse necessário para a fracção, como seja, mobilá-la ou pagar as despesas do casamento que tiveram de suportar”.
Redação sugerida:
“- A entrega pelo autor à ré das quantias acima referidas, tituladas por cheque, foram efectuadas pelo autor com intenção de as dar/doar à ré;”
“- O mútuo bancário efectuado por ambos em conjunto, teve como única finalidade libertar fundos para o casal utilizar no que considerasse necessário para a fracção, como seja, mobilá-la ou pagar as despesas do casamento que tiveram de suportar.”
Como resulta do que já dissemos, tal não corresponde à verdade, pelo que continuará como realidade, factualidade, não provada; aliás, citando a R. a p. 4 da sua resposta ao recurso subordinado, de 17/03/2025, “[n]enhum elemento de prova existe que permita sustentar tal alegação, razão pela qual o recorrente subordinado não consegue indicar qual o meio de prova que imporia que essa matéria tivesse de ser dada como provada([25]) – o que mencionamos por ser patente a existência de dois pesos e de duas medidas: uma coisa, é o que a R. entende sobre a imposição de alterar a prova nas suas alegações de recurso e, o oposto, o que defende na sua resposta([26])
Seja como for: provou-se o contrário, pelo que também este pedido de alteração improcede.

B 1) Da reapreciação da matéria de facto (aditamento) e cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto.
Referimos antes que ambas as partes cumpriram os ónus previstos no art.º 640.º do C.P.C.
O recorrente subordinado pretende que sejam aditados dois factos:
a) qual foi o valor que em concreto o Recorrente e a Recorrida pagaram no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca que celebraram com a Banco 1... da quantia de €: 87.600,00, e consequentemente, qual foi o montante concreto da comparticipação do Recorrente nesses pagamentos.
b) Que ao valor de €: 150.000,00 entregue pelo Recorrente à Recorrida em 2004, corresponde hoje a quantia de €: 187.270,88 por aplicação do fator de atualização do Índice de Preços do Consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística;
Vejamos.
Quanto ao a):
Convém relembrarmos o teor dos factos provados n.º 39 e 40:
39- As prestações para pagamento deste financiamento de €: 87.600,00 foram sempre pagas através da conta titulada por ambos e acima referida;
40- Desde então, as prestações mensais do mútuo bancário foram pagas por ambos”.
Além destes relevantes factos para resolver a questão, importa ter em conta que nos artigos 107.º a 109.º([27]) da petição inicial, e reportando-se a 31/12/2021, o A. liquidou a quantia paga até então (metade) no montante de 36298,30 Euros (1/2 de 72596,60 Euros vencidos à data), sendo que os valores integrantes de tais artigos da petição mostram-se confessados nos artigos 125.º a 132.º([28]) da contestação – ainda que a A. os qualifique como contribuição para as despesas do casal, considerando que a assim não ser, haveria um enriquecimento sem causa do A. por ter usufruído do imóvel enquanto casado.
A decisão da matéria de facto deve contemplar todas as possíveis, plausíveis, soluções de Direito, pelo que será aditado o facto n.º 55 com a seguinte redação:
55 - Do crédito referido em 34 e em 36, no montante de 87600 Euros, entre 30/12/2004 e 31/12/2021, o Autor e a Ré pagaram, a este título, a quantia de 72596,60 Euros (incluindo a prestação mensal e o seguro anual da habitação associado ao empréstimo), tendo o A. pagado metade, até tal data, no montante de 36298,30 Euros([29]).
Quanto ao b):
Trata-se de uma conclusão aritmética, tanto mais que não indica quais as taxas de inflação divulgadas pelo I.N.E. entre 2004 e 2021; todavia, e como deixámos em nota relativamente ao facto a), a haver condenação no pagamento do correspondente aos 150000 Euros entregues pelo A. (o que é consensual, a que título é que alvo de discórdia) o mesmo seria apurado em incidente de liquidação de sentença, acrescido de juros desde a citação.
Indeferimos, assim, este pedido de aditamento.
Consideramos desnecessária nova reprodução da matéria de facto, dado que introduzimos poucas alterações.



O Direito

A) Do recurso independente da R.

A 2) Da aplicação do direito aos factos.
B) Do recurso subordinado do A.
B 2) Da aplicação do direito aos factos.

A matéria de Direito dos dois recursos será tratada em unidade.
Começamos por repetir os pedidos em ação([30]):
A título principal, o A. pretende que se reconheça que é comproprietário por ter adquirido metade do apartamento por compra e venda ainda que não formalizada([31]), depois como primeiro pedido subsidiário pretende o mesmo mas por via do instituto da usucapião([32]) e, como segundo pedido subsidiário([33]), que seja indemnizado no montante que indica([34]) a título de enriquecimento sem causa; constatamos que em momento algum do articulado se ponderou, sequer, a nulidade do contrato de compra e venda por vício de forma e os efeitos de declaração da nulidade…
Clarificamos que no recurso subordinado, para a hipótese de o independente proceder, o que o recorrente A. pretende é que seja reconhecido o segundo pedido subsidiário – como, inequivocamente, consta das conclusões IX e X.
Quanto à R., na sua contestação e reconvenção([35]) conclui pela improcedência de todos os pedidos formulados em ação([36] – o que mantém como objeto do recurso independente por si interposto – e, caso tal não suceda, que o A. seja condenado no pedido reconvencional, a pagar-lhe o montante de 507939,09 Euros, relativo ao rendimento que deixou de auferir a título de rendas.
Ressalvando o devido respeito por diferente entendimento, aplicável a tudo quanto dissemos já e ainda diremos, não só os articulados seguem um rumo algo incomum, inusitado até, como não acompanhamos o raciocínio seguido na sentença recorrida([37]).
Adiantamos já que:
a) o recurso independente da R., no sentido de improcederem todos os pedidos do A., não será julgado procedente, dado que a sua procedência dependeria de significativa, mas não verificada, alteração da matéria de facto.
Tal, porém, em nada contende com a aplicação do Direito que este Tribunal efetue (também questionada no seu recurso), até por a mesma estar diretamente relacionada com a procedência, ou não, do pedido subsidiário do A., objeto do recurso subordinado por ele interposto, para a eventualidade de o tribunal revogar a decisão proferida na qual se considerou que o A. adquiriu, por usucapião, a titularidade (quota parte ideal, metade) do direito de propriedade sobre o imóvel.
b) o recurso subordinado, não obstante a improcedência do independente – mas tendo em conta a aplicação do Direito nesta instância – será julgado parcialmente procedente, na medida do provado.
Sendo tão sucintos quanto possível, vejamos os motivos para tal, a partir da factualidade assente.
Não nos restam dúvidas que a entrega dos 150000 Euros em causa, no ano de 2004, foi para liquidar as três hipotecas que pendiam sobre o imóvel, propriedade registada em nome da R., estando naturalmente afastada a tese da doação – até intrinsecamente contraditória com o argumento que de seguida a R. usa, que era para acorrer aos encargos da vida familiar (que constituiriam em 2007) – e / ou de que tal depósito na conta conjunta seria para acorrer aos encargos da vida familiar e isto por três principais ordens de razão: as três hipotecas foram canceladas de imediato porque com tal quantia foi paga (ainda que não totalmente, daí o empréstimo subsequente) a que estava então em dívida ao Banco 1..., porque três meses depois contraíram um empréstimo, um crédito à habitação no montante de 87600 Euros (o concedido, pois pretendiam o total do que ainda ficava em dívida, 88396,72 Euros), além de que o início da vida em comum, o casamento, ocorreria três anos depois, em 2007.
Tudo conjugado, o que as partes fizeram foi um contrato de compra e venda de metade do imóvel, até aí apenas da R., comportando-se desde então como comproprietários com duas quotas partes ideais no direito de propriedade.
O contrato de compra e venda está definido no art.º 874.º do C.C., “[c]ompra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”.
Porém, o contrato de compra e venda de imóvel está sujeito a forma que não foi observada, nos termos do artigo 875.º do mesmo Código, “[s]em prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado” – seja por enamoramento, seja pelo que for, ficaram-se por um contrato (negócio jurídico bilateral) verbal, não obstante tratar-se de duas pessoas com estudos de nível superior, licenciados em economia.
Segundo o art.º 220.º do C.C., “[a] declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”, do que decorre a aplicação do regime da nulidade.
De acordo com o art.º 286.º do mesmo Diploma, “[a] nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal([38]), o que declaramos, tendo como consequência, entre o demais, o previsto no art.º 289.º, n.º 1, do C.C., “[t]anto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”([39]), do que decorre que a prestação do A. no âmbito da compra e venda, correspondente ao preço, terá de ser restituído pela R., pelo valor atualmente correspondente atualizado de acordo com as taxas de inflação anuais divulgadas pelo I.N.E. entre o momento (ano) da prestação, 2004, e o que vier a ser o da restituição, acrescido de frutos civis (juros) desde a citação([40]).
As partes casaram entre si em 2007 no regime supletivo de comunhão de adquiridos, pelo que nos termos do art.º 1722.º, n.º 1, a), do C.C., o imóvel é bem próprio da R. porque já era (sempre foi apenas) seu quando casou.
As partes celebraram ainda um contrato, esse formalmente válido, sem que tenha sido alegado qualquer vício de vontade, isto para dizermos que quanto ao contrato de crédito à habitação que celebraram três meses depois, em novembro de 2004, que desde então vem sendo pago, amortizado através de prestações mensais pagas por ambos em partes iguais, estamos perante uma amortização – no que ao A. diz respeito –, de pagamento de um mútuo para completude do pagamento do preço de coisa que é alheia, por pertencer à R. e a favor de quem sempre esteve registada, isto por referência também ao disposto no art.º 7.º do C.R.C. – ainda que no caso não se coloque qualquer questão quanto a esse registo.
Não vislumbrando nós outro instituto aplicável, só poderá ser aplicável o residual do enriquecimento sem causa, invocado pelo A. na sua petição inicial como fundamento do segundo pedido subsidiário, o de pagamento de ambas as quantias, a do preço de aquisição de metade e a da soma do que pagou no âmbito do mútuo que celebrou, juntamente com a R., com o Banco 1..., bem como ainda a quantia que a tal título tiver despendido após 31/12/2021.
Nos termos do art.º 473.º do C.C., “1. [a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou([41]).
Para que não haja equívocos, assinalamos que o casal suportava todas as despesas em conjunto; este mútuo era para amortizar a prestação da casa, o que faziam em partes iguais, sendo que, como vemos, a não se aplicar o instituto a R. estaria sem causa a enriquecer à custa do A., dado que é a única proprietária do imóvel, pois a causa do pagamento de metade das prestações mensais pelo A. deixou de existir até porque a transferência de quota parte ideal (metade da titularidade do direito de propriedade) nunca se verificou, porque a transmissão foi (formalmente) inválida, nula, pelo que não produziu quaisquer efeitos.
O art.º 474.º do C.C., sobre a subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, não levanta dúvidas jurisprudenciais. A aplicação do instituto do enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa de 5 pressupostos: 1) existência de um enriquecimento à custa de outrem; 2) existência de um empobrecimento; c) do nexo de causalidade entre esse enriquecimento e o correlativo empobrecimento; 4) da ausência de causa justificativa e, por fim, 5) da inexistência de uma ação apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído.
Não cremos que suscite dúvidas que todos estes pressupostos se verificam no caso.
Segundo o art.º 479.º, n.º 1, do mesmo Código, “[a] obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
Assim sendo, terá a R. de restituir ao A. o que ele pagou entre 2004 e 31/12/2021 a título de prestações do imóvel que é propriedade apenas dela, tal como o que após tal data o A. tenha pagado e venha a pagar até ser ressarcido; ou seja, a quantia de 36298,30 Euros, acrescida de juros desde a citação, nos termos dos artigos 473.º e 479.º do C.C. e a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação de acórdão (em conformidade aos artigos 358.º a 361.º do C.P.C.) relativamente ao que o A. tiver pagado no âmbito desse crédito à habitação desde 31/12/2021, até à data da liquidação, sendo ambas as quantias acrescidas de juros civis à taxa legal desde a citação.
A R. invocou a prescrição da restituição a tal título, porque na sua perspetiva estaria em causa a realidade de 2004, tendo assim decorrido os três anos de prescrição previstos no art.º 482.º do Código que vimos citando; todavia, é claro que foi no ano de 2021, após a separação do casal, que a questão surgiu ao A., tendo ele interposto a ação aos 01/02/2022.
Reiterando a ressalva já feita, não vemos fundamento, pelo que vimos dizendo, para que se convoque([42]) o instituto da usucapião previsto nos artigos 1287.º e seguintes do C.C., tanto mais que se trata de cônjuges([43]); dito de outra forma, conceber-se tal seria abrir a porta para se derrogar o teor das normas imperativas dos regimes de bens no casamento, como sejam o da comunhão de adquiridos ou da separação de bens.
Por fim, reiteramos que ao tribunal apena compete decidir questões e não rebater todas as razões ou argumentos avançados pelas partes([44]); não obstante, convém que se mantenha presente o seguinte: as partes iniciaram a coabitação quando casaram, em 2007, dispondo os artigos 1672.º e 1673.º, n.º 1 e n.º 2, do C.C., respetivamente, que “[o]s cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência”([45]) e “1. [o]s cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da [família]. 2. Salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adoptar a residência da família”([46]).
Fazemos esta menção porque não vemos a utilidade de deduzir pretensões sem qualquer fundamento, como a do pedido reconvencional, que em última análise poderia levar a que se considerasse duas coisas: a primeira, a de um cônjuge ser responsabilizado monetariamente por cumprir um dever conjugal, o de coabitação, o segundo é que a R. parece esquecer-se que também esteve a coabitar (a usufruir) o imóvel que agora refere que, se arrendado, geraria os rendimentos (rendas) em que pretendia ver o A. condenado…
Quanto ao demais, ambos os cônjuges estão vinculados ao dever de assistência, de contribuírem para os encargos da vida familiar… e mais não dizemos por nem se justificar.
Pelo exposto, julgaremos improcedente o recurso de apelação independente interposto pela R. e parcialmente procedente, na medida do provado, o recurso subordinado de apelação interposto pelo A., não obstante a improcedência daquele mas por decorrência da aplicação do Direito aos factos, e revogaremos a sentença proferida na parte em que reconheceu ao A. o direito de propriedade, por usucapião, sobre o imóvel, em compropriedade com a R.
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As custas na primeira instância, da ação e da reconvenção, da apelação da R. e da do A. serão a suportar por aquela, por não ter obtido vencimento e por ter decaído, nos termos do art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C., sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que a R. beneficia.






III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação independente interposto pela R. e parcialmente procedente, na medida do provado, o recurso subordinado de apelação interposto pelo A., não obstante a improcedência daquele mas por decorrência da aplicação do Direito aos factos, e revogamos a sentença proferida na parte em que reconheceu ao A. o direito de propriedade, por usucapião, sobre o imóvel, em compropriedade com a R.
Em conformidade:
1) Declaramos que a R. é a única proprietária do imóvel.
2) Condenamos a R. a restituir ao A:
a) a quantia que corresponder a 150000 Euros, atualizada de acordo com as taxas de inflação divulgadas pelo I.N.E., desde 2004 até 2022 (nos termos dos artigos 358.º a 361.º do C.P.C.), acrescida de juros civis à taxa legal desde a citação, nos termos dos artigos 280.º e 289.º do C.C.;
b) a quantia de 36298,30 Euros, acrescida de juros civis à taxa legal desde a citação, nos termos dos artigos 473.º e 479.º do C.C. e
c) a quantia que se vier a apurar no mesmo incidente de liquidação de acórdão relativamente ao que o A. tiver pagado no âmbito do crédito à habitação que celebrou conjuntamente com a R. desde 31/12/2021, nos termos dos artigos 473.º e 479.º do C.C., até à data da liquidação, acrescida de juros civis à taxa legal desde a citação.
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As custas na primeira instância, da ação e da reconvenção, da apelação da R. e da do A. serão a suportar por aquela, por não ter obtido vencimento e por ter decaído, nos termos do art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C., sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficia.

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Porto, 24/11/2025.
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Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:

Relator: Jorge Martins Ribeiro;

1.º Adjunto: Miguel Baldaia de Morais e

2.º Adjunto: Manuel Fernandes.









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[1] Aspas inglesas no original agora substituídas por francesas.
[2] Do histórico consta 07 mas o documento deu entrada no sistema a 06 às 23.03 h.
[3] Em articulado composto de 64 pp., sendo 11 de conclusões.
[4] Pretende, em suma, que: 1) os factos provados n.º 25, 26, 27, 42, 43, 44, 47, 49, 50, 51 e 52 sejam considerados não provados; 2) que os factos provados n.º 28, 31, 33, 35 e 48 tenham a sua redação alterada; 3) que sejam aditados dois novos factos e, 4), que os últimos dois factos não provados passem a provados.
[5] Aspas inglesas, itálico e negrito no original.
[6] Num mesmo articulado, composto de 135 páginas, o A. apresentou: “resposta às alegações (99 pp.); Parecer Jurídico do Senhor Professor Doutor Agostinho Cardoso Guedes (19 pp.); Recurso subordinado (36 pp.)”.
[7] Contudo, ao longo de 100 páginas faz uma detalhada contra-análise da prova produzida, fazendo longas e inúmeras transcrições de outros (e dos mesmos invocados pela R.) depoimentos e declarações de parte do A. (chegando mesmo a transcrever o mesmo excerto de alguns deles por duas vezes); na sua resposta, de 17/03/2025, a R. não pôs em causa a fidedignidade das transcrições efetuadas pelo A. nas suas contra-alegações.
[8] Itálico e negrito no original.
[9] Em articulado composto por 11 pp.
[10] Como, entre o demais, resulta da morada da R. e do facto provado n.º 6.
[11] Cujo teor damos por integralmente reproduzido.
[12] Aspas inglesas no original agora substituídas por francesas.
[13] Numeração aposta por nós.
[14] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 860 (aspas e itálico no original).
[15] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 774 (interpolação nossa; aspas e itálico no original).
[16] Relatado por Miguel Baldaia de Morais (aqui primeiro adjunto), sendo primeiro adjunto o ora relator e segunda adjunta Ana Paula Amorim (itálico nosso).
[17] Relatado por Manuel Fernandes (aqui segundo adjunto), sendo primeiro adjunto o ora relator e segundo adjunto José Eusébio Almeida.
[18] Neste sentido, e exemplificativamente, cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, pp. 857-858.
[19] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 340-341 (interpolação nossa e itálico no original).
[20] Interpolação nossa.
[21] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, p. 348 (interpolação nossa e itálico no original).
[22] Tratou-se de um depoimento, a nosso ver, intencionalmente reservado e calculado, não tendo deixado de dizer que não tinha grande apreço pelo ex-cunhado.
[23] Manifestou uma grande aproximação familiar e emotiva à filha, proximidade, pelo que se revela inconsistente que, à luz da experiência comum, não tivesse qualquer conhecimento ou conversa com a filha sobre a entrega dos 150000 Euros.
[24] Mas a esta questão voltaremos na altura própria.
[25] Itálico nosso.
[26] A título de exemplo, veja-se o teor de pp. 4 a 7 da resposta…
[27] Deixamos em nota o teor dos artigos 108.º e 109.º da petição inicial:
“108.º De 30 de Dezembro de 2004 a 31 de Dezembro de 2021, Autor e Ré pagaram, a este título, a quantia de €: 72.596,60. (incluindo a prestação mensal e o seguro anual da habitação associado ao empréstimo).
109.º Pelo que o Autor reclama que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €: 36.298,30, que corresponde a metade daquele montante, à qual acresce o valor correspondente a juros de mora, contabilizados à taxa legal desde a data da citação da Ré para contestar a presente acção, até efectivo e integral pegamento”.
[28] Transcrevemos em nota alguns dos artigos da contestação:
“128.º A ré contribuiu para a economia familiar com os rendimentos que auferia e com a disponibilização do imóvel.
129.º Da mesma forma que o autor contribuiu com os valores indicados nos autos.
130.º Não se pode, ainda, olvidar que o autor ao residir no imóvel propriedade da ré, fruiu do mesmo.
131.º Pelo que, considerar-se a possibilidade de condenar a ré no pagamento dos montantes indicados pelo autor, constituiria um verdadeiro locupletamento deste à custa do património da ré.
132.º Pois, tal significaria que o autor teria fruído do imóvel casa de morada de família, sem que tivesse contribuído com qualquer montante”.
[29] Importando ressalvar que, na possibilidade de haver condenação no pagamento de tal quantia, a mesma será acrescida do montante que se comprovar em sede de liquidação de sentença ter sido pago pelo A. posteriormente a 31/12/2021, acrescido de juros desde a citação.
[30] Redigidos de forma pouco usual:
Termos em que, deve a presenta acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser proferida douta sentença que declare que o Autor é comproprietário na proporção de metade da fracção autónoma destinada à habitação, identificada pelas letras “AR”, sita ao nível do 8.º andar, com entrada pelo n.º ... da Rua..., descrita na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ...42/20031029 - AR da extinta freguesia ... e inscrita na respectiva matriz urbana sob o art.º ...80.º da União de Freguesias ... e ..., por compra à Ré concretizada em 30 de Novembro de 2004 e com efeitos reportados a essa data, sendo ambos, nessa altura, solteiros; ou, caso por qualquer motivo se mostre inviável o acima peticionado, ser proferida douta sentença que declare que o Autor adquiriu a metade da fracção autónoma em causa por usucapião, e, consequentemente e em ambas as circunstâncias, condenando a Ré a reconhecer esse direito do Autor; e ordenada a alteração do registo predial dessa fracção autónoma, de forma a que nele passe a constar que o Autor adquiriu metade dela, por compra à Ré nos termos e data acima descrita, ou, caso assim não for entendido por usucapião; bem como ordenado o averbamento na respectiva matriz, de forma a que nele conste que Autor e Ré são comproprietários da referida fracção autónoma na proporção de metade cada um; e ainda, caso assim não se entenda, ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €: 223.569,18, acrescida do valor correspondente a juros de mora, contabilizados à taxa legal desde a data da citação da Ré para contestar a presente acção até efectivo e integral pagamento; devendo a Ré ser também condenada a pagar ao Autor, todos os valores que este pague ao Banco 1... para cumprimento do financiamento dos autos, a partir de 31 de Dezembro de 2021, até extinção por pagamento integral, quantia esta a liquidar em incidente de liquidação de sentença, a interpor, ou a acumular, no final de cada ano; tudo com as necessárias e legais consequências”.
[31] Destacando nós aqui os artigos 25.º a 30.º, 50.º, 51.º e 72.º da petição inicial.
[32] Nos artigos 89.º a 101.º da petição inicial.
[33] Nos artigos 102.º e 103.º (e seguintes da petição inicial), invoca o enriquecimento sem causa como fundamento (“103.º [c]aso contrário estaria a Ré a enriquecer ilegitimamente e à custa do Autor”).
[34] Sem indicar quaisquer índices de inflação divulgados pelo I.N.E. simplesmente conclui que a 150000 Euros que prestou em 2004 correspondem, à data da petição, 187270,88 Euros, acrescidos de metade do que pagou do empréstimo de 87600 Euros até 31/12/2021 (36298,30 Euros) mais o que se vier a comprovar ter pagado por conta de tal empréstimo após tal data, a liquidar em execução de sentença.
[35] Transcrevemos aqui o final da contestação e reconvenção:
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exª doutamente suprirá, deve ser a acção julgada improcedente, por não provada e, em consequência, ser a ré absolvida de todos os pedidos formulados pelo autor.
Caso assim não se venha a decidir e a acção for considerada procedente, o que não se concebe, nem concede, e apenas por mera cautela e dever de patrocínio se admite:
Deve ser julgada procedente, por provada, a reconvenção e o autor/reconvindo ser condenado a pagar à ré a quantia de € 507.939,09, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a data da dedução da presente contestação com reconvenção, até efetivo e integral pagamento”.
[36] No art.º 44.º refere que o R. lhe doou o dinheiro, no 50.º que nunca ponderou vender ou lhe disse que vendia, no 52.º a 54.º que o crédito à habitação contratado em 2004 fosse um verdadeiro crédito à habitação, pois era para custear mobilarem o apartamento e outras despesas, incluindo com o casamento (que, frisamos, ocorreu em 2007), no 66.º que por força do art.º 7.º do C.R.C. a propriedade é apenas sua por só a favor de si estar registada, no 89.º que o contrato de compra e venda só é válido se for celebrado por escritura pública ou documento particular autenticado, no 99.º e seguintes, que a invocação da aquisição por usucapião é descabida, porque se eram casados e viviam no apartamento questiona se pretendia o A. “comportar-se como um hóspede”, quanto ao segundo pedido subsidiário refere no art.º 116 que o pedido é descabido e que não explica como chegou a tal quantia, no 139.º a 141.º defende a prescrição fundada no enriquecimento sem causa com base no art.º 482.º do C.C. e, por fim, no 174.º, entre outros, justifica o pedido reconvencional porque tendo o casal ido viver para a casa perdeu a R. tal quantitativo a título de rendas que teria recebido se o casal não vivesse lá e estivesse o imóvel arrendado.
[37] Relativamente à qual deixamos em nota, e reiterando a ressalva feita, dois apontamentos: o primeiro, afigura-se-nos pouco ortodoxo não separar a motivação da decisão da matéria de facto da matéria de Direito e, em segundo, afigurar-se-nos haver uma contradição entre o que se expende a pp. 11-12 e pp. 13 a 15, quanto à “propriedade” do A. por contraposição à sua “posse”…
[38] Itálico nosso.
[39] Itálico nosso.
[40] Neste sentido, citamos os pontos I, II e VIII do sumário do acórdão desta Secção proferido aos 10/07/2024, no processo n.º 134/12.9T2AND.P1, “I - A nulidade, como é de ciência geral, é de conhecimento oficioso (artigo 286º do Código Civil), oficiosidade que se funda no interesse público na remoção da ordem jurídica das situações negociais que enfermem de tal patologia. II - No entanto, essa remoção em consequência da declaração de nulidade ou anulação do negócio viciado não tem um figurino estritamente paralisador dos efeitos jurídicos do negócio nulo, envolve também uma reposição dos sujeitos envolvidos nessa patologia negocial na situação em que se encontravam antes da celebração desse negócio, com restituição recíproca do prestado, ou, não sendo possível a restituição em espécie, a restituição dos valores reciprocamente recebidos. VIII - No caso de restituição de capital de mútuo nulo por vício de forma, quanto aos frutos civis do capital a restituir, há que ter em atenção o disposto no nº 3 do artigo 289º do Código Civil, em conjugação com o previsto no nº 1 do artigo 1270º do mesmo diploma legal e ainda do artigo 564º, alínea a) do atual Código de Processo Civil, que corresponde ao artigo 481º, alínea a) do anterior Código de Processo Civil”.
O acórdão foi relatado por Carlos Gil.
O acórdão está acessível em:
https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/134-2024-877820075 [19/11/2024].
[41] Itálico nosso.
[42] Ou que se confunda uma aquisição derivada, translativa, ainda que inválida (posse como comproprietário, por venda), com uma originária (posse conducente à usucapião).
[43] A propósito, citamos a parte final do ponto III do sumário do acórdão proferido pelo S.T.J. aos 21/09/2017, no processo n.º 526/14.9TBCNT.C1.S1, “a coabitação não cria posse, nem sequer no âmbito do casamento (art. 1265.º do CC)”.
O acórdão foi relatado por Maria dos Prazeres Beleza.
O acórdão está acessível em:
https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2017:526.14.9TBCNT.C1.S1.73?search=vDflDg2jCbwb1w8uUkI [19/11/2025].
No mesmo âmbito citamos os pontos 2 a 4 do sumário de um outro, também do S.T.J., proferido aos 10/12/2015, no processo n.º 164/10.5TBCUB.E1.S1, “2. No regime de comunhão de adquiridos constitui bem próprio do cônjuge o prédio urbano por ele adquirido por contrato de compra e venda outorgado antes do casamento. 3. Essa qualificação não é alterada pelo facto de na data da aquisição o cônjuge adquirente já viver em união de facto com o outro cônjuge e de o respectivo preço ter sido pago com dinheiro por ambos auferido. 4. A circunstância de terem sido realizadas obras no prédio cujo custo foi suportado por ambos os cônjuges e de o prédio ter passado a ser utilizado como local de residência do outro cônjuge e filhos comuns não qualifica o cônjuge não adquirente como possuidor para efeitos de invocação da contitularidade do prédio por via da usucapião”.
O acórdão foi relatado por Abrantes Geraldes.
O acórdão está acessível em:
https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2015:164.10.5TBCUB.E1.S1.CE?search=MjLbYJcyKsKxBHOkoro [19/11/2025].
[44] Como, a título de exemplo, o de os valores da alegada compra e venda não fazerem sentido por o apartamento valer cerca de 600000 Euros… – É que, uma coisa é o valor de mercado no âmbito de uma relação comercial, outra é o valor de aquisição (a dividir a meias) no âmbito de uma relação pessoal, no caso de projeto de partilha da vida a dois.
[45] Deixamos em nota a densificação do essencial de alguns destes conceitos:
“Artigo 1674.º
(Dever de cooperação)
O dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram.
Artigo 1675.º
(Dever de assistência)
1. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida [familiar] (interpolação nossa).
ARTIGO 1676.º
(Dever de contribuir para os encargos da vida familiar)
1. O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos [filhos] (interpolação nossa)”.
[46] Interpolação nossa.