CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO NO LOCADO
INTERPRETAÇÃO DA CLÁUSULA DO CONTRATO
Sumário


I - Não se leva a cabo a apreciação da matéria de facto, se a mesma – por conter conceitos jurídicos, enunciações legais, conclusões (de facto ou de direito), juízos de valor, e todos os elementos que encerrem em si próprios a solução de direito discutida na ação -, se mostrar insuscetível de fazer parte do acervo factual a considerar na apreciação da causa.
II- Não há lugar à reapreciação da matéria de facto – ou de algum ponto impugnado dessa matéria -, quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente e que, por isso mesmo, colide com os princípios da celeridade, da limitação dos atos, e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 130.º e 131.º do CPC.
III - Cabe ao senhorio realizar todas as obras de conservação, ordinárias e extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
IV- Tendo ficado estipulado no contrato que o inquilino ficava obrigado a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras de reparação e limpeza que para o efeito se tornassem necessárias, tal cláusula carece de ser interpretada à luz das regras legais da interpretação dos contratos.
V- Consagra a nossa lei, no art.º 236º nº1 do CC, na interpretação da declaração negocial, a doutrina da impressão do destinatário, relevando assim, para efeitos de interpretação da declaração, o sentido que seria considerado por uma pessoa normal – normalmente diligente, sagaz e experiente -, dos termos da declaração, e do comportamento do declarante.

Texto Integral


I- RELATÓRIO:

“EMP01..., S.A.”, sociedade anónima com sede no Campo ..., ..., freguesia ..., veio intentar a presente ação declarativa de processo comum contra AA, viúvo, residente no Campo ..., ..., ... ..., peticionando o seguinte:

“I- Ser decretada a resolução do contrato de arrendamento para habitação em questão nestes autos, existente entre a Autora EMP01..., SA. e o Réu AA, por incumprimento contratual imputável a este, por violação da cláusula SEXTA do Contrato de Arrendamento e do artigo 1.083º do Código Civil.
II- Ser o réu condenado a entregar o imóvel à autora, devoluto de pessoas e bens, no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da sentença a proferir nos autos.
Subsidiariamente, caso se entenda que os fundamentos não são suficientes para a resolução do contrato de arrendamento (…), deve o réu ser condenado:
A – A fazer as obras a que contratualmente se obrigou nos termos da cláusula sexta do contrato de arrendamento, ou seja:
B - Fazer obras de conservação, reparação e limpeza do interior e exterior do locado;
C - Retirar o reservatório de água colocado na cobertura do telhado, suportado na chaminé, o que é causa de graves patologias existentes na chaminé e cobertura do telhado;
D - Eliminar o fogão a lenha que colocou no interior do arrendado, em concreto na cozinha, cujo fumo e fuselagem que lança para o interior do locado são causa de degradação dos vários elementos interiores;
E - Retirar ou fazer obras de conservação dos cobertos em madeira e chapa de zinco existentes no logradouro;
F – Ser condenado a suportar os custos com as supra-alegadas obras, nos termos contratualizados.”

*
Alega para tanto e em suma, que assumiu a posição contratual da senhoria EMP02...., no contrato de arrendamento que aquela celebrou com o Réu, em 8 de maio de 1998, tendo também adquirido a propriedade do imóvel locado.
Que as partes convencionaram, na cláusula sexta do mencionado contrato, que o inquilino ficava obrigado a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras de reparação e limpeza que para o efeito se tornassem necessárias.
Mais ficou convencionado que outras obras ou benfeitorias não podiam ser realizadas pelo inquilino sem prévio consentimento, por escrito, do senhorio.
A estipulação na cláusula sexta foi essencial para a fixação da renda do imóvel, uma vez que se trata de imóvel situado no centro da cidade ..., na zona história, constituído por casa de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro.
Sucede que ao longo dos anos o réu nenhuma obra de conservação, reparação e limpeza do imóvel levou a efeito.
Além disso, colocou no interior da habitação um fogão a lenha, sem qualquer condição de segurança e exaustão, e sem autorização da senhoria, o qual, devido ao fumo que espalha pelo interior do locado, danificou paredes e pintura interior, e aumentou o risco de incêndio no prédio, o que levou a várias advertências por parte da senhoria, mas sem efeito.
Acresce que, também sem autorização e conhecimento da senhoria, o R colocou na cobertura do prédio, encostado á chaminé, um reservatório de águas para consumo interno, o qual, devido ao seu peso, coloca em risco a cobertura do prédio, e tem causado danos visíveis no reboco e estrutura da chaminé - situação para a qual o réu tem sido alertado ao longo dos anos, sendo-lhe ainda solicitado que essa estrutura seja retirada, o que não foi feito pelo Réu.
Acresce ainda que no logradouro do edifício, existente nas traseiras, sem autorização da senhoria, o réu fez várias estruturas em madeira, cobertas por chapa de zinco, as quais, para além do dano inestético que causam, não apresentam condições de segurança, devido à degradação dos seus elementos, por falta de obras de conservação e reparação.
Destarte, foi a autora notificada pela Câmara Municipal ..., do relatório de vistoria realizada ao arrendado, datado de 6 de abril de 2021, interpelando-a para a realização de obras de reparação de diversas patologias existentes no imóvel.
Numa vistoria ao locado realizada pela autora, foram também detetadas várias patologias.
Face a esta factualidade, a Autora enviou carta registada ao réu, datada de 20 de maio de 2021, interpelando-o para a execução de obras de reparação, conservação e limpeza, alertando-o ainda para o facto de as patologias apontadas pela Câmara ... advirem da falta de cuidados e obras de conservação ao longo dos últimos 23 anos.
E voltou a interpela-lo várias vezes, sem sucesso, sob pena de resolução do contrato e respetivo despejo.
O incumprimento do contrato, imputável ao arrendatário, pela sua gravidade e consequências, torna inexigível á senhoria a manutenção do contrato de arrendamento, uma vez que a omissão de tais obras compromete a habitabilidade do locado, desvalorizando-o.
*
O Réu deduziu contestação, impugnando os factos alegados pela A, dizendo que sempre procedeu, dentro das suas possibilidades económicas, ao arranjo, quer exterior, quer interior, do imóvel arrendado. Em relação à limpeza doméstica, diz que a mesma sempre foi impreterivelmente realizada.
Além disso, o mencionado fogão foi colocado com a autorização do antigo senhorio, e o reservatório de águas encontra-se encostado à chaminé, e já se encontrava na estrutura do imóvel aquando da celebração do contrato de arrendamento.
Acresce que uma parte significativa dos problemas estruturais do imóvel resultam exatamente do peso provocado pelo reservatório de água colocado sobre a cobertura do prédio, e que são da responsabilidade da senhoria.
Aliás, a autora assumiu, em várias comunicações trocadas com a filha do réu, ser da sua responsabilidade a reparação dos problemas que o imóvel apresenta.
Sucede que ao longo dos anos a autora contratou pessoas para arranjar o telhado do locado, o qual nunca ficou arranjado, designadamente, por força do reservatório existente.
A autora refere-se a obras de conservação, reparação e limpeza, quando na verdade o que está em causa são obras estruturantes da edificação da qual é proprietária, como concluiu o relatório de Vistoria da Câmara Municipal ..., razão pela qual o réu, por não ter obrigação legal, não irá executar obras da exclusiva responsabilidade da autora.
Ademais, é falso que o imóvel arrendado se encontrava em perfeitas condições de habitação no início do contrato, uma vez que o reservatório de água já ali existia, o qual foi provocando graves problemas estruturais no edifício, assim como logo após algumas chuvas mais intensas, o réu comunicou ao representante do anterior senhorio os problemas de infiltrações, os quais se mantêm.
Não existindo por isso razão, quer fatual, quer de direito, para a autora proceder à resolução do contrato de arrendamento, pela omissão de uma ação que legalmente lhe compete.
Sem prescindir, por se encontrarem preenchidos os pressupostos a que alude o artigo 334.º do CC, invoca o abuso de direito da A, dizendo que aquela, apesar de ter sempre comunicado ao réu, e mantido perante si uma atitude de assunção de responsabilidade perante as graves patologias que o edifício sofre, intenta a presente ação, alegando uma posição contrária à confiança que lhe foi transmitindo.
Este comportamento processual da autora provoca um dano profundo no réu, o qual, por força dessa atuação, fundamenta o dever de indemnizar, nos termos previstos nos artigos 483.º e 566.º do Código Civil, em indemnização a ser arbitrada a seu favor, em sede de execução de sentença.
Conclui pela improcedência da ação, com a sua absolvição dos pedidos, e pela condenação da A por abuso de direito, em quantia a fixar em sede de execução de sentença.
*
A Autora veio Responder às exceções deduzidas na contestação, reiterando o afirmado na petição.
*
Tramitados regularmente os autos, foi proferida, a final, a seguinte decisão:

“Nos termos e pelos fundamentos supra-expostos, decide-se julgar a presente Ação parcialmente Procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
A) Declara-se a resolução do contrato de arrendamento para habitação em questão nestes autos, existente entre a senhoria e Autora EMP01..., SA. e o arrendatário e Réu AA, por incumprimento contratual imputável a este, por violação da cláusula SEXTA do Contrato de Arrendamento e do artigo 1.083º do Código Civil;
B) Condena-se o arrendatário e Réu AA a desocupar o imóvel, deixando-o devoluto de pessoas e bens, no prazo de 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado da presente Sentença;
*
C) a título subsidiário, no caso de Tribunal superior entender que os fundamentos acima descritos não são suficientes para a resolução do contrato de arrendamento pela senhoria e ora Autora, este Tribunal, desde já precavendo tal hipótese de entendimento, decide condenar o arrendatário e ora Réu a fazer as obras a que contratualmente se obrigou nos termos da cláusula sexta do respetivo contrato de arrendamento, i.e., condena-se, assim e a título apenas subsidiário, o Réu a, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da presente Sentença e suportando os respetivos custos nos termos contratualizados, fazer obras de conservação, reparação e limpeza do interior e exterior do locado, nomeadamente a eliminar o fogão a lenha que colocou no interior do arrendado, em concreto na cozinha, cujo fumo e fuselagem que lança para o interior do locado são causa de degradação dos vários elementos interiores;
*
D) Quanto à também peticionada eliminação ou retirada do reservatório ou depósito de água colocado na cobertura do telhado, suportado na chaminé e na ótica da Autora causador de graves patologias existentes na chaminé e na cobertura do telhado, este Tribunal deu como provado que tal reservatório ou depósito de água já estava colocado na cobertura do telhado aquando do início da vigência do contrato de arrendamento objeto dos presentes autos, pelo que nessa parte decide-se Absolver o Réu do pedido;
*
E) Por último, no que concerne à também peticionada eliminação ou retirada, ou, alternativamente, realização de obras de conservação dos cobertos ou coberturas em madeira e chapa de zinco existentes no logradouro do locado, ou edifício, existente nas traseiras, este Tribunal deu como provado que na presente data já foram retiradas do locado essas coberturas ou cobertos colocadas(os) sem autorização e conhecimento da senhoria;
Face ao ora exposto, nessa parte julga-se extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, com custas a suportar, nessa parte, pelo arrendatário e ora Réu, ao qual é imputável tal inutilidade (cfr. artigo 536º/3,2ªparte, do Código de Processo Civil);
*
F) Condena-se em Custas o Réu AA e a Autora “EMP01..., S.A.”, na proporção dos respetivos decaimentos, fixando-se 8/10 a cargo do Réu e 2/10 a cargo da Autora, e fixando-se a taxa de justiça nos termos tabelares do Regulamento das Custas Processuais (artigos 527º/1,1ªparte,2, 529º/2 e 607º/6 todos do Código de Processo Civil – CPC), tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficie o Réu…”.
*
Não se conformando com a sentença proferida, dela veio o Réu interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. O recurso abrange prova gravada, sobre a decisão da matéria de facto e da matéria de direito.
2. A matéria de facto considerada provada no PONTO 9. da douta sentença, que Autora e Réu convencionaram na cláusula sexta do contrato de arrendamento estar o recorrente obrigado a efetuar à sua custa obras de reparação e limpeza que para o efeito se tornem necessárias é habitualmente utilizada em todos os contratos de arrendamento habitacional
3. O recorrente nunca alegou não ser responsável pelas obras de conservação e/ou manutenção, ao invés de obras estruturais até porque as obras necessárias são indubitavelmente de índole estrutural e não de mera conservação.
4. A cláusula sexta do contrato de arrendamento só pode ser interpretada no sentido do arrendatário se ter obrigado a executar obras de desgaste natural, mas nunca obras estruturais.
5. O arrendatário é pessoa de modesta condição económica e sem formação académica para interpretar o contrato de outra forma. em que, 26 anos depois, a recorrida pretende efetuar.
6. O recorrente é pontualmente cumpridor.
7. Também, no PONTO 10. o Tribunal a quo dá por provado ter ficado convencionado que outras obras ou benfeitorias não poderão ser realizadas pelo inquilino sem prévio consentimento, por escrito, do senhorio, e as que porventura vierem a ser efetuadas, com autorização, ficam a pertencer ao prédio sem direito a indemnização e sem que o inquilino possa alegar direito de retenção, tudo conforme cláusula SEXTA do aludido Contrato de Arrendamento.
8. Existe contradição, a qual não se pode manter, tendo por base, fundamentalmente, conforme resulta da prova testemunhal produzida, designadamente da testemunha BB nas passagens referidas e transcritas nas alegações supra e das fotos juntas com a contestação sob o doc. 5.
9. Na apreciação da matéria de facto é importante que se enquadrem os factos no tempo, no local, com as caraterísticas próprias para termos uma visão global da matéria que deve ser dado por Provada e por Não Provada.
10. O Tribunal a quo não valorou o doc. 1 junto com a contestação o qual foi aceite pela recorrida.
11. Deve constar como NÃO PROVADO o Ponto 9º na parte que se ultrapasse as obras de manutenção normais e o Ponto 26º.
12. Igualmente deve ser dado POR PROVADO o Ponto 5.º da contestação ou pelo menos na parte em que se alega que “o réu sempre procedeu, dentro das suas parcas possibilidades económicas, ao seu arranjo, quer exterior, quer interior.” [do locado], no Ponto 7 da contestação na qual se alega que “em relação à limpeza doméstica a mesma sempre foi impreterivelmente realizada pelo réu.” [cf. pág. 20 da sentença]
13. Ser considerada NÃO PROVADO a matéria constante no Ponto 23, na parte onde se escreve que as paredes interiores e a pintura do arrendado apresentam-se danificadas pela existência de fumo e fuselagem no interior da habitação, proveniente do fogão; Existem algumas manchas de bolor nas paredes interiores, devido à falta de arejamento da habitação; Inúmeras manchas de sujidade interior; Vários elementos interiores degradados. [cf. pág. 8 da sentença],
14. O depoimento da testemunha CC, declara ter-se deslocado ao locado, por ordem da recorrida, para eliminar o defeito reclamado pelo recorrente.
15. Deve ser considerado PROVADO a matéria constante nos Ponto 5.º passando a constar que “em relação à limpeza doméstica a mesma sempre foi impreterivelmente realizada pelo réu.” [cf. pág. 20 da sentença] e 7.º passando a ser considerado que “o réu sempre procedeu, dentro das suas parcas possibilidades económicas, ao seu arranjo quer exterior, quer interior” da contestação.
16. Considerar NÃO PROVADO a matéria constante no Ponto 24º
17. Razões para ter de ser alterado para NÃO PROVADO, ao invés do decidido na sentença, o PONTO 12 uma vez que, o recorrente levou a efeito no período do contrato de arrendamento a “qualquer obra de conservação, reparação e limpeza do imóvel.”, e passar a constar, por PROVADO considerando que o réu realizou as obras regulares de conservação, manutenção e limpeza no locado. [cf. pág. 6 da sentença]
18. É considerado provado o Ponto 19. de no dia 12.FEV.2021, a recorrida ter declarado à filha do Réu, DRA. DD, que o “arrendado encontra-se em condições de habitação”[cf. pág. 12 da sentença], mas se o arrendado em 2021 se encontrava em condições para ser habitado pelo recorrente, não podia ser causa suficiente para a resolução de um contrato de arrendamento habitacional com 26 anos de vigência, no qual é arrendatário uma pessoa, à data, com 73 anos de idade e cumpridora, com uma interpretação divergente da recorrida relativamente à cláusula sexta do contrato, posição balizada nos Pontos 24.º e 25.º considerados por Provados.
19. Inelutavelmente, não podem ser de manter provado aqueles Pontos 24.º e 25º….
20. No decurso do depoimento da testemunha CC tinha de ser considerado por NÃO PROVADOS os Pontos 12.º, 13.º, 14.º, 15º, 23.º, 24.º e 25.º da douta sentença.
21. Ainda, em face do depoimento daquela testemunha ser dado por PROVADO o Ponto 35. da sentença devendo passar a constar que o trabalhador CC, a mando da Autora, efetuou um buraco no teto do locado para eliminar a infiltração comunicada pelo Réu. [cf. pág. 22 da sentença]
22. O ponto 39 deve ser considerado PROVADO tendo por base o depoimento da testemunha DD passando a constar que “o Réu nunca impediu que a Autora se deslocasse ao locado”.
23. A sentença incorre em erro uma vez que a testemunha DD nunca confirmou, nem esclareceu ter o seu pai assumido realizar obras no locado, tendo declarado nunca o ter feito.
24. No seguimento do depoimento da testemunha BB, o fogão a lenha tinha por função aquecer as águas, uma vez que o locado não possuía instalações, nem equipamento de aquecimento de águas.
25. Ora, também erradamente foi analisado o depoimento da testemunha EE, uma vez que as suas declarações incidiram sobre toda a matéria elencada nos temas da prova, sem que o Tribunal a quo a apreciasse.
26. Em suma teriam de ser considerados POR PROVADO, nos termos do previsto nos artigos 662.º e 640.º do CPC, os pontos:
27. Ponto 8. “Todas as obras foram efetuadas com o conhecimento e a autorização tácita da primitiva senhoria.”
28. Ponto 9: “Ao longo de pelo menos 19 (dezanove) anos, a senhoria nunca teve a necessidade de solicitar uma vistoria, mas também de igual forma nunca nesse período zelou para verificar da necessidade de obras profundas, ou seja, obras estruturantes sobre o imóvel.”
29. Ponto 10: “Por exemplo, o fogão, mencionado na petição inicial, foi colocado com a autorização do representante legal da antiga senhoria que lhe deu a devida autorização, uma vez que o imóvel não possui infraestruturas para a colocação de fogão a gás, pois a água ainda é aquecida através de cilindro.”
30. Ponto 15: “Sempre que o Réu era questionado pela Autora sobre esta questão, a resposta foi sempre de que aquele reservatório já lá se encontrava desde o início do contrato de arrendamento.”
31. Ponto 20: “A Autora assumiu, em várias comunicações trocadas com a mencionada filha do Réu, serem da sua responsabilidade a reparação dos problemas que o imóvel apresentava.”
32. Ponto 22: “Ao longo dos anos, por exemplo, a Autora contratou pessoas para arranjar o telhado do locado, o qual nunca ficou arranjado, designadamente por força do reservatório existente.”
33. Ponto 28:”No dia 16.JUL.2021, o Réu esteve o dia inteiro a aguardar pelos representantes da Autora, acompanhado pelas suas filhas, sendo que estes não só não compareceram, como não tiveram a polidez de comunicar essa sua ausência ao Réu.”
34. Ponto 32: “A Autora foi contactada logo após o primeiro Inverno de 1998, assim como em todos os anos em que chovia no imóvel, sendo que aquela assumiu essa responsabilidade e enviou trabalhadores para tentarem resolver esse problema, os quais chegaram a intervir na sua resolução”
35. Ponto 34: “A Autora sempre assumiu ser responsável pela situação de degradação em que o imóvel se apresentava e apresenta”.
36. Ponto 35: “O senhor CC, a mando da Autora efetuou um buraco no teto do locado para tentar resolver o problema da infiltração”.
37. Ponto 37: “A Autora ao longo dos anos de contrato nunca cumpriu com a obrigação de efetuar as obras estruturantes – e não apenas meros “remendos” – e, por força da omissão dessa ação, comprometeu de forma gravosa a habitabilidade do locado.”
38. Ponto 39: “O Réu nunca impediu que a Autora se deslocasse ao locado.”
39. Olvidou o Tribunal a quo estar em causa o direito à habitação, consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, ao não considerar este fator, mas, também os inerentes à própria condição socioeconómica, de saúde e de idade do recorrente.
40. O recorrente tem 73 anos de idade, vive sozinho, com parcos recursos económicos, dependente de apoio judiciário e residente naquela casa há pelo menos 26 anos.
41. Cumpre com as suas obrigações à exceção da que lhe é imputada pela recorrida e sobre o qual nutre entendimento contrário.
42. Os depoimentos das testemunhas arroladas quer pela recorrida, quer pelo recorrente confirmam ser este último uma pessoa cumpridora das suas responsabilidades, mas de fincadas convicções.
43. O recorrente sempre que foi interpelado comunicou à recorrida a sua discordância e a interpretação que efetua à cláusula sexta do contrato.
44. Outro aspeto relevante e desconsiderado, uma vez que estamos perante uma resolução de contrato de arrendamento, é o facto de em todo o período do contrato de arrendamento, com ou sem litígio, o recorrente pagar, pontualmente, a renda em vigor.
45. Aliás é compreensível que o recorrente assuma a posição processual dos autos, na medida em que nas várias comunicações trocadas com a recorrida, esta última tem um comportamento condizente com o expressado pela recorrida nos documentos 1 e 2, juntos com a contestação.
46. Na verdade, o que está em causa são obras estruturantes da edificação da qual a recorrida é proprietária e interpretar-se aquela cláusula neste sentido, ou seja, serem da responsabilidade do recorrente seria, no mínimo, uma cláusula abusiva.
47. A resolução do contrato de arrendamento habitacional, o qual constitui casa de morada de família do recorrente, não pode decorrer de um qualquer incumprimento ou até cumprimento defeituoso.
48. O incumprimento alegado para a resolução do contrato de arrendamento a operar pelo senhorio tem de tornar, pela sua gravidade ou consequências, inexigível à outra parte a sua manutenção e esses pressupostos não estão preenchidos.
49. Nem o n.º 1 do artigo 1083.º do C. Civ., o qual está sujeito e dependente do incumprimento das obrigações expressas nos artigos 1031.º, para o recorrente, e 1038.º para a recorrida, foram incumpridos.
50. Não pode ser efetuada, por analogia, a aplicação do n.º 5 por parte do senhorio na resolução do contrato de arrendamento pela não realização de obras, a norma é inequívoca nesta matéria.
51. O Tribunal a quo não explica a razão pela qual entende não ter aplicabilidade o previsto no artigo 1074.º do C. Civ, norma que define ser da competência do senhorio executar as obras de conservação ordinária ou extraordinária, sempre que elas sejam requeridas pelas leis ordinárias, designadamente a legislação urbanística aplicável, ou sejam requeridas para que o contrato possa alcançar o seu fim, qual seja, estando em causa, o arrendamento para habitação, o pleno gozo pelo arrendatário da respetiva habitação, em condições de higiene, salubridade e, portanto, habitabilidade.
52. O recorrente pugnou ter a cláusula sexta uma única interpretação, estar autorizado a realizar obras de conservação, mas no segundo parágrafo da predita cláusula as partes acordam “quaisquer outras obras ou benfeitorias não poderão ser realizadas pelo inquilino (…)”, uma vez que quer recorrente, quer recorrida quiseram diferenciar ambas as situações.
53. O contrato de arrendamento é oneroso, bilateral e sinalagmático, consistindo a prestação contratual do senhorio em conceder o gozo efetivo, posto que temporário, do prédio, a que corresponde a contraprestação do inquilino de pagar a renda acordada e, nos termos do previsto pela alínea b) do artigo 1031.º, do C. Civ., a recorrida tem a obrigação principal de assegurar ao recorrente o gozo do prédio arrendado para o fim a que ele se destina, designadamente, obras estruturais.
54. Compete à recorrida a obrigação contratual de executar todas as obras no imóvel e que fazem parte da sua estrutura que se mostrem necessárias.
55. A decisão de primeira instância tem de ser única, balizada nas normas legais em vigor. A decisão é efetuada prevendo uma “decisão subsidiária” e tendo por base o artigo 1083.º, omitindo qual a norma, em concreto, violada.
56. A decisão viola o direito à habitação, consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa e os princípios da legalidade e do pedido.

TERMOS EM QUE, REVOGANDO A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, JULGANDO-SE A AÇÃO IMPROCEDENTE, ABSOLVENDO O RÉU DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL MELHOR IDENTIFICADO NOS PRESENTES AUTOS POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO, MANTENDO O CONTRATO DE ARRENDAMENTO EM VIGOR NOS TERMOS CONTRATUALIZADOS, COM O QUE FARÃO V. EX.ª S JUSTIÇA…”
*
A recorrida veio Responder ao recurso interposto, pugnando pela sua improcedência.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação são as seguintes, por ordem lógica de conhecimento:

– Se é de alterar a matéria de facto, no sentido pretendido pelo recorrente;
- Se as obras a efetuar no prédio arrendado são da responsabilidade do R/inquilino;
- Se a não realização das mesmas constitui violação contratual do recorrente; e
- E se essa violação contratual é causa da revogação do contrato de arrendamento.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Foram dados como provados na primeira Instância os seguintes factos:

“A) Da PETIÇÃO INICIAL:
1º - A Autora EMP01..., S.A., mediante projeto de cisão/fusão da sociedade EMP02... – SOCIEDADE GESTORA DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO, devidamente registado e comunicado ao réu AA, em 22 de Dezembro de 2017, assumiu a posição contratual da senhoria EMP02..., no contrato de arrendamento objeto dos presentes autos.
2º - Por intermédio desta operação, a Autora adquiriu ainda a propriedade sobre o imóvel objeto do contrato de arrendamento em questão nesta ação.
4.º- A Autora é proprietária do prédio urbano, sito no Campo ..., freguesia ..., ... ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...96.º, atualmente no artigo urbano nº ...29 e descrito na Conservatória do Registo Predial no nº ...14/....
5º- No dia 8 de Maio de 1998, a sociedade EMP02..., na qualidade de proprietária e senhoria, celebrou com o Réu AA e então mulher EE (posteriormente divorciados entre si), um contrato de arrendamento habitacional, sob a forma escrita, cujo objeto é a parte habitacional do prédio anteriormente identificado.
6.º- Autora e Réu e sua então mulher estipularam o prazo de 1 ano para a duração do contrato, com início no dia 01 de Maio de 1998, considerando-se este prorrogado por sucessivos períodos iguais e nas mesmas condições, enquanto nenhuma das partes o denunciar nos termos da lei.
7.º- Acordaram uma renda anual de Esc. 420.000$00 (quatrocentos e vinte mil escudos) paga, em prestações mensais de Esc. 35.000$00 (trinta e cinco mil escudos), do dia um ao dia oito do mês anterior àquele a que dissesse(disser) respeito.
8º - No ano de 2021, fruto das sucessivas atualizações legais, a renda mensal atingiu o montante de € 259,52 euros.
9.º- Autora e Réu convencionaram, na cláusula sexta do supramencionado contrato, que o inquilino ficava(fica) obrigado a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras de reparação e limpeza que para o efeito se tornassem(tornem) necessárias.
10º - Mais ficou convencionado que outras obras ou benfeitorias não poderão ser realizadas pelo inquilino sem prévio consentimento, por escrito, do senhorio, e as que porventura vierem a ser efetuadas, com autorização, ficam a pertencer ao prédio sem direito a indemnização e sem que o inquilino possa alegar direito de retenção, tudo conforme cláusula SEXTA do aludido Contrato de Arrendamento.
11º - A condição de realização de todas as obras de conservação do imóvel foi essencial para a fixação da renda entre senhoria e réu, uma vez que se trata de imóvel no centro da cidade, na zona histórica, constituído por casa de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro.
12º - Ao longo dos anos, a Autora e a sua ante possuidora veio (vieram) a verificar que o Réu não levou a efeito qualquer obra de conservação, reparação e limpeza do imóvel.
13º - Além da falta de obras de conservação do imóvel, interiores e exteriores, a Autora e a sociedade sua ante possuidora constatou(constataram) que o Réu tinha colocado no interior da habitação um fogão a lenha sem qualquer condição de segurança e exaustão.
14º - O facto aludido em 13. era facilmente constatável pelo fumo que saía pela chaminé da habitação e pelas respetivas janelas.
15º - O fogão a lenha foi colocado sem autorização da senhoria, sendo que devido ao fumo que espalhava pelo interior do locado, danificava paredes e pintura interior e aumentava o risco de incêndio no prédio, o que originou várias advertências da senhoria ao arrendatário e ora Réu.
16º - Na cobertura do prédio urbano em causa, encostado à chaminé, já estava implantado, antes do início da vigência do contrato de arrendamento, um reservatório de águas para consumo interno.
18º - A A, ao longo dos anos, também tem solicitado ao arrendatário e ora Réu que retire essa estrutura.
19º - As interpelações da senhoria ao Réu nunca surtiram qualquer efeito.
20º - No logradouro do edifício, existente nas traseiras, o Réu fez várias estruturas de cobertura em madeira, cobertas por chapa de zinco, que, além do dano estético que causavam, não apresentam condições de segurança, devido à degradação dos seus elementos por falta de obras de conservação e reparação.
21º - O Réu realizou essas coberturas sem autorização e conhecimento da senhoria, mas na presente data já foram retiradas do locado.
22.º- A Autora foi notificada, pela Câmara Municipal ..., de relatório de vistoria realizada ao arrendado e datado de 6 de Abril de 2021, interpelando-a para a realização de obras de reparação de diversas patologias, conforme auto de vistoria anexo ao documento nº 1 junto com a petição inicial.
23º - Numa vistoria ao locado realizada pela Autora foi detetado o seguinte:
- Marcas de escorrências de águas nas paredes da cozinha provenientes da chaminé;
- No exterior verificou-se que a chaminé se encontra danificada, com fissuras e destacamento da argamassa em algumas zonas;
- Constatou-se a existência de um depósito de águas apoiado na estrutura da chaminé, o que é causa do aparecimento das fissuras;
- Nas paredes exteriores verificou-se a existência dalgumas fissuras;
- As paredes interiores e a pintura do arrendado apresentam-se danificadas pela existência de fumo e fuselagem no interior da habitação, proveniente do fogão;
- A claraboia encontra-se cheia de lixo e folhas, por falta de manutenção e conservação;
- Existem algumas manchas de bolor nas paredes interiores, devido à falta de arejamento da habitação;
- Inúmeras manchas de sujidade interior;
- Vários elementos interiores degradados;
- Devido à falta de conservação dos apoios de madeiras dos cobertos em chapa de zinco colocados no logradouro, estes encontravam-se em mau estado de conservação e em risco de colapso.
24º - Essas patologias surgiram devido à omissão total de obras de conservação, reparação e limpeza do edifício ao longo dos últimos 26 anos, concretamente desde a data do contrato de arrendamento (Maio de 1998).
25º - Essas patologias têm ainda como causa a realização de obras pelo arrendatário e ora Réu, mas não autorizadas pela senhoria.
26º - Aquando da celebração do Contrato de Arrendamento em apreço, foi convencionado, na respetiva Cláusula Sexta, que a realização das obras de conservação, reparação e limpeza e o suporte dos respetivos custos competem ao arrendatário e ora Réu.
27.º- Face a esta factualidade, a Autora enviou carta registada ao arrendatário e ora Réu, datada de 20 de Maio de 2021, interpelando-o para a execução de obras de reparação, conservação e limpeza, como resulta do contrato de arrendamento vigente, e alertando ainda para o facto de as patologias apontadas pela Câmara Municipal ... advirem da falta de cuidados e obras de conservação ao longo dos últimos 23 anos, por referência à data da respetiva vistoria, tudo conforme doc. n.º 1 anexo à petição inicial.
28º e 29º - A Autora interpelou o Réu para a realização de obras no prazo de 45 dias, e de que, se findasse este prazo sem execução das obras, era intenção da senhoria resolver o contrato de arrendamento, por incumprimento da respetiva cláusula sexta, e proceder ao respetivo despejo.
30.º- Por cartas registadas com aviso de receção, a primeira datada de 7 de Julho de 2021 e a segunda datada de 19 de Julho de 2021, na sequência do referido relatório e da falta de resposta por parte do arrendatário e ora Réu, a Autora agendou uma vistoria ao imóvel arrendado, nos trâmites previstos no artigo 1038º, al. b) do NRAU, a qual viria a ocorrer em 27 de Julho de 2021.
31.º- No âmbito da supramencionada vistoria, a Autora constatou que, pese embora a interpelação dirigida ao arrendatário e ora Réu, este não realizou qualquer obra de conservação, reparação e limpeza.
32º - Na sequência desta vistoria realizada em 27 de Julho de 2021, a Autora, por carta registada com aviso de receção, datada de 6 de Setembro de 2021, interpelou novamente o Réu para a realização das citadas obras que lhe competem no prazo de 30 dias.
33º - Mais uma vez, o Réu foi interpelado de que, findo este prazo sem execução das obras, era intenção da senhoria resolver o contrato de arrendamento, por incumprimento da cláusula sexta do contrato de arrendamento e proceder ao respetivo despejo.
34º - Por carta registada com aviso de receção, datada de 8 de Outubro de 2021, a Autora interpelou o Réu para nova vistoria ao arrendado a realizar no dia 18 de Outubro desse mesmo ano, pelas 11.30 horas.
35º - Realizada esta ultima vistoria, no indicado dia 18 de Outubro de 2021, pelas 11.30 horas, uma vez mais foi verificado que o arrendatário e ora Réu nenhuma obra realizou e que não tinha (não tem) intenção de realizar qualquer obra de conservação, reparação e limpeza do arrendado.
36º - O arrendado vai continuar a degradar-se devido à falta de conservação, reparação e limpeza a efetuar pelo arrendatário e ora Ré, e devido à existência das estruturas não autorizadas pela senhoria.
43º - A falta de obras de conservação, reparação e limpeza estão a comprometer a habitabilidade do locado, situação que se vai agravar por omissão do arrendatário e ora Réu, desvalorizando inclusive o imóvel.
44º - Nos termos da cláusula SEXTA do contrato de arrendamento, as partes acordaram que “o inquilino fica obrigado a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras de reparação e limpeza, que para o efeito se tornem necessárias”.
49.º- O prolongar de tal situação no tempo intensifica as patologias já existentes, dando origem a novas, principalmente atendendo às condições climatéricas adversas que surgem na altura do Outono e do Inverno.
50.º- Quando foi celebrado o contrato de arrendamento em questão nos presentes autos, o locado encontrava-se em perfeitas condições de habitação, garantindo todas os requisitos de comodidade, conforto e salubridade.
51.º- A, então, senhoria confiou que o Réu e a sua então (ora ex-) mulher iriam cumprir as suas obrigações enquanto locatários, procedendo a uma utilização prudente do locado e garantido a sua conservação, reparação e limpeza ao longo dos anos, como contratualmente se obrigaram, o que foi essencial no montante da renda fixada.
52.º- O imóvel locado continua a ser propriedade da Autora e a omissão de obras pelo arrendatário e ora Réu refletir-se-á na sua propriedade, sendo que futuramente afetará muito a possibilidade de aquela vir a dar continuidade ao seu negócio de arrendamento do locado.
53º - O arrendatário/Réu não desconhece ou não ignora a obrigação contratual a que está adstrito, porquanto tem pleno conhecimento das condições do contrato que assinou em 8 de Maio de 1998, tendo sido por várias vezes interpelado para a execução das respetivas obras de conservação, reparação e limpeza, com expressa advertência de resolução do contrato por incumprimento contratual.

B) Da CONTESTAÇÃO sob a Refª ...40

11. O reservatório ou depósito de águas “encostado à chaminé” já se encontrava na estrutura do imóvel aquando da celebração do contrato de arrendamento.
17. O Réu requereu à Câmara Municipal ... que efetuasse uma vistoria ao imóvel, nomeadamente ao nível da conservação.
19. O respetivo relatório é datado de 06.ABR.2021. Em 12.FEV.2021 a Autora declarou à filha do Réu, Dra. DD, que o “arrendado encontra-se em condições de habitação”.
20. Do teor dos Docs. 1 e 2 juntos com a contestação consta o seguinte: “Como sempre, de imediato vamos analisar a situação de proceder à devida reparação, pelo que agradecemos que amanhã, quinta-feira, pelas 9.30horas, nos seja facultado acesso ao arrendado, pela vistoria e reparação imediata.”
24. Do auto/relatório de Vistoria da Câmara Municipal ... consta o seguinte: “uma vez que se verificaram más condições de segurança e salubridade, entendemos que, nos termos do disposto no artigo 10º do RGEU e no nº 2 do artigo 89º do RJEU, o proprietário do prédio deverá ser notificado para proceder às necessárias reparações”.
28. A Autora, na missiva junta com a petição inicial sob doc. 3, imputa o adiamento da vistoria por si requerida ao locado por não lhe ter sido possibilitado o acesso ao arrendado, na data agendada, dia 16.JUL.2021, pelas 15 horas.
30. O Réu não pretende e nunca pretendeu e/ou aceitou executar obras no locado.
33. Recentemente, o Réu, através da sua filha Dra. FF, denunciou a situação à Autora e requereu realojamento do Réu com urgência.
35. Sob as ordens da Autora, alguns trabalhadores deslocaram-se ao imóvel.
36. As partes anuíram na cláusula sexta do contrato de arrendamento que “o inquilino fica obrigado a manter o locado arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras de reparação e limpeza que para o efeito se tornem necessárias”.
40. O prolongar da situação irá intensificar negativamente as patologias já existentes.
56. A Autora considera serem necessárias obras no telhado, decorrentes do seu “envelhecimento”.
57. A Autora considera serem necessárias obras para evitar a infiltração das águas das chuvas e as humidades no imóvel, as quais decorrem também do “envelhecimento” exterior do prédio, sendo que a infiltração das águas e das humidades no imóvel aceleram a sua deterioração no interior.

C) Da RESPOSTA à contestação (Documentos), sob a Refª ...05
2º - A Autora nunca assumiu posição diferente da que consta do contrato de arrendamento.
3º - A situação que ocorreu em Fevereiro de 2021 resultou de um período de pluviosidade intensa, com a acumulação de folhas no telhado, o que causou o entupimento do caleiro e, consequentemente, a entrada de água no locado.
4º - Tal situação foi consequência direta, adequada e necessária da ausência de obras de limpeza do telhado, as quais incumbem ao arrendatário e ora Réu.
5º - A Autora, confrontada com esta situação, tentou de imediato colocar os seus recursos ao dispor para resolver a mesma.
6º - Situação idêntica ocorreu em Maio de 2001, há mais de 20 anos, também resultado de um período de chuva intensa e acumulação de folhas no telhado.
7º - Nessa altura, a primitiva senhoria (ora Autora) recebeu da então mulher (ora ex-mulher) do ora Réu a carta de ilustre mandatária anexa à Resposta à contestação sob a Refª ...05.
8º - A primitiva senhoria respondeu nos termos da carta também anexa à Resposta à contestação sob a Refª ...05.
9º - Nunca existiram dúvidas sobre a quem competia a realização de todas as obras de conservação, tal como consta do contrato de arrendamento, sendo que tal foi condição para a fixação do valor da renda acordada naquela altura.
11º - As cláusulas constantes do contrato de arrendamento não tiveram, até à presente data, qualquer alteração.
12º - A situação que ocorreu em Fevereiro de 2021 foi uma situação pontual e prontamente resolvida, a qual não afetou a habitabilidade do arrendado e em que a Autora interveio no sentido de ajudar a resolver de imediato o problema.

D) Da RESPOSTA à contestação (Exceções), sob a Refª ...38
4º - Dessa Cláusula Sexta consta expressamente “O inquilino fica obrigado a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras de reparação e limpeza, que para o efeito se mostrem necessárias.”
5º - Consta ainda dessa mesma Cláusula que “Quaisquer outras obras ou benfeitorias não poderão ser realizadas pelo inquilino sem prévio consentimento, por escrito, do senhorio, e as que porventura vierem a ser efetuadas, com autorização, ficam a pertencer ao prédio sem direito a indemnização e sem que o inquilino possa alegar direito de retenção.”
6º - A Autora nunca deu autorização ao inquilino e ora Réu para a instalação do fogão a lenha no interior da habitação.
8º - Como se verificou pela vistoria realizada, a necessidade de obras de reparação resulta da existência, não autorizada, do fogão a lenha no interior da habitação sem sistema de exaustão de fumos.
9º - O descrito em 8º tem degradado o interior da habitação, como consequência direta, adequada e necessária da fuselagem do fogão a lenha que emana para o interior do prédio urbano.
11º - As restantes patologias que existem no prédio, quer interiores quer exteriores, resultam da ausência de obras de conservação e limpeza do prédio que deveriam ser efetuadas pelo arrendatário e ora Réu.
12º - Na celebração do contrato de arrendamento, ficaram da responsabilidade do arrendatário e ora Réu todas as obras de conservação e limpeza do imóvel, sendo sua obrigação manter o imóvel em bom estado de conservação.
14º - Apenas as obras que implicassem alterações estruturais ou construção de benfeitorias necessitavam (e necessitam) de autorização da senhoria.
15º - Foi sempre na sequência do acordado contratualmente que as partes agiram ao longo dos últimos 26 anos.
26º - As cláusulas constantes do contrato de arrendamento não tiveram, até à presente data, qualquer alteração.
27º - (duplicação do alegado em 12º da RESPOSTA à contestação (Documentos), sob a Refª ...05) A situação que ocorreu em Fevereiro de 2021 foi uma situação pontual e prontamente resolvida, não afetou a habitabilidade do arrendado e nela a Autora interveio no sentido de ajudar a resolver de imediato o problema.
29º - A Autora sempre cumpriu pontualmente os termos do contrato a que se obrigou.
30º e 31º - O Réu manifestou nos últimos anos expressa intenção de não realizar mais obras de reparação e conservação do prédio arrendado, por falta de vontade e alegada incapacidade económica a que a Autora é alheia.
32º - Por tal motivo, logo que a Autora foi notificada do relatório de vistoria realizado pela Câmara Municipal ..., a mesma interpelou o arrendatário e ora Réu para a realização das obras de reparação necessárias.
33º - O Réu não realizou essas obras, apesar dos vários prazos concedidos e das vistorias ao imóvel arrendado que a Autora agendou.
34º - O Réu, diretamente e por intermédio de sua filha, manifestou que não iria realizar qualquer obra, uma vez que seu pai/arrendatário não tinha dinheiro para gastar.
36º - A degradação do arrendado que se verifica atualmente, ocorreu por ausência nos últimos anos de obras de reparação e conservação que competem ao arrendatário e ora Réu.
37º - O prédio urbano em causa é constituído por casa de habitação composta por rés-do-chão, andar e logradouro, e está localizado no centro histórico da cidade ....

Da discussão resultaram NÃO provados os seguintes Factos:
A) Da PETIÇÃO INICIAL sob as Refªs ...81 e ...61
16º - Sem autorização e conhecimento da senhoria, o arrendatário e ora Réu colocou na cobertura do prédio urbano, encostado á chaminé, um reservatório de águas para consumo interno.
17º - O reservatório de águas, devido ao seu peso, coloca em risco a cobertura do prédio e tem causado danos visíveis no reboco e estrutura da chaminé.
25º - Essas patologias têm ainda como causa a realização de obras pelo arrendatário e ora Réu, mas não autorizadas pela senhoria.

B) Da CONTESTAÇÃO sob a Refª ...40
5. O Réu sempre procedeu, dentro das suas parcas possibilidades económicas, ao arranjo, quer exterior quer interior, do locado.
6. O imóvel foi pintado quatro vezes.
7. Em relação à limpeza doméstica, a mesma sempre foi impreterivelmente realizada pelo Réu.
8. Todas as obras foram efetuadas com o conhecimento e a autorização tácita da primitiva senhoria.
9. Ao longo de pelo menos 19 (dezanove) anos, a senhoria nunca teve a necessidade de solicitar uma vistoria, mas também de igual forma nunca nesse período zelou para verificar da necessidade de obras profundas, ou seja, obras estruturantes sobre o imóvel.
10. O fogão, mencionado na petição inicial, foi colocado com a autorização do representante legal da antiga senhoria que lhe deu a devida autorização, uma vez que o imóvel não possui infraestruturas para a colocação de fogão a gás, pois a água ainda é aquecida através de cilindro.
13. Uma parte significativa dos problemas estruturais do imóvel resulta do peso provocado pelo reservatório de água colocado sobre a cobertura do prédio.
15. Sempre que o Réu era questionado pela Autora sobre esta questão, a resposta foi sempre de que aquele reservatório já lá se encontrava desde o início do contrato de arrendamento.
17. O motivo pelo qual o Réu requereu à Câmara Municipal ... que efetuasse uma vistoria ao imóvel, nomeadamente ao nível da conservação, foi o facto de estar cansado das condições indignas e más em que o mesmo se encontrava.
18. Essa posição foi confirmada pelo teor e pelas conclusões do respetivo relatório.
20. A Autora assumiu, em várias comunicações trocadas com a mencionada filha do Réu, serem da sua responsabilidade a reparação dos problemas que o imóvel apresentava.
21. É contraditório o comportamento da Autora na presente ação com aquele que perante o Réu sempre assumiu.
22. Ao longo dos anos, por exemplo, a Autora contratou pessoas para arranjar o telhado do locado, o qual nunca ficou arranjado, designadamente por força do reservatório existente.
25. A Autora, notificada pela Câmara Municipal ..., não procedeu às obras estruturais no locado que lhe foram ordenadas.
28. No dia 16.JUL.2021, o Réu esteve o dia inteiro a aguardar pelos representantes da Autora, acompanhado pelas suas filhas, sendo que estes não só não compareceram, como não tiveram a polidez de comunicar essa sua ausência ao Réu.
31. O arrendado, pelo incumprimento e pela falta de interesse da Autora/senhoria de executar as obras imprescindíveis no imóvel, está a degradar-se dia após dia.
32. A Autora foi contactada logo após o primeiro Inverno de 1998, assim como em todos os anos em que chovia no imóvel, sendo que aquela assumiu essa responsabilidade e enviou trabalhadores para tentarem resolver esse problema, os quais chegaram a intervir na sua resolução.
34. A Autora sempre assumiu ser responsável pela situação de degradação em que o imóvel se apresentava e apresenta.
35. Alguns trabalhadores ao serviço da Autora efetuaram um buraco no teto.
37. A Autora ao longo dos anos de contrato nunca cumpriu com a obrigação de efetuar as obras estruturantes – e não apenas meros “remendos” – e, por força da omissão dessa ação, comprometeu de forma gravosa a habitabilidade do locado.
39. O Réu nunca impediu que a Autora se deslocasse ao locado.
41. O Réu nunca se recusou a abandonar o imóvel arrendado para um outro imóvel, desde que a Autora, nas mesmas condições contratuais e pelo tempo que fosse necessário, o realojasse, para que assim pudessem ser executadas as obras estruturais que a Autora entendesse serem necessárias ou dentro da notificação que lhe foi remetida pela Câmara Municipal ..., para proceder, com urgência, à execução nos termos definidos naquele relatório.
42. O imóvel arrendado encontrava-se em perfeitas condições de habitação no início do contrato de arrendamento; o reservatório de água foi provocando graves problemas estruturais no edifício, além de que logo após algumas chuvas mais intensas o Réu comunicou ao representante da anterior senhoria os problemas de infiltrações, os quais se mantêm.
43. Esse facto é do conhecimento da Autora por ter sido interpelada para proceder à eliminação daquele problema, o qual assumiu ser da sua responsabilidade.
47. A responsabilidade de execução das obras cabe exclusivamente à Autora, designadamente arranjar o telhado, retirar o reservatório de água e criar as condições mínimas para que o Réu possa usufruir do locado.
58. As obras necessárias para executar no imóvel fazem parte da estrutura do prédio.
60. A Autora sempre comunicou e manteve com o Réu uma atitude de assunção de responsabilidade perante as graves patologias que o edifício manifesta.
65. A Autora, com a presente ação, manifesta um comportamento ou conduta contraditórios com a sua atitude ao longo da anterior vigência do contrato de arrendamento, uma vez que não pretende executar as obras que lhe foram ordenadas pela própria autarquia.
71. Este comportamento processual da Autora provoca um dano profundo no Réu.

C) Da RESPOSTA à contestação (Exceções), sob a Refª ...38
10º - Após esta carta da primitiva senhoria datada de 2001, foi sempre o Réu quem realizou todas as obras necessárias.
16º - O arrendatário e ora Réu fez, à sua custa e nos termos contratualizados, todas as obras de reparação ordinária e extraordinária que o imóvel necessitou:
- Pintura exterior e interior;
- Reparação de fissuras previamente à pintura;
- Conservação das madeiras;
- Substituição, com autorização da senhoria, das janelas do prédio de madeira por
caixilharia em alumínio, etc..
25º - (duplicação do alegado em 10º) Após esta carta da primitiva senhoria datada de 2001, foi sempre o ora Réu quem realizou todas as obras.
- Com interesse para a decisão da causa, NÃO foram dados como provados quaisquer outros factos que estejam em oposição com os que foram supradados como provados, nem quaisquer outros factos que não tenham ficado, desde logo, prejudicados pelos que acima foram dados como provados.
- A restante matéria alegada nos articulados e requerimentos supervenientes da Autora e do Réu constitui matéria de direito, conclusiva ou irrelevante para a decisão da causa, pelo que não se responde à mesma”.
*
A) - Da impugnação da matéria de facto:

Insurge-se o recorrente contra vários pontos da matéria de facto provada, que indica – considerando que os mesmos deviam ser dados como não provados ou apenas provados em parte -, e contra vários pontos da matéria de facto dada como não provada, que também indica – considerando que os mesmos deviam ter sido dados como provados -, convocando para o efeito os meios de prova que vai indicando (quer nas Conclusões, quer nas Alegações de recurso), e que no seu entender levariam a alterar aqueles pontos da matéria de facto.
Em nosso entender, cumpriu o recorrente minimamente os requisitos legais para a impugnação da matéria de facto, sendo a mesma de apreciar.

Assim:
Considera desde logo o recorrente, que a matéria de facto dada como provada no PONTO 9 - que Autora e Réu convencionaram na cláusula sexta do contrato de arrendamento estar o recorrente obrigado a efetuar à sua custa obras de reparação e limpeza que para o efeito se tornem necessárias - é habitualmente utilizada em todos os contratos de arrendamento habitacional.
Que nunca o recorrente alegou não ser responsável pelas obras de conservação e/ou manutenção do locado, ao invés de obras estruturais do imóvel, até porque as obras necessárias são indubitavelmente de índole estrutural e não de mera conservação.
Donde, a cláusula sexta do contrato de arrendamento só pode ser interpretada no sentido do arrendatário se ter obrigado a executar obras de desgaste natural, mas nunca obras estruturais.
Conclui assim que deve constar como NÃO PROVADO o Ponto 9º, na parte que se ultrapasse as obras de manutenção normais, e o Ponto 26º.

Vejamos:
A questão colocada – aparentemente sobre a validade da cláusula contratual em análise, e sobre a subtração da sua discussão ao arrendatário -, apresenta-se como uma questão nova, nunca invocada pelo recorrente nos articulados, nomeadamente que se trate de uma clausula contratual geral, inserida num contrato de adesão que lhe tenha sido apresentada pela senhoria da altura, sem que o mesmo, enquanto arrendatário, tenha tido a possibilidade de a negociar.
Ademais, do que se trata, em nosso entender, é da interpretação que deve ser feita daquela cláusula – sobre o tipo de obras que foram contempladas na dita cláusula -, questão de índole jurídica e não factual, sendo nessa sede que a mesma irá ser apreciada.
São assim de manter inalterados os factos vertidos nos pontos 9 e 26 da matéria de facto provada.
*
Alega também o recorrente que no PONTO 10 o Tribunal a quo dá por provado ter ficado convencionado que “outras obras ou benfeitorias não poderão ser realizadas pelo inquilino sem prévio consentimento, por escrito, do senhorio, e as que porventura vierem a ser efetuadas, com autorização, ficam a pertencer ao prédio sem direito a indemnização e sem que o inquilino possa alegar direito de retenção, tudo conforme cláusula SEXTA do aludido Contrato de Arrendamento”, e que “existe contradição, a qual não se pode manter, tendo por base, fundamentalmente, conforme resulta da prova testemunhal produzida, designadamente da testemunha BB nas passagens referidas e transcritas nas alegações supra e das fotos juntas com a contestação sob o doc. 5”.
Mais invoca que “O Tribunal a quo não valorou o doc. 1 junto com a contestação o qual foi aceite pela recorrida”.
Sobre esta questão, algo confusa, diremos apenas que o que ficou a constar deste ponto é a reprodução fiel do que foi convencionado pelas partes na cláusula sexta do contrato (2º parágrafo), pelo que consideramos ser também de manter o ponto 10 da matéria de facto provada.
*
Defende também o recorrente que deve ser dado POR PROVADO o Ponto 5 da contestação, ou pelo menos na parte em que se alega que “o réu sempre procedeu, dentro das suas parcas possibilidades económicas, ao seu arranjo, quer exterior, quer interior.” [do locado], e no Ponto 7, no qual se alega que “em relação à limpeza doméstica a mesma sempre foi impreterivelmente realizada pelo réu.”.
Acontece que esses factos, levados à matéria de facto não provada, como resulta claro da sua redação, são meramente conclusivos, pelo que não deveriam sequer ali constar.
Está também nesta categoria de factos, o facto dado como provado em 12 – “Ao longo dos anos, a Autora e a sua ante possuidora veio (vieram) a verificar que o Réu não levou a efeito qualquer obra de conservação, reparação e limpeza do imóvel” -, que o recorrente pretende ver dado como não provado.
Caberia efetivamente ao tribunal recorrido expurgar da matéria de facto assente toda aquela que não fosse uma realidade fática, ou toda a matéria que contivesse expressões de direito ou conclusões – de facto ou de direito –, apenas a incluir na decisão jurídica da causa, no processo de integração dos factos às normas jurídicas aplicáveis. Tudo isso em obediência ao disposto no art.º 607º nº 3 e 4 do CPC, onde se preceitua que o juiz deve discriminar os factos que julga provados, seguindo-se a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes (conforme art.º 5º nº 3 do mesmo diploma legal).
Consabidamente, apenas são factos as ocorrências da vida real, os eventos materiais e concretos; o direito ou as questões de direito envolvem a interpretação ou aplicação da lei.
Também os juízos de valor constituem matéria de direito, neles se incluindo as operações lógico-dedutivas que a partir dos factos materiais simples seja lícito ao julgador extrair; estas operações extravasam o julgamento da matéria de facto e, como tal, não podem nela ser incluídas. As ilações dos factos, embora tenham natural cabimento na fundamentação da sentença, supõem regras decorrentes da lei ou da experiência (art.º 607º, nº 4, do CPC), e, como tal, inserem-se lato sensu na motivação de direito que aquela deve comportar.
Por isso, de entre os factos alegados pelas partes, apenas podem ser levados à matéria de facto assente os factos materiais concretos, objetivos, devendo dela ser arredados conceitos jurídicos, enunciações legais, conclusões – de facto ou de direito -, juízos de valor, e todos os elementos que encerrem em si próprios a solução de direito discutida na ação.
Serve tudo isto para concluir que as expressões usadas naqueles pontos da matéria de facto, mesmo que não provadas – que “o réu sempre procedeu, dentro das suas parcas possibilidades económicas, ao seu arranjo, quer exterior, quer interior.”; e que “em relação à limpeza doméstica a mesma sempre foi impreterivelmente realizada pelo réu.” -, constituem expressões generalistas, sem expressão factual concreta, designadamente perante as patologias apresentadas no locado.
Donde, não se leva a cabo a apreciação dessa matéria, por se mostrar a mesma insuscetível de fazer parte do acervo factual a considerar na apreciação da causa.
*
Defende ainda o recorrente que deve ser considerada NÃO PROVADA a matéria constante do Ponto 23, na parte onde se escreve que as paredes interiores e a pintura do arrendado apresentam-se danificadas pela existência de fumo e fuselagem no interior da habitação, proveniente do fogão; Existem algumas manchas de bolor nas paredes interiores, devido à falta de arejamento da habitação; Inúmeras manchas de sujidade interior; Vários elementos interiores degradados”.
Apela o recorrente ao depoimento da testemunha CC para dar tal facto como não provado, o qual declarou ter-se deslocado ao locado por ordem da recorrida, para eliminar o defeito reclamado pelo recorrente – uma infiltração de água no locado –, episódio que terá ocorrido em 2021, ou seja, no mesmo ano em que as patologias descritas nos autos foram detetadas pela A, na vistoria efetuada ao imóvel em 19.7.2021, e que afirmou ao tribunal que a habitação estava em bom estado de conservação.

Vejamos:
Na motivação da decisão da matéria de facto, para fundamentar aquele facto, o tribunal recorrido faz uma referência ao depoimento da testemunha BB, testemunha comum de ambas as partes, que segundo o tribunal, “descreveu as patologias do prédio urbano em apreço (…), bem como esclareceu que a colocação do fogão a lenha no mesmo foi efetuada sem autorização da primitiva empresa senhoria (…) e tem causado patologias de diversa índole e degradação do interior do locado; em suma, confirmou pormenorizadamente os factos acima dados como provados e que sustentam a versão alegada pela Autora; prestou declarações genuínas, espontâneas, seguras e convincentes”.
O mesmo aconteceu com a testemunha GG, marido da administradora da Autora, o qual, segundo o tribunal, descreveu as patologias do prédio urbano em apreço e as obrigações contratuais que cabiam e cabem ao ora Réu, bem como esclareceu que a colocação do fogão a lenha no mesmo foi efetuada sem autorização da primitiva empresa senhoria e tem causado patologias de diversa índole e degradação do interior do locado; em suma, confirmou pormenorizadamente os factos acima dados como provados e que sustentam a versão alegada pela Autora; prestou declarações genuínas, espontâneas, seguras e convincentes”.
Auditados os depoimentos dessas duas testemunhas (com particular atenção), o que constatamos é que se baseiam ambas no que (alegadamente) é referido no relatório da Câmara Municipal ... (CM...). Não percecionamos nos seus depoimentos que as afirmações por eles feitas sobre o estado da habitação tenha sido baseada na sua perceção direta, nomeadamente na vistoria que foi feita pela A em 19.7.2021.
Concretamente, foi apenas referido pela testemunha BB, que “constataram a existência de um fogão; que não tem conhecimento de pinturas que tenha feito”. Que “foram confrontados com a Vistoria da Câmara, e constataram que a casa se encontrava com cheiros e bolores, e que na pontinha escorria água. Que as paredes estão defumadas, e que acha que tal facto tem origem na falta de ventilação (mas isso sou eu a dizer, diz a testemunha). Que houve uma queixa de um vizinho, que saía fumo da habitação. Que foi feita uma interpelação ao inquilino em 2017, no ano em que se reintegraram. Que o relatório falava de tantas coisas, essencialmente das paredes enegrecidas. Que mandaram o relatório para o sr. AA, uma ou duas vezes, o qual nunca fez as obras. Que marcaram vistoria à casa para verificar se as obras tinham sido feitas e que estava tudo igual. Que a partir do momento em que a CM... mandou o relatório ficaram alarmados, pois até aí não sabiam o estado da casa”.
A testemunha GG, questionado pelo ilustre mandatário da A se tinha conhecimento de que “Fomos confrontados com um auto de Vistoria da Câmara Municipal ...”, e se “Sabe concretamente quais foram as patologias que esse auto que a CM de ... descrevia do imóvel”, a testemunha referiu que “Sim. Tenho conhecimento que a Câmara foi lá”, e que “A patologia que eu sei, vagamente, é que as pinturas encontravam-se bastante sujas no interior da casa. E que apresentava uma penetração de água que nesse momento até já não tinha, porque já não chovia e já estavam completamente livres os caleiros e já não apresentava qualquer tipo de situação desse género, mas essencialmente da a parte de pintura da casa que estava degradada no interior da casa”. “Constatou-se que há instalação de um fogão de lenha no interior sem exaustão de fumos que não foi pedido qualquer tipo de autorização para a sua instalação e o mesmo não tem exaustão de fumos e, portanto, aquilo era uma acumulação de fuligem provocada pela combustão do material que era posto no fogão e que se verificou que toda essa parte do mau estado da pintura das paredes era provocada pela fuligem”.
Questionado sobre se “…em momento anterior a esta vistoria já tinha havido alguma interpelação ao arrendatário para desativar essa estrutura do fogão a lenha”, a testemunha respondeu: “Em 2017, em junho de 2017, acho que o arrendatário tinha recebido uma carta da EMP02..., ... a comunicar que ele tinha feito a montagem de um fogão a lenha sem autorização prévia”.
Ora, como se vê, ambas as testemunhas, que o tribunal recorrido valorizou para dar como provado o facto 23, relataram apenas ao tribunal o que na sua ótica consta do relatório da Câmara ... sobre a vistoria que foi feita ao imóvel, e que não é coincidente com o que é descrito naquele relatório.
Efetivamente, analisado o documento junto aos autos com a p.i., nada é referido na vistoria levada a cabo pela CM... – na qual esteve presente um representante da A –, quanto às condições de segurança do fogão, nem sobre o estado das paredes “enegrecidas ou danificadas devido à má exaustão do fogão”.
Como vem descrito em 22.º e 24 “A Autora foi notificada, pela Câmara Municipal ..., de relatório de vistoria realizada ao arrendado e datado de 6 de Abril de 2021, interpelando-a para a realização de obras de reparação de diversas patologias, conforme auto de vistoria anexo ao documento nº 1 junto com a petição inicial.”; “Do auto/relatório de Vistoria da Câmara Municipal ... consta o seguinte: “uma vez que se verificaram más condições de segurança e salubridade, entendemos que, nos termos do disposto no artigo 10º do RGEU e no nº 2 do artigo 89º do RJEU, o proprietário do prédio deverá ser notificado para proceder às necessárias reparações”.
Refere-se a notificação da CM... a más condições de segurança e salubridade, e não vem descrito no relatório de vistoria, o fogão e as condições em que o mesmo se encontrava a funcionar.
O que lemos no relatório de vistoria junto aos autos pela A (doc. nº 1 junto com a petição), é o seguinte: “…No primeiro andar verificou-se que na cozinha existem marcas de escorrências de águas nas paredes da cozinha provenientes da chaminé. - No exterior foi possível verificar que a chaminé se encontra danificada, possuindo fissuras de caráter estrutural e destacamento da argamassa em algumas zonas; - Constatou-se também a existência de um depósito de águas apoiado na estrutura da chaminé, o que poderá ser uma das causas do aparecimento de fissuras na mesma;
- No segundo andar verificou-se a existência de infiltrações de água e fissuras nas paredes exteriores e tetos de vários compartimentos e uma claraboia localizada na caixa de escadas que apresenta sinais de abaulamento e fissuração. - Nas paredes das janelas existem manchas de bolor devido à má execução dos elementos de caixilharia e ausência de peitoris…”.
Como se vê, nada é referido no relatório da Câmara sobre a existência do fogão; se o mesmo se encontrava a funcionar; se o mesmo estava a funcionar sem condições de segurança; e se o mesmo não tinha sistema de exaustão para o exterior.
Além disso, o que vem referido sobre o estado das paredes interiores, é que “Nas paredes das janelas existem manchas de bolor devido à má execução dos elementos de caixilharia e ausência de peitoris…”, nada sendo referido sobre as paredes interiores e a pintura do arrendado se apresentarem danificadas pela existência de fumo e fuselagem proveniente do fogão, nem sobre manchas de sujidade interior, nem sobre elementos interiores degradados (e quais).
Ora, como decorre dos pontos 27º, 28º e 29º, foi apenas com base neste relatório, e nas patologias nele descritas, que a A interpelou o réu para efetuar as obras nele referidas – cujo documento lhe remeteu logo na missiva de 20 de maio de 2021.
Apela o recorrente, para alterar a factualidade vertida no ponto 23 (na parte assinalada), ao depoimento da testemunha da A, CC, empresário da construção civil, referido pelas testemunhas como sendo o empreiteiro que tratava das obras da A, o qual declarou ao tribunal que se deslocou ao prédio em 2021, por causa da ocorrência duma infiltração, e que referiu que a habitação se encontrava em bom estado.
Auditado o seu depoimento, esclareceu a testemunha que havia muitas folhas nos caleiros que foram retiradas, e concretizou que mais tarde se deslocou ao mesmo prédio, e que estava tudo seco (assumindo ter sido ele a abrir um buraco no teto da habitação para verificar se havia infiltração de águas a partir do telhado).
Questionado pelo ilustre mandatário da A sobre o aspeto geral e interior do imóvel, se ele estava bem conservado ou mal conservado, a testemunha respondeu perentoriamente: “Bem conservado. Para a idade que tem, estava pintadinho, embora com algumas pequenas fissuras, mas isso é normal”.
A insistências do ilustre mandatário, sobre se “Não se apercebeu se as paredes estavam pretas de fuselagem”, a testemunha respondeu prontamente “Não, Não”.
Ora, as declarações desta testemunha, que segundo o tribunal recorrido foram “genuínas, espontâneas, seguras e convincentes”, não foram valoradas pelo tribunal recorrido, na parte referente ao estado das paredes interiores da habitação.
Auditado também o depoimento da testemunha EE, ex-mulher do réu, também ela subscritora do contrato de arrendamento em causa nos autos, e que nos ofereceu total credibilidade, a mesma referiu que esteve na habitação há um mês (com referência à data do julgamento), e que verificou que o réu tinha pintado a casa interiormente (de uma cor diferente da que existia). Mais referiu a testemunha que a cozinha tem “uma chaminé que vai ter ao depósito, que existiu sempre, e que tem uns cabos que metemos dentro da chaminé e o fumo sai lá em cima à beira do depósito” – o que nos permite concluir que o fogão a lenha existente na cozinha tem sistema de exaustão ligado à chaminé, e que parte do fumo que provoca sai pela chaminé da habitação.
Isso mesmo ficou a constar, de resto, do ponto 14), no qual é referido que “O facto aludido em 13. era facilmente constatável pelo fumo que saía pela chaminé da habitação e pelas respetivas janelas.
Resulta assim do exposto, que o depoimento das testemunhas CC e EE, conjugado com o relatório de vistoria da Câmara de ... não nos permite concluir, contrariamente ao que ficou a constar do ponto 23 da matéria de facto provada, que As paredes interiores e a pintura do arrendado apresentam-se danificadas pela existência de fumo e fuselagem no interior da habitação, proveniente do fogão”, segmento que deverá se retirado daquele ponto 23.
*
E o mesmo se passa quanto à existência na habitação de “Inúmeras manchas de sujidade interior”, patologia também não referida no relatório de vistoria da Câmara, e que nenhuma testemunha afirmou existir, por sua perceção direta, sendo certo que a referência a “Vários elementos interiores degradados”, é uma referência muito vaga e sem concretização, insuscetível como tal de ser levada à matéria de facto e, consequentemente, de ser apreciada factualmente.
Ainda assim, do depoimento da testemunha CC resulta que o interior do imóvel apresenta algumas pequenas fissuras, que a testemunha considerou normal, relato coincidente com o que é descrito no relatório de vistoria da Câmara, que “No segundo andar verificou-se a existência de infiltrações de água e fissuras nas paredes exteriores e tetos de vários compartimentos…”
O documento nº 5 junto com a contestação (fotografia de um canto da habitação) denuncia também que os problemas existentes no interior da habitação estão relacionados com a entrada de água naquele local (parede e teto manchados pela água).
As manchas de bolor nas paredes interiores, segundo o relatório de vistoria são devidas “…à má execução dos elementos de caixilharia e ausência de peitoris”, e não à falta de arejamento da habitação, como consta do ponto 23, nada resultando dos autos que permita infirmar o que consta do referido relatório.
Resulta assim de todo o exposto, que deve ser retirado do ponto 23), que “as paredes interiores e a pintura do arrendado apresentam-se danificadas pela existência de fumo e fuselagem no interior da habitação, proveniente do fogão; Existem algumas manchas de bolor nas paredes interiores, devido à falta de arejamento da habitação; Inúmeras manchas de sujidade interior; Vários elementos interiores degradados”.
*
Pugna também o recorrente por se dar como NÃO PROVADA a matéria constante do Ponto 24º, cuja redação é a seguinte: “Essas patologias surgiram devido à omissão total de obras de conservação, reparação e limpeza do edifício ao longo dos últimos 26 anos, concretamente desde a data do contrato de arrendamento (Maio de 1998)”.
Este facto, conjugado com a nova redação do ponto 23), não necessita de ser alterado, porquanto as patologias nele descritas (acusadas na sua maior parte no relatório da Câmara ...), são decorrentes da falta de obras de conservação, reparação e limpeza do edifício ao longo dos últimos 26 anos, sem referência a quem competia realizar as ditas obras.
Trata-se de um facto público e notório, decorrente das regras da experiência, de que os prédios se degradam e necessitam de manutenção. A referência à data da celebração do contrato não nos oferece também reparo, atento o depoimento da testemunha EE, que afirmou ao tribunal que quando foram habitar o locado a casa se encontrava toda remodelada.
*
Quanto ao ponto 25º, do qual consta que “Essas patologias têm ainda como causa a realização de obras pelo arrendatário e ora Réu, mas não autorizadas pela senhoria” – vemos nele uma referência muito genérica a obras não autorizadas, sem concretização das mesmas, o que o torna um facto conclusivo, insuscetível, como se referiu supra, de ser levado à matéria de facto.
*
Considera também o recorrente que com base no depoimento da testemunha CC tinham de ser considerados NÃO PROVADOS os Pontos 12.º, 13.º, 14.º, 15º.

Vejamos:
Quanto ao ponto 12, o mesmo foi já objeto de apreciação supra, como sendo o mesmo conclusivo, e como tal, insuscetível de ser levado à matéria de facto – provada ou não provada.
Quanto aos pontos 13), 14) e 15), “…a Autora e a sociedade sua ante possuidora constatou(constataram) que o Réu tinha colocado no interior da habitação um fogão a lenha sem qualquer condição de segurança e exaustão”; “O facto aludido em 13. era facilmente constatável pelo fumo que saía pela chaminé da habitação e pelas respetivas janelas”; “O fogão a lenha foi colocado sem autorização da senhoria, sendo que devido ao fumo que espalhava pelo interior do locado, danificava paredes e pintura interior e aumentava o risco de incêndio no prédio, o que originou várias advertências da senhoria ao arrendatário e ora Réu”,
Diremos o seguinte:
Relativamente à existência de um fogão a lenha no interior da habitação, tal facto é assumido pelo próprio recorrente (facto ademais confirmado por todas as testemunhas ouvidas).
Sobre as condições em que o mesmo se encontrava a funcionar, a descrição que é feita no ponto 13) é muito vaga e conclusiva – “sem qualquer condição de segurança e exaustão” -, não permitindo a mesma aferir com objetividade, em que consistia a falta de condição de segurança e exaustão do aludido fogão.
É certo que existe nos autos um email de 21.6.2017, enviado pela sociedade EMP02... ao Réu, do qual consta o seguinte: “Verificamos que tem em funcionamento um fogão a lenha, sem as condições necessárias de segurança. Deverá de imediato tomar as devidas precauções, sendo que todos e quaisquer prejuízos que daí advenham são da sua inteira responsabilidade”.
Mas também não podemos apurar, pelos dizeres do email, em que condições se encontrava o fogão a funcionar em 2017, nem se o réu tomou as devidas precauções a partir daí, para sanar a falta das aludidas condições de segurança.
E como já referimos supra, nada é referido no relatório da vistoria levada a cabo pela Câmara ... quanto às condições de segurança do fogão, apesar de vir referido na notificação da Câmara à senhoria, que o locado se encontrava em más condições de segurança e salubridade.
No que se refere à autorização da senhoria para a instalação do fogão, esse ponto – que suscitou muita discordância nos autos –, afigura-se-nos irrelevante, uma vez que o que está em causa nos autos é a realização de obras a cargo do inquilino, e a sua omissão enquanto incumprimento contratual por parte do mesmo, não se discutindo a questão da montagem do fogão como desrespeitando a proibição de levar a cabo obras não autorizadas – 2º parte da cláusula 6ª.
 Aliás, se atentarmos nos pedidos formulados, o que se pede, a título subsidiário, é que seja o réu condenado a “fazer as obras a que contratualmente se obrigou nos termos da cláusula sexta do contrato de arrendamento, ou seja (…) eliminar o fogão a lenha que colocou no interior do arrendado, em concreto na cozinha, cujo fumo e fuselagem que lança para o interior do locado são causa de degradação dos vários elementos interiores…”
Ou seja, o foco da A são as obras de conservação do locado, alegadamente a cargo do réu, sendo invocada a existência do fogão como causa da degradação do interior da habitação (pela emissão do fumo que provoca).
Mas essa questão – a do fumo que o fogão espalhava pelo interior do locado, que danificava paredes e pintura interior e aumentava o risco de incêndio no prédio -, foi já tratada supra, a propósito do ponto 23), pelo que nos abstemos de a repetir aqui.
Quanto às advertências da senhoria ao arrendatário relativamente ao fogão, o que temos registado sobre o assunto é apenas o email de 2017, a advertir o réu para as condições de segurança do fogão. Ou seja, também não consta dos autos que a A tenha tomado qualquer outra atitude relativamente à situação, nomeadamente no sentido de o mandar retirar, decorridos que foram cerca de 4 anos desde a dada do envio daquele email.
Queremos com isto dizer, que de 2017 em diante fica-se sem saber se foram ou não tomadas pelo réu as devidas precauções quanto ao funcionamento do fogão (medidas que deveriam ser fiscalizadas pela A), sendo certo que nada é referido na vistoria levada a cabo pela CM... – na qual esteve presente um representante da A -, quanto às condições de segurança do mesmo.
Resulta assim do exposto que os pontos da matéria de facto impugnados deverão passar a conter a seguinte redação:
13º - A Autora e a sociedade sua ante possuidora constatou (constataram) (em 2017) que o Réu tinha colocado no interior da habitação um fogão a lenha.
14º - O facto aludido em 13) era facilmente constatável pelo fumo que saía pela chaminé da habitação e pelas respetivas janelas.
15º - O fogão a lenha foi colocado sem autorização da senhoria.
*
Considera ainda o recorrente que deveriam ser dados como provados os Pontos 35 e 39 - devendo passar a constar dos mesmos, respetivamente, que “o trabalhador CC, a mando da Autora, efetuou um buraco no teto do locado para eliminar a infiltração comunicada pelo Réu” -, e que “o Réu nunca impediu que a Autora se deslocasse ao locado”.
Trata-se, como é bom de ver, de factos sem qualquer relevância para a decisão da causa, pelo que a sua apreciação por este tribunal redundaria numa atividade inconsequente e inútil.
Concretizando:
Como é por demais sabido, a impugnação da decisão da matéria de facto, consagrada no artigo 640.º do CPC, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram "incorretamente julgados".
Mas este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa então concluir que, afinal, existe um direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a uma decisão diferente da anteriormente alcançada.
No fundo, o efetivo objetivo da impugnação da matéria de facto é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante, designadamente a procedência ou a improcedência da ação.
Daí que, se o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", de todo irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto – ou de algum ponto impugnado dessa matéria -, quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente e que, por isso mesmo, colide com os princípios da celeridade, da limitação dos atos, e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 130.º e 131.º do CPC (Ac. da RC, de 24.04.2012, disponível em www.dgsi.pt).
Vigora aqui plenamente o princípio de que a impugnação da decisão da matéria de facto não se justifica de per si, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face àquela.
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Acs. da RC, de 14.01.2014 e de 27.05.2014, também ambos disponíveis em www.dgsi.pt)
*
Finalmente, apelando ao depoimento da testemunha EE, considera o recorrente que deveriam ser considerados PROVADOS os pontos 8, 9, 10, 15, 20, 22, 28, 32, 34 e 37 (da contestação).
Vejamos:
Os pontos 8 e 9 - “Todas as obras foram efetuadas com o conhecimento e a autorização tácita da primitiva senhoria.”; “Ao longo de pelo menos 19 (dezanove) anos, a senhoria nunca teve a necessidade de solicitar uma vistoria, mas também de igual forma nunca nesse período zelou para verificar da necessidade de obras profundas, ou seja, obras estruturantes sobre o imóvel.” - apresentam-se muito conclusivos, e como tal insuscetíveis de serem levados à matéria de facto (provada ou não provada) – nos termos que já exploramos supra;
O ponto 10 - “Por exemplo, o fogão, mencionado na petição inicial, foi colocado com a autorização do representante legal da antiga senhoria que lhe deu a devida autorização, uma vez que o imóvel não possui infraestruturas para a colocação de fogão a gás, pois a água ainda é aquecida através de cilindro”- embora este ponto seja irrelevante para a decisão da causa, como se deixou dito supra, aderimos à posição do tribunal recorrido, de que não logrou o réu provar – como lhe competia -, que lhe tenha sido dada autorização pela senhoria (da altura) para colocar o fogão a lenha na cozinha, sendo certo que a testemunha BB garantiu ao tribunal que o Sr. HH era uma pessoa muito meticulosa, que gostava de ver tudo por escrito, o que não aconteceu.
O ponto 15 - “Sempre que o Réu era questionado pela Autora sobre esta questão, a resposta foi sempre de que aquele reservatório já lá se encontrava desde o início do contrato de arrendamento.” - apresenta-se também irrelevante, dado o que ficou a constar do ponto 11 da matéria de facto provada (da contestação) e do ponto 16 da matéria de facto não provada (da petição).
O mesmo se passa com os pontos 28 e 39 – No dia 16.JUL.2021, o Réu esteve o dia inteiro a aguardar pelos representantes da Autora, acompanhado pelas suas filhas, sendo que estes não só não compareceram, como não tiveram a polidez de comunicar essa sua ausência ao Réu.”; “O Réu nunca impediu que a Autora se deslocasse ao locado.”- cuja inclusão na matéria de facto provada se revelaria de todo inútil para a decisão da causa.
O ponto 20 - “A Autora assumiu, em várias comunicações trocadas com a mencionada filha do Réu, serem da sua responsabilidade a reparação dos problemas que o imóvel apresentava.” – apresenta-se também muito conclusivo, dado que não é feita nele qualquer referência às várias comunicações concretamente efetuadas, nem quais os problemas pelos quais a A assumiu a sua responsabilidade.
Os pontos 22 e 32 - “Ao longo dos anos, por exemplo, a Autora contratou pessoas para arranjar o telhado do locado, o qual nunca ficou arranjado, designadamente por força do reservatório existente”; “A Autora foi contactada logo após o primeiro Inverno de 1998, assim como em todos os anos em que chovia no imóvel, sendo que aquela assumiu essa responsabilidade e enviou trabalhadores para tentarem resolver esse problema, os quais chegaram a intervir na sua resolução”- apresentam-se igualmente conclusivos, sem referência às datas em concreto em que a A fez deslocar ao imóvel as referidas pessoas, sendo certo que estão já assinalados nos autos (nos pontos 17, 18, 19, 20 e 21 da resposta à contestação) duas situações de ocorrência de grande pluviosidade, em que a Autora, confrontada com as mesmas, tentou de imediato colocar os seus recursos ao dispor do réu para ajudar a resolver os problemas do imóvel.
O ponto 34 - “A Autora sempre assumiu ser responsável pela situação de degradação em que o imóvel se apresentava e apresenta” – não pode também ser dado como provado, dado que inexiste prova cabal nesse sentido.
Acresce que, à parte as situações descritas, relacionadas com as chuvas intensas ocorridas nas datas referidas, os factos descritos em 7) e 8) (da Resposta à Contestação) e os respetivos documentos neles mencionados são bem reveladores que a A nunca assumiu verdadeiramente perante o réu ser responsável pelas obras de que o imóvel carece.
O ponto 37 - “A Autora ao longo dos anos de contrato nunca cumpriu com a obrigação de efetuar as obras estruturantes – e não apenas meros “remendos” – e, por força da omissão dessa ação, comprometeu de forma gravosa a habitabilidade do locado.” – apresenta-se também muito conclusivo, mesmo em termos jurídicos, definindo logo, com a sua redação, o desfecho final da ação, apresentando-se assim insuscetível de ser considerado na matéria de facto – provada e não provada.
*
Fica assim decidida a matéria de facto provada, de acordo com a apreciação supra, (excluída de matéria repetida e conclusiva, quer de facto, quer de direito):

A) Da PETIÇÃO INICIAL:
1º - A Autora EMP01..., S.A., mediante projeto de cisão/fusão da sociedade EMP02... – SOCIEDADE GESTORA DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO, devidamente registado e comunicado ao réu AA, em 22 de Dezembro de 2017, assumiu a posição contratual da senhoria EMP02..., no contrato de arrendamento objeto dos presentes autos.
2º - Por intermédio desta operação, a Autora adquiriu ainda a propriedade sobre o imóvel objeto do contrato de arrendamento em questão nesta ação.
4.º- A Autora é proprietária do prédio urbano, sito no Campo ..., freguesia ..., ... ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...96.º, atualmente no artigo urbano nº ...29 e descrito na Conservatória do Registo Predial no nº ...14/....
5º- No dia 8 de Maio de 1998, a sociedade EMP02..., na qualidade de proprietária e senhoria, celebrou com o Réu AA e então mulher EE (posteriormente divorciados entre si), um contrato de arrendamento habitacional, sob a forma escrita, cujo objeto é a parte habitacional do prédio anteriormente identificado.
6.º- Autora e Réu e sua então mulher estipularam o prazo de 1 ano para a duração do contrato, com início no dia 01 de Maio de 1998, considerando-se este prorrogado por sucessivos períodos iguais e nas mesmas condições, enquanto nenhuma das partes o denunciar nos termos da lei.
7.º- Acordaram uma renda anual de Esc. 420.000$00 (quatrocentos e vinte mil escudos) paga, em prestações mensais de Esc. 35.000$00 (trinta e cinco mil escudos), do dia um ao dia oito do mês anterior àquele a que dissesse(disser) respeito.
8º - No ano de 2021, fruto das sucessivas atualizações legais, a renda mensal atingiu o montante de € 259,52 euros.
9.º- Autora e Réu convencionaram, na cláusula sexta do supramencionado contrato, que o inquilino ficava(fica) obrigado a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras de reparação e limpeza que para o efeito se tornassem(tornem) necessárias.
10º - Mais ficou convencionado que outras obras ou benfeitorias não poderão ser realizadas pelo inquilino sem prévio consentimento, por escrito, do senhorio, e as que porventura vierem a ser efetuadas, com autorização, ficam a pertencer ao prédio sem direito a indemnização e sem que o inquilino possa alegar direito de retenção, tudo conforme cláusula SEXTA do aludido Contrato de Arrendamento.
11º - A condição de realização de todas as obras de conservação do imóvel foi essencial para a fixação da renda entre senhoria e réu, uma vez que se trata de imóvel no centro da cidade, na zona histórica, constituído por casa de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro.
13º - …a Autora e a sociedade sua ante possuidora constatou (constataram) (em 2017) que o Réu tinha colocado no interior da habitação um fogão a lenha.
14º - O facto aludido em 13) era facilmente constatável pelo fumo que saía pela chaminé da habitação e pelas respetivas janelas.
15º - O fogão a lenha foi colocado sem autorização da senhoria.
16º - Na cobertura do prédio urbano em causa, encostado à chaminé, já estava implantado, antes do início da vigência do contrato de arrendamento, um reservatório de águas para consumo interno.
18º - A A, ao longo dos anos, também tem solicitado ao Réu que retire essa estrutura.
19º - As interpelações da senhoria ao Réu nunca surtiram qualquer efeito.
20º - No logradouro do edifício, existente nas traseiras, o Réu fez várias estruturas de cobertura em madeira, cobertas por chapa de zinco, que, além do dano estético que causavam, não apresentam condições de segurança, devido à degradação dos seus elementos por falta de obras de conservação e reparação.
21º - O Réu realizou essas coberturas sem autorização e conhecimento da senhoria, mas na presente data já foram retiradas do locado.
22.º- A Autora foi notificada, pela Câmara Municipal ..., de relatório de vistoria realizada ao arrendado e datado de 6 de Abril de 2021, interpelando-a para a realização de obras de reparação de diversas patologias, conforme auto de vistoria anexo ao documento nº 1 junto com a petição inicial.
23º - Numa vistoria ao locado realizada pela Autora foi detetado o seguinte:
- Marcas de escorrências de águas nas paredes da cozinha provenientes da chaminé;
- No exterior verificou-se que a chaminé se encontra danificada, com fissuras e destacamento da argamassa em algumas zonas;
- Constatou-se a existência de um depósito de águas apoiado na estrutura da chaminé, o que é causa do aparecimento das fissuras;
- Nas paredes exteriores verificou-se a existência dalgumas fissuras;
- A claraboia encontra-se cheia de lixo e folhas, por falta de manutenção e conservação;
- Existem algumas manchas de bolor nas paredes interiores…
- Devido à falta de conservação dos apoios de madeiras dos cobertos em chapa de zinco colocados no logradouro, estes encontravam-se em mau estado de conservação e em risco de colapso.
24º - Essas patologias surgiram devido à omissão total de obras (…) ao longo dos últimos 26 anos, concretamente desde a data do contrato de arrendamento (Maio de 1998).
27º- …a Autora enviou carta registada ao arrendatário e ora Réu, datada de 20 de Maio de 2021, interpelando-o para a execução de obras (…) tudo conforme doc. n.º 1 anexo à petição inicial.
28º e 29º - A Autora interpelou o Réu para a realização de obras no prazo de 45 dias, e de que, se findasse este prazo sem execução das obras, era intenção da senhoria resolver o contrato de arrendamento, por incumprimento da respetiva cláusula sexta, e proceder ao respetivo despejo.
30.º- Por cartas registadas com aviso de receção, a primeira datada de 7 de Julho de 2021 e a segunda datada de 19 de Julho de 2021, na sequência do referido relatório e da falta de resposta por parte do arrendatário e ora Réu, a Autora agendou uma vistoria ao imóvel arrendado, nos trâmites previstos no artigo 1038º, al. b) do NRAU, a qual viria a ocorrer em 27 de Julho de 2021.
31.º- No âmbito da supramencionada vistoria, a Autora constatou que, pese embora a interpelação dirigida ao arrendatário e ora Réu, este não realizou qualquer obra.
32º - Na sequência desta vistoria realizada em 27 de Julho de 2021, a Autora, por carta registada com aviso de receção, datada de 6 de Setembro de 2021, interpelou novamente o Réu para a realização das citadas obras que lhe competem no prazo de 30 dias.
33º - Mais uma vez, o Réu foi interpelado de que, findo este prazo sem execução das obras, era intenção da senhoria resolver o contrato de arrendamento, por incumprimento da cláusula sexta do contrato de arrendamento e proceder ao respetivo despejo.
34º - Por carta registada com aviso de receção, datada de 8 de Outubro de 2021, a Autora interpelou o Réu para nova vistoria ao arrendado a realizar no dia 18 de Outubro desse mesmo ano, pelas 11.30 horas.
35º - Realizada esta ultima vistoria, no indicado dia 18 de Outubro de 2021, pelas 11.30 horas, uma vez mais foi verificado que o arrendatário e ora Réu nenhuma obra realizou e que não tinha (não tem) intenção de realizar qualquer obra.
36º - O arrendado vai continuar a degradar-se devido à falta de obras.
43º - A falta de obras (…) está a comprometer a habitabilidade do locado, situação que se vai agravar (…), desvalorizando inclusive o imóvel.
49.º- O prolongar de tal situação no tempo intensifica as patologias já existentes, dando origem a novas, principalmente atendendo às condições climatéricas adversas que surgem na altura do Outono e do Inverno.
50.º- Quando foi celebrado o contrato de arrendamento em questão nos presentes autos, o locado encontrava-se em perfeitas condições de habitação, garantindo todas os requisitos de comodidade, conforto e salubridade.
51.º- A então senhoria confiou que o Réu e a sua então mulher iriam cumprir as suas obrigações enquanto locatários, procedendo a uma utilização prudente do locado e garantido a sua conservação, reparação e limpeza ao longo dos anos, como contratualmente se obrigaram, o que foi essencial no montante da renda fixada.
52.º- O imóvel locado continua a ser propriedade da Autora, e a omissão de obras (…) refletir-se-á na sua propriedade, sendo que futuramente afetará muito a possibilidade de aquela vir a dar continuidade ao seu negócio de arrendamento do locado.
53º - O arrendatário/Réu não desconhece ou não ignora a obrigação contratual a que está adstrito, porquanto tem pleno conhecimento das condições do contrato que assinou em 8 de Maio de 1998.

B) DA CONTESTAÇÃO

11. O reservatório ou depósito de águas “encostado à chaminé” já se encontrava na estrutura do imóvel aquando da celebração do contrato de arrendamento.
17. O Réu requereu à Câmara Municipal ... que efetuasse uma vistoria ao imóvel, nomeadamente ao nível da conservação.
19. O respetivo relatório é datado de 06.ABR.2021. Em 12.FEV.2021 a Autora declarou à filha do Réu, Dra. DD, que o “arrendado encontra-se em condições de habitação”.
20. Do teor dos Docs. 1 e 2 juntos com a contestação consta o seguinte: “Como sempre, de imediato vamos analisar a situação de proceder à devida reparação, pelo que agradecemos que amanhã, quinta-feira, pelas 9.30horas, nos seja facultado acesso ao arrendado, pela vistoria e reparação imediata.”
24. Do auto/relatório de Vistoria da Câmara Municipal ... consta o seguinte: “uma vez que se verificaram más condições de segurança e salubridade, entendemos que, nos termos do disposto no artigo 10º do RGEU e no nº 2 do artigo 89º do RJEU, o proprietário do prédio deverá ser notificado para proceder às necessárias reparações”.
28. A Autora, na missiva junta com a petição inicial sob doc. 3, imputa o adiamento da vistoria por si requerida ao locado por não lhe ter sido possibilitado o acesso ao arrendado, na data agendada, dia 16.JUL.2021, pelas 15 horas.
30. O Réu não pretende e nunca pretendeu e/ou aceitou executar obras no locado.
33. Recentemente, o Réu, através da sua filha Dra. FF, denunciou a situação à Autora e requereu realojamento do Réu com urgência.
35. Sob as ordens da Autora, alguns trabalhadores deslocaram-se ao imóvel.
40. O prolongar da situação irá intensificar negativamente as patologias já existentes.
56. A Autora considera serem necessárias obras no telhado, decorrentes do seu “envelhecimento”.
57. A Autora considera serem necessárias obras para evitar a infiltração das águas das chuvas e as humidades no imóvel, as quais decorrem também do “envelhecimento” exterior do prédio, sendo que a infiltração das águas e das humidades no imóvel aceleram a sua deterioração no interior.

C) Da RESPOSTA À CONTESTAÇÃO (Documentos)

2º - A Autora nunca assumiu posição diferente da que consta do contrato de arrendamento.
3º - A situação que ocorreu em Fevereiro de 2021 resultou de um período de pluviosidade intensa, com a acumulação de folhas no telhado, o que causou o entupimento do caleiro e, consequentemente, a entrada de água no locado.
4º - Tal situação foi consequência direta, adequada e necessária da ausência de obras de limpeza do telhado.
5º - A Autora, confrontada com esta situação, tentou de imediato colocar os seus recursos ao dispor para resolver a mesma.
6º - Situação idêntica ocorreu em Maio de 2001, há mais de 20 anos, também resultado de um período de chuva intensa e acumulação de folhas no telhado.
7º - Nessa altura, a primitiva senhoria (…) recebeu da então mulher (ora ex-mulher) do ora Réu a carta de ilustre mandatária anexa à Resposta à contestação sob a Refª ...05.
8º - A primitiva senhoria respondeu nos termos da carta também anexa à Resposta à contestação sob a Refª ...05.
11º - As cláusulas constantes do contrato de arrendamento não tiveram, até à presente data, qualquer alteração.
12º - A situação que ocorreu em Fevereiro de 2021 foi uma situação pontual e prontamente resolvida, a qual não afetou a habitabilidade do arrendado e em que a Autora interveio no sentido de ajudar a resolver de imediato o problema.

D) DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO (Exceções)

6º - A Autora nunca deu autorização ao inquilino e ora Réu para a instalação do fogão a lenha no interior da habitação.
11º - As restantes patologias que existem no prédio, quer interiores quer exteriores, resultam da ausência de obras (…) do prédio.
*
B) Da resolução do contrato de arrendamento:

A A demanda o réu nesta ação, peticionando a resolução do contrato de arrendamento com ele celebrado (pela então senhoria, EMP02...), em maio de 1998, relativo ao prédio urbano, sito no Campo ..., em ..., e fundamenta a sua pretensão no facto de ter sido intimada pela Câmara Municipal ... (CM...) para realizar obras no locado, obras essas que na sua ótica são da responsabilidade do réu, e que o mesmo se recusou a fazer, apesar de ter sido interpelado várias vezes para o efeito.
E analisada a decisão recorrida, verificamos que toda ela vem estruturada na análise dessa questão – do incumprimento contratual do Réu, por alegada falta de realização de obras no locado –, tendo-se concluído que assiste à Autora o direito de resolver o contrato de arrendamento em discussão nos autos, nos termos da respetiva cláusula sexta e do artigo 1083º do Código Civil, com base na violação dos deveres contratuais por parte do arrendatário e ora Réu, declarando-se a resolução do contrato de arrendamento por incumprimento contratual imputável ao mesmo, e condenando-se aquele a desocupar o imóvel, deixando-o devoluto de pessoas e bens no prazo de 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado da presente Sentença.
Para assim se decidir, considerou-se na sentença recorrida que o Réu incumpriu o seu dever de realizar as obras de conservação e limpeza no locado a que se obrigou na cláusula sexta do contrato de arrendamento, sendo que esse incumprimento contratual, imputável ao arrendatário, pela sua gravidade e consequências, torna inexigível à senhoria (e ora Autora) a manutenção do contrato de arrendamento, uma vez que a omissão de tais obras compromete a habitabilidade do locado, desvalorizando-o.

Vejamos:
O contrato de arrendamento em causa nos autos foi celebrado em maio de 1998, circunstância que nos leva a aferir desde logo qual o regime jurídico que lhe é aplicável, sendo certo que a causa de resolução apontada nos autos pela A foi a recusa do réu em realizar as obras que a mesma o intimou a fazer, por interpelações ocorridas a partir de 20.5.2021.
Assim sendo, atenta a data da sua celebração, o contrato foi celebrado na vigência do RAU, instituído pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano. Mas uma vez que foi a recusa do réu em efetuar as obras que a A o interpelou por várias vezes para fazer – conforme relatório de vistoria da CM... -, que esteve na origem da resolução do contrato, haverá também de analisar qual o regime jurídico a aplicar à causa da resolução do contrato, ou seja, em que domínio jurídico deve ser analisado o facto (ilícito e culposo do inquilino) que levou à resolução do contrato por parte da senhoria.
Relativamente a esta matéria, cremos que os fundamentos da resolução haverão já de ser analisados e verificada a sua validade à luz da legislação que se encontrar em vigor na data da causa resolutiva – em 2021 -, ou seja, já no domínio da vigência do NRAU, ou seja, da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano e cujo art.º 60º revogou o RAU.
A este propósito, não podemos deixar de ter presente o art.º 59º desta mesma lei, que dispõe genericamente, no seu nº 1, que “O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”, o que vale por dizer que ocorrendo a causa de resolução do contrato já no período da vigência do NRAU, são-lhe aplicáveis as disposições desse diploma e do Código Civil, na versão dele resultante (Ac. RP de 03-02-2011 e Ac. RL de 07-05-2012, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Perante o exposto, vejamos então se assiste à A o direito de resolver o contrato de arrendamento celebrado com o Réu, com base no fundamento previsto no art.º 1083º do C. Civil, com a alteração resultante da referida Lei nº 6/2006, de 27.2.
*
Nos termos do nº1 do art.º 1083º do CC, “Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte”, acrescentando o nº 2, que “É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio…”
Como resulta do disposto no nº1 do ora citado artigo, qualquer das partes pode resolver o contrato de arrendamento, nos termos gerais, por incumprimento contratual imputável à outra parte, considerando o tribunal recorrido, que “Por analogia com o nº 5 do artigo 1083º do Código Civil, é fundamento de resolução pela senhoria, designadamente, a não realização de obras pelo arrendatário que a este caibam, quando tal omissão possa comprometer a habitabilidade do locado. No caso concreto, a falta de obras de conservação, reparação e limpeza estão a comprometer a habitabilidade do locado, situação que se vai agravar por omissão do arrendatário, desvalorizando, repete-se, inclusive o imóvel”.
E acrescenta-se: “Dúvidas não existem de que nos termos da cláusula SEXTA do contrato de arrendamento, as partes acordaram que “o inquilino fica obrigado a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras de reparação e limpeza que para o efeito se tornem necessárias. Tal cláusula afigura-se perfeitamente válida, sendo da responsabilidade do arrendatário proceder às obras de reparação, conservação e limpeza do locado, facto que o arrendatário e ora Réu omitiu ao longo das últimas quase três décadas de uso do locado. O Réu demonstra inequivocamente não querer cumprir esta obrigação contratual, pelo que esta atitude de incumprimento reiterado irá prosseguir. Neste contexto, o incumprimento do Réu/arrendatário presume-se culposo nos termos dos artigos 1083º e 799º ambos do Código Civil, constituindo um incumprimento objetivamente grave cuja gravidade e consequências tornam inexigível à outra parte, ora Autora, a manutenção da relação contratual”.
*
É desta decisão que o réu discorda, sustentando que as obras que foi intimado pela A a fazer, denunciadas no relatório da Câmara ..., não são da sua responsabilidade, porquanto são obras estruturais do edifício, a cuja realização não se comprometeu.
Divergem assim as partes, como é bom de ver, sobre a interpretação a dar à cláusula sexta do contrato de arrendamento celebrado, pelo que a questão que importa decidir desde logo é precisamente “que tipo de obras” foi convencionado naquela cláusula, como sendo da responsabilidade do réu enquanto inquilino.
Fazendo um enquadramento jurídico da questão, determina o art.º 1031º do CC, que é obrigação do locador assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que a coisa se destina.
A obrigação principal do locador consiste assim em proporcionar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que se destina, obrigação que envolve uma prestação negativa – não praticar atos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário (art.º 1037º, nº 1, do CC) – e prestações positivas, como a realização de reparações e outras despesas necessárias ao gozo da coisa (art.º 1036º do CC).
Determina efetivamente o art.º 1074º do mesmo diploma legal, que cabe ao senhorio realizar todas as obras de conservação, ordinárias e extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
O mesmo era previsto no Regime Jurídico anterior, no RAU, nos seus artºs 12º e 13º, que impunha ao senhorio a realização das obras de conservação do prédio – ordinárias ou extraordinárias -, sendo admitido, no entanto, que houvesse estipulação das partes em contrário (Ac. STJ de 18.6.2024 e da RP de 10.7.2024, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, e Romano Martinez, Contratos em Especial, 2ª ed., 248, nota 13)
Isto significa que de acordo, quer com o RAU, quer com o NRAU, a realização de obras de conservação (ordinária ou extraordinária), impostas por lei ou que resultem do fim do contrato, cabe ao senhorio, sem prejuízo da possibilidade de, por acordo entre o senhorio e o arrendatário, essa realização incumbir a este último.
Quanto à distinção entre obras de conservação ordinária e de conservação extraordinária, tem-se entendido que na ausência de definição legal na nova lei, são de recuperar os conceitos que constavam do RAU, no seu art.º 11º, no qual se sintetizam como obras de conservação ordinária as que se “destinam, em geral, a manter o prédio em bom estado de preservação e nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração”, sendo que “obras de conservação extraordinária são as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, quer dizer, por caso imprevisível ou inevitável e, em geral, as que não sendo imputáveis a ações ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassam, no ano em que se tornam necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano” (Aragão Seia, Regime do Arrendamento Urbano, 2002, 6ª edição, págs. 196-197, e França Pitão, Novo Regime do Arrendamento Urbano, Anotado – Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, 2ª edição, págs. 547 e ss).
Citando Antunes Varela (RLJ 100º, pág. 381), “o locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis, para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer se trate de pequenas ou grandes reparações, quer a sua necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro.”
No entanto, o NRAU veio estabelecer de forma expressa, no seu art.º 1074º do CC, como consagração do princípio da autonomia da vontade das partes, a possibilidade de ser estabelecida uma cláusula contratual em que as obras de conservação seriam a cargo do senhorio ou do arrendatário.
Vale tudo isto por dizer, e reportando-nos agora ao caso dos autos, que as partes podiam estipular, que as obras de reparação e limpeza que para o efeito se tornassem necessárias para manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, ficassem a cargo do inquilino.

Isto posto,
Consta efetivamente da aludida cláusula sexta, que o inquilino ficava(fica) obrigado a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras de reparação e limpeza que para o efeito se tornassem(tornem) necessárias.
Considera a A que tal cláusula impõe ao réu a realização de (todas) as obras que seja necessário levar a cabo no prédio arrendado, tendo sido nessa pressuposição que foi acordado o valor da renda.
Muito significativo para sustentar a posição da A é o que ficou provado nos pontos 56 e 57 (da Contestação), de que “A Autora considera serem necessárias obras no telhado, decorrentes do seu “envelhecimento”; e que “A Autora considera serem necessárias obras para evitar a infiltração das águas das chuvas e as humidades no imóvel, as quais decorrem também do “envelhecimento” exterior do prédio, sendo que a infiltração das águas e das humidades no imóvel aceleram a sua deterioração no interior”.
Ou seja, se bem entendemos a posição da A, na sua ótica, o réu assumiu na cláusula 6ª do contrato, a realização de todas as obras que o imóvel arrendado viesse a necessitar, decorrentes de qualquer situação, mesmo as decorrentes do seu envelhecimento natural.
Considera por outro lado o réu que apenas ficou obrigado a efetuar obras no interior do locado (como a pintura do interior, que diz ter efetuado 3 a 4 vezes); não as obras na estrutura do prédio, que deverão ficar a cargo da senhoria, também proprietária do imóvel.
Tanto mais, diz, que não é da sua responsabilidade a colocação do depósito de água no telhado do prédio, junto à chaminé, sendo certo que o mesmo será o responsável pelas fissuras que o prédio apresenta, quer a nível exterior, quer a nível interior.
Como se disse, a resolução desta primeira questão passa pela interpretação da cláusula sexta do contrato de arrendamento, sendo certo que essa interpretação tem de ser feita também perante as concretas obras de que o local arrendado necessita, o qual, segundo o relatório de vistoria levado a cabo pela CM..., se encontra em “más condições de segurança e salubridade”.

Assim, de acordo com a matéria de facto provada (em 22 e 23), o prédio arrendado apresenta as seguintes anomalias:
- Marcas de escorrências de águas nas paredes da cozinha provenientes da chaminé;
- No exterior verificou-se que a chaminé se encontra danificada, com fissuras e destacamento da argamassa em algumas zonas;
- Constatou-se a existência de um depósito de águas apoiado na estrutura da chaminé, o que poderá ser uma das causas do aparecimento das fissuras;
- Nas paredes exteriores verificou-se a existência dalgumas fissuras, assim como nos tetos de vários compartimentos;
- A claraboia localizada na caixa de escadas apresenta sinais de abaulamento e fissuração, e encontra-se cheia de lixo e folhas, por falta de manutenção e conservação; e
- Existem algumas manchas de bolor nas paredes interiores, devido à má execução dos elementos de caixilharia e ausência de peitoris.
*
Ora, relativamente às obras elencadas no relatório de vistoria da CM..., facilmente se constata que se trata de patologias do edifício em si, estruturantes, sendo referido pelos srs. Peritos que uma das causas das fissuras na estrutura da chaminé (assim como o destacamento da argamassa em algumas zonas da mesma) poderá ser a existência do depósito de águas apoiado na sua estrutura, que, como ficou provado, não foi o réu o responsável pela sua colocação, pelo que a sua remoção apenas à A competia.
As demais patologias referidas – infiltrações de água e fissuras nas paredes exteriores e tetos de vários compartimentos (no segundo andar), são também de origem estrutural – no sentido de que afetam a própria estrutura do edifício -, e têm como causas prováveis, para além do depósito de água apoiado na estrutura do telhado, a idade do próprio prédio, como é reconhecido pela A que considera serem necessárias obras no telhado, decorrentes do seu “envelhecimento”, assim como considera serem necessárias obras para evitar a infiltração das águas das chuvas e as humidades no imóvel, as quais decorrem também do “envelhecimento” exterior do prédio, sendo que a infiltração das águas e das humidades no imóvel aceleram a sua deterioração no interior.
Também segundo os srs. Peritos, as manchas de bolor existentes nas paredes das janelas são devidas à má execução dos elementos de caixilharia e à ausência de peitoris, ou seja, deficiências estruturais da própria construção do imóvel, que não pode ser imputado ao réu, e que não caberia a si resolver, sob pena de interferir com a própria construção do prédio.
Em suma, trata-se de patologias do prédio, com origem, ou em factos a que o réu é alheio, ou em deficiências da própria construção e idade do imóvel.
Assente que o prédio locado necessita de obras, e que essas obras são de origem estrutural do edifício (que se encontra em “más condições de segurança e salubridade”), resta saber a quem competia a realização das mesmas.
*
Apelando às regras de interpretação dos contratos, diríamos desde logo, que não foi com a obrigação de cuidar da manutenção do prédio em si que o réu subscreveu essa cláusula.
O que o réu se comprometeu a fazer, como qualquer arrendatário, foi manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras de reparação e limpeza, que para o efeito se tornem necessárias” – cuidando da manutenção do local arrendado como sendo a sua habitação, o espaço interior por si usado, ficando a cargo do senhorio a manutenção do edifício em si, ou seja, das suas partes exteriores.
Segundo o art.º 236º do CC, intitulado “Sentido normal da declaração”, “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
Consagra-se no nº1 do normativo transcrito, a tão falada doutrina da impressão do destinatário, relevando assim, para efeitos de interpretação da declaração negocial, o sentido que seria considerado por uma pessoa normal – normalmente diligente, sagaz e experiente -, dos termos da declaração, e do comportamento do declarante.
Ora, a esta luz, colocando-se o réu – enquanto destinatário da obrigação assumida no contrato -, na posição de um declaratário normal, o sentido da cláusula sexta do contrato que lhe foi dada a assinar pela contraparte, só podia ser a de que deveria cuidar do locado como um bom zelador, como o faria um bom pai de família, mas dentro do seu espaço de atuação, que era a habitação por si usada, mantendo-a em bom estado de conservação e limpeza. Não seria de esperar de um arrendatário normal, que zelasse (também) pela conservação do próprio edifício enquanto estrutura arquitetónica, da responsabilidade do respetivo proprietário (art.º 492º do CC).
É certo que o legislador não enuncia as circunstâncias atendíveis para a interpretação do que deva ser considerado “um declaratário normal”. Serão atendíveis, em nosso entender, todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta.
A doutrina mais avalizada refere que devem ser tidos em conta, na interpretação da declaração negocial, a título de exemplo, «os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais (próprios de certos meios ou profissões), etc.». Ao lado destas circunstâncias, referidas a título de exemplo, podem assinalar-se outras, designadamente «os modos de conduta por que, posteriormente, se prestou observância ao negócio concluído» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Actualizada, Coimbra Editora, pág. 447 a 451).
Assim, “a normalidade do declaratário” que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade do mesmo para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, pág. 223).
Em suma, o ponto de partida para a interpretação da declaração negocial consagrada no nº 1 do art.º 236º do CC, é objectivista: ela vale com o sentido que lhe possa ser atribuído por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, sendo que o declaratário normal, para efeitos legais, é um cidadão honesto e diligente, colocado na posição do declaratário real, e nas circunstâncias em que o mesmo se encontrava quando recebe a declaração.
Menezes Cordeiro justifica esta posição legal (Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 478, 479, 483 e 484) com o facto de a doutrina actual encarar a interpretação do negócio jurídico “como algo de essencialmente objectivo; o seu ponto de incidência não é a vontade interior: ela recai antes sobre um comportamento significativo. Além disso, ela deve operar de tal modo que, perante um mesmo negócio, seja possível, a vários juristas, alcançar idênticas conclusões interpretativas”.
Perante esta posição legal, somos levados a concluir que qualquer cidadão honesto e diligente, como um bom pai de família, na posição do réu, ou seja, na posição de inquilino, não assumiria, ao subscrever a cláusula sexta, as obras relacionadas com a conservação do prédio na sua totalidade (interiores e exteriores), mas apenas as relacionadas com a parte interior, as relacionadas com a habitação locada. São regras de lógica e da experiência, que as obras de manutenção do edifício pertencem ao proprietário.
Ademais, foi sempre nessa pressuposição que as partes atuaram ao longo do tempo de duração do contrato, tendo a A assumido a reparação das deficiências apontadas pelo réu ao edifício, designadamente a entrada de água no locado, pelo menos nas duas ocorrências que lhe foram reportadas.
Conclui-se assim do exposto que o réu apenas assumiu manter em bom estado de conservação e limpeza o interior da sua habitação, assumindo custear as despesas com todas as obras de reparação e limpeza que se mostrassem necessárias para essa manutenção.
*
Não se ignora, que o que se valora na interpretação da declaração negocial, é o comportamento do declarante, o qual deverá ser tido em conta pelo intérprete. Ou seja, o sentido da declaração é o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante, sendo que, no dizer da lei, a declaração não pode ter um sentido com que o declarante não podia razoavelmente contar.
Menezes Cordeiro (na obra e local citados) referencia a este propósito, que “jogando-se a autonomia privada, o sentido da declaração terá de ser o que corresponda à vontade do próprio declarante; de outra forma, tudo será um logro, nada restando da sua autodeterminação. Mas nesses termos, a autonomia privada torna-se impraticável: ninguém poderá, de antemão, saber com o que contar, uma vez que a verdadeira vontade das pessoas nunca é, directa e imediatamente, cognoscível. E em boa hora: de outro modo, a liberdade individual, no seu sentido mais puro de livre arbítrio, ficaria seriamente ameaçada”.
E explicita que, desta forma a autonomia privada tem de “…ser temperada com o princípio da tutela da confiança: o Direito atribui-lhe determinados efeitos na medida em que ela se combine com esta. Ao contrário (…) das construções conceptuais, entende-se hoje que a confiança não se opõe à autonomia privada, delimitando-a: ambos os princípios se articulam entre si para, mutuamente, se tomarem aplicáveis”.
Assim, entende-se que a interpretação do negócio “deve ser assumida como uma operação concreta, integrada em diversas coordenadas. Embora virada para as declarações concretas, ela deve ter em conta o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi celebrado e vai ser executado, as regras supletivas que ele veio afastar e o regime que dele decorra”.
Ressalva-se que nessa tarefa interpretativa não pode deixar de atender-se à boa-fé e aos valores fundamentais do ordenamento, podendo ser recuperadas por esta via regras não explícitas na lei, tais como uma interpretação de boa fé; a necessidade de atender à globalidade do contrato; à totalidade do comportamento das partes – anterior ou posterior ao contrato -; à particularização das expressões gerais; ao princípio da conservação dos atos – o favor negotii –; e à primazia do fim do contrato.
O declaratário normal, figura normativamente fixada, atenderá a todos estes vectores.
Tendo por base todas estas coordenadas, reiteramos o acima exposto: de que um declatário normal, colocado no lugar do real declaratário, deduziria da vontade do declarante, manifestada na cláusula sexta do contrato, que apenas ao obras de conservação do interior locado ficariam a cargo do réu; as restantes, relacionadas com a estrutura do próprio edifício ficariam a cargo da senhoria.
Sempre seria de apelar, em última instância, ao disposto no art.º 237º do CC, para os “Casos duvidosos”, onde se estatui que “Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios (…) onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações” – o que nos conduziria inelutavelmente à conclusão a que chegamos anteriormente, de que a cláusula sexta do contrato de arrendamento só pode ser interpretada no sentido do arrendatário se ter obrigado a executar obras de desgaste natural dentro da sua habitação, mas não obras estruturais do edifício, essas a cargo do proprietário.
*
Aqui chegados, e sendo as obras denunciadas no relatório da Vistoria da Câmara Municipal ..., obras relacionadas com a estrutura do edifício, a cargo da senhoria, não pode ser imputado ao réu qualquer incumprimento contratual pela sua não realização.
Procede assim a Apelação do recorrente, com a revogação da decisão recorrida.
*
III – DECISÃO

Por todo o exposto, decide-se Julgar a Apelação procedente, e em consequência Revogar a decisão proferida, com a absolvição do Réu de todos os pedido contra si formulados pela A.
Custas (em ambas as instâncias) a cargo da recorrida (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 20.11.2025

Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Conceição Sampaio
2º Adjunto: José Manuel Flores