OMISSÃO DE PRONÚNCIA
TRANSACÇÃO
INTERPRETAÇÃO
Sumário


I- Não existe nulidade da sentença por omissão de pronúncia se a apreciação da questão em causa se mostra prejudicada pela resolução de outras questões suscitadas pelas partes.
II - O art. 236.º, n.º 1 do C.P.C. revela o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde podia conhecer.
III - Quanto aos negócios formais, o sentido objetivo correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência embora imperfeita no texto do respetivo documento, o que está de acordo com o caráter solene destes negócios, nos termos do art. 238.º, n.º 1 do C.P.C..

Texto Integral


Acordam os Juízes da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - RELATÓRIO

EMP01..., Lda. e EMP02..., Lda. instauraram execução baseada em sentença contra EMP03... - Unipessoal, Lda. e AA, para a cobrança de € 15.000, acrescida de juros à primeira exequente e € 12.000, acrescida de juros à segunda exequente.

Os executados vieram deduzir embargos de executado, aduzindo, em suma, que:
- Conforme resulta da devida análise do título executivo, o crédito da 2.ª Embargada não se encontra ainda vencido;
 - Pelo que, deve a pretensão executiva da 2.ª Embargada improceder e os Embargantes ser absolvidos nesta parte da instância, por inexequibilidade do título executivo na parte respeitante à 2.ª Embargada, o que expressamente se requer.
-  Não tendo as Embargadas procedido à devida interpelação prévia, instaurando antes a presente ação executiva, a qual segue a forma sumária, precedendo a penhora a citação, mais consistindo o mesmo num ato de agressão patrimonial sem qualquer aviso prévio, é o respetivo título executivo extrinsecamente inexequível, não podendo o mesmo sustentar a instauração da execução, com as demais consequências legais.
- Apesar de as Embargadas não o terem feito, bem sabem estas que foi acordado entre elas e os Embargantes a alteração do dia de vencimento de cada uma das prestações, nomeadamente, ao invés do vencimento de cada uma ao 10.º dia do mês a que respeita, acordaram as partes, através dos respetivos mandatários, o vencimento das mesmas até ao final do mês a que digam respeito;
- No mês de maio de 2024, os Embargantes deram conhecimento às Embargadas, de dificuldades económicas em proceder ao pagamento da mensalidade acordada no montante de 2.000,00€, solicitando a colaboração daquelas que lhes fosse possibilitada a alteração do valor mensal acordado para metade;
- Não obstante não terem obtido qualquer resposta por parte das Embargadas, e porque não lhes era possível satisfazer integralmente a prestação acordada, mas porque sempre tentaram honrar os seus compromissos, os Embargantes, começaram a proceder ao pagamento de apenas 1.000,00€ (mil euros) mensalmente;
- Procedendo assim ao pagamento da quantia de 1.000,00€ em 04 de junho de 2024, respeitante à prestação devida do mês de maio de 2024, não o tendo feito até ao final do mês de maio porque se encontravam a aguardar resposta ao solicitado;
- E assim procedendo nos meses subsequentes até ao mês de novembro de 2024;
- Tal comportamento omissivo das Embargadas, após comunicação dos Embargantes que se encontravam financeiramente impossibilitados de proceder ao pagamento integral da quantia mensal acordada, criou nestes a legítima convicção, que não obstante a ausência de anuência expressa das Embargadas em tal alteração, as mesmas estavam de acordo com aquela.
- É verdade que os Embargantes não procederam a qualquer pagamento respeitante ao mês de dezembro de 2024, o que se deveu a mero lapso;
- Quando se aperceberam da falta do mesmo, no mês de janeiro de 2025, a conta através da qual eram efetuados os pagamentos à 1.ª Embargada, encontrava-se já penhorada e como tal o respetivo saldo bloqueado;
- Pelo que, e desprovidos de quaisquer outros valores, viram-se impossibilitados de regularizar os pagamentos devidos, tomando posteriormente conhecimento da presente ação.
- Inexiste incumprimento definitivo, por ausência de interpelação admonitória.

Concluem pedindo que:
 a) Seja julgada totalmente procedente por provada a vindicada inexigibilidade da obrigação exequenda perante a 2.ª Embargada;
b) Bem como ser julgada totalmente procedente por provada a alegada inexequibilidade do título executivo de ambas as Embargadas, nos termos supra expostos;
c) Ainda que os antecedentes pedidos improcedam, deverá sempre ser declarada a inexigibilidade da pretensão exequenda de ambas as Embargadas, face aos factos modificativos supra expostos;
d) Bem como, declarado improcedente o pedido de juros vencidos anteriormente à entrada da ação executiva em juízo.
e) Em qualquer das hipóteses, devendo ser sempre ordenado o levantamento imediato de todas as penhoras já efetuadas sobre o património dos Embargantes, no âmbito dos presentes autos;

As embargadas apresentaram contestação, dizendo, em sinopse, que:
- Da transação homologada por sentença, que constitui título executivo nestes autos, resulta que as Embargadas são credoras dos Embargantes da quantia global de €42.000,00,
- Transação que se mostra incumprida, sendo exigível, portanto, todas as prestações.
- Tal quantia deveria ter sido paga, pontual e integralmente, em 21 prestações iguais, mensais e sucessivas de € 2.000,00 cada,
- A alegação de que as 6 últimas prestações não podem ser exigidas, por servirem para liquidar a dívida (€ 12.000,00) à 2.ª Exequente, não fere, de modo algum, a Execução.
- Isto pois, no que a esta Exequente se refere, o acordo está incumprido sem que esta houvesse recebido uma qualquer prestação.
 - Nenhum acordo foi redigido após esta transação que modificasse a obrigação constituída.
Concluem pedindo que os embargos sejam declarados improcedentes.
Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, se fixou o objeto do litígio e se enunciaram os temas de prova.
 Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e foi proferida sentença, que julgou os embargos improcedentes.

Inconformados, os embargantes interpuseram recurso, apresentando as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que deveria ter-se pronunciado, nomeadamente, quanto à questão da contabilização dos juros vencidos peticionados pelas Exequentes, ora Recorridas, e devidamente suscitada em sede de embargos;
B. Sendo a sentença recorrida totalmente omissa no que a tal questão concerne, e como tal nula, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. d) do CPC;
C. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por incorreta interpretação da cláusula de vencimento antecipado constante da transação homologada, violando os artigos 236.º e 238.º do CC.
D. A transação homologada titulou duas dívidas distintas, com dois credores diferentes (30.000,00€ a EMP01..., Lda.; 12.000,00€ a EMP02..., Lda.).
E. A cláusula 5.ª do título executivo (“o incumprimento de uma prestação implica o vencimento de todas”) deve ser interpretada restritivamente, dentro de cada relação credor-devedor (em conformidade com o disposto nos arts. 236.º e 238.º CC).
F. Exige-se interpretação restritiva das cláusulas resolutivas, pelo que a transação em causa só nesses termos pode ser interpretada.
G. Não se encontra no texto do acordo — nem seria razoável pressupor — que o incumprimento perante o 1.º credor antecipa as futuras prestações devidas ao 2.º credor – EMP02..., Lda.
H. Permitir que o 2.º credor exija de imediato o seu crédito, pelo incumprimento do devedor perante o 1.º credor, é criar uma solidariedade ativa artificial, sem base legal, cfr. art.º 513.º CC, e sem qualquer acordo das partes – “A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.”
I. O art. 781.º CC aplica-se a créditos fracionados, não a créditos de credores distintos, não podendo por isso ser invocado para fundamentar o vencimento de créditos de credores distintos.
J. A decisão recorrida viola igualmente os princípios da boa-fé e proporcionalidade (art. 762.º, n.º 2 CC).
K. O teor da cláusula resolutiva do acordo homologado é ambígua perante a existência de dois credores.
L. Neste sentido, entre outros, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 11-07-2024 (Cláusula Resolutiva): A decisão sustenta que cláusula resolutiva expressa requer “que o teor da cláusula especifique, de modo expresso e inequívoco, as concretas circunstâncias” em que a cláusula pode ser acionada. Não basta dizer "incumprimento"; é necessário identificar quais obrigações (prestações) e em que condições.
M. Já no Acórdão da Relação de Lisboa de 28/09/2021 (proc. 4291/19.5T8FNC.L1-7), decidiu-se que „a cláusula resolutiva expressa deve ser suficientemente explícita quanto à intenção das partes, não bastando uma mera referência genérica, por exemplo, ao incumprimento de prestações; as partes devem estipular [...] quais as obrigações cujo inadimplemento funda a resolução”.
N. De igual modo, no Acórdão da Relação de Lisboa de 11/07/2024 (proc. 3841/22.4T8CSC.L1-6), afirma-se que “as partes não podem dar à cláusula um conteúdo meramente genérico (...) referindo, por exemplo, „incumprimento de todas as obrigações contratuais”.
O. A decisão recorrida viola ainda o princípio da autonomia ou relatividade das obrigações, artigo 397.º do CC, ao estender os efeitos do incumprimento de uma obrigação a outra, distinta e autónoma.
P. Deve, por isso, ser revogada a sentença recorrida e declarada a inexigibilidade da dívida do 2.º credor, mantendo-se apenas a antecipação das prestações ainda devidas ao 1.º credor, por incorreta interpretação no caso dos artigos 236.º, 238.º, 397.º, 513.º, 762.º n.º 2, 781.º, 782.º todos do Código Civil,
Q. Nestes termos, e com o mui douto suprimento de V. Exas., requer-se que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e declarando-se que a cláusula de vencimento antecipado apenas produz efeitos relativamente às prestações devidas à Empresa EMP01..., Lda.”, não abrangendo a dívida da Empresa EMP02..., Lda.

TERMOS EM QUE, e com o mui Douto suprimento de V. Exas., requer-se que seja julgado procedente presente recurso, com as legais consequências, Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.

*
Os recorridos apresentaram contra-alegações, rematando com as seguintes conclusões:

“I. O recurso interposto pelos Recorrentes, em nosso entender, não tem qualquer fundamento.
II. O MM. Juiz a quo fez uma correta interpretação e adequada aplicação do direito ao caso concreto.
III. A sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento de direito, interpretando o Tribunal a quo correctamente o teor da transacção homologada.
IV. A transacção versou sobre um montante global em divida, estipulando dia concreto para o vencimento de cada uma das prestações bem como o valor de cada prestação.
V. A referida transacção acautelou o eventual incumprimento, dispondo que “o incumprimento de duas ou mais prestações sucessivas ou interpoladas implica o vencimento imediato das vincendas e a sua exigibilidade de imediato sem necessidade de nova interpelação”.
VI. O incumprimento ocorreu por parte dos Embargantes/Recorrentes, como aliás o admitiu o executado no depoimento de parte.
VII. Incumpridas várias prestações por parte dos Recorrentes, por sua decisão unilateral, intentaram as Recorridas o requerimento executivo solicitando as prestações vincendas e os juros de mora devidos.
VIII. Juros estes contabilizados desde a data do incumprimento da primeira prestação até à interposição do requerimento executivo.
IX. Nenhum erro de julgamento de direito incorreu a sentença recorrida, nomeadamente quanto à alegada incorrecta interpretação da cláusula de vencimento antecipado constante da transaccção homologada.
X. E, como tal, os juros peticionados no requerimento executivo encontram-se em conformidade com o decidido, uma vez que nenhuma alteração ocorreu à referida transacção, nenhuma prova foi junta em sentido contrário.
XI. Não se verificando os factos alegados pelos Embargantes, que porventura resultariam numa eventual alteração do computo dos juros, nenhum erro de julgamento de direito se aponta à sentença recorrida.
XII. Os próprios Recorrentes não concretizam qual o valor de juro incorrecto/indevido, não apontam qualquer cálculo nesse sentido, nem nos Embargos apresentados nem no Recurso ora interposto.
XIII. Considerando o Douto Tribunal a quo a transação como referente ao valor global em divida e ao concretamente acordado pelas partes, ocorrendo o seu incumprimento por parte dos Recorrentes, nenhuma questão subsequente se levanta quanto aos juros.
XIV. O teor da transacção é inequívoca, dispõe o pagamento de uma dívida no valor global de €42.000,00 em prestações mensais e sucessivas de €2.000,00 cada, sendo que no incumprimento de duas prestações vencem-se as demais sem necessidade de qualquer interpelação.
XV. Não resulta da transacção celebrada, em caso de incumprimento, a inibição de peticionar as últimas seis prestações por se referirem a outra sociedade, caso contrário outra teria sido a transacção celebrada pelas partes.
XVI. A transacção foi celebrada de foram de forma livre, esclarecida e por quem tinha legitimidade e capacidade para o fazer, homologada por sentença.
XVII. Não merece, portanto, a decisão recorrida qualquer reparo; a respetiva fundamentação é clara e inequívoca, dando-se por reproduzido o teor da mesma, cuja argumentação jurídica se adere inteiramente.
XVIII. Acresce que, ao invés do alegado pelos Recorrentes, não decorre da mesma qualquer violação de normas jurídicas previstas no Código Civil.

TERMOS EM QUE deverá o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na integra a decisão recorrida, assim se fazendo inteira JUSTIÇA.”.
*
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - QUESTÕES A DECIDIR

 Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º e 639.º do Código de Processo Civil), as questões a decidir no presente recurso de apelação são as seguintes – por ordem lógica de conhecimento:

- A de saber se a decisão proferida é nula, por omissão de pronúncia quanto aos juros devidos;
 - Qual o efetivo conteúdo e alcance da cláusula da transação em relação ao vencimento antecipado das obrigações, em caso de incumprimento, máxime se o incumprimento dos devedores perante o primeiro credor torna vencida antecipadamente a obrigação perante o outro credor.
*
III- A -  MATÉRIA DE FACTO DADA POR PROVADA

“1.- No âmbito do processo nº 79756/22.0YIPRT, exequentes e executadas celebraram a transação apresentada à execução.
2.- Nessa transação, as executadas confessaram-se devedores solidários as Exequentes na quantia global de €42.000,00 (quarenta e dois mil euros).
3.- E obrigaram-se a pagar a referida quantia através de prestações mensais sucessivas, na quantia de €2.000,00 (dois mil euros) cada uma, vencendo-se a primeira prestação no dia 10 de janeiro de 2024 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, Sendo que, as primeiras 15 (quinze) prestações serviriam para liquidar a dívida de 30.000,00€ à Exequente EMP01..., Lda., e as restantes 6 (seis) prestações para liquidar a dívida à Autora do Processo nº 24548/22.7YIPRT, aqui Exequente EMP02..., Lda.
4.- A executada e o seu representante legal, aqui também executado, apenas pagaram as primeiras quatro prestações (janeiro, fevereiro, março e abril de 2024),
5.- Mais pagaram nas seguintes datas as correspondentes quantias, fora dos prazos acordados:
a. A cinco de junho de 2024, a quantia de €1.000,00;
b. A vinte e seis de junho de 2024, a quantia de €1.000,00;
c. A dois de agosto de 2024, a quantia de €1.000,00;
d. A dois de setembro de 2024, a quantia de €1.000,00;
e. A um de outubro de 2024, a quantia de €1.000,00;
f. A um de novembro de 2024, a quantia de €1.000,00;
g. A vinte e nove de novembro de 2024, a quantia de €1.000,00;
6. Sendo que não procederam a nenhum pagamento em dezembro de 2024 e no presente mês de 2025,
7. tendo incumprindo reiteradamente o acordo homologado judicialmente.
8.- Desta dita, a Executada e o Executado ainda são devedores das Exequentes na quantia global de €27.000,00 (vinte e sete mil euros):
a. À Exequente EMP01..., Lda., os executados são devedores da quantia de €15.000,00 (quinze mil euros); e
b. à Exequente EMP02..., Lda. da quantia de €12.000,00 (doze mil euros).
9.- Quantias estas exigíveis na presente ação executiva, visto que da cláusula 5ª do acordo homologado resulta que “O incumprimento de duas ou mais prestações sucessivas ou interpoladas implica o vencimento imediato das vincendas e a sua exigibilidade de imediato sem necessidade de nova interpelação.”.
*
III- B MATÉRIA DE FACTO DADA POR NÃO PROVADA
 “Após a celebração dessa transação, as partes outorgantes acordaram em alterar os termos da transação, nomeadamente, os prazos e valor das prestações inicialmente acordadas para pagamento do valor total confessado.”.
*
IV - DO OBJETO DO RECURSO

1. Da nulidade da sentença.

Rege o art. 615º, nº 1, do Código de Processo Civil que:
 “É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.
 As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra transcrito.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. a este respeito os acórdãos da Relação de Guimarães de 04/10/2018, Processo n.º 1716/17.8T8VNF.G1, Relatora Eugénia Cunha e de 28/11/2024, Processo n.º 95/18.0T8MDL.G1, Relatora Paula Ribas, consultáveis em www.dgsi.pt).
O vício decisório derivado da omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. 1ª parte do Código de Processo Civil) conexiona-se com o art. 608.º do Código de Processo Civil, designadamente, com o seu n.º 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença.

No caso dos autos, está em causa uma alegada omissão de pronúncia quanto aos juros devidos.
Quanto a esta matéria, disseram os embargantes o seguinte, na sua petição de embargos:
“63. Posteriormente, conforme supra explanado, o prazo de vencimento de cada uma das prestações acordadas veio a ser alterado, por acordo posterior das partes, para o último dia do mês a que respeitam;
64. Bem como o acordo tácito de alteração do valor das prestações mensais para 1.000,00€, com início em maio de 2024;
65. Não alegam sequer as Embargadas quando se terá verificado o incumprimento definitivo do acordo, e como tal o vencimento e exigibilidade imediata das prestações vencidas;
66. Não obstante, e face ao expendido em sede de requerimento executivo, resulta do mesmo que a mora terá ocorrido após 31 de dezembro de 2024, com o não pagamento da prestação respeitante a esse mês;
67. Pelo que, apenas nesta data, quando muito, é que os Embargantes entrariam em mora.
68. Por outro lado, pelo já exposto, inexiste incumprimento definitivo, por ausência de interpelação admonitória.
69. Assim, os juros peticionados pelas Embargadas apenas serão contabilizadas a partir de tal data e apenas serão devidos à 1ª embargada, sendo que no que respeita 2ª. Embargada são por esta inexigíveis.
70. Pelo que, deve o pedido executivo nesta parte parcialmente improceder, o que desde já se requer.”.
Os apelantes deduzem pretensão no sentido de que os juros fossem devidos apenas a partir da entrada da execução em juízo (é o que consta do seu petitório, embora não se perceba o porquê, em face do que articularam).
Ora, de acordo com o supra referido art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, na parte que ora importa considerar, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada às outras.
Ora, foi o que sucedeu no caso em apreço, embora na sentença recorrida se pudesse ter explicitado o sucedido.
De facto, os apelantes alicerçaram a sua pretensão quanto aos juros no facto de alegadamente ter existido um novo acordo do valor das prestações mensais, com início em maio de 2024, matéria essa que foi considerada como não provada, e ainda disseram que inexistiria incumprimento definitivo por falta de interpelação admonitória, o que sentença recorrida julgou afastada, julgando que as prestações em relação a ambas as executadas se consideraram vencidas a partir do incumprimento no pagamento em maio de 2024 (“este incumprimento contratual resulta diretamente dessa alteração unilateral dos termos da transação”).
Assim sendo, todas as questões e argumentos utilizados para que os juros fossem devidos apenas a partir da instauração da execução foram apreciados na sentença recorrida, mostrando-se assim prejudicada a análise de qualquer outra questão atinente aos juros devidos. Diga-se mesmo, em função do que consta da sentença recorrida, que os juros até foram reclamados por defeito, sendo devidos antes de dezembro de 2024, dado que se considerou incumprimento por parte de ambos os executados em data bem anterior. Por tal motivo, os embargos foram julgados totalmente improcedentes, abrangendo, naturalmente, a questão dos juros devidos.
Inexiste, pois, a apontada nulidade de omissão de pronúncia.
2. Do conteúdo e alcance do título executivo.
Nos factos provados consta que no âmbito do processo nº 79756/22.0YIPRT, exequentes e executados celebraram a transação apresentada à execução em que os executados se confessaram devedores solidários às exequentes na quantia global de €42.000,00  e ainda que se obrigaram a pagar a referida quantia através de prestações mensais sucessivas, na quantia de €2.000,00 cada uma, vencendo-se a primeira prestação no dia 10 de janeiro de 2024 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, sendo que as primeiras 15 prestações serviriam para liquidar a dívida de 30.000,00€ à exequente EMP01..., Lda., e as restantes 6  prestações para liquidar a dívida à exequente EMP02..., Lda..
Mais se deu por provado que as quantias em causa são exigíveis na ação executiva, visto que a cláusula 5.ª do acordo homologado resulta que:
“O incumprimento de duas ou mais prestações sucessivas ou interpoladas implica o vencimento imediato das vincendas e a sua exigibilidade de imediato sem necessidade de nova interpelação.”.
Este último facto que foi dado por assente tem um segmento claramente conclusivo, sendo por isso de desconsiderar, pois a questão que se coloca é precisamente qual o conteúdo e alcance da cláusula em causa, sendo uma questão a resolver em sede de direito e jamais em sede de matéria de facto.
Por outro lado, tal cláusula deve ser interpretada no âmbito de todo acordo gizado e homologado por sentença, que a seguir se transcreve e que deveria ter constado dos factos provados, fazendo-se agora recurso do plasmado no art. 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, aqui aplicável por virtude do art. 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, no segmento factos provados por documentos:
“A Autora e a Ré querem por fim, por acordo, a esta ação, bem como à ação n.º 24548/22.7YIPRT que corre temos no JLCível de Braga - J... em que aí é parte como Autora/credora a empresa EMP02..., Lda., aí representada pelos mesmos legais representantes da aqui Autora/credora EMP01..., Lda, e Ré/ devedora a aqui Ré/devedora.
- Mais declaram que conciliam os seus interesses em ambas as ações nos seguintes termos:
TRANSAÇÃO
1.ª As Autoras de ambas as ações reduzem o pedido à quantia global de 42000,00€ (quarenta e dois mil euros), sendo para 30.000,00€ (trinta mil euros) na presente ação e para 12000,00€ (doze mil euros) na ação que corre termos no JLCível de Braga e melhor supra identificada, o que a Ré de ambas as ações aceita.
2.ª A Ré, de ambas as ações, desiste do todo o peticionado em juízo.
3.ª
1 - A Ré de ambas as ações e o seu representante legal, AA, confessam-se solidariamente devedores da quantia global de 42.000,00€, referida supra,
2 - Obrigando-se a pagar a mesma em 21 (vinte e uma) prestações iguais, mensais e sucessivas de 2.000,00 € (dois mil euros) cada, vencendo-se a 1.ª no dia 10 de janeiro de 2024 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, sendo que:
2.1 - As primeiras 15 (quinze) prestações servirão para liquidar a divida (€ 30.000,00) à Autora dos presentes autos;
2.2 - E as restantes 6 (seis) prestações servirão para liquidar a dívida (€ 12.000,00) à Autora do processo n.º 24548/22.7YIPRT que corre temos no JLCível de Braga - J...;
3 - Os pagamentos serão feitos através de transferência bancária para conta com o IBAN da aqui Autora  ...23 e para conta com o IBAN da Autora daquela ação que corre termos em ... com o n.º  ...23, ambas contas sediadas no Banco 1....
4.ª Com o cumprimento das obrigações supra assumidas, Autoras e Ré declaram nada mais terem a reclamar umas das outras por conta do objeto de ambas as ações.
5.ª O incumprimento de duas ou mais prestações sucessivas ou interpoladas implica o vencimento imediato das vincendas e a sua exigibilidade de imediato sem necessidade de nova interpelação.
6.ª As partes em ambas as ações declaram que a responsabilidade pelas custas processuais será em partes iguais (em cada ação).
(…)

De seguida, pela Meritíssima Juiz foi proferida, a seguinte:
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSAÇÃO
In casu, a transação apresentada é válida quer quanto ao objeto (disponível) sobre que incide, quer por força da qualidade das partes nelas intervenientes, tendo ainda sido apresentada por forma processual adequada (em ata) e antes de finda a instância (artigos 283.º/2, 284.º, 289.º/1, a contrário sensu, e 290.º/4, do Código do Processo Civil - CPCiv).
III. Pelo exposto, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 283.º/2, 284.º, 289.º, a contrário sensu, 290.º/4, do CPCiv, homologa-se, por válida, a transação que antecede, condenando-se e absolvendo-se as partes nos exatos termos convencionados.
Assim sendo, nos termos do artigo 277º/d), do CPCiv, julga-se extinta a presente instância cível.”.

No caso em apreço temos um contrato de transação, homologado por sentença, com previsão nos arts. 1248.º e segs. do Código Civil, estabelecendo este primeiro normativo que:
“1. Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões
2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.”.
A interpretação de tal contrato deve ser realizada de acordo com as regras gerais, pois que, conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil Anotado e Comentado, vol. II, 3.ª ed. Revista e atualizada, pág. 856:
“Considerada como contrato, a transação está sujeita à disciplina dos contratos (arts. 405.º e segs.) e ao regime geral dos negócios jurídicos (arts. 217.º e segs.).”.

 O art. 236.º do Código Civil, onde se consagra a doutrina da impressão do destinatário, estabelece que:
“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”.
Por seu turno, estabelece o art. 238.º do mesmo diploma substantivo que:
“1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.”.

O art. 236.º, n.º 1 revela o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde podia conhecer. Quanto aos negócios formais, o sentido objetivo correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência embora imperfeita no texto do respetivo documento, o que está de acordo com o caráter solene destes negócios. (cfr. neste preciso sentido Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed. Atualizada, págs. 448, 449 e 452).
Ora, passando a analisar o acordo formal celebrado entre as partes, homologado por sentença, não se vislumbra qualquer passagem do mesmo de onde decorra que o incumprimento do clausulado deveria ser apreciado em separado em função dos credores.
Antes pelo contrário, decorre expressamente de tal acordo que as partes acordaram que a dívida global era de € 42.000, obrigando-se os executados solidariamente a pagar tal importância em 21 prestações mensais iguais e sucessivas de € 2.000, sendo que as primeiras 15 prestações serviriam para os executados liquidarem a dívida à primeira exequente e as 6 remanescentes seriam para liquidar a dívida à segunda exequente, que com o pagamento de tais importâncias, as exequentes e a executada sociedade, nada mais teriam a reclamar umas das outras e, frise-se bem, o incumprimento de duas ou mais prestações sucessivas ou interpoladas  implicava o vencimento imediato das vincendas sem necessidade de nova interpelação.
Ou seja, não se faz aqui qualquer distinção entre a dívida à primeira e exequente e a dívida à segunda exequente, apenas tendo sido clausulado que a falta de pagamento de duas ou mais prestações sucessivas ou interpoladas implica o vencimento das restantes, seja quais forem as prestações em causa.
Tal é perfeitamente compreensível na dinâmica do acordo celebrado em que os legais representantes das exequentes e da executada sociedade são os mesmos, sendo por isso normal, como sucedeu, que a credora que receberia as importâncias a si devidas a final se quisesse acautelar  perante um eventual incumprimento perante a primeira credora, como sucedeu, pois não pagando a primeira dívida também não pagaria a subsequente. De outra forma, se nenhuma ligação quisessem que existisse em relação a ambas as dívidas, as partes teriam seguramente realizado duas transações em separado, em documentos diferentes, ou ainda que no mesmo documento, de forma demarcada.
Mas não, a transação foi realizada abrangendo ambos os créditos, estabelecendo-se um plano de pagamento de 21 prestações mensais iguais e sucessivas e dizendo-se que a falta de pagamento de duas ou mais prestações seguidas ou interpoladas implicava o vencimento das restantes, sem necessidade de qualquer interpelação.
Ora, tendo ocorrido o inadimplemento dos executados em mais que duas prestações, venceram-se, nos termos acordados, todas as demais, ou seja, todas as remanescentes do lote de 21 e que no total perfaziam € 42.000, ou seja € 30.000 + €12.000.
É o que deflui do acordado, não tendo de todo qualquer correspondência com o clausulado a tese de que as prestações fixadas tinham autonomia em caso de incumprimento.
Assim sendo, como é, sendo tal cláusula perfeitamente válida, de acordo com o princípio da liberdade contratual constante do art. 405.º, do Código Civil, podia o contrato ter sido realizado nos termos que foi feito.
Tal equivale por dizer que a apelação improcede.
Os recorrentes, tendo ficado vencidos, devem suportar as custas do recurso – art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
*
V -   DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
*
Guimarães, 20 de novembro de 2025

Relator: Luís Miguel Martins
Primeira Adjunta: Sandra Melo
Segunda Adjunta: Anizabel Sousa Pereira