I - Apesar do auto de notícia ter deixado de “fazer fé em juízo”, ou seja, ter perdido a força probatória plena, daí não decorre que tenha perdido todo o seu valor probatório, pois que constitui um meio de prova, a valorar e apreciar pelo tribunal em conjugação com todos os outros ao seu dispor, quanto aos factos nele narrados e presenciados pela autoridade que o elaborou.
II - Detectada a presença de álcool no sangue através de aparelho qualitativo, segue-se a realização de teste em analisador quantitativo.
III - A detecção é efectuada através de análise ao sangue quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.
IV - Não está na esfera de decisão individual do condutor escolher entre realizar o teste quantitativo através de ar expirado ou através de recolha de sangue.
V - A recusa de realizar o teste ao ar expirado em analisador quantitativo, depois da comunicação de que essa recusa determina a prática de um crime de desobediência, integra a prática de tal crime.
Acordam em conferência os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra
I-Relatório
1. … foi a arguida … submetida a julgamento, sob a imputação de ter praticado um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, do Código da Estrada, 348.º, n.º 1, alínea a), e 69.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.
“…, condeno a arguida …, pela prática como autora material e na forma consumada (artigos 14.º, n.º 1 e 26.º, ambos do Código Penal), de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, do Código da Estrada, 348.º, n.º 1, alínea a), e 69.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal:
1. Na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa no montante total de € 487,50 (quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos).
2. Na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, pelo período de três e quinze dias.
(…)”
…
2.º
Da prova produzida não era possível extrair, com a segurança exigível, as conclusões do Tribunal a quo.
3.º
O Auto de Notícia – cfr. pág 2 – descreve, nos factos verificados e informações complementares que “o condutor não foi submetido ao teste de álcool por ar expirado, em aparelho qualitativo, por: não submetido por recusa”.
4.º
Deste modo, que teste se recusou a arguida/recorrente a fazer, o teste quantitativo ou o teste qualitativo?
…
6.º
Não podendo ser dado como provado o descrito em 4 a 8, 10 e 16 a 19 DOS FACTOS PROVADOS – atento o descrito no auto de notícia e o depoimento das testemunhas …
7.º
Foi dado como provado no ponto 1 que “No dia 02 deOutubro de 2023, pelas 03h45, a arguida conduziu o veículo automóvel …, pela via pública, concretamente pela Alameda ..., …
8.º
Porém, a testemunha … do seudepoimento:“Foi numafiscalizaçãodetrânsito, ali na Praça..., na zona dos ...”.
…
12.º
O auto de notícia descreve, ainda, que a arguida terá informado que só aceitava efectuar recolha de sangue.
13.º
Facto que não foi dado como provado na decisão do Tribunal a quo.
14.º
E devia!
15.º
Sendo aditado ao elenco dos factos dados como provados o seguinte facto: “A arguida terá informado que só aceitava efectuar recolha de sangue.”
16.º
Tal facto é imprescindível para a realização da justiça material e para a descoberta da verdade.
…
20.º
A não realização do teste quantitativo não é sempre e em todas as situações uma desobediência.
21.º
E nada ficou a constar dos factos dados como provados que o permita concluir – num vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.
22.º
Para que alguém incumpra uma ordem, consciente e voluntariamente, é necessário que esteja em condições físicas e mentais de a poder cumprir.
23.º
Não consta dos factos dados como provados que foi explicado à arguida, ora recorrente, o motivo pelo qual não podia “efectuar recolha de sangue”.
…
25.º
Argumentação seguida pelo Tribunal a quo - numa relação entre o teste de despistagem positivo e a contraprova.
26.º
Sendo o teste no ar expirado em analisador qualitativo um teste de despistagem - “os medidores qualitativos ou de despiste”, em oposição aos “medidores quantitativos”
27.º
Existindo, assim, contradição entre a fundamentação e a decisão do Tribunal a quo – cfr. artigo 410.º, nº. 2, alínea b) do Código de Processo Penal, ao prever a análise ao sangue como contraprova de um teste de despistagem positivo, a solicitação do próprio visado, e condenando a arguida por um crime de desobediência – “face à continua rejeição da arguida na realização do sobredito teste quantitativo”.
28.º
Revelando-se essencial que seja aditado ao elenco dos factos dados como provados o seguinte facto: “A arguida terá informado que só aceitava efectuar recolha de sangue.”
29.º
Não se mostrando preenchidos os elementos do tipo do crime de desobediência previso e punido no artigo 348., nº 1, al. a) do Código Penal.
30.º
O artigo 1.º da Lei 18/2007, sob epígrafe “Detecção e quantificação da taxa de álcool”, distingue “deteção” e “quantificação”.
31.º
Deste modo, salvo melhor entendimento, o n.º3 do artigo 152.º (“…que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool…”) refere-se à deteção – cfr. Artigo 1.º, n.º1 da Lei 18/2007 e não ao artigo 1.º, n.º2 da Lei 18/2007 – da quantificação.
32.º
Sendo os factos dados como provados insuficientes para condenar a ora recorrente.
Porém, e mesmo que assim não se entenda,
33.º
Deve ser ponderada uma diminuição dos dias de multa e da taxa diária.
34.º
Bem como o lapso temporal da inibição de conduzir.
…
38.º
Tal como o valor a 6,50€/dia.
39.º
…
…
Assim, no caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:
- A incorreta decisão da matéria de facto provada, por erro de julgamento e por existência de vícios decisórios;
- O não preenchimento dos elementos constitutivos – objetivos e subjetivos - do crime imputado à arguida;
- A excessiva medida da pena de multa aplicada;
- A excessiva medida da pena acessória aplicada.
…
“III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Da instrução e discussão resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 02 de Outubro de 2023, pelas 03h45, a arguida conduziu o veículo automóvel …, pela via pública, concretamente pela Alameda ..., …
2. Quando foi sujeita a fiscalização pelo Militar do Posto Territorial da GNR …
3. O qual se encontrava devidamente uniformizado como Militar da GNR, no exercício das suas funções e fazendo-se transportar em veículo devidamente caracterizado como viatura militar.
4. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar acima referidas, o Militar … solicitou à arguida que saísse do veículo por si conduzido a fim de ser submetida a exame qualitativo de pesquisa de álcool no ar expirado,
5. O que a arguida fez, tendo como resultado uma TAS de 1,24 g/L.
6. Nessa sequência, foi a arguida transportada do local indicado em 1. para o Posto Territorial da GNR …, por forma a que ali realizasse o teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado através do aparelho DRAGER ALCOTEST.
7. Uma vez ali chegada, e após lhe ter sido solicitado pelo Militar … que realizasse o aludido teste, a arguida declinou fazê-lo.
8. Após várias insistências por parte do Militar …, face à contínua rejeição da arguida na realização do sobredito teste quantitativo,
9. O Militar … advertiu expressamente a arguida de que, caso persistisse naquele comportamento, incorreria na prática do crime de desobediência.
10. Sucede que a arguida, muito embora tenha ouvido e compreendido tudo quanto lhe fora transmitido, manteve a sua recusa.
…
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.
O tribunal fundou a sua convicção na conjugação crítica, sua livre valoração e à luz das normais regras da experiência comum, da globalidade da prova documental (auto de notícia por detenção de fls. 10, no que na sua objectividade releva, designadamente circunstâncias de tempo e lugar aí referidas, identificação da arguida, e forma como foi efectuada, e veículo por esta conduzido, e o que foi directa e pessoalmente presenciado/percepcionado pelo OPC); declarações da arguida quanto às suas condições pessoais, familiares, profissionais e sócio-económicas, únicos factos sobre os quais prestou declarações, pois quanto aos factos de que vem acusada, remeteu-se ao silêncio, no uso da prerrogativa legal que lhe assiste; depoimentos das testemunhas …, militares da GNR, a primeira subscritora do auto de notícia, e a segunda presente na acção de fiscalização a que se reporta o auto de notícia.
Da globalidade da prova documental, e testemunhal produzida, dúvidas não ficaram no tribunal de que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, a arguida foi fiscalizada por militares da GNR, no exercício da condução, tendo sido submetida ao exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, por meio de analisador qualitativo, tendo revelado ser portadora de uma TAS superior ao legalmente permitido.
Com efeito, no auto de notícia, no qual consta que os factos foram presenciados pelo OPC, e ainda “flagrante delito” na epígrafe “descrição dos factos”, consigna-se que a arguida, no exercício da condução, foi fiscalizada pelos militares da GNR aí identificados, tendo sido “submetida ao teste de álcool através do ar expirado em aparelho qualitativo, teste esse que revelou uma taxa de álcool no sangue superior ao permitido por lei, T.A.S de 1,24 Gr/L de sangue, valor que carecia, no entanto, de confirmação a realizar em aparelho quantitativo. Pelo facto acima narrado foi a mesma conduzida para às instalações desta Guarda para ser submetida ao teste em aparelho quantitativo (…)”.
…
As testemunhas prestaram depoimentos totalmente isentos e imparciais, de forma desinteressada, coerentes, esclarecidos e esclarecedores, tendo merecido total credibilidade.
…
…
…
*
- Da incorreta decisão da matéria de facto provada, por erro de julgamento e por existência de vícios decisórios
a. …
A impugnação, por via de recurso, da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efetivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP.
O sujeito processual que discorda da “decisão de facto” da decisão de primeira instância pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ, de 19.10.95 ) ou de um erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre.
Ao enveredar pela primeira hipótese, a sua discordância traduz-se na invocação de um vício da decisão recorrida e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; optando pela segunda hipótese, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar.
No caso em vertente a recorrente sustenta a sua discordância em relação à decisão da matéria de facto plasmada na sentença recorrida, lançando mão das duas referidas vias de impugnação, ou seja, com base em erro de julgamento previsto no art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP e com base em vícios decisórios.
Os vícios previstos no art. 410º nº2 do CPP são do conhecimento oficioso – conforme jurisprudência fixada no acórdão nº7/95, de 19 de outubro, in Diário da República, I Série – A, de 28/12/1995 - e constituindo um defeito estrutural da decisão têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para os fundamentar como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
Tais vícios decisórios traduzem, pois, defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e, por isso, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e ser de tal modo evidente que uma pessoa normalmente dotada os pode detetar – neste sentido, vide ac. da Rel. de Coimbra, de 12.06.2019, Proc. 1/19.5GDCBR.C1, in www.dgsi.pt.
O respetivo regime legal não contempla a reapreciação da prova – contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto – limitando-se a apreciação pelo tribunal de recurso a incidir sobre defeitos presentes na decisão recorrida suscetíveis de serem detetados, e, na impossibilidade de sanação, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento, como impõe o citado art. 426º nº1 do CPP, relativamente ao qual se impõe esclarecer o seguinte:
…
A recorrente ao pretender assacar à sentença recorrida a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, …
Pois bem.
Tal como alcançamos da argumentação assim expedida pela recorrente, a mesma sustenta a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada na circunstância de não constar da matéria de facto a informação alegadamente dada pela mesma aos agentes da GNR que procederam à fiscalização em causa nos autos que só aceitava efetuar realizar o teste quantitativo de despistagem do álcool por recolha de sangue, remetendo para o que a tal propósito se descreve no auto de notícia, nem também de lhe foi ou não explicado o motivo pelo qual não podia efetuar esse teste por recolha de sangue, por entender que tal factualidade se revelaria importante para aferir se a sua recusa na situação em concreto se traduziu numa desobediência à ordem emanada.
Não vemos que lhe assista razão.
Desde logo, a recorrente traz à liça um circunstancialismo fático que não resulta do texto da decisão e cuja averiguação se não impunha como relevante para a decisão a proferir, sendo que nesta se contêm todos os factos necessários para, com a segurança necessária, se chegar à solução legal e à prolação de uma decisão justa.
Poderá a arguida discordar dessa decisão por entender que dos elementos de prova coligidos para os autos e analisados pelo tribunal recorrido não poderá resultar a prova de que desrespeitou a ordem de submissão ao teste por ar expirado em aparelho quantitativo para deteção de álcool - como, aliás, se percebe que discorda porque impugna a decisão da factualidade vertida na sentença recorrida que a tal dizem respeito - que não foi a seguida pelo tribunal recorrido e que este exprime na decisão recorrida pela forma nela exarada, contudo, desta não se descortina, ao contrário do que parece pretender o recorrente, que tenha ficado por apurar matéria contida no objeto do processo relevante para a decisão.
Com efeito, para a decisão de enquadrar a atuação da arguida no crime que lhe vem imputado mostra-se suficiente a factualidade que vem descrita na sentença recorrida, devidamente cotejada, independentemente dos demais contornos que a recorrente, a respeito da mesma, pretende deverem ter sido indagados.
Donde, entendemos não se patentear na decisão recorrida o vício decisório da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada que vem invocado.
Igualmente não descortinamos na decisão recorrida, com base na argumentação recursiva resumida nas conclusões 24ª a 27ª, a existência do vício decisório previsto na al. b) do nº2 do art. 410º do CPP que, igualmente, lhe vem assacado pela recorrente, ancorado na contradição entre a fundamentação e a decisão que nela se mostra plasmada.
Com efeito, a contradição entre a fundamentação e a decisão abrangida pela densificação normativa que tal preceito legal comporta abrange as situações em que os factos provados ou não provados colidem com a fundamentação da decisão. É o vício que se verifica, por exemplo, quando a decisão assenta em premissas distintas das que se tiveram como provadas.
E, no caso concreto, tal não se patenteia na sentença recorrida, porquanto, não existe qualquer contradição intrínseca entre os factos dados como provados e a solução de direito adotada, não se vendo razão para a invocação dessa contradição, a qual só poderá resultar de uma incorreta e/ou distorcida interpretação do que nela se decidiu.
Pelo que, sem necessidade de acrescidas considerações, se conclui pela inexistência do apontado vício.
Sendo esse o desiderato da recorrente, incumbia-lhe o cumprimento dos ónus de impugnação especificada previstos no art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal (CPP), de indicação pontual, um por um, dos concretos pontos de facto que reputa incorretamente provados e a alusão expressa às concretas provas que impelem a uma solução diversificada da recorrida - als. a) e b) do n.º 3 -, sendo certo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (n.º 4).
A recorrente procedeu à indicção dos concretos pontos da matéria de facto provada que pretende impugnar [pontos 1., 2., 4. a 8., 10. e 16. a 19. do elenco factual provado], e das provas concretas que, em seu entender, impõem decisão …
Ao Tribunal da Relação, na sindicância do apuramento dos factos realizado em primeira instância, cabe, fundamentalmente, analisar o processo de formação da convicção do julgador e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado ou por não provado o que se deu por não provado.
E só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão – neste sentido, Acórdãos do STJ de 15/5/2009,10/3/2010,25/3/2010, in www.dgsi.pt./stj.
…
Vejamos, pois, os factos relativamente aos quais a arguida e ora recorrente discorda do juízo de valoração das provas feito pelo Tribunal recorrido para o efeito.
…
Esta factualidade impugnada pela arguida e ora recorrente abarca, como se vê, a atuação em que a sentença recorrida sustenta a prática pela mesma do crime de desobediência que lhe vinha imputado na acusação.
Para o efeito, impõe-se a este Tribunal a audição das passagens indicadas pela recorrente dos depoimentos das testemunhas por si convocados (sem prejuízo da audição de outras que se considerem relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa - art. 412º, nº6 do CPP), e, ainda, a análise do auto de notícia junto a fls. 2.
Pois bem.
Tanto quanto a imediação resultante da audição da prova produzida oralmente (…) nos permitiu alcançar, não vemos, com franqueza, como pode a arguida pretender que o tribunal recorrido errou na análise e valoração de tais meios probatórios, com base na qual decidiu a matéria que por ela vem impugnada.
Na verdade, quer uma, quer outra, das mencionadas testemunhas, relataram, a primeira com mais pormenor, por ser o autuante, e a segunda com menos pormenor, como decorreu a fiscalização levada a cabo junto da arguida nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos no auto de notícia de fls. 2, sendo ambos perentórios na afirmação de que a arguida, sem qualquer dificuldade ou constrangimento, efetuou no local onde foi fiscalizada o teste para deteção de álcool em aparelho qualitativo, e, porque neste tivesse acusado a presença de álcool no sangue, foi conduzida para o Posto Territorial da GNR ... onde veio a recusar-se a efetuar o teste para deteção de álcool em aparelho quantitativo, apesar de ter sido advertida das consequência dessa recusa, designadamente, de que incorria no crime de desobediência caso nela persistisse, como veio a acontecer.
Perante o relato, escorreito e coincidente, que ambas as mencionadas testemunhas fizeram a respeito da forma como decorreu a fiscalização feita à arguida, não vemos qualquer razão para pôr em causa a valoração que deles fez o tribunal recorrido, sustentando a sua convicção quanto à factualidade provada que vem impugnada, porquanto, os pormenores atinentes aos mesmos trazidos em sede recursiva pela recorrente nos segmentos desses depoimentos por ela convocados, ou são descontextualizados ou não assumem a relevância que a mesma pretende atribuiu-lhes.
Com efeito, o facto da testemunha militar da GNR … ter referenciado a respeito do local onde ocorreu a fiscalização “ali na Praça ..., na zona dos ...”, quando no auto de notícia consta a Alameda ..., não tem qualquer relevância porque tal referência não infirma o que decorre do auto de notícia, no qual aquela testemunha figura como autuante, já que o sentido que se alcança do que a testemunha disse “ali na Praça ..., na zona dos ...” é o de que foi na proximidade da Praça ... e dos ..., sendo que, efetivamente, aquela Alameda ... conflui com os ... e situa-se nas proximidades da Praça ..., como ainda porque, o que verdadeiramente importa é que essa fiscalização ocorreu na via pública e na cidade ..., como igualmente decorre do referido auto de notícia e foi confirmado pelo respetivo autuante.
Igualmente o enfoque dado pela recorrente ao depoimento prestado pela testemunha militar da GNR … quando o mesmo referiu ter dúvidas se a arguida se recusou a soprar ou se efetuou o sopro, não tem qualquer razão de ser, porquanto, embora a mencionada testemunha tenha começado por manifestar no seu depoimento essa dúvida, por se recordar apenas de que a arguida “não foi colaborante” e esclarecendo que previamente não tinha consultado o processo, tendo apenas “uma vaga ideia”, ao ser, posteriormente, confrontado com o teor do auto de notícia, não teve qualquer dúvida em afirmar que a arguida se recusou a fazer sopro no aparelho quantitativo.
Por fim, socorre-se, ainda, a arguida e ora recorrente de meras imprecisões de escrita vertidas no auto de notícia de fls. 2, as quais, igualmente, não têm a virtualidade de infirmar que a mesma se recusou a efetuar o teste de pesquisa de álcool no sangue e que foi advertida das consequências da recusa.
Consabido, como é, que o auto de notícia deixou de “fazer fé em juízo”, ou seja, deixou de lhe ser atribuída força probatória plena, daí não decorrendo que tenha perdido qualquer valor probatório, pois que o mesmo constitui um meio de prova, a valorar e apreciar pelo tribunal em conjugação com todos os outros ao seu dispor, quanto aos factos nele narrados e presenciados pela autoridade que o elaborou - neste sentido, vide Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 18-01-2023, disponível in www.dgsi.pt. – o que dele possa decorrer com menos precisão resultou perfeitamente esclarecido em face dos depoimentos prestados na audiência de julgamento pelas mencionadas testemunhas militares da GNR, com os quais foi o referido auto conjugado, como bem o salientou o tribunal recorrido na motivação, sendo certo, ainda, que todos esses meios de prova em que o tribunal recorrido se ancorou para firmar a sua convicção sobre a factualidade provada que vem impugnada não resultaram infirmados por qualquer outro elemento probatório carreado para os autos, designadamente pelas declarações da arguida, porque esta, estando presente na audiência de julgamento, não prestou declarações, exercendo o direito ao silêncio que a lei lhe confere.
Por fim, quanto à convicção que o tribunal recorrido logrou alcançar a respeito da factualidade integrante do elemento subjetivo de crime de desobediência imputado nos autos à arguida ora recorrente - que considerou provada – e que integra também a matéria que se mostra impugnada, revela-se pertinente tecer as seguintes considerações sobre a prova dos factos de natureza psicológica ou subjetiva.
O dolo, legalmente definido no art. 14º do C. Penal, consiste no conhecimento – elemento intelectual – e vontade – elemento volitivo – do agente em realizar o facto, com consciência da sua censurabilidade – consciência da ilicitude.
O elemento intelectual implica a previsão ou representação pelo agente das circunstâncias do facto, portanto, o conhecimento dos elementos constitutivos do tipo objetivo, sejam descritivos sejam normativos.
O elemento volitivo consiste na vontade do agente de realização do facto depois de ter previsto ou representado os elementos constitutivos do tipo objetivo – assim revelando a sua personalidade contrária ao direito, para uns, ou uma atitude contrária ou indiferente perante a proibição legal revelada no facto [elemento emocional do dolo], para outros.
O dolo, enquanto facto subjetivo, enquanto facto da vida interior do agente, não pode ser apreendido ou percecionado diretamente por terceiros pelo que a sua demonstração, tem que ser feita por inferência, através da conjugação da prova dos factos objetivos, em particular, dos que integram o tipo objetivo do crime, pelo que relativamente à prova dos factos subjetivos esta é alcançável por recurso a presunções naturais e às regras da experiência comum.
A prova dos factos de natureza subjetiva, mais do que quaisquer outros, não havendo confissão do agente, é alcançada através das chamadas presunções judiciais, tendo em vista os atos materiais praticados e a avaliação da vontade que neles teve que ser aplicada pelo agente, em função das regras do elementar senso comum.
Dada a natureza subjetiva, a menos que sejam confessados pelo agente, a única forma de prová-los será através das regras da experiência comum, a partir da objetividade da ação desencadeada, no pressuposto de que o ser humano, atuando em liberdade e em estado consciente, quando pratica determinado facto, fá-lo porque quer, assumindo as consequências que dele previsivelmente resultam.
No caso em vertente, lançando mão das presunções judiciais assentes nas regras da experiência comum, a partir da objetividade da ação desencadeada, é possível inferir a prova da factualidade atinente ao elemento subjetivo do referido crime imputado ao arguido, tal como se mostra salientado pelo tribunal recorrido na motivação da decisão da matéria de facto que aquele diz respeito e que considerou provada.
Daí que, a convicção alcançada pelo tribunal recorrido em relação a toda a factualidade que vem impugnada não mereça qualquer censura, porque se mostra sustentada nesses meios probatórios por aquele valorados e mencionados na motivação da decisão de facto, os quais, no seu conjunto, sedimentam, à luz do princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, a convicção que o tribunal recorrido alcançou ao dar como provados os factos que vêm impugnados.
E tal assim é porque, tanto quanto a imediação resultante da audição dessa prova produzida oralmente nos permitiu alcançar, não só tal factualidade se mostra suportada por esses meios de prova que foram valorados pelo tribunal recorrido, como também porque, não descortinamos que os mesmos, em si, ou entre si, padeçam de contradições ou discrepâncias suscetíveis de abalar a credibilidade que lhes foi conferida.
Anotando-se, ainda que:
Quanto à livre convicção do juiz, nessa apreciação da prova, ela não pode deixar de ser “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais, mas em todo o caso, também ela (deve ser) uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.” Cfr. Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
Na livre apreciação da prova o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.
Observa, a este respeito, o Prof. Germano Marques da Silva, que «Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem essencialmente da imediação, mas hão de basear-se na correção do raciocínio, que há de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.». Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, Verbo, 5.ª edição, pág.186.
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355.º do Código de Processo Penal.
É aí, na audiência de julgamento, que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na receção direta de prova e se assegura o princípio do contraditório, garantido constitucionalmente no art. 32.º, n.º5.
…
Na verdade, a convicção do Tribunal é formada da conjugação dialética de dados objetivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada, e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova resulta o acerto dessa opção sobre a matéria de facto impugnada, nos termos do art.127.º do C.P.P., por não impor decisão diversa, deve manter a decisão recorrida.
Ora, na motivação da decisão de facto que fez constar na fundamentação da sentença recorrida, o Tribunal a quo elencou as razões da valoração que efetuou, identificando a prova que relevou na formação da sua convicção a respeito da factualidade que considerou demonstrada e que o recorrente vem pôr em causa, indicando os aspetos da mesma que, conjugadamente, o levaram a concluir no sentido de a considerar provada, para além de ter assinalado de forma lógica e racional os fundamentos que, no seu entendimento, justificam a credibilidade que reconheceu e a força probatória que conferiu a esses elementos de prova, beneficiando, como já referido, da oralidade e da imediação que o julgamento em primeira instância lhe permitiu.
E, tal convicção, como já se adiantou, não nos merece qualquer reparo, bem pelo contrário, mostra-se suportada plenamente pelos elementos probatórios para o efeito valorados, de forma segura, devidamente fundamentada, estando explicada de forma lógica e racional, não se vislumbrando também que tenha sido violada uma qualquer regra da experiência comum, tendo sido estritamente observado o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do C.P.P.
Donde improcede o recurso neste segmento recursivo.
A argumentação que se nos afigura sustentar este segmento recursivo assenta, por um lado, em factualidade que não resultou da discussão da causa – ou seja, que a arguida tenha informado os militares da GNR que procederam à fiscalização em causa nos autos que pretendia fazer o teste através da recolha de sangue – e, por outro, no entendimento de que o teste para efeito de quantificação da taxa de álcool pode ser feito, por opção do condutor fiscalizado, através de recolha de sangue.
Pois bem.
Apesar de não ter resultado da discussão da causa que a arguida, na sequência do teste em aparelho qualitativo que lhe detetou álcool no sangue, informou que pretendia fazer o teste quantitativo através da recolha de sangue, …
Não se equacionando na situação descrita na factualidade provada qualquer motivo que inviabilizasse a realização do teste para deteção de álcool por ar expirado em analisador quantitativo, e não estando, como não está, na esfera de decisão individual do condutor, depois de lhe ser detetada a presença de álcool no sangue através de aparelho qualitativo, escolher se “prefere” realizar o teste quantitativo através de ar expirado ou de recolha de sangue, ao arrepio da ordem que legal e regularmente lhe foi dada pelo agente da autoridade no sentido de efetuar o teste no ar expirado em analisador quantitativo, a arguida recusou-se a efetuar este teste, mesmo depois de ter sido advertida por esse militar de que essa recusa a faria incorrer na prática de um crime de desobediência.
Para que fique claro, perante o quadro fático apurado não tinha a arguida qualquer opção na escolha do tipo de exame, pois a lei é categórica no sentido de que a pesquisa de álcool no sangue através de exame sanguíneo só deve ter lugar quando não seja possível a realização de teste quantitativo através de ar expirado, o que se impunha demonstrar.
Daí que dúvidas não restem de que a mesma desobedeceu a uma ordem legítima, regularmente comunicada, emanada de autoridade competente, sabendo que, como condutora, estava obrigada a submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciada pelo álcool, de tudo resultando o preenchimento dos elementos constitutivos – objetivos e subjetivos – do crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 348º, nº 1, al. a) do Código Penal, e 152º, nºs 1 e 3 do Código da Estrada, que lhe vem imputado.
Improcedendo, por isso, também neste segmento a pretensão recursiva.
Para o crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 348º, nº 1, al. a) do Código Penal, e 152º, nºs 1 e 3 do Código da Estrada, cometido pela arguida é cominada a pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias, tendo o tribunal a quo fixado a mesma na medida concreta de 75 dias de multa, à taxa diária de € 6.50.
A opção feita pelo tribunal recorrido relativamente à escolha de tal pena de multa em detrimento da pena de prisão também cominada para o crime cometido pela arguida não vem posta em causa pela recorrente, mas apenas o quantum da multa fixado na sentença - 75 dias - por referência à moldura penal legalmente estipulada, ou seja, a de prisão de 10 dias a 120 dias, que o recorrente entende mostrar-se excessivo, assim como o respetivo quantitativo diário nela fixado em € 6,50/dia.
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1 do C. Penal) mas, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo).
Por outro lado, estabelece o art. 71º, nº 1 do C. Penal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Um dos princípios basilares do C. Penal vigente reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, como desde logo pronuncia o art. 13º ao dispor que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Tal princípio da culpa significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas firma-se também como limite máximo da mesma pena.
…
Nesta aceção, poderá até afirmar-se que é a prevenção geral positiva, ela sim (e não a culpa), que fornece um « espaço de liberdade ou de indeterminação, uma « moldura de prevenção », dentro da qual podem e devem atuar considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização.
Mas, para além dos mencionados critérios orientadores gerais contidos no artigo 71º do C.Penal - culpa e exigências de prevenção, geral e especial - na determinação da medida concreta da pena atender-se-á, ainda, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo deponham a favor ou contra aquele.
São elas, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
j) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena".
…
Revelando-se acertada a apreciação, assim feita, dos critérios previstos no art. 71º, nº 2, do Código Penal, tendo o julgador da 1ª instância procedido a uma correta individualização e ponderação dos fatores que relevam para a determinação da medida concreta da pena de multa, cremos que não se justificará no caso intervenção corretiva deste Tribunal da Relação, tendo em conta as mencionadas exigências de prevenção geral e especial, as circunstâncias atenuantes e agravantes verificadas e também ponderadas pelas 1ª instância, perante uma moldura penal abstrata que varia entre 10 e 120 dias de multa cominada para o crime de desobediência cometido pela arguida.
Com efeito, o apelo feito pela arguida à sua atitude de colaboração para com os militares que procederam à sua fiscalização não tem respaldo na factualidade provada, porquanto, desta resulta, até, o contrário, aferido pela recusa manifestada pela mesma em sujeitar-se ao teste de pesquisa de álcool por ar expirado em aparelho quantitativo, porquanto, só este é que estava em causa.
Também quanto ao facto de a arguida não apresentar antecedentes criminais e de estar familiar e profissionalmente inserida, cumpre enfatizar que tais circunstâncias foram levadas em conta pelo tribunal recorrido e que as mesmas não assumem relevo significativo, pois que, não só é dever geral de todos agirem em conformidade com os valores comunitários, como também, porque a inserção familiar e profissional da arguida já se verificava à data dos factos e não se revelou impeditiva do seu cometimento.
Razão pela qual reputamos que a pena de 75 dias de multa, por não ultrapassar o limite da culpa da arguida e por se revelar justa, adequada e necessária, face às exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, é de manter.
Já quanto ao quantitativo diário da multa - fixado na sentença recorrida (6,50 euros) – para cuja redução a arguida não apresenta sequer qualquer argumentação, diremos o seguinte:
A propósito da fixação do quantitativo diário da pena de multa – segunda operação no âmbito da determinação da pena de multa – dispõe o art. 47º, nº2 do C. Penal, que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Como se salienta no ac. do STJ, de 2.10.1997, in CJ, Ano V, tomo 3, pag. 183-184, “ Como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade “.
Também Figueiredo Dias, in ob. cit. pag. 110, salienta que “ Impõe-se …que a pena de multa represente em cada caso uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada “, e a pags. 119-120, “o único limite inultrapassável é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa, pelo asseguramento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio económicas; tanto mais que o condenado tem sempre a possibilidade (em todo o caso político-criminalmente indesejável, e na verdade indesejada pela ordem jurídica) de não pagar a multa, sofrendo, todavia, nesse caso, os efeitos ou as sanções subsidiariamente cominadas “.
Assim é, porque a multa, sendo muitas vezes percebida mais como uma taxa do que como uma pena, a sua credibilidade enquanto consequência jurídica do crime não pode deixar de assumir carácter aflitivo para o condenado, sendo igualmente inerente a esta pena, como os demais, que possa afetar o modo de vida do próprio e dos que dele dependem, mesmo na sua vertente patrimonial.
O tribunal a quo fixou-o para a arguida ora recorrente em 6,50 €/dia.
Quantitativo diário este que, tendo em conta o que resultou provado a respeito da situação pessoal e económica da mesma e que se impõe realçar a natureza da pena de multa criminal, com a inerente inflição de um sacrifício ao condenado, porquanto este é essencial à prossecução das finalidades das penas, tanto de prevenção geral, como de prevenção especial, se revela ajustado, sendo, por isso de manter, sem prejuízo da possibilidade que a lei concede à recorrente de requer o seu pagamento em prestações mensais, como a lei lhe permite (art. 47º, nº3 do CP).
Improcedendo, assim, também o recurso em tal segmento recursivo.
Apesar do dispositivo da sentença recorrida não ser completamente esclarecedor, dúvidas não há, como, aliás, a recorrente as não teve, de que a medida da pena acessória que lhe foi fixada se cifrou em 3 (três) meses e 15 (quinze) dias, como resulta manifestamente do segmento decisório referente à fixação da mesma, impondo-se, por isso, ao abrigo do disposto no arts. 380º, nºs 1, al. e 2 do CPP, a correção do dispositivo em conformidade com o que se deixa dito.
Para o crime de condução de desobediência cometido pela arguida é cominada, ao abrigo do disposto no art. 69º nº1 c) do CP, a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, cuja moldura correspondente se cifra entre 3 meses e 3 anos.
Constitui entendimento da doutrina e da jurisprudência que a determinação da pena acessória tem de observar os critérios definidos para a pena principal, neste sentido, se pronunciando o Tribunal da Relação de Coimbra, no ac. de 14.01.2015, proc. 72/11.2GDSRT.C1, in www.dgsi.pt, no qual se defende que a proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, a que aludimos supra.
A pena acessória tem como finalidade e exigência: prevenir a perigosidade do agente.
Corresponde a uma necessidade de política criminal por motivos óbvios e consabidos que se prendem com a elevada sinistralidade que ocorre na rede viária nacional, e, no concreto da previsão contida na al. c) do nº1 do art. 69º do CP, “tem o seu pressuposto material na consideração de que o desrespeito das regras atinentes à fiscalização pelas autoridades competentes do exercício da condução em estado de afetação etílica (no caso) se revela especialmente censurável, pois que a perigosidade de tal comportamento não pode deixar de ser reflexo daquela que é, afinal, a perigosidade própria da condução exercida sob efeito do álcool – que no caso nem é adequadamente detetada por culpa do arguido” – neste sentido, vide ac. do TRP, de 20.11.2024, disponível em www.dgsi.pt.
Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165, “…. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente e leviano”.
Tal pena acessória não tem, porém, de ser proporcional à pena principal, uma vez que os respetivos fins são, também eles, distintos. O fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado, pelo que não tem de existir uma correspondência matemática e proporcional entre as penas, consideradas as respectivas molduras abstractas (vide Ac Relação do Porto de 20.05.1995, CJ, T4, pág. 229).
Como decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 667/94 de 14 de Dezembro, “a ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição de conduzir, permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham que ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais”.
Acresce que apena acessória de inibição de conduzir é, muitas vezes, associado a um efeito mais penalizante do que à pena principal de multa, daí que a pena acessória seja encarada como um importante instrumento para restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida.
Tais razões de prevenção a nível geral mostram-se refletidas na ponderação da medida da pena acessória decretada na sentença recorrida, assim como todas as demais circunstâncias explanadas no citado art. 71º do CP.
Temos para nós que no caso concreto, a análise das mesmas feita pelo tribunal recorrido em sede de determinação concreta da pena acessória, sobrelevando as fortes exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, não merece censura, razão pela qual não vislumbramos motivo para que a pena acessória fixada na sentença recorrida – muito próximo do limite mínimo previsto para a mesma - seja reduzida para período inferior, porquanto, se pecar sempre seria por defeito e não por excesso.
…
Consequentemente, improcede também nesta parte o recurso interposto pela arguida.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra, em:
1. Corrigir o dispositivo da sentença a respeito da pena acessória fixada, nos moldes supra decididos.
2. Negar provimento ao recurso interposto pela arguida …
3. Condenar a recorrente nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (Art. 513º nº1 CPP, 8º nº9 do RCP e Tabela III a este anexa).
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Coimbra, 20 de novembro de 2025
( exto elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários – art. 94º, nº2 do CPP )
(Maria José Guerra – relatora)
(Maria Teresa Coimbra – 1ª adjunta)
(Isabel Gaio Ferreira de Castro– 2ª adjunta)