I - A amnistia não extingue a responsabilidade civil emergente de factos amnistiados.
II - A ambiguidade da fundamentação não constitui causa de nulidade da sentença, podendo apenas configurar fundamento para a sua correcção, ao abrigo do artigo 380.º do C.P.P.
III - Havendo, no processo um relatório de perícia médico-legal realizada, cujas conclusões não foram questionadas, e não tendo sido requerida a realização de uma segunda perícia, não tem cabimento a alegação de que o relatório pericial não devia ter sido atendido e que o tribunal a quo devia ter solicitado a realização dessa segunda perícia.
IV - A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, sendo que relativamente aos danos não patrimoniais são ressarcidos aqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, sendo o respectivo valor fixado equitativamente, atendendo à culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso, à luz de critérios objectivos.
V - A lei deixou ao tribunal a tarefa de determinar a gravidade merecedora de tutela e determinar qual o valor adequado ao ressarcimento, tarefa que assenta em juízos de equidade e no grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, entre os quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, bem como os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, ou as flutuações do valor da moeda.
VI - A indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica, devendo antes ser de montante que viabilize o fim a que se destina, de viabilizar um lenitivo para os danos suportados e, porventura a suportar.
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção – Criminal – do Tribunal da Relação de Coimbra
I. Relatório
1. … o Ministério Público deduzida acusação contra o arguido …, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos arts. 148.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. b), ambos do CP.
2. Declarado extinto por amnistia o procedimento criminal, por aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, os autos prosseguiram apenas para apreciação do pedido de indemnização civil formulado pela demandante … contra a demandada “… Companhia de Seguros, S.A.”, nos termos previstos no art. 12.º, n.ºs 1 e 4, daquele diploma.
3. Realizado o julgamento, foi proferida sentença na qual foi decidido, para além do mais (transcrição):
«I. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido … e, em consequência, condenar a demandada … a pagar-lhe a quantia de €86,45 (…), a título de danos patrimoniais, sendo que a esta quantia indemnizatória acrescem juros, à taxa legal, desde a data da notificação da demandada para contestar o pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento e a quantia de €400,00 (…), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de prolação da presente decisão, até efectivo e integral pagamento;
…
4. Inconformada com esta decisão, interpôs a demandante …o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
«1.
…
2.
Quanto ao segmento civil: Mostram-se provados os seguintes factos com relevância para o apuramento da responsabilidade civil da demandada:
15. Entre a demandada … e … foi celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel, para o motociclo com a matrícula …
16. … sentiu dores e mal-estar comoconsequência da conduta adoptada por …;
17. Nas circunstâncias de tempo descritas em 1., … trabalhava, como empregada de limpeza, na empresa …, auferindo, mensalmente, o valor de €66.80;
18. Como consequência directa da conduta adoptada … teve uma perda salarial de €86,45;
19. …, mãe de …, faleceu no dia 15.01.2020, na Rua …, vítima de um atropelamento, …
20. … é uma pessoa frágil, reservada e sem amigos, sendo comuns os ataques de choro e os estados de tristeza após o falecimento da mãe;
21. … automedica-se com Victan 2 mg, adquirindo-os e tomando os sem receita e vigilância médica na sequência da conduta adoptada por …
22. Nas circunstâncias de tempo a que se refere o ponto de facto 1., … tinha medo de se atravessar em passagens para peões, por recear acontecer consigo o que aconteceu à sua mãe.
3.
Quanto à fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante …, a lei manda ressarcir apenas aqueles danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, havendo, em tal caso, o tribunal que fixar ao lesado uma compensação em dinheiro, fixada em termos equitativos, tendo em atenção o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica deste e a do lesado e as demais circunstâncias do caso - ares. 496°, 494° e 566° n° 1, todos do Cod. Civil. Pelo que,
4.
Afigura-se-nos adequado e ajustado, face à gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pela demandante, ao grau de gravidade das consequências dos mesmos, quantia não inferior a € 30.000,00 conforme anteriormente peticionados no seu PIC, atendendo a que ficou demonstrado que o recorrente sofreu dores e mau estar incómodos como consequência da conduta adoptada pelo arguido,( vide ponto 16. da matéria dado como provada), …
5.
Deste modo, a recorrente sofreu lesões plasmadas na documentação clinica de fls. 25 e 25v, relatório de avaliação do dano corporal em Direito civil de fls. 187 e relatório de avaliação do dano corporal em Direito Penal de fls. 36 e 37,
6
Com particular destaque para as conclusões do relatório de avaliação do dano corporal em Direito civil de fls. 187:
- Dores de costas residuais,( enquadrável em cap. I na0705 1 a 3 pontos), 1 ponto.
- Ansiedade provocada pelo evento traumático, pesadelos, (enquadrável em cap I alínea b NM1003, de 4 a 10 pontos): 4 pontos. Aliás,
7.
A Dra Perita subscritora desse mesmo relatório esclarece que a” Doente recorda-se várias vezes do sucedido uma vez que perdeu a mãe num acidente de viação, exatamente há 1 ano atrás. Tem medo de andar na Rua. Evita ruas muito movimentadas, sonha várias vezes com o sucedido. Tem pesadelos e recorda-se do acidente.”, vide relatório de avaliação do dano corporal em Direito civil de fls. 187.
8.
A ofendida …sofreu lesões no seu corpo e na sua saúde que geraram um dano biológico e uma afectação ou perturbação da integridade psicofísica da vítima que se repercute no desempenho das tarefas diárias da sua vida pessoal e profissional, cfr, relatório de fls.187;
9.
…
10.
Pese embora, o mérito, e esse é e será sempre inquestionável da Meritíssima Juiz que dirigiu o julgamento dos presentes autos, a mesma entendeu que esse relatório em termos gerais, padecia de imprecisões e incoerências e mesmo com o esclarecimento presencial em tribunal da subscritora do aludido relatório, a mesma entendeu não dar credibilidade ao dito relatório, utilizando uma fundamentação ambígua, deixando dúvidas quanto ao raciocínio argumentado, colocando em causa a seriedade e postura da Dra Perita Médica subscritora do aludido relatório e ora testemunha Dra. AA. Daí que,
11.
Entende a recorrente que o tribunal, perante esta factualidade, deveria ter pelo menos solicitado então uma perícia sobre os comandos a que se refere a Lei 45/2004 de 19 de Agosto a realizar em qualquer instituto de medecina Legal de modo a apurar se efetivamente o relatório de Avaliação do dano corporal de fls. 187, nomeadamente se as suas conclusões estariam corretas.
12.
…
13.
…
14.
Salvo o devido respeito, a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece assim do vício de nulidade por a sua fundamentação se revelar ambígua, nos termos do art.º 615.º nº1 al. c) do CPC.
15.
…
16.
…
17.
…
18.
…
19.
…
20.
…
21.
Com o consequente erro de julgamento, nomeadamente no que respeita ao quantum indemnizatório atribuído de € 400,00, o que aqui igualmente aqui se invoca.
22.
…
5. Admitido o recurso, a demandada “….” apresentou resposta, …
…
6. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
7. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
1. Delimitação do objecto do recurso
…
In casu, de acordo com as suas conclusões, a recorrente considera que a sentença recorrida enferma de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, «por a sua fundamentação se revelar ambígua».
Discorda, por outro lado, do montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais[1].
Previamente à apreciação das questões suscitadas, vejamos qual a fundamentação de facto que consta da sentença recorrida, na parte relevante para a apreciação do recurso.
«Factos provados:
Quanto ao segmento criminal (sem prejuízo da amnistia):
Mostram-se provados os seguintes factos que vinham acometidos pela acusação pública a BB:
1. No dia 17 de Setembro de 2021, cerca das 16h40, BB … conduzia o motociclo de marca … na Rotunda ….
2. De seguida, BB … direccionou o veículo que conduzia para a Av. …
3. No mesmo momento, CC … atravessava a passadeira existente na Av. …
4. No entanto, BB …, porque não se encontrava atento à condução, não se apercebeu que CC … se encontrava a atravessar a passadeira, pelo que ultrapassou os veículos que seguiam à sua frente, e imobilizaram a sua marcha para permitir que a ofendida atravessasse a passadeira, e não imobilizou a marcha do veículo que conduzia.
5. De seguida, o veículo conduzido por BB … continuou a sua marcha, entrando na passadeira e embatendo no lado esquerdo do tronco de CC …
6. Como consequência directa e necessária da conduta … sofreu dores e mal-estar, para além de contusão torácica.
7. Tal lesão … foi causa adequada de 39 dias para a cura com afectação da capacidade para o trabalho geral e para o trabalho profissional.
…
Mais se provou que:
14. BB não tem antecedentes criminais.
…
No âmbito do processo penal, as nulidades da sentença têm a sua previsão própria, e taxativa, no art. 379.º do CPP, que, na parte que ora importa, tem o seguinte teor:
«1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.»
A alegada ambiguidade da fundamentação não consta desta enumeração, pelo que, a existir, não constituiria causa de nulidade da sentença, podendo apenas configurar fundamento para a sua correcção, nos termos estabelecidos no art. 380.º do CPP, que prevê, na al. a) do seu n.º 1, a correcção da sentença quando a mesma enferme de alguma anomalia, por inobservância do disposto no art. 374.º, não consubstanciadora de nulidade, e na al. b) do mesmo número a sua correcção quando enferme de lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
No caso concreto, não vem invocada qualquer nulidade da sentença das legalmente previstas, e nenhuma delas se perfila ao conhecimento oficioso deste Tribunal.
Por outro lado, não se vislumbra a ambiguidade que a recorrente imputa à fundamentação aduzida pelo Tribunal recorrido para não conceder credibilidade ao relatório de dano corporal de fls. 187, por si apresentado, já que essa fundamentação – que se estende entre fls. 12-14 e fls. 17-20 da sentença, e que já acima transcrevemos – se mostra perfeitamente clara e perceptível, explicando, aliás de forma exaustiva, os motivos, de natureza formal e material, que justificam essa decisão.
É assim, manifesto que não assiste razão à recorrente, improcedendo este segmento do recurso.
Para sustentar essa pretensão, e sem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto (seja por via da invocação de erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, seja por via da alegação de algum dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP), alude ao grau de gravidade das consequências dos factos, concretamente ao que consta dos pontos 6 a 22 da matéria de facto provada, e ainda às conclusões vertidas no mencionado relatório de dano corporal de fls. 187, por si apresentado, segundo o qual padeceria de determinadas sequelas, geradoras de um «défice funcional permanente da integridade físico-psíquica» fixável em 5%.
Estas sequelas não foram dadas como assentes, uma vez que, como já referido, o mencionado relatório não mereceu crédito por parte do Tribunal recorrido, sendo que, pelos motivos que explica detalhadamente na fundamentação da decisão, o mesmo não se reporta a qualquer perícia médico-legal, configurando tão-só um parecer clínico, realizado por médico particular a solicitação da própria recorrente, sujeito, por conseguinte, à livre apreciação do Tribunal.
Ora nos autos já existia uma (verdadeira) perícia médico-legal, realizada em 28-07-2022 (datando os factos de 17-09-2021), tendo o Tribunal valorado o respectivo «relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal», constante a fls. 36-37, em conjugação com a demais prova disponível nos autos.
As conclusões desse exame pericial não foram questionadas nem oportunamente requerida a realização de uma segunda perícia, nos termos previstos no art. 158.º do CPP.
Não tem, por isso, qualquer cabimento pretender a recorrente que o Tribunal deveria ter, oficiosamente, solicitado uma perícia para avaliação da correcção das conclusões do relatório de avaliação de dano corporal de fls. 187.
Não vindo, repete-se, impugnada a matéria de facto provada e não provada, e não se vislumbrando a existência de nulidade insanável ou de qualquer dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, pois que a decisão se mostra lógica, coerente, harmónica, destituída de lacunas ou antagonismos factuais, de factos contrários às regras da experiência comum ou de erro patente para qualquer cidadão, nela inexistindo também qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, sendo, por outro lado, a fundamentação de facto suficiente para suportar um juízo seguro de direito, mostra-se definitivamente sedimentada a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido.
E é a factualidade dada como provada, e não outra, que importa ter em conta para apreciação da correcção da decisão relativamente à fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais.
Acerca do pedido de indemnização civil, escreveu-se na sentença recorrida (transcrição):
«A demandante, …, deduziu pedido de indemnização civil contra a demandada …., peticionando a sua condenação na quantia global de €31.010,00 (trinta e um mil e dez euros), sendo €30.000,00 a título de danos não patrimoniais e €1.010,00, a título de danos patrimoniais, decorrentes dos factos praticados por BB.
A amnistia oportunamente concedida, prevista no artigo 4.º da Lei n.º Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto, não extingue a responsabilidade civil emergente de factos amnistiados, conforme decorre do n.º 1, do artigo 12.º do aludido Diploma legal, tendo a demandante requerido, nos termos e para os efeitos do artigo 12.º, n.º 4, o prosseguimento do processo, apenas para apreciação do mesmo pedido, com o aproveitamento da prova indicada para efeitos penais.
Sempre que o pedido de indemnização cível se afigure como fundado, a sentença condena o obrigado em indemnização civil - Cf. artigo 377.º, n.º 1 do Código de Processo Penal – sendo que a indemnização por perdas e por danos emergentes é regulada pela lei cível – Cf. artigo 129.º do Código Penal.
Assim, estará em causa a aplicação do instituto da responsabilidade civil extracontratual, o qual se reconduz, no essencial, à obrigação de indemnizar, a cargo do lesante, isto é, a reparar ou compensar os prejuízos causados a outrem, ao lesado – Cf. artigos 562.º e ss e 483.º do Código Civil.
…
De acordo com a lei substantiva penal a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil – art. 129.º do CP, mandando esta fixar o montante da indemnização devida por danos não patrimoniais equitativamente, tendo em atenção a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – arts. 496.º, n.º 3, e 494.º do CC.
O art. 496.º, n.º 1, do CC consagra a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Na verdade, como se escreve no acórdão do STJ de 26-01-2011[2], «É um dado adquirido, doutrinal e jurisprudencialmente, o de que os danos não patrimoniais, embora não susceptíveis de avaliação pecuniária, pois que atingem bens que não integram o património do lesado, podem e devem ser compensados, com a atribuição ao lesado de uma reparação, ou satisfação adequada, que possa contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar as dores físicas e o sofrimento psicológico em que tais danos se traduzem, devendo a gravidade do dano medir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos.
A reparação dos danos não patrimoniais, na impossibilidade de repristinar a situação anterior, pois que tal é impossível, visa apenas compensar indirectamente a vítima, pelos sofrimentos, pela dor e pelos desgostos sofridos, atribuindo-lhe uma quantia em dinheiro que lhe permita alcançar, de certo modo, a noutros planos ou actividades, uma qualidade de vida que minimize ou atenue a gravidade da ofensa de que foi alvo. Na fixação de tal montante rege o disposto no art. 496.º do CC, o qual, nos termos do seu n.º 3, deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.»
O legislador deixa ao tribunal a tarefa de, por um lado, aferir o que é a gravidade merecedora da tutela jurídica e, por outro, em caso de verificação desse merecimento, determinar o valor adequado a ressarcir o dano, valor que será necessariamente influenciado pela extensão da respectiva gravidade.
A medição da gravidade do dano há-de ser feita com a ponderação das circunstâncias do caso concreto, à luz de critérios objectivos e não com base em padrões subjectivos e será apreciada em função da tutela do direito - isto é, o dano deve revelar tal gravidade que justifique a atribuição de uma satisfação de natureza pecuniária ao lesado[3].
Para a fixação do montante indemnizatório, manda a lei (n.º 3 do art. 496.º CC) que se usem juízos de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre aí quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, ou as flutuações do valor da moeda[4].
Deverá ter-se ainda presente, como vem afirmando a nossa jurisprudência, de forma constante, que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica, devendo antes ser de montante que viabilize o fim a que se destina – atenuar a dor sofrida pelo lesado. Na verdade, a jurisprudência do Supremo Tribunal em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo ser miserabilista ou meramente simbólica[5].
Como tem vindo a ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do art. 496.º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura a suportar, mantendo plena actualidade o que se escreveu no Ac. do STJ de 26-10-1983[6]: «é tempo de os tribunais inflacionarem as importâncias já que tudo sobe sem parar (lucros cessantes e danos emergentes). Todos têm de ganhar cada vez mais para enfrentar os altos custos. Até o preço da vida e da dor deve ser actualizado para não envilecer os respectivos valores».
A natureza compensatória da indemnização a arbitrar pressupõe, como acima se disse, que se tenha em conta não só o grau de culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado, mas também, as demais circunstâncias do caso entre as quais se contam a gravidade do dano causado – a intensidade e duração da dor física ou psíquica, ou dos sentimentos negativos provocados – sob pena de se por em causa a sua seriedade e o respeito devido a quem o sofreu.
Como se referiu, na atribuição da indemnização por danos não patrimoniais deverá ter-se em consideração um juízo de equidade – ponderando o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – e não os critérios fixados para a determinação da medida concreta da pena.
Pondera-se ainda que, conforme ensina Antunes Varela[7], «a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa compensar de algum modo mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente»[8].
Resulta do exposto que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que o manda julgar de harmonia com a equidade – que é a justiça do caso concreto –, deverá atender aos factores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objectivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.
Assim se compreende que a actividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjectiva, não se reconduza ao puro arbítrio.
Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo reiteradamente a entender que os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer de novo as questões já decididas, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, destinando-se à correcção destas e não ao seu mero aperfeiçoamento[9].
Como de forma elucidativa se escreve no Ac. STJ de 06-01-2005[10]:«“o Código assume claramente os recursos como remédios jurídicos» e não como «meio de refinamento jurisprudencial», pois que «o julgamento em que é legítimo apostar, como instrumento preferencial de uma correcta administração da justiça, é o de primeira instância”».
Ou, nas palavras do Acórdão do STJ de 20-02-2003[11]: «Os recursos, como remédios jurídicos que devem ser, não podem ser utilizados com o único objectivo de alcançar “uma melhor justiça”, já que a pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulte da violação do direito material».
Numa situação, como a dos autos, em que está em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção «às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida»[12].
O fundamento da pretensão da recorrente de ver significativamente aumentado o montante indemnizatório – se de “fundamento” se pode verdadeiramente falar – não vai além da discordância da valoração que o Tribunal efectuou com base na invocação de matéria de facto que alegou mas que não resultou assente, não vindo apontada à decisão recorrida a violação de qualquer regra de direito material ou de ponderação segundo a equidade que possa constituir objecto de reapreciação por parte deste Tribunal.
E, percorrendo a argumentação expendida pelo tribunal recorrido, nela não vislumbramos qualquer vício ou violação das aludidas regras.
Na verdade, na ponderação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais a atribuir à demandante teve o Tribunal recorrido em conta – e bem – a dimensão do ilícito, o circunstancialismo em que os factos tiveram lugar (aqui relevando o grau de culpabilidade do lesante, que actuou com negligência) e a dimensão dos danos causados, plasmados na matéria de facto provada (traduzidos em dores e mal-estar, derivados da contusão torácica sofrida[13]), e considerou ser o montante de 400,00€ adequado à reparação da violação dos direitos de personalidade.
O tribunal valorou todos os elementos em presença e justificou suficientemente o seu raciocínio e o montante que, a final, veio a considerar adequado à compensação dos danos não patrimoniais demonstrados.
Contudo, afigura-se-nos que esse montante surge como meramente simbólico, pelo que será de proceder à sua alteração para a quantia de 1500,00€ (mil e quinhentos euros), que se mostra mais ajustada ao fim a que se destina, de atenuar a dor e sofrimento da lesada e de reflectir a importância e gravidade dos danos causados pela conduta ilícita do arguido, cuja responsabilidade se encontrava transferida para a demandada, face à factualidade dada como provada e não provada e aos critérios constantes do art. 494.º, ex vi do art. 496.º, n.º 3, ambos do CC.
Por todo o exposto, é de julgar o recurso parcialmente procedente.
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em, concedendo parcial provimento ao recurso interposto pela demandante, …, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a demandada, “…”, no pagamento à demandante da quantia de 400,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais, fixando-se em 1500,00€ (mil e quinhentos euros) esse montante indemnizatório e mantendo, no mais, o decidido.
Custas civis por recorrente e recorrida, na proporção do respectivo decaimento (art. 523.º do CPP.
Notifique.
[1] Apesar de, no segmento da sua motivação intitulado «A) – INTRODUÇÃO» e na conclusão 1, afirmar a sua não aceitação da sentença «apenas no que tange ao pagamento da quantia de € 400,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, bem como no que diz respeito ao pagamento da quantia de € 86,45 a título de danos patrimoniais», em lugar algum da sua peça recursória a recorrente aduz qualquer argumentação direccionada à impugnação do montante indemnizatório atribuído a título de indemnização por danos patrimoniais, pelo que terá de entender-se que, apesar da sua afirmação genérica, este montante não vem verdadeiramente questionado.
[2] Proc. n.º 39/96.9TBCNF.S1 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[3] Cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 8.ª edição, vol. I, pág. 617.
[4] Cf. Acs. do STJ de 23-10-1979, RLJ, ano 113, pág. 91; de 26-05-1993, CJSTJ, ano I, 1993, tomo 2, pág. 130 e ss.; de 18-03-1997, CJSTJ, ano V, 1997, tomo 1, pág. 163 e ss.; e, mais recentemente, de 24-05-2011, Proc. n.º 167/07.7PBSNT.L1.S1 – 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos; bem como Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9.ª edição, pág. 629.
[5] Cf o Ac. do STJ de 23-04-2008, Proc. n.º 303/08 - 3.ª, bem como, designadamente, os de 28-06-2007, 25-10-2007, 18-12-2007, 17-01-2008 e 29-01-2008, proferidos nos Procs. n.ºs 1543/07 - 2.ª, 3026/07 - 2.ª, 3715/07 - 7.ª, 4538/07 - 2.ª, 4492/07 - 1.ª, ali referidos, e ainda os de 21-05-2008, Proc. n.º 1616/08 - 3.ª, e de 06-01-2010, Proc. n.º 1234/06.0TASTS.P1.S1 - 3.ª in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[6] In BMJ 330.º/396.
[7] Ob. cit., vol. I, 2.ª edição, pág. 488.
[8] Cf. Ac. do STJ de 15-04-2009, Proc.n.º 3704/08 - 3.ª, in www.dgsi.pt.
[9] Cf., entre outros, Acs. do STJ de 20-03-03, Proc. n.º 784/03 - 5, de 25-11-2004, Proc. n.º 3234/04 - 5.ª, de 20-01-05, Proc. n.º 3209/04 - 5, ibidem, 07-04-2010, Proc. n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1 - 3.ª, de 13-01-2011, Proc. n.º 316/07.5GBSTS.G2.S1 - 5.ª, e de 19-01-2011, Proc. n.º 376/06.6PBLRS.L1.S1 - 3.ª, ibidem.
[10] Proc. n.º 4447/04 - 5, ibidem, citando Cunha Rodrigues, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1995, pág. 387.
[11] Proc. n.º 240/03 - 5.ª, ibidem.
[12] Cf. Ac. do STJ de 17-06-04, Proc. n.º 2364/04 - 5, ibidem.
[13] Como o Tribunal recorrido refere, do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal que figura a fls. 36-37 extrai-se que do evento em causa «resultou um traumatismo torácico, inexistindo «lesões documentadas ao exame físico», tendo realizado «radiografia de tórax, sem alterações» (o que, segundo as regras da experiência, aponta para a ausência de particular gravidade e/ou particular contusão no impacto – veja-se, além disso, que a assistente teve alta em, sensivelmente, apenas 3 horas após dar entrada na unidade hospitalar».