I - A presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º-A do Código do Trabalho, aditado pela Lei n.º 13/2023, de 03 de abril, é aplicável a relações jurídicas iniciadas antes da sua entrada em vigor que se mantenham para além dessa data, aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que tenham sido praticados posteriormente àquele momento.
II - As alterações que vêm ocorrendo nas formas de organização do trabalho levaram à alteração do centro de gravidade da subordinação jurídica subjetiva (heterodeterminação da prestação da atividade com presença dos poderes hierárquico, organizacional e disciplinar) para a subordinação jurídica objetiva (que leva em conta a integração do trabalhador na estrutura produtiva).
III – Demonstradas cinco dos índices da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do art.º 12.º-A, do Código do Trabalho, para ilidir a presunção a que se refere o artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, sendo necessário que se faça a prova de factos que levem à conclusão de que a relação contratual consubstancia um outro tipo contratual que não o contrato de trabalho, designadamente que consubstancia uma relação autónoma.
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relatório
O Ministério Público propôs a presente ação especial para reconhecimento da existência de um contrato de trabalho contra A...app Portugal, Unipessoal, Lda, pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e o trabalhador AA, por tempo indeterminado, fixando-se a data do seu início no dia 01/07/2021. Mais se requereu que seja, oportunamente, comunicada a decisão nos termos do disposto no artigo 186.º-O, nomeadamente ao Instituto da Segurança Social, I.P. com vista à regularização das contribuições.
Para tanto alegou, em síntese, que a ré é uma plataforma digital que se dedica a prestar serviços à distância, tendo parceiros que vendem os seus produtos a clientes finais que são utilizadores da plataforma através do seu sítio na internet e da sua aplicação informática; os clientes solicitam através da plataforma produtos que são fornecidos pelos parceiros comerciantes da ré e, esta, para efetuar as entregas, organiza o trabalho de estafetas, designadamente o trabalhador aqui em causa, ficando a plataforma com os resultados desta atividade.
Mais alegou que o trabalhador não tinha uma organização empresarial própria, prestando os seus serviços inserido na organização da ré, que fixa o respetivo preço, efetuando o referido trabalhador serviços de entrega nos termos e condições definidos pela ré, que fixa a respetiva retribuição e condições de pagamento sem qualquer negociação com o trabalhador, sendo a ré quem negoceia os preços com os comerciantes e cobra o valor aos clientes, que não pagam diretamente ao trabalhador, podendo haver pagamentos em dinheiro que, quando excede determinado valor, implica um depósito pelo trabalhador na conta da ré, podendo esta determinar que aquele fique com algum valor por conta da retribuição a receber.
A ré compensava o IVA ao prestador de atividade, o valor da retribuição dependia de um valor fixo por entrega, valor esse dependente do número de quilómetros percorridos e outros valores dependentes de outros fatores, cabendo ao prestador fixar um multiplicador entre 0,9 e 1,1 aplicável à totalidade da retribuição.
O trabalhador ficava sujeito ao poder de direção e autoridade da ré, que ditava as regras do exercício da atividade, designadamente nas condições gerais, concretamente quanto às características da mochila a utilizar e às regras para iniciar a atividade e ficando obrigado a efetuar controlo biométrico quando solicitado, o que fazia.
O trabalhador está coberto por seguros fornecidos pela ré e esta impõe que o trabalhador tenha seguro do veículo válido; o trabalhador é advertido de que deve agir com boa educação para com os clientes, sob pena de ser mal avaliado por estes e, em caso de uso de linguagem ou atitudes abusivas, poder ser, temporária ou definitivamente, impedido de prestar atividade.
Para além do controlo biométrico, a ré acompanhava o trabalho do trabalhador através do sistema GPS, que tinha de estar sempre ligado e quando não estava, o trabalhador recebia um alerta na aplicação informática e não podia continuar a atividade; durante a atividade de entrega o cliente acompanha na aplicação o trabalhador em tempo real, sabendo onde o mesmo se encontra, sendo definida uma rota pela plataforma; a ré monitoriza o tempo de disponibilidade do estafeta, o multiplicador escolhido e a proximidade ao ponto de recolha, atribuindo mais pedidos a quem é mais disponível, tem menor multiplicador e está mais próximo do ponto de recolha através de gestão algorítmica.
O prestador de atividade exercia atividade em horários determinados pela plataforma e apenas no horário de funcionamento desta; o trabalho do prestador de atividade é avaliado na plataforma pelos clientes; a plataforma aplica sanções ao prestador de atividade, mais concretamente com reduções nos pagamentos, bloqueios temporários e definitivos da conta, bem como através da atribuição de menos pedidos; e o estafeta é proprietário do veículo e outros instrumentos de trabalho, mas a ré é proprietária da aplicação informática através da qual se organiza a atividade.
A ré opera uma plataforma digital de intermediação tecnológica, mediando transações entre diversos tipos de utilizadores – clientes finais, comerciantes e distribuidores – aos quais cobra taxas pela utilização da plataforma que constituem as suas receitas – respetivamente: taxa de serviço, taxa de parceria e taxa de plataforma –, agindo como mero agente intermediário dos pagamentos entre os diversos utilizadores e, como tal, não pode haver uma relação de trabalho entre os prestadores de serviços e a plataforma.
A relação iniciou-se antes de 1 de maio de 2023 e, por isso, o artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, não se aplica ao caso concreto; não se verificam igualmente as características previstas para preenchimento da presunção de laboralidade, na medida em que o trabalho não é efetuado na plataforma, a retribuição resulta de um multiplicador escolhido pelo prestador de atividade e não se tem em conta a gratificação do utilizador-cliente; é o prestador que define o número de pedidos que aceita, podendo recusá-las, escolhendo conectar-se ou desconectar-se quando desejar e em quantas plataformas pretende trabalhar; todos os elementos, documentos e equipamentos exigidos dependem de regras de segurança ou legais; a geolocalização apenas tem de estar ligada para recebimento de pedidos, podendo ser desligada após isso; não existe um sistema de avaliação, mas apenas uma avaliação facultativa e qualitativa dos clientes, que a ré apenas consolida e torna visível ao prestador e não afetam a apresentação de pedidos; o prestador de atividade pode ligar-se ou desligar-se quando quiser, não estando sujeito a quaisquer horários, nem a tempos mínimos de disponibilidade; o prestador de atividade pode aceitar ou recusar os pedidos efetuados; a plataforma permite a utilização de subcontratados ou substitutos; a aplicação informática não é um equipamento ou instrumento de trabalho e os principais equipamentos e instrumentos de trabalho são o veículo e o telemóvel que são do prestador de atividade.
Não se verifica sequer a presunção de laboralidade, porque não existe subordinação, pois é necessário ter em conta (i) o elevado grau de autonomia, evidenciado, entre outros aspetos, pela possibilidade de se ligar ou desligar livremente ou pela possibilidade de rejeitar um serviço é um forte indício negativo de laboralidade, (ii) a possibilidade de prestar serviço para concorrentes e (iii) a possibilidade contratual de o prestador de serviços se fazer substituir por outra pessoa contratada para o efeito; ocorre a inconstitucionalidade do processo, inserido numa ação de reclassificação em massa, por violação de direitos, liberdades e garantias da ré, em especial os direitos de defesa e a uma tutela jurisdicional efetiva, tendo em conta o número de procedimentos que deram origem a ações de reconhecimento de contratos de trabalho, não havendo uma possibilidade real e efetiva de exercício do contraditório numa situação de igualdade de armas, sobretudo com a recusa de prorrogação do prazo para resposta; os artigos 12.º e 12.º-A do CT, conjugados com os n.º 1 e 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, quando interpretados no sentido de que a ACT os pode utilizar como instrumentos repressivos para visar um concreto setor de atividade (i.e., as plataformas digitais de intermediação tecnológica, particularmente, as que serviços de entrega), numa reclassificação setorial dos vínculos que titulam a prestação da atividade, independentemente das circunstâncias de facto concretas, da forma de operar de cada plataforma digital, das expectativas dos operadores económicos envolvidos – nomeadamente, os prestadores de serviços (estafetas) – e da prova dos factos de base das “presunções” aplicáveis, são inconstitucionais por violação dos princípios da proteção da confiança, da segurança jurídica e da não discriminação, previstos nos artigos 2.º e 13.º da CRP, e da liberdade de escolha de géneros de trabalho, previsto no artigo 47.º da CRP.
A não verificação de indícios negativos de subordinação jurídica no âmbito da aplicação de uma presunção de laboralidade viola o Direito da União Europeia, mais concretamente, por um lado, apesar de não existir um conceito jurídico de trabalhador, a Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativamente a determinados aspetos da organização dos tempos de trabalho, tem como pressuposto a sua aplicabilidade apenas a pessoas com contrato de trabalho subordinado e, por outro lado, a prestação de serviços enquadra-se no âmbito da liberdade de estabelecimento, prevista no artigo 49.º TFUE, e a liberdade de prestação de serviços, prevista no artigo 56.º do mesmo TFUE, e a liberdade de trabalhar e liberdade de emprega decorrem dos artigos 15.º e 16.º CDFUE, pelo que os prestadores de serviços da Ré, seja o estafeta em causa, sejam outros estafetas na sua posição, e a própria Ré, no âmbito da relação acordada, exercem a sua liberdade de estabelecimento, de prestação de serviços de condução de um negócio, de acordo com os artigos 15º e 16º da CDFUE; perante isto, caso o Tribunal considere haver uma dúvida de interpretação do Direito da União Europeia, tendo em conta o princípio do primado do Direito da União Europeia e a necessidade de harmonização da interpretação da legislação nacional em conformidade com o referido Direito da União Europeia, deverá reenviar previamente ao TJUE para avaliar a conformidade daquelas normas com o direito da União Europeia.
Nesse caso, nos termos do artigo 267.º do TFUE, requer que o Tribunal suspenda a instância e remeta ao TJUE as seguintes questões:
- a contratação de serviços numa situação como a dos Autos constitui uma forma de exercício da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços garantidas pelos Tratados da União Europeia?
- pode a aplicação de uma presunção de laboralidade (como a do artigo 12.º e/ou do artigo 12.º-A do CT, que estabelece uma presunção de subordinação jurídica), que não admita que a presunção seja ilida mediante a verificação de critérios indiciários negativos, ser considerada uma restrição à liberdade de estabelecimento e à liberdade de prestação de serviços?
- em caso afirmativo, pode tal restrição ser considerada conforme com as exigências do Direito da União Europeia que impendem sobre Portugal por força dos artigos 49.º e 56.º do TFUE?
- a prestação de serviços efetuada em condições de auto-organização, de liberdade de aceitação e recusa, sem exclusividade nem restrições de concorrência, que caracterizam as que estão em causa no presente processo, pode ser considerada trabalho subordinado à luz do Direito da União Europeia e da jurisprudência do TJUE e, portanto, sujeita às disposições do artigo 31.º, n.º 2, da CDFUE?
- tendo em conta o conceito de trabalho subordinado inerente ao Direito da União Europeia, a verificação de alguns dos seguintes indícios deve ser considerada suficiente para afastar uma presunção de subordinação jurídica nos termos do direito nacional?
- o prestador de serviços pode recorrer a subcontratados ou substitutos para a execução do serviço que se comprometeu a prestar; o prestador de serviços pode aceitar ou não as várias tarefas propostas pelo seu suposto empregador, ou fixar unilateralmente o número máximo dessas tarefas; iii) O prestador de serviços pode prestar os seus serviços a terceiros, incluindo concorrentes diretos do pretenso empregador, e iv) O prestador de serviços pode fixar as suas próprias horas de "trabalho" dentro de certos parâmetros e adaptar o seu tempo às suas conveniências pessoais e não apenas aos interesses do suposto empregador,”; caso se considere que os serviços prestados em condições análogas às do presente processo podem ser qualificados como uma relação de trabalho, ser-lhes-á aplicável a Diretiva 2003/88 relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, nomeadamente os limites diários, semanais e mensais do tempo de trabalho nela previstos (artigos 3.º a 7.º), bem como as regras relativas às férias anuais nela previstas?
- em caso de resposta afirmativa à questão anterior, como deve ser calculado o tempo de trabalho e como devem ser aplicados os limites de tempo de trabalho previstos na Diretiva referida na questão anterior?
“Pelo exposto, julgo procedente a ação e, em consequência, declaro a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e o trabalhador AA da, por tempo indeterminado, fixando-se a data do seu início no dia 01.07.2021.
Mais, determino que, após trânsito em julgado, a comunicação da decisão nos termos do disposto no artigo 186.º-O, nomeadamente ao Instituto da Segurança Social, I.P. com vista à regularização das contribuições.
Custas pela ré.”
O valor da causa foi fixado em € 2.000,00 (dois mil euros).
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Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT) e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
- se a decisão da matéria de facto deve ser alterada;
- se deve ser qualificada como contrato de trabalho a relação entre AA e a ré.
«1. A Ré dedica-se a atividades relacionadas com as tecnologias de informação e informática (CAE ...) e comércio a retalho por correspondência ou via internet (...), sendo a sua sede na Rua ..., em Lisboa.
2. No âmbito da sua atividade, a Ré disponibiliza serviços à distância através de meios eletrónicos, nomeadamente através do sítio da internet e da aplicação informática (app) pertencente à Plataforma A...App a pedido de utilizadores.
3. Os serviços mencionados no ponto 2.º podem ser utilizados pelos consumidores e estabelecimentos aderentes, estabelecendo a Ré, por referência a cada um, como contrapartida, o pagamento de uma taxa fixa pelo acesso e/ou utilização. - alterado
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11. A prestação de atividade de AA era efetuada na zona da cidade de São João da Madeira, que abrangia as áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente), que lhe eram indicados na plataforma A...App. - alterado
12. No dia 15.09.2023, pelas 12h00m, conforme verificado por inspetor da Autoridade para as Condições do Trabalho, AA encontrava-se no centro comercial/shopping ... a prestar a sua atividade de estafeta. - retificado
13. - eliminado
14. O prestador de atividade entregava produtos alimentares adquiridos por terceiros mediante a utilização da plataforma eletrónica da A..., encontrando-se naquele momento a executar um pedido. - alterado
15. - eliminado
16. Quando um cliente formulava um pedido, na interface de oferta do serviço ao estafeta era apresentado um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e de entrega (morada do utilizador-cliente) assinalados, bem como a rua do ponto de recolha (sem informação do número da porta), a distância estimada e o preço do serviço. - alterado
17. O valor a pagar ao estafeta, designado por “total ganho”, no momento da inspeção compreendia: uma componente fixa designada por “tarifa base”, neste caso, no valor de €1,40 e uma componente variável resultante da conjugação das seguintes rubricas: €0,25 por cada km percorrido pelo estafeta desde o local de recolha do pedido (em regra restaurante, mas poderia ser qualquer outro tipo de produtos dos estabelecimentos aderentes da plataforma) até ao endereço de entrega do mesmo (os quilómetros percorridos são os definidos na rota dada pelo “google maps”); uma percentagem variável em função da hora do pedido/entrega, época do ano ou condições climatéricas ou promoções, designadas por “compensação por hora de ponta”; uma componente variável dependente do tempo de espera no ponto de recolha para além de um certo período de tempo, com o valor por minuto de, pelo menos, 0,05€; e uma componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade.
18. A escolha dos estafetas é feita em função de determinados critérios definidos pela plataforma.
19. Caso aceite o serviço, é adicionalmente comunicado ao estafeta o nome e morada exata do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto no parceiro, estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada exata do utilizador-cliente (ponto de entrega), os detalhes de pagamento e a lista de artigo do pedido e o valor do mesmo. Nessa altura e até recolher o produto, o estafeta é livre de recusar prestar esse serviço. - alterado
20. - eliminado
21. - eliminado
22. - eliminado
23. A fatura era emitida pelo restaurante ao cliente final e nunca ao prestador de atividade;
24. O pagamento da plataforma ao estafeta, sem prejuízo do referido nos pontos 25, 26, 74 e 92, era quinzenal e efetuava-se por transferência bancária. - alterado
25. A plataforma permitia que o cliente pagasse em dinheiro ao estafeta, ficando este com “dinheiro nas mãos” (saldo em mãos).
26. Nesse caso, o valor em numerário entregue pelos clientes ao prestador de atividade era compensado no pagamento quinzenal efetuado pela plataforma, mas quando o mesmo excedesse um determinado limite pré-definido pela plataforma, deveria ser depositado à ordem da mesma em prazo determinado.
27. - eliminado
28. Nos termos e condições para utilização da plataforma estabelece-se que, no caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta se compromete a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos, do que decorre que, sendo transportados numa mochila, esta tenha de ser isotérmica. - alterado
29. - eliminado
30. Para que o estafeta possa receber pedidos efetuados através da aplicação A..., por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, tem de efetuar o registo prévio na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/. - alterado
31. Para efetuar o registo antes referido, o prestador de atividade teve de inserir o seu documento de identificação ou passaporte, carta de condução e declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ... (outros prestadores de serviços). - alterado
32. No decurso do processo de inscrição, foi disponibilizada ao prestador de serviço a possibilidade de visualizar vídeo sobre o funcionamento da plataforma. - alterado
33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo prestar serviços com a aplicação gerida pela Recorrente em zona diferente, depois de comunicar à Ré a alteração de zona. - alterado
34. No decurso da criação de conta o prestador de atividade, como passo necessário para o completar, identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções. - alterado
35. - eliminado
36. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora B..., devendo, em caso de sinistro, reportar tal facto à Seguradora. - alterado
37. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela C... com a apólice n.º ..., sendo tomador do seguro a A... e estando o estafeta coberto durante o período de tempo que selecionou para prestar o serviço à plataforma e a sua disponibilidade, que coincide com o momento em que entra na plataforma para registar que vai iniciar o serviço e termina uma hora após o fim dessa faixa horária, sendo ambos os momentos registados e cabendo à plataforma a rastreabilidade e o registo da rota do serviço efetuado pelo estafeta.
38. O prestador é informado que tem acesso ao seguro D... caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline. - alterado
39. O custo destes seguros é coberto pela taxa quinzenal de 1,85€ pago pelo prestador de atividade.
40. A A... exigia que o prestador de atividade identificasse o seu rosto na aplicação com uma periodicidade variável para reconhecimento facial/controlo biométrico, para tanto o prestador de atividade tinha de tirar uma foto (selfie) e enviar para ser comparada com a constante da base de dados da A....
41. Este pedido de identificação era aleatório.
42. – eliminado
43. - eliminado.
44. Durante os periodos em que estava disponível na aplicação e durante o desenvolvimento das entregas pelo estafeta, o prestador de atividade mantinha a permissão de acesso ao GPS ativa, com recurso ao sistema de geolocalização, utilizando para o efeito o telemóvel pessoal do estafeta.
45. Para que lhe fosse atribuído serviço, o estafeta, através do seu telemóvel pessoal tinha de ter o sistema de GPS ligado, caso tivesse o sistema de GPS desligado recebia uma informação de alerta e não conseguia receber propostas.
46. O estafeta ao iniciar a sessão com os dados móveis e a localização ligados, no seu telemóvel pessoal, a plataforma passava a saber a sua localização.
47. Após a aceitação do pedido, se estiver ligado à geolocalização existente na App, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final; - alterado
48. A distância a percorrer entre o ponto de recolha e o ponto de entrega utilizada para cálculo de uma das componentes variáveis do preço do serviço, é efetuada pelo “Google Maps”, podendo, no entanto, o estafeta seguir ou não esse itinerário. - alterado
49. Se estivesse ligado o sistema de geolocalização existente na App, o estafeta quando chegava ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido. - alterado
50. Pelo menos até fevereiro de 2024, existiam avaliações facultativas dos clientes que incidiam sobre a atividade do estafeta e, até pelo menos, maio de 2023, a plataforma atribuía uma notação numérica, até 5, a cada estafeta, incluído o que está em causa nestes autos.
51. A plataforma informava o estafeta se o sistema de geolocalização estivesse desligado no telemóvel pessoal com a mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização»
52. Se o telemóvel pessoal do estafeta estivesse com a bateria a 20%, pelo menos, tinha menos possibilidade de receber pedidos.
53. - eliminado
54. Através de gestão algorítmica, entre outros critérios, a plataforma distribui o serviço ao estafeta que estiver mais perto do ponto de recolha.
55. Pelo menos até maio de 2023, a avaliação feita pelos utilizadores do serviço prestado pelo estafeta influenciava a notação atribuída ao estafeta.
56. Até maio de 2023, em determinados dias da semana, a ré abria faixas horárias definidas pela plataforma que os estafetas escolhiam pela ordem da respetiva notação atribuída pela plataforma, escolhendo primeiro os estafetas com melhor nota numérica e só podiam aceder à plataforma e receber pedidos nas faixas horárias escolhidas.
57. A partir de maio de 2023, os estafetas passaram a poder ligar-se e desligar-se da plataforma de acordo com a sua escolha, desde que dentro do horário de funcionamento da plataforma, que na zona de São João da Madeira ocorre entre as 10h e as 23h.
58. Para o efeito, o estafeta acede à plataforma, através do seu telemóvel pessoal, informando que se encontrava em disponibilidade e liga o sistema de geolocalização para receber os serviços.
59. - eliminado
60. Pelo menos até maio de 2023, a plataforma suspendia temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando o estafeta fazia entregas fora da zona ou saía da zona durante a faixa horária que lhe estava atribuída, quando recusava mais de dois pedidos por dia, quando não fazia o reconhecimento facial positivo ou quando ao depositava o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas.
61. Atualmente, a plataforma suspende temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando não faz o reconhecimento facial positivo após um número não determinado de solicitações ou quando ao depositava o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas.
62. Os estafetas beneficiam de um clube de descontos designado A....
63. A Ré tem uma plataforma que se serve de um programa informático que atribui os pedidos em função de diversos critérios, não podendo o prestador de atividade exercer atividade através da ré sem utilizar esta aplicação ou o sítio da ré na internet.
64. - eliminado
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67. Em 1 de julho de 2021 a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA, após inscrição do mesmo na referida app; – alterado
68. Desde então, salvo num período de cinco meses, o referido AA vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares solicitados por terceiros por meio da plataforma eletrónica da A..., o que fez de forma ininterrupta, quase todos os dias, entre as 19 e as 22 horas, apresentando-se aos comerciantes e clientes como estafeta da ré, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira; - alterado
69. Para o efeito, o prestador de atividade utiliza a aplicação informática da ré que descarregou e instalou no seu telemóvel.
70. A Ré junta, através da sua aplicação, três tipos de pessoas/entidades que denomina de utilizadores de serviços da plataforma:
− Os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes;
− Os denominados utilizadores prestadores de serviços, normalmente designados por estafetas; e
− Os utilizadores clientes.
71. Para os restaurantes ou estabelecimentos comerciais, a utilização dos serviços tecnológicos da Ré traduz-se no acesso à visibilidade e promoção da lista de estabelecimentos presente na aplicação, permitindo-lhes conectarem-se, via aplicação, com os utilizadores finais e obter um serviço de entrega executado através dos utilizadores prestadores dos serviços.
72. Para os denominados utilizadores prestadores de serviços, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolherem os pedidos que pretendem realizar – e podendo conectar-se a outras plataformas –, obtendo rendimentos.
73. Para o utilizador cliente, o acesso à plataforma significa a possibilidade de ter acesso aos produtos vendidos pelos estabelecimentos e, se solicitado, aos serviços de entrega executados, em curto prazo, pelos denominados utilizadores prestadores de serviços.
74. A ré deduz na fatura quinzenal do prestador de atividade uma taxa que denomina de “taxa de plataforma” no valor de € 1,85.
75. Por vezes os utilizadores finais, via plataforma, solicitam aos denominados utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma;
76. A Ré não impõe aos prestadores de serviço a aquisição obrigatória de mochila com a sua marca, nem proíbe que os mesmos prestadores realizem o serviço através da utilização de marcas dos seus concorrentes.
77. É possível executar a entrega sem a geolocalização ativada, emitindo a aplicação um aviso com a seguinte mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização»; e tendo o estafeta de recorrer a outros meios, diferentes dos normalmente usados para assinalar a chegada ao estabelecimento e a conclusão da entrega para poder receber o seu pagamento e obter novos pedidos.
78. Após maio de 2023,os clientes finais eram convidados a dar um feedback que, em princípio, não influênciava a oferta de novos pedidos.
79. Após este momento, a Ré consolidava a informação obtida dos clientes e tornava-a visível para o prestador da atividade.
80. Após maio de 2023,o prestador da atividade, dentro do horário de funcionamento entre as 10h e as 23h, pode ligar ou desligar em qualquer momento, não tendo que cumprir qualquer horário predefinido nem tendo de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade.
81. Antes de maio de 2023, o prestador de atividade tinha de escolher faixas horárias disponibilizadas pela ré, de acordo com uma prioridade atribuída por esta em função da notação numérica que esta lhe atribuía, podendo ligar-se nessas faixas horárias e noutras faixas horárias que viesse a selecionar caso outros estafetas não as utilizassem e ficando impedido de exercer atividade nessas faixas caso não se ligasse nesses períodos ou recusasse mais de dois pedidos, nessa slot horária. - alterado
82. Após maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade pode aceitar ou recusar os pedidos, sem penalização;
83. Antes de maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade podia aceitar ou recusar os pedidos, até ao limite de duas recusas diárias, sob pena de ficar impossibilitado de exercer atividade nessa faixa horária, podendo ligar-se nas restantes que tivesse selecionado. - alterado
84. A Ré permite a subcontratação da conta do prestador de atividade nos termos referidos de seguida.
85. O veículo e o telemóvel utilizados são do prestador da atividade.
86. O prestador da atividade suporta os custos da manutenção e reparação dos equipamentos utilizados no âmbito da sua atividade, suportando todos os custos relacionados com a sua atividade.
87. O prestador da atividade não utiliza um uniforme identificativo da Ré, podendo, como qualquer outra pessoa, comprar merchandising da Ré na sua loja on-line.
88. O prestador de atividade pode alterar o percurso e as rotas;
89. O prestador de atividade escolheu com que viatura executa as tarefas de entrega;
90. Mesmo depois de iniciada a prestação, enquanto não recolher a encomenda, o prestador de atividade pode optar por desistir da mesma livremente;
91. - eliminado
92. O valor da faturação é variável, em função das características de cada serviço e do número de serviços aceites pelo prestador de atividade;
93. Os termos e condições permite ao prestador de atividade exercer outras atividades, incluindo atividades de entrega para outras plataformas semelhantes ou diretamente para estabelecimentos, sendo que o prestador de atividade em causa trabalha a tempo inteiro numa fábrica e já fez serviços através de outra plataforma e subcontratar a sua conta nos termos a seguir indicados.
94. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, abrangendo designadamente os seguintes aspetos:
1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente disponibilizadas pela plataforma;
2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horas;
3)- eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa, com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas; - alterado
4)- introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1
95. Dos termos e condições relativos aos utilizadores estafetas consta, para além de tudo o mais, o seguinte:
«(…)
As Partes podem cessar os Serviços pelas seguintes razões:
1. Por vontade própria, em qualquer altura sem aviso prévio, salvo se acordado de outro modo por escrito.
2. Por violação de qualquer uma das obrigações previstas nos presentes Termos e Condições.
3. Em caso de impossibilidade de cumprir qualquer disposição dos presentes Termos e Condições.
4. O não cumprimento das Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros da A... e/ou de qualquer outra Política da A... aplicável a todos os Utilizadores da Plataforma.
5. Por violação da legislação local por parte do Estafeta que possa constituir uma violação do princípio de boa-fé entre as Partes.
6. Quaisquer outras circunstâncias resultantes em danos fiscais, de segurança social, financeiros, comerciais, organizacionais ou de reputação para a outra Parte ou um Terceiro, independentemente do montante ou dimensão do dano causado.
7. A utilização da Plataforma A... para fins abusivos ou fraudulentos suscetíveis de causar danos materiais e/ou imateriais a qualquer um dos Utilizadores da plataforma.
8. Em situações de força maior, de acordo com a cláusula 8.5 destes Termos e Condições.
(…)
1. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da A....
2. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da A....
3. Participar em atos ou conduta violentos.
(…)
Caso não cumpra qualquer um dos presentes Termos e Condições, a A... pode desativar a sua Conta, sem prejuízo de qualquer ação legal/ação que possa resultar de crimes, violações ou danos civis que possam ter sido causados.
(…)
5.4 Segurança dos Serviços e da Plataforma da A...
5.4.1 Em certos casos, por uma questão de prevenção de fraudes, poderá ter de apresentar prova da sua identidade e/ou, se aplicável nos termos da legislação local, dos seus substitutos ou subcontratantes para aceder ou utilizar os Serviços e aceita que lhe pode ser negado acesso aos Serviços e à utilização dos mesmos se você ou os seus substitutos ou subcontratantes recusarem fornecer essa prova de identidade. A A... pode também recorrer a terceiros fornecedores de serviços para efeitos de verificar a sua identidade ou a dos seus substitutos ou subcontratantes.
5.4.2 A A... pode, mas não é obrigada, monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A A... reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições.
5.4.3 A A... pode adotar essa ação sem aviso prévio feito a si ou a um terceiro. A eliminação ou desativação do acesso à sua Conta de Utilizador será a critério exclusivo da A... e não há qualquer obrigação de eliminar ou desativar o acesso em relação a Estafetas específicos.
(…)
5.7 Sistema de Reputação
O Estafeta terá uma Reputação associada ao seu perfil fácil de usar e consultar.
Este sistema é automático e é atualizado periodicamente à medida que os diferentes Utilizadores realizam transações na Plataforma A... e está sujeito às regras aí contidas e sobre as quais os Utilizadores são informados no presente documento e/ou na APP e/ou através dos canais de comunicação apropriados, para que o conheçam exaustivamente e o considerem útil.
O sistema baseia-se em dados objetivos, informação numérica e métricas fornecidas pelos Utilizadores da Plataforma e os clientes do Estafeta: Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais.
A A... não manipula ou intervém no processo de formação da Reputação, mas apenas consolida informação objetiva obtida dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais, beneficiários dos serviços do Estafeta
A A... não verifica a veracidade ou precisão dos comentários feitos por outros Utilizadores e não é responsável pelo que é expresso no sítio Web ou por outros meios, nomeadamente e-mail. Todas as informações fornecidas pelos Utilizadores serão incluídas no sítio Web sob a exclusiva responsabilidade do seu autor.
(…)
A geolocalização é uma informação importante e básica para a prestação do Serviço, porquanto serve apenas para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador Cliente da localização do Estafeta e, portanto, calcular o tempo de recolha ou entrega, mas que é também usada pela A... para a oferta de pedidos. A proximidade do ponto de recolha é um dos critérios utilizados no momento da oferta do pedido, pelo que, se não estiver ativada, a A... não poderá garantir que são oferecidos pedidos, ou que são razoáveis em termos do tempo previsto de recolha ou entrega.
Neste sentido, e sem prejuízo do sistema operativo do dispositivo do Estafeta que pede consentimento para o uso da geolocalização, a utilização desta informação é necessária para correta execução dos Termos e Condições.
Em todo o caso, o Estafeta pode desativar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma, embora a A... não use esta informação fora do âmbito da oferta de pedidos ou fora das horas em que o Estafeta está a usar a Plataforma.
De igual modo, é expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e concretização dos seus serviços e em nenhum caso a A... utilizará esses dados para fins de controlo do Estafeta.
Neste sentido, a geolocalização é meramente temporária e não de modo algum exaustiva.
A informação de geolocalização pode também ser usado para efeitos de faturação (a fim de obter informações relativas à quilometragem e despesas atribuíveis), bem como em relação à segurança rodoviária, antiterrorismo, branqueamento de capitais ou prevenção de crimes contra a segurança pública, caso no qual pode ser partilhada com as autoridades competentes que a solicitem (por exemplo, Forças do Estado, órgãos do poder executivo ou da polícia).
Em qualquer caso, uma vez que a A... apenas trata esta informação durante o tempo em que o Estafeta está a prestar serviços aos Utilizadores da Plataforma e em conformidade com as faixas horárias que escolheu, a informação comunicada a essas autoridades não terá impacto na esfera privada do Estafeta.
(…)
O utilizador da conta (doravante, o "Utilizador") não pode ceder ou subcontratar, total ou parcialmente, os direitos e obrigações decorrentes do uso da Plataforma sem comunicação prévia por escrito à A....
Para o efeito, o Utilizador informará a A... por escrito, e antes da celebração de qualquer acordo de subcontratação, da sua intenção de subcontratar a sua conta, a identidade da pessoa com quem irá subcontratar, juntamente com a sua autorização de prestação de serviços e fotografia, para que a A... tenha prova do subcontrato sem que tal notificação implique qualquer assunção de responsabilidade por parte da A..., O Utilizador assegura a idoneidade do subcontratado e a garantia do resultado dos serviços por ele prestados a terceiros.
A fim de proteger a integridade do uso da plataforma, a A... reserva o direito de rejeitar a possível subcontratação de utilizadores que tenham sido previamente desativados na plataforma por motivos técnicos ou relacionados a fraudes.
Em qualquer caso, o Utilizador deve estar registado nos Registos correspondentes e estar autorizado a prestar os serviços ou atividades sujeitas à subcontratação. O Utilizador será responsável por todas as obrigações e encargos fiscais e de Segurança Social aplicáveis à prestação dos seus serviços, quer pelos seus próprios meios, quer através de subcontratados, sem que a A... tenha qualquer responsabilidade por infrações a este respeito. O Utilizador será exclusivamente responsável por garantir que os subcontratantes cumpram sempre a legislação local no âmbito da prestação dos serviços de entrega.
A A... não intervém na relação contratual estabelecida entre o Utilizador e os seus subcontratados, pelo que o Utilizador será o único responsável, por sua conta e risco, que a modalidade contratual escolhida seja a ideal e que o contrato seja celebrado respeitando as disposições legais e de boa fé, não sendo necessário que o Utilizador ou os seus subcontratados apresentem qualquer documentação a este respeito à A....
A subcontratação será realizada através da utilização de uma única conta detida pelo Utilizador. Através da possibilidade de subcontratação, o Utilizador nomeia substitutos que poderão realizar a prestação de serviços em seu nome, podendo a conta ser utilizada por apenas uma pessoa de cada vez e ao mesmo tempo.
O Utilizador será responsável pelas violações dos Termos e Condições da plataforma por parte da(s) pessoa(s) subcontratada(s), bem como pela correta utilização da plataforma.
Os atos, erros ou violações dos Termos e Condições da plataforma por parte de qualquer subcontratado não serão atribuíveis, em caso algum, à A..., que poderá redirecionar a responsabilidade ao Utilizador caso alguma violação por parte do Utilizador ou subcontratado lhe for imputada.
O Utilizador será responsável pelas obrigações dos subcontratados, mesmo no caso de notificação à A.... Da mesma forma, o Utilizador isentará a A... de quaisquer danos que a A... possa sofrer direta ou indiretamente devido às ações dos referidos subcontratados.
Os valores provenientes da prestação dos serviços executados pelos subcontratados, pagos pelos clientes e estabelecimentos, utilizadores da plataforma, serão transferidos para o Utilizador, assumindo este a responsabilidade de gerir o pagamento dos referidos valores junto da(s) pessoa(s) subcontratada(s).
Desde que os requisitos acima sejam cumpridos, a pessoa subcontratada terá o mesmo acesso à cobertura de seguro de acidentes pessoais e responsabilidade civil que o titular da conta durante o tempo em que utilizar a plataforma. Estes seguros não excluem nem substituem os seguros obrigatórios pelo Utilizador ou pelo(s) seu(s) subcontratante(s) de acordo com a legislação aplicável.
O Utilizador será o único responsável pelo pagamento da taxa de utilização da plataforma da conta.
(…)».
«1. A prestação de atividade do prestador de atividade em causa nestes autos era efetuada online e numa localização determinada onde tinha de ficar a aguardar pedidos.
2. Através de uma gestão algorítmica, a plataforma atribui mais trabalho aos estafetas que mais tempo estão “ligados” à plataforma e que mais aceitam pedidos e menos aos que se “desligam” da plataforma e mais rejeitam os pedidos.
3. Se o prestador de atividade ficar doente, tem como instruções de trabalho, requerer baixa médica pelo SNS e deve submeter na plataforma o documento em referência.
4. A ré através da aplicação aplicava sanções ao trabalhador, sancionando-o por uma pluralidade de condutas diferentes, como por exemplo: atrasos, ausências, más avaliações, períodos de indisponibilidade.
5. A ré determina as características do telemóvel pessoal e do meio de transporte.
6. A Ré presta meramente serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma.
7. Por vezes os próprios utilizadores estabelecimentos comerciais, recebendo pedidos via plataforma e continuando obrigados ao pagamento da respetiva taxa de acesso, optam por recorrer aos seus próprios serviços de entrega, sem se conectar, via aplicação, com os utilizadores prestadores dos serviços;
8. Por vezes o utilizador final, através da plataforma, dirige pedidos aos estabelecimentos comerciais e usar a opção “take away”, sem fazer qualquer uso dos prestadores de serviços de entrega registados na plataforma;
9. Por vezes os prestador de atividade em causa nos presentes autos aceita e executa pedidos provenientes de outras plataformas, ou subcontrata os seus serviços a outros utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem alterar os termos da relação com os utilizadores estabelecimentos comerciais e a plataforma.
10. O controlo biométrico, através do reconhecimento facial, é feito para a autenticação, por ser mais fácil fazer a autenticação através de reconhecimento facial, do que obrigar o prestador da atividade a retirar as luvas e digitar o código pessoal.»
Importa começar a apreciação do recurso pelas questões atinentes à matéria de facto.
Para o efeito, socorremo-nos do que já foi decidido neste Tribunal, no processo n.º 4407/23.7T8OAZ.P1, em Acórdão de 16/06/2025, lavrado pela ali 1.ª Adjunta, Desembargadora Teresa Sá Lopes, por vencimento do Relator, Desembargador Nelson Fernandes, aqui 2.º Adjunto e em que a aqui relatora interveio como 2.ª adjunta, subscrevendo a posição que fez vencimento.
Realça-se que em tal Acórdão foi mantida a posição do Relator vencido relativamente a grande parte da impugnação da matéria de facto, limitando-se, nesta parte, a divergência aos pontos 3.º, 16.º, 19.º, 30.º e 48.º, conforme resulta do voto de vencido nele lavrado.
Refere-se tal Acórdão a processo intentado pelo Ministério Público contra a aqui ré, cujo julgamento e consequentemente a produção de prova, decorreram em conjunto com o dos autos, em que a matéria de facto e respetiva fundamentação apenas divergem das dos autos no que respeita à identificação do “estafeta”, e em que as alegações da ali recorrente são exatamente as mesmas que as apresentadas nos presentes autos.
Por isso, ainda que com referência ao “estafeta” visado nos autos, AA, incluindo ao seu depoimento (ao qual se devem entender feitas as menções do acórdão supra identificado, ao depoimento do estafeta BB sem indicação em contrário, por serem no mesmo sentido as declarações do referido AA), não se encontrando motivo para decidir de forma diversa, limitar-nos-emos, com as exceções que identificaremos, a transcrever o que ali se disse, e que responde de forma cabal às pretensões deduzidas pela recorrente nos presentes autos e que foi o seguinte:
«1.1. Considerações prévias
Dispondo o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, aí se abrangem, desde logo, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente, mas também, esclareça-se, quando se imponha intervenção oficiosa pelo Tribunal superior.
Nesse considerando, porque a intervenção incide sobre uma decisão anterior proferida em 1.ª instância, assume para tal efeito relevância que, aquando da reapreciação e análise pelo Tribunal da Relação, este não se depare com obstáculos que essa possam impedir, importando esclarecer que, nesse âmbito, é a própria lei prevê expressamente os casos em que, mesmo oficiosamente, possa ocorrer intervenção, assim nomeadamente nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 662.º antes mencionado: “2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.”
As considerações que antes fizemos prendem-se, ainda pois dentro do regime estabelecido no artigo 662.º do CPC, com a circunstância de, no caso, considerarmos que a tarefa deste Tribunal de recurso está de algum modo dificultada, já que, importando verificar o modo como foi firmada a convicção em 1.ª instância, como ainda os meios de prova a que aí se atendeu para essa formação, constata-se que, em face da motivação avançada na sentença quanto à matéria de facto, aquele Tribunal, se bem o entendemos, começa por referir que teria dividido a matéria (de facto) em dois grupos, um a que chamou de “informações gerais”, e outro de “informação específica”, sendo que, quanto ao primeiro grupo, sem que aliás tenha justificado qual o fundamento ou norma legal que lhe daria sustentação (desde logo, sequer foi determinada a apensação dos processos), evidencia-se que teria atendido, para a formação da sua convicção, não só à prova produzida que foi indicada nos presentes autos e sim, também, nos demais processos cujo julgamento determinou que fosse realizado, conjuntamente, na mesma data.
O que antes mencionámos é evidenciado na motivação que se fez constar, quando consta designadamente o seguinte:
«O Tribunal formou a sua convicção sobre os factos provados e não provados com base na conjugação dos depoimentos prestados com a documentação apresentada, mais concretamente nos seguintes elementos probatórios:
De uma forma geral, todos os inspetores, incluindo o que depôs no âmbito dos presentes autos, declararam como fonte do seu conhecimento um conjunto de informações transmitidas pelos serviços centrais que foram fornecidas pela ré, a que acrescentaram as informações que recolheram junto dos estafetas, diretamente e através de troca de impressões com outros inspetores que fizeram o mesmo trabalho.
Existe assim um conjunto de informações gerais, sobre o modo de funcionamento da plataforma, bem como informações específicas relativas a cada estafeta.
No que se refere à informação específica e ao modo como a atividade era desenvolvida em concreto por cada estafeta, entendemos que a informação transmitida pelo(a) inspetor(a) do trabalho deve ser complementada pelo próprio estafeta, para podermos afirmar mais concretamente aquilo que se passava, ao longo do tempo, com o prestador de atividade.
Isso significa que, não havendo informação específica fornecida aos autos, em audiência de julgamento, pelo(a) próprio(a) estafeta, então entendemos que apenas podemos considerar provada factualidade genérica, sem fazer qualquer afirmação relativamente ao estafeta em concreto e devem entender-se os factos alegados, para além de algumas considerações mais genéricas relativas à plataforma, designadamente quando se refere ao estafeta ou ao prestador de atividade, como se referindo àquele estafeta ou prestador de atividade concreta.
Havendo informação prestada ao tribunal pelo estafeta em concreto, devemos considerar a factualidade provada com base nessa informação como fonte principal, ainda que complementada pelo depoimento do(a) inspetor(a) do trabalho e dos elementos documentais anexos à participação. (…)»
Não obstante, na medida em que nada o impeça (se assim for então o diremos), de seguida procederemos à apreciação do recurso no âmbito da impugnação da matéria de facto, incluindo, a ser esse o caso, intervindo oficiosamente, como melhor esclareceremos infra.
Com o referido objetivo, porque a reapreciação da matéria de facto foi suscitada no presente recurso, importando, então, verificar se foi dado cumprimento aos ónus legais estabelecidos na lei, assim desde logo no artigo 640.º do CPC, constata-se que, apesar da manifesta prolixidade que se manteve nas conclusões (após o convite ao respetivo aperfeiçoamento), entendemos que tais ónus resultam suficientemente cumpridos.
Avançando-se na análise, uma outra questão nos é colocada, de resto pela própria Recorrente já que a tal regime faz apelo ao longo de várias das suas conclusões, questão essa relacionada com os poderes que entendemos serem atribuídos ao Tribunal da Relação de intervenção oficiosa, que passam, nomeadamente, por verificar se na decisão da matéria de facto apenas foram contemplados factos e não já matéria meramente conclusiva ou contendo juízos de valor, em particular quando esses envolvem já a aplicação do direito.
É que, neste âmbito, como há muito ensinava Alberto dos Reis, a prova “só pode ter por objeto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é atividade estranha e superior à simples atividade instrutória”[1]. Manuel de Andrade, por sua vez, sem deixar de afastar o Direito – ou dizer, juízos de direito – não deixava também de considerar como passível de constituir objeto de prova “tanto os factos do mundo exterior, como os da vida psíquica”, “tanto os factos reais (….) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes; vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou de conversão de negócios jurídicos, etc)», «Tanto os factos nus e crus (….) como os juízos de facto (….)”[2]. Também Anselmo de Castro referia que “toda a norma pressupõe uma situação da vida que se destina a reger, mas que não define senão tipicamente nos seus caracteres mais gerais”, como ainda que “a aplicação da norma pressupõe, assim, primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, que possam enquadrar-se na hipótese legal”, sendo “esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência” que “constituem, respetivamente, o facto e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto” – acrescentando de seguida: “E, segundo, um juízo destinado a determinar se os factos em concreto averiguados cabem ou não efetivamente na situação querida pela norma, típica e abstratamente nela descrita pelos seus caracteres gerais – juízo este já jurídico (o chamado juízo de qualificação ou subsunção), visto pressupor necessariamente interpretação da lei, isto é, do âmbito ou alcance da previsão normativa. Só por este seu diverso conteúdo, facto e direito, juízo de facto e de direito, se distinguem, pois não diferem em estrutura. Para o efeito é indiferente a natureza do facto: são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos. Do conteúdo que deve revestir decidirá apenas a norma legal. Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que a ele possa ou não chegar-se diretamente, ou somente através de regras gerais e abstratas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regras da experiência). Raros, aliás, são os casos em que o conhecimento do facto dispense esses juízos e possa fazer-se apenas na base de puras perceções.”[3]
Não obstante, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2015[4], importará esclarecer que “A meio caminho entre os puros factos e as questões de direito situam-se os juízos de valor sobre matéria de facto, nos quais deverá distinguir-se entre aqueles para cuja formulação se há-de recorrer a simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, e aqueles cuja emissão apela essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista”.
Por assumirem tal natureza, mesmo em sede de recurso, no âmbito dos poderes da Relação no que diz respeito à apreciação da matéria de facto, acentuados com a reforma de 2013 do CPC (artigo 662.º), não obstante a revogação com a mesma reforma do anterior artigo 646.º, em que se previa que no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito – solução que como é entendimento doutrinário e jurisprudencial se aplica, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem[5] –, deve continuar a entender-se, como se afirma entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2014[6], que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual.
Estando em causa a questão de saber qual a distinção entre matéria de facto e de direito, uma das mais controversas da doutrina processualista e que mais problemas de fronteira coloca, escreve-se no citado Acórdão a esse respeito[7]:
“O problema da distinção entre questões de facto e de direito tem sido tratado principalmente a propósito da linha de demarcação entre a competência dos tribunais de instância e a competência do Supremo Tribunal de Justiça, a qual está restringida a matéria de direito.
(...) Segundo Karl Larenz, a “questão de facto” reporta-se ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica.
Existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos.
Há que partir, portanto, da unidade do caso jurídico decidendo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos.
Contudo, a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos. Continua o autor, afirmando que «tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória».
Se na resposta a determinado quesito houver matéria de facto e matéria de direito, deve aproveitar-se a decisão na parte relativa à primeira e considerar-se não escrita na parte relativa à segunda.
Tem-se entendido, na jurisprudência e na doutrina, que as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados.
Para Teixeira de Sousa, «A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. STJ – 13/12/1983, BMJ 332, 437).
Abrantes Geraldes defende que “devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem”.
Em consequência, devem ser eliminadas da matéria de facto, quer a matéria de direito, quer a conclusão de facto ou expressões conclusivas que traduzam juízos de valor e que excedam a resposta de facto.
Os juízos ou conclusões de facto situam-se numa zona intermédia entre os puros factos e as questões de direito e encontram-se incluídos na legislação como parte integrante da hipótese legal de numerosas normas jurídicas, podendo nuns casos aproximarem-se mais de uma questão de facto e noutros de uma questão de direito.
Como se tem defendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal, «A linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta. A nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-09-1997, Processo n.º 151/97, Relator: Conselheiro Sousa Inês). O que num caso pode ser facto ou juízo de facto, noutro pode ser juízo de direito.
A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso o facto conclusivo deve ser havido como não escrito, nos termos do art. 646.º, n.º 4 do CPC. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito.”
Sobre a mesma questão podem ver-se também, de entre outros, os Acórdãos do mesmo Tribunal de 29 de Abril de 2015, 28 de Janeiro de 2016 e 15 de setembro de 2016[8], reafirmando-se neste último que, “pese embora não se encontrar no Novo CPC preceito legal que corresponda ao art. 646º, nº 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas “como não escritas”, actualmente o Juiz não fica dispensado de efectuar “o cruzamento entre a matéria de facto e de direito”, evitando formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam directamente ao objecto da acção.”
Depois das considerações anteriores, a que importará atender como dito, de seguida passaremos à apreciação:
1.2. Apreciação
Pontos 3.º e 42.º, provados, e aditamento de factos
Defende a Recorrente que os pontos 3.º e 42.º devem ser considerados não provados, por conterem matéria genérica e conclusiva, a qual está, sobretudo, em contradição com a matéria constante dos pontos 30, 38, 70 a 73 dos factos provados, a que acresce, diz, resultar da prova produzida, testemunhal e documental, que presta serviços tecnológicos de intermediação, que não vende os produtos / bens / serviços que os utilizadores estabelecimentos possam vender aos outros utilizadores e também não transporta esses bens, se isso for solicitado pelos utilizadores clientes, a estes – presta serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma, serviços esses pelos quais recebe os pagamentos das diferentes taxas provenientes desses utilizadores, incluindo dos prestadores de atividade estafetas, sendo todos os utilizadores seus clientes. Caso não se entenda considerar como não provados os pontos 3 e 42, devem esses passar a ter a seguinte redação única: “Os clientes da Ré são os utilizadores clientes/consumidores, os estabelecimentos aderentes/parceiros e os utilizadores estafetas/prestadores de serviço, pagando, respetivamente, uma taxa à Ré pelos serviços de intermediação tecnológica por esta prestados”.
Por outro lado, sustenta que deve considerar-se provada a seguinte matéria da contestação e considerada não provada (onde se inclui o ponto 8 dos Factos Não Provados da Sentença, que deve ser considerado provado):
121. A Ré é uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais locais oferecem os seus produtos através de uma aplicação móvel ou da Web; e, acessoriamente, quando apropriado e se solicitado pelo utilizador cliente dos referidos estabelecimentos comerciais através da aplicação, atua como intermediária na entrega imediata dos produtos.
122. A principal atividade da Ré inclui a intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma: utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes, por exemplo); utilizadores estafetas; e utilizadores clientes. Ademais, tal atividade inclui a intermediação dos processos de recolha e/ou pagamento e a intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva entrega, em nome do utilizador cliente e dos estabelecimentos comerciais.
132. Com efeito, a Ré presta meramente serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma – serviços esses pelos quais a Ré recebe os pagamentos das diferentes taxas provenientes desses utilizadores, identificadas em baixo:
− Os estabelecimentos comerciais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Parceria”);
− Os utilizadores prestadores de serviços pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”);
− Os utilizadores clientes finais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Serviço”).
133. As designações destas “taxas” são uma questão meramente indicativa e de harmonização técnica – e de forma a facilitar a compreensão pelo utilizador –, dado que, em última análise, todas elas visam remunerar a plataforma pelo acesso aos serviços tecnológicos que a mesma proporciona aos diferentes perfis de utilizadores.
134. Esclarece-se, ainda, que a Ré também não recebe o pagamento do utilizador final devido pelo serviço do prestador de serviços de entrega, atuando a Ré, através de um prestador autorizado de serviços de pagamento, como um mero agente intermediário nos pagamentos entre utilizadores finais, estabelecimentos comerciais e estafetas e transferindo na sua totalidade o montante pago a título de serviços de entrega para os utilizadores prestadores desses serviços.
135. A Ré não é uma plataforma de restaurantes, nem uma plataforma de serviços de entrega, mas uma plataforma de intermediação aberta inclusive a diferentes possibilidades de utilização e prestação de serviços bilaterais:
(…)
- Frequentemente, são os utilizadores finais que, via plataforma, solicitam os utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma;
- Frequentemente, ainda, o utilizador final pode, através da plataforma, dirigir pedidos aos estabelecimentos comerciais e usar a opção “take away”, sem fazer qualquer uso dos prestadores de serviços de entrega registados na plataforma;
- Frequentemente, por fim, são os utilizadores prestadores de serviços de entrega que aceitam e executam os pedidos provenientes de outras plataformas, ou subcontratam os seus serviços a outros utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem alterar os termos da relação com os utilizadores estabelecimentos comerciais e a plataforma.
136. A Ré não é, pois, uma plataforma de organização do trabalho, próprio ou de terceiros, mas uma plataforma tecnológica de utilização livre, flexível e multifacetada, cujo modelo de negócio depende, justamente, da sua capacidade de, através de uma aplicação moderna e acessível, aproximar de forma eficiente prestadores de bens, de serviços e clientes finais, facilitando múltiplas transações possíveis entre eles.
Socorrendo-nos do corpo das alegações, indica como prova o que diz resultar dos Termos Gerais de Utilização e Contratação juntos ao autos, bem como dos depoimentos prestados por CC e BB, transcrevendo e localizando no registo de gravação o que aparenta serem passagens.
Por sua vez, pugna o Apelado, nas contra-alegações, pela adequação do julgado, sustentando designadamente que não se trata ainda de matéria conclusiva, como também que obtém suporte na prova.
Apreciando, desde já se dirá que o conteúdo dos pontos em reanálise não se traduz propriamente em factos e sim, salvo o devido respeito, em expressões de natureza conclusiva e valorativa, desde logo quando se utiliza a qualificação como sendo clientes da plataforma os consumidores finais ou os “estabelecimentos aderentes/parceiros”, mas também, ainda, quando consta que é a plataforma “que contacta com o mercado” ou que “disponibiliza toda a rede de suporte para o desenvolvimento da atividade”, pois que, resultando de outros factos provados o modo como se processa a atividade (vejam-se, para além de outros, os pontos 66.º a 70.º), em particular mediante a utilização dos serviços da plataforma,, pelos vários utilizadores, serão esses os elementos que se assumem com a natureza de facto, nos termos que antes mencionámos, e já não, pois, meros qualificativos que, encerrando já juízos de valor, acabam afinal por poder assumir relevância mesmo no âmbito da aplicação do direito quanto à questão objeto da ação, assim da qualificação da relação laboral.
As considerações que antes fizemos são afinal diretamente aplicáveis a parte considerável da matéria que a Recorrente defende, nos termos antes ditos, que deveria ser aditada, assim por referência aos artigos da contestação que indica, na parte em que se traduz em mera qualificação da Ré como intermediária, sendo que, a esse respeito, a assumir qualquer relevância, sempre se dirá que, saber se assim será ou não, se tratará já tarefa a realizar pelo Tribunal mais tarde, assim aquando da apreciação do mérito.
Na leitura possível de espelhar a conclusão que a Ré alega de ser tão só uma “plataforma de intermediação” e de os estafetas serem também “clientes da Ré”, a utilização da plataforma feita por estabelecimentos/parceiros e consumidores/clientes da Ré não deve ser equiparada à utilização da mesma feita pelos estafetas, decorrendo os termos da especifica utilização efetuada por estes últimos de outros itens da factualidade provada, nomeadamente, dos itens 63º e 69º.
O valor pago ao estafeta decorre do item 17.º da factualidade provada e o que a Ré deduz na fatura quinzenal do prestador de atividade decorre do item 74.º- uma taxa que denomina de “taxa de plataforma” no valor de € 1,85.
Deste modo, restará incluída neste item a matéria de facto de que os serviços mencionados no item 2.º provado (“No âmbito da sua atividade, a Ré disponibiliza serviços à distância através de meios eletrónicos, nomeadamente através do sítio da internet e da aplicação informática (app) pertencente à Plataforma A...App a pedido de utilizadores”) são utilizados pelos consumidores e estabelecimentos aderentes, como ainda o que a Ré recebe pelos serviços disponibilizados aos mesmos, matéria alegada na contestação e com sustentação na prova indicada, incluindo os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas, nas passagens transcritas pela Apelante, em sede do presente recurso.
Do exposto resulta que, eliminando-se o ponto 42.º provado, se nos impõe também determinar a alteração da redação do ponto 3.º, provado, para o seguinte:
3. Os serviços mencionados no ponto 2.º podem ser utilizados pelos consumidores e estabelecimentos aderentes, estabelecendo a Ré, por referência a cada um, como contrapartida, o pagamento de uma taxa fixa pelo acesso e/ou utilização.
Por sua vez, quanto ao pretendido aditamento de factos, consideramos que não se justifica tal aditamento, em face do que já resulta de vários pontos que constam da factualidade provada, assim, para além do mais, os pontos 70.º e seguintes.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
Ponto 4.º, provado:
Este ponto (“4. A prestação dos serviços envolve, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado pelos prestadores de atividade, neste caso BB, a troco de pagamento, sob termos e condições de um modelo de negócio e sob a marca “A...”) contém efetivamente, tal como o invoca a Recorrente, conteúdo conclusivo / valorativo, com utilizações de expressões que envolvem já a aplicação da lei e do direito, como ainda genéricas e sem a mínima concretização, assim, desde logo, quando se afirma que “a prestação dos serviços envolve, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado pelos prestadores de atividade, neste caso BB”, sendo que, salvo o devido respeito, para a formulação desse juízo, importaria também saber em que factos concretos se sustentaria a afirmação de que estaremos, ou não, perante uma “organização de trabalho prestado pelos prestadores de atividade”, como ainda que essa fosse ou não necessária e essencial.
Em face do exposto, elimina-se este ponto do elenco factual provado.
Ponto 5.º, provado:
“5. Os resultados da plataforma não pertenciam ao prestador, mas sim à plataforma que recebe os valores dos clientes.”
Sustenta a recorrente que este ponto deve passar a ter como redação:
“5. Os resultados da plataforma não pertencem ao prestador de atividade nem aos estabelecimentos comerciais.
Os resultados do prestador de atividade e dos estabelecimentos comerciais não pertencem à plataforma.
Os valores que os utilizadores clientes porventura paguem através da plataforma, pertencerão e corresponderão aos resultados da parte respetiva:
i) Aos estabelecimentos comerciais, se forem adquiridos bens / serviços a estes – “preço dos produtos e/ou serviços”;
ii) Aos estafetas, se lhes foi solicitado pelo utilizador cliente a execução de um serviço de entrega – “taxa de serviço”; e
iii) À Recorrente, pela utilização da aplicação e tecnologia de intermediação – “taxa de utilização”
Pugnando o Apelado pela manutenção do julgado, cumprindo-nos pronúncia, chamando mais uma vez à aplicação as considerações que antes fizemos a respeita do que deve integrar ou não a pronúncia em sede de matéria de facto, sem dúvidas que o conteúdo do analisado ponto se traduz na pura utilização de expressões conclusivas, pois que se refere apenas a resultados da plataforma, sem que se refira quais (importará perguntar quais serão esses então), para se concluir, de seguida, que esses não pertencerão “ao prestador, mas sim à plataforma que recebe os valores dos clientes”. De resto, por referência ao que consta de outros pontos da matéria de facto provada, a respeito do que serão resultados, será caso para questionar se esses também não serão aplicáveis aos utilizadores da plataforma, em face dos fins visados. O mesmo se aplica, esclareça-se, afastando-a, à redação que é oferecida pela Recorrente.
Elimina-se, assim, o analisado ponto 5.º, da factualidade provada.
Ponto 6.º, provado:
O que antes referimos é também claramente aplicável a este ponto, pois que se traduz em mera conclusão, aliás pela negativa, que de resto envolve a aplicação da lei e do direito (assim sobre saber em que se traduzirá a posse de “uma organização empresarial própria), razão pela qual se determina também a sua eliminação.
Pontos 7.º e 14.º, provados:
“7. O prestador de atividade prestava a sua atividade a clientes que solicitavam entrega de produtos à ré, sendo a plataforma que estabelece todos os aspetos relativos à recolha e entrega dos produtos e ao respetivo preço”.
“14. Incumbia-lhe distribuir e entregar produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da “A...”, encontrando-se naquele momento a executar um pedido.
Sustenta a Recorrente que a matéria constante destes pontos «contém “factos” ou considerações / afirmações conclusivas que não podem integrar a matéria de facto porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum – existência ou não de um contrato de trabalho – e impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor» Mais, diz, inexiste qualquer prova produzida nos autos que sustente a factualidade dos referidos pontos, estando ainda contraditado “pelos pontos 72, 73 e 75 dos Factos Provados”.
Ora, bastando para o efeito atender ao que se fez constar de outros pontos da factualidade, assim desde logo os mencionados pela Recorrente, para se extrair, de modo bastante, em termos factuais, o modo como seria desenvolvida a atividade, no que se refere à solicitação de entrega de produtos por clientes, mas também, quanto ao preço, para além do que resulta dos pontos 17.º, 23.º e 73.º (provados e não impugnados no presente recurso), como ainda em face do que resulta da prova, que de modo algum se pode extrair que seria a Ré a estabelecer todos os aspetos relativos ao preço dos produtos, pois que, salvo o devido respeito, o que essa define, que possa estar envolvido no preço a pagar pelo cliente final, resultará do conteúdo do ponto 17.º provado, não impugnado neste recurso, que não abrange, desde logo, o preço que os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes, fixariam para os produtos que forneciam.
Daí que se imponha eliminar o ponto 7.º da factualidade provada.
Por sua vez, quanto ao ponto 14.º, impõe-se apenas retirar a expressão inicial “incumbia-lhe”, pois que traduz uma ideia de determinação por outrem, quando resulta, afinal, da factualidade provada:
- “A partir de maio de 2023, os estafetas passaram a poder ligar-se e desligar-se da plataforma de acordo com a sua escolha, desde que dentro do horário de funcionamento da plataforma, que na zona de São João da Madeira ocorre entre as 10h e as 23h.” (ponto 57.º, provado);
- “Após maio de 2023, o prestador da atividade, dentro do horário de funcionamento entre as 10h e as 23h, pode ligar ou desligar em qualquer momento, não tendo que cumprir qualquer horário predefinido nem tendo de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade. Antes de maio de 2023, o prestador de atividade tinha de escolher faixas horárias definidas pela ré, de acordo com uma prioridade atribuída por esta em função da notação numérica que esta lhe atribuía, só podendo ligar-se nessas faixas horárias e ficando impedido de exercer atividade nessas faixas caso não se ligasse nesses períodos ou recusasse mais de dois pedidos. Após maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade pode aceitar ou recusar os pedidos, sem penalização; Antes de maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade podia aceitar ou recusar os pedidos, até ao limite de duas recusas diárias, sob pena de ficar impossibilitado de exercer atividade nessa faixa horária e na seguinte; (pontos 80.º a 83.º, provados).
Em conformidade, este ponto passa a ter a seguinte redação:
14. O prestador de atividade entregava produtos alimentares adquiridos por terceiros mediante a utilização da plataforma eletrónica da A..., encontrando-se naquele momento a executar um pedido.
Ponto 8.º, provado:
“8. As condições contratuais ao abrigo das quais o prestador de atividade prestava os seus serviços eram ditadas pela plataforma e aceites pelo prestador de atividade.”
Sustenta a Ré que este ponto contém “factos” ou considerações / afirmações conclusivas que não podem integrar a matéria de facto porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum – existência ou não de um contrato de trabalho - e impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor, o que sucede no caso em apreço”. Mais refere que deve ter-se como não provado, por estar em contradição com os Termos e Condições juntos aos autos e os pontos 75, 76, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 92 93 da matéria de Facto Provada, dos quais resulta evidente que os prestadores de atividade têm liberdade para definir onde, como, quando e a quem é que pretendem prestar serviços de entregas propostas através da aplicação, bem como quais os itinerários a efetuar e utilizando material de merchandising alusivo a marcas concorrentes, bem como aplicações. Ainda, diz, em termos de prova por declarações, o que resultou dos depoimentos de CC e BB, transcrevendo e localizando no registo de gravação, as respetivas passagens.
Pugna o Ministério Público pela adequação do julgado, fazendo apelo ao que diz resultar dos “termos gerais de utilização e contratação” e “termos e condições de utilização da plataforma A... para estafetas”, mais acrescentando que “todas as testemunhas descreveram…”, sem que, porém, em cumprimento dos ónus legais, se tenha identificado qualquer testemunha, como ainda passagens de depoimentos prestados com a respetiva localização no registo de gravação.
Apreciando, não poderemos deixar de considerar, mais uma vez, que o conteúdo deste ponto não deixa de envolver um juízo ou conclusão, ao limitar-se a dizer-se que as condições contratuais ao abrigo das quais o prestador de atividade prestava os seus serviços eram ditadas pela plataforma e aceites pelo prestador de atividade, pois que, desde logo, não se referem quais seriam essas condições e em que se traduziria a sua aceitação, quando, importa dizê-lo, se fizeram constar, de prontos da factualidade provada, mesmo que apenas quanto aos que não são impugnados no presente recurso, desde logo, vários e abundantes elementos com base nos quais se poderá, ou não, chegar a essa conclusão, mas posteriormente, assim aquando da aplicação do direito.
Em face do exposto, elimina-se este ponto da factualidade provada.
Pontos 9.º, 10.º e 35.º, provados:
9. O prestador de atividade não podia realizar a sua tarefa se estivesse desligado da plataforma.
10. O serviço de entrega é concebido e organizado pela plataforma de forma a providenciar um serviço estandardizado aos clientes.
35. Para o desempenho da atividade o prestador de serviço, através da plataforma da ré, fica dependente da utilização da aplicação digital “app A... Couriers”, que descarregou e instalou no seu telemóvel.
Defende a Ré que, para além de conterem matéria conclusiva e de direito, que integra o thema decidendum, não podendo integrar a matéria de facto provada da sentença, estes pontos devem também ser considerados não provados, em face do que resulta “dos Termos e Condições (ponto 1 e 4)” e do depoimento das testemunhas CC, BB e DD, localizando, no registo de gravação, as respetivas passagens.
Pugna o Ministério Público, por sua vez, pela adequação do julgado.
Apreciando, desde já diremos que também consideramos ser de eliminar o conteúdo do ponto 10.º, pelas razões que antes dissemos a respeito da utilização, que também aqui se fez, de expressões meramente conclusivas, como o são o dizer, sem que resulte menção aos factos que lhe dariam suporte, que o serviço de entrega é concebido e organizado pela plataforma de forma a providenciar um serviço estandardizado aos clientes.
Por sua vez, visto o teor do ponto 9.º, o mesmo acaba por traduzir, mas pela negativa, o que consta do ponto 35.º, sendo que, porém, mesmo quanto ao que resulta deste, acaba afinal por sequer se justificar a sua manutenção na factualidade provada, pois que, assim o entendemos, trata-se de matéria que já consta de outros pontos da matéria de facto, assim, mesmo considerando-se apenas aqueles que não foram objeto de recurso pela Ré, o que consta os pontos 63.º e 69.º (63. A Ré tem uma plataforma que se serve de um programa informático que atribui os pedidos em função de diversos critérios, não podendo o prestador de atividade exercer atividade através da ré sem utilizar esta aplicação ou o sítio da ré na internet. 69. Para o efeito, o prestador de atividade utiliza a aplicação informática da ré que descarregou e instalou no seu telemóvel.).
Determina-se, pois, a eliminação dos pontos 9.º, 10.º e 35.º da factualidade provada.
Ponto 11.º, provado:
“11. A prestação de atividade de BB era efetuada numa localização determinada traduzida na zona da cidade de São João da Madeira, que abrangia áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente) que lhe eram indicados pela ré.”
Sustenta a Recorrente, mais uma vez, que a matéria do ponto «contém “factos” ou considerações / afirmações conclusivas que não podem integrar a matéria de facto porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum. Ainda, para defender a respetiva não prova, que este ponto está em contradição com os pontos 77 e 78 provados e com o depoimento das testemunhas CC e BB, transcrevendo e localizando passagens.
Pugnado o Recorrido pela adequação do julgado, cumprindo-nos apreciar, importa deixar claro que, não obstante a matéria deste ponto envolver também em si mesma uma conclusão, assim quando se afirma que a prestação de atividade de BB era efetuada numa localização determinada traduzida na zona da cidade de São João da Madeira, que abrangia áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente), ainda assim, nessa parte, até porque resulta afinal concretizada através de outros pontos da factualidade (vejam-se designadamente, apenas considerando os que não foram impugnados no presente recurso, os pontos 44.º a 33.º, 58.º e 68.º), afigura-se-nos ser manter nessa parte o facto (melhor dizendo, juízo de facto), sendo que, porém, a afirmação de que os locais lhe seriam indicados pela Ré, importando ser rigoroso, tanto mais que tal consta da factualidade (veja-se o ponto 54.º: “Através de gestão algorítmica, entre outros critérios, a plataforma distribui o serviço ao estafeta que estiver mais perto do ponto de recolha”), os locais são indicados na plataforma.
Nos termos expostos, este ponto passa a ter a seguinte redação:
“11. A prestação de atividade de BB era efetuada na zona da cidade de São João da Madeira, que abrangia as áreas de Santa Maria da Feira e de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente), que lhe eram indicados na plataforma A...App.”
Ponto 13.º, provado:
13. O prestador de atividade registou-se na aplicação da ré e acordou com a Ré, ao aceitar os seus termos e condições, que, através da aplicação acima referida, iria prestar atividade como estafeta seguindo os termos que a mesma lhe indicasse;
Sustenta a Ré que este ponto «contém “factos” ou considerações / afirmações conclusivas que não podem integrar a matéria de facto porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum – existência ou não de um contrato de trabalho - e impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor”. Mais refere que está em contradição direta com os pontos 33, 78 e 88 dos Factos Provados da Sentença”. Por último, diz, resulta infirmado no depoimento de BB, localizando, no registo de gravação, a respetiva passagem.
Pugnado o Recorrido pela adequação do julgado, constata-se, mais uma vez, que estamos perante matéria meramente conclusiva, que de resto, dada a forma como foi exposta, pode assumir relevância no momento da aplicação do direito, assim o saber se os factos ocorridos, assim o modo como a Ré gere a plataforma, as condições da utilização e o registo do prestador da atividade se podem qualificar como acordo, no sentido de que “iria prestar atividade como estafeta seguindo os termos que a mesma lhe indicasse”.
Elimina-se, assim, também este ponto.
Ponto 15.º, provado:
15. A ré, através da sua plataforma digital, fixava o preço de cada entrega a efetuar, podendo o prestador de atividade apenas recusar a proposta caso não aceitasse esse preço;
Quanto a este ponto, sustenta a Ré que “deve ser considerado não provado, por estar em contradição com os “pontos 17, 57, 58, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 92 e 93 da própria matéria de Facto Provada da Sentença”. Refere, também, que resulta infirmado nos depoimentos de CC e BB, transcrevendo nas alegações, localizando no registo de gravação, passagens.
Pronunciando-se o Autor pela manutenção do julgado, desde já diremos que, de facto, a redação deste ponto, do modo como consta, para além de conclusiva, tal como o salienta a Ré, desde logo quando se refere que era a Ré quem fixava o preço (importando desde logo perguntar que preço seria esse, ou seja se a intenção é aludir-se ao valor que era recebido ao prestador da atividade ou se está em causa o valor que seria pago pelo consumidor e que incluiria enquanto tal o preço do produto que o estabelecimento fixava para o produto vendido), a tal acresce, diga-se ainda, que, mesmo que se esteja a referir ao valor a pagar ao estafeta, acaba por entrar em contradição com os pontos de facto provados que a Ré refere, assim desde logo o ponto 17.º, quanto àquele valor (assim, desde logo, quanto à “componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade”) e, na parte em que se refere “podendo o prestador de atividade apenas recusar a proposta caso não aceitasse esse preço”, verifica-se também contradição com os demais pontos que aquela refere, em particular o poder ligar-se e desligar-se da plataforma de acordo com a sua escolha (ponto 57.º), o poder aceitar ou recusar os pedidos sem penalização (ponto 82.º) e o poder, mesmo depois de iniciada a prestação, enquanto não recolher a encomenda, “optar por desistir da mesma livremente” (ponto 90.º).
Em face do exposto, sem necessidade de outras considerações, na procedência do recurso também nesta parte, elimina-se este ponto da factualidade provada.
Pontos 16.º, 19.º e 48.º, provados:
16. Quando um cliente formulava um pedido na aplicação da plataforma digital e este, de acordo com os critérios definidos no algoritmo da ré, era direcionado para o estafeta que acedia ao pedido, a plataforma facultava o acesso aos seguintes conteúdos: a) pedido formulado pelo cliente; b) valor a pagar (ou já pago) pelo cliente correspondente ao pedido; c) endereço de entrega; d) distância a percorrer pelo estafeta até ao local de entrega e; e) valor pecuniário associado à entrega a desenvolver.
19. O prestador da atividade só tinha acesso ao valor a receber pela tarefa/entrega depois de a aceitar, não negociando qualquer valor, limitando-se a aceitar as condições da plataforma.
48. A rota a percorrer no percurso da entrega é definida pelo “Google maps”, sendo a distância percorrida, critério para definição da componente variável da retribuição do estafeta, podendo o estafeta desviar-se dessa rota.
Sustenta-se que estes pontos deverão ser considerados como não provados, devendo, alternativamente, passar a ter a seguinte redação:
“16. Quando é proposto um serviço ao prestador de atividade, na interface de oferta do serviço ao utilizador estafeta é apresentado um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e de entrega (morada do utilizador-cliente) assinalados, bem como a rua do ponto de recolha (sem informação do número da porta), a distância estimada e o preço do serviço. Nessa altura, o estafeta pode aceitar ou recusar o serviço”
“19. Caso aceite o serviço, é adicionalmente comunicado ao utilizador-estafeta o nome e morada exata do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto no parceiro, estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada exata do utilizador-cliente (ponto de entrega), os detalhes de pagamento e a lista de artigo do pedido e o valor do mesmo. Nessa altura e até recolher o produto – momento em que o mesmo fica sob a sua responsabilidade, o utilizador estafeta é livre de recusar prestar esse serviço”.
“48. A distância a percorrer entre o ponto de recolha e o ponto de entrega utilizada para cálculo de uma das componentes variáveis do preço do serviço, é efetuada pelo “Google Maps”, tendo o estafeta total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos na execução do serviço”.
Em termos de prova, socorrendo-nos das alegações, faz apelo ao que diz constar, designadamente, dos termos de utilização, bem como, transcrevendo e localizando no registo de gravação passagens, dos depoimentos de CC e BB.
Pugna o Apelado, mais uma vez, pela adequação do julgado.
Apreciando, desde já avançamos que assiste razão à Recorrente, bastando para o efeito, para além do que resulta de outros factos constantes da factualidade provada e que não foram objeto de recurso (veja-se, neste âmbito, demonstrando-o, o que mencionámos antes aquando da apreciação do ponto 15.º), atender ao que resulta da prova, assim nomeadamente a que é indicada nas alegações, incluindo nas passagens aí transcritas referentes à prova gravada (depoimentos de CC e BB).
Ainda assim, fica acolhido apenas em parte, a respeito destes itens, o que a Apelante pugna. Explicitando:
Não é matéria que deva constar do item 16.º, a matéria “Quando é proposto um serviço ao prestador de atividade”, “utilizador estafeta” e “Nessa altura, o estafeta pode aceitar ou recusar o serviço”, por se considerar relacionada com a questão de direito a decidir e resultar já nomeadamente do item 19.º, o procedimento possível por parte do estafeta.
Quanto ao item 19.º, não inclui a matéria “utilizador estafeta” pelo mesmo motivo adiantado a respeito do item 3.º, nem a matéria “momento em que o mesmo fica sob a sua responsabilidade” que se tem por vaga.
Quanto ao item 48.º, não inclui a matéria “na execução do serviço”, suscetível de se considerar relacionada com a questão de direito.
Em face do exposto, os pontos analisados passam a ter a seguinte redação:
“16. Quando um cliente formulava um pedido, na interface de oferta do serviço ao estafeta era apresentado um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e de entrega (morada do utilizador-cliente) assinalados, bem como a rua do ponto de recolha (sem informação do número da porta), a distância estimada e o preço do serviço.”
“19. Caso aceite o serviço, é adicionalmente comunicado ao estafeta o nome e morada exata do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto no parceiro, estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada exata do utilizador-cliente (ponto de entrega), os detalhes de pagamento e a lista de artigo do pedido e o valor do mesmo. Nessa altura e até recolher o produto, o estafeta é livre de recusar prestar esse serviço”.
“48. A distância a percorrer entre o ponto de recolha e o ponto de entrega utilizada para cálculo de uma das componentes variáveis do preço do serviço, é efetuada pelo “Google Maps”, podendo, no entanto, o estafeta seguir ou não esse itinerário.”
Pontos 20.º, 22.º e 24.º, provados:
20. A plataforma pagava a retribuição diretamente ao prestador de atividade e processava os pagamentos a efetuar.
22. O cliente final pagava à plataforma e não ao prestador de atividade.
24. O pagamento da plataforma ao estafeta era quinzenal e efetuava-se por transferência bancária.
Sustenta a Ré, quanto aos pontos 20.º e 22.º, que estes pontos deverão ser considerados como não provados, porque contraditados pelos pontos 73 e 74, 26, 25, “do ponto 5.3.1. dos Termos e Condições, bem como declarações das testemunhas CC e do prestador de atividade BB, transcrevendo e localizando passagens nos registos de gravação.
Defende que estes pontos devem passar a ter a seguinte redação:
“20. A plataforma intermedeia os pagamentos dos utilizadores clientes para o prestador de atividade e processa os pagamentos a efetuar”.
“22. O cliente final pode pagar ao prestador de atividade através da plataforma ou diretamente”.
Por sua vez, quanto ao ponto 24.º, refere que deve considera-se não provado, em face do que resulta do depoimento de BB, transcrevendo e localizando no registo de gravação passagem.
Defende o Ministério Público o julgado.
Apreciando, como primeira nota, constata-se que, sem dúvidas, o teor do ponto 22.º é em parte contrariado pelo que resulta do ponto 25.º, quando deste resulta que “a plataforma permitia que o cliente pagasse em dinheiro ao estafeta, ficando este com “dinheiro nas mãos” (saldo em mãos)”, sendo que, por sua vez, no que se refere ao ponto 24.º a respeito de o pagamento ser quinzenal, tal está afinal em conformidade com o que consta do ponto 26.º (“26. Nesse caso, o valor em numerário entregue pelos clientes ao prestador de atividade era compensado no pagamento quinzenal efetuado pela plataforma, mas quando o mesmo excedesse um determinado limite pré-definido pela plataforma, deveria ser depositado à ordem da mesma em prazo determinado”), também não impugnado neste recurso.
Já no que diz respeito ao ponto 20.º, para além de se verificar o que dissemos a respeito do ponto 22.º e aludida contradição com o que consta do ponto 25.º, a que acresce, sendo objeto da presente ação, afinal, a qualificação da relação existente como laboral ou não, que a utilização da expressão “a plataforma pagava a retribuição”, estando normalmente associada ao contrato de trabalho, deve ser expurgada, para além de que, para efeitos de saber em que se traduziria essa designada “retribuição”, sempre importaria ter presente o mais que já resulta provado, desde logo o ponto 17.º, não impugnado no presente recurso – “O valor a pagar ao estafeta, designado por “total ganho”, no momento da inspeção compreendia: uma componente fixa designada por “tarifa base”, neste caso, no valor de €1,40 e uma componente variável resultante da conjugação das seguintes rubricas: €0,25 por cada km percorrido pelo estafeta desde o local de recolha do pedido (em regra restaurante, mas poderia ser qualquer outro tipo de produtos dos estabelecimentos aderentes da plataforma) até ao endereço de entrega do mesmo (os quilómetros percorridos são os definidos na rota dada pelo “google maps”); uma percentagem variável em função da hora do pedido/entrega, época do ano ou condições climatéricas ou promoções, designadas por “compensação por hora de ponta”; uma componente variável dependente do tempo de espera no ponto de recolha para além de um certo período de tempo, com o valor por minuto de, pelo menos, 0,05€; e uma componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade”. De resto, por último, e nesta parte ainda com fundamento na prova que é indicada, não se vislumbra, em particular por decorrência das circunstâncias que antes mencionámos, suporte para o que se fez constar, do modo como o foi, nos pontos que aqui se reanalisam, mesmo com a redação que é oferecida pela Recorrente.
Já quanto ao ponto 24.º, para além de obter em geral suporte mesmo na prova que é indicada, importa ter presente o que consta dos pontos 25.º e 26.º e 74.º, não impugnados neste recurso – assim, que “a plataforma permitia que o cliente pagasse em dinheiro ao estafeta, ficando este com “dinheiro nas mãos” (saldo em mãos)”, que “nesse caso, o valor em numerário entregue pelos clientes ao prestador de atividade era compensado no pagamento quinzenal efetuado pela plataforma, mas quando o mesmo excedesse um determinado limite pré-definido pela plataforma, deveria ser depositado à ordem da mesma em prazo determinado” e que “a ré deduz na fatura quinzenal do prestador de atividade uma taxa que denomina de “taxa de plataforma” no valor de € 1,85 –, que evidenciam que o período de faturação seria efetivamente de 15 dias, sem prejuízo, porém, o que resulta aliás do ponto 92.º provado (também não impugnado neste recurso), de o valor da faturação ser “variável, em função das características de cada serviço e do número de serviços aceites pelo prestador de atividade”, razão pela qual a redação do ponto 24.º deverá atender a essa factualidade provada.
Pelo exposto, eliminam-se os pontos 20.º e 22.º, passando o ponto 24.º a ter como redação:
“24. O pagamento da plataforma ao estafeta, sem prejuízo do referido nos pontos 25, 26, 74 e 92, era quinzenal e efetuava-se por transferência bancária.
Pontos 21.º e 64.º, provados:
21. É a plataforma quem negoceia os preços e condições com os titulares dos estabelecimentos.
61. A plataforma faculta aos restaurantes aderentes os instrumentos informáticos (tablets) que lhe permitem desenvolver o trabalho, sendo a plataforma responsável pela manutenção desse equipamento.
Sustenta a Ré que inexiste prova que suporte estes pontos, desde logo porque os preços dos bens vendidos pelos estabelecimentos comerciais que se registam na aplicação são por esses fixados, resultando expresso no ponto 5 dos Termos e Condições juntos aos autos que não participa nem tem qualquer responsabilidade sobre os produtos e serviços publicitados pelos estabelecimentos. Mais, diz, é falso que lhes faculte quaisquer instrumentos informáticos que permitam «desenvolver “o trabalho” e que a utilização da plataforma que gere por parte dos utilizadores estabelecimentos comerciais depende do pagamento da respetiva taxa. Indica, localizando-as, passagens dos depoimentos de CC e de BB.
Apreciando, quanto ao ponto 21.º, valem aqui as considerações que fizemos anteriormente, assim aquando da análise do ponto 15.º, sobre a utilização da expressão “é a plataforma quem negoceia os preços” (com os titulares dos estabelecimentos), importando mais uma vez questionar, que preços seriam esses, ou seja se a intenção é aludir-se ao valor que era recebido pelo estafeta ou se está em causa o valor que seria pago pelo consumidor e que incluiria enquanto tal o preço do produto que o estabelecimento fixava para o produto vendido, sendo que, mesmo que se esteja a referir ao valor a pagar ao estafeta, importará ter presente o que já resulta do ponto 17.º, assim, desde logo, que inclui uma componente fixa (designada por “tarifa base”, neste caso, no valor de €1,40) e uma componente variável (resultante da conjugação das rubricas que aí se indicam, sendo que, quanto a uma dessas condições, assim a “componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo estafeta (que o altera entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade”).
Por sua vez, a respeito do ponto 61.º, sobre o qual sequer resulta da motivação do Tribunal qualquer referência, também não vislumbramos, em face da prova a que se pode /deve atender, suporte em termos de formação de convicção positiva.
Neste contexto, eliminam-se também estes pontos da factualidade provada.
Ponto 27.º, provado:
27. No pagamento feito ao prestador de atividade, a plataforma compensava o valor do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) suportado pelo estafeta findo o seu primeiro ano de isenção, o que significa que esse valor era suportado pela plataforma após comunicação desse facto pelo estafeta.
Sustenta a Ré que o conteúdo deste ponto, para além de conter “considerações / afirmações conclusivas e conceitos de direito” –, é errado, pois que, diz, o IVA incide sobre prestações de serviço – “o IVA é pago pelo cliente sempre que um serviço é prestado por um sujeito passivo de IVA, que não esteja isento, que tem o dever de o entregar ao Estado” / nos termos do artigo 53.º do Código do IVA.
Ora, constatando-se que da motivação constante na sentença também nada resulta em termos de dar suporte ao conteúdo desde ponto, a que acresce, tal como refere a Ré, que comporta efetivamente uma conclusão que envolve a aplicação do direito a respeito da referência ao imposto que se menciona (compensação do valor do IVA… e, ainda, o que se diz significar), determina-se a sua eliminação.
Pontos 28.º e 65.º, provados:
28. A plataforma exige ao prestador de atividade que utilize uma mochila isotérmica, com requisitos definidos pela plataforma, não podendo escolher outro tipo ou meio de conservação ou transporte de alimentos.
65. A mochila térmica tem de ter as características indicadas pela ré.
Sustenta a Ré que quanto a estes pontos não existe prova testemunhal nem documental, acrescentando que apenas resulta do ponto 5.1.1 al. n) dos Termos e Condições juntos aos autos que “No caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta compromete-se a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos”. No que se refere a prova, indica nas alegações, localizando-as no registo de gravação, passagens dos depoimentos de CC e de BB.
Pronuncia-se o Ministério Público pela manutenção do julgado, cumprindo-nos pronúncia, sendo verdade que a Ré apenas estipula que “no caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta compromete-se a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos”, daí não resultando, é certo, qualquer suporte para a parte final do ponto 28.º (não podendo escolher outro tipo ou meio de conservação ou transporte de alimentos), no entanto, não se fazendo nomeadamente referência a que tenha de se tratar de “uma mochila isotérmica”, porém, em face da alusão que se faz para o caso de transporte de alimentos à “conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito” e a que o estafeta se compromete “a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos”, então, apelando-se ainda às regras da experiência comum, daí resultará que, usando-se uma mochila para o transporte de alimentos, essa terá de ser isotérmica.
De resto, resulta afinal do depoimento de CC, na passagem indicada pela Recorrente, que, não sendo uma imposição da A..., “Simplesmente, o estafeta, sendo responsável pelos seus equipamentos … e também pelo seu serviço de entrega, tem de assumir a responsabilidade dos mesmos, de forma legal. E para entregar … realizar a entrega de serviços de produtos alimentares terá de fazê-lo com uma mochila térmica”.
Ora, em face do antes dito, claramente que os pontos em reanálise, dada a forma genérica da sua formulação, não se poderão manter do modo como constam, impondo-se, diversamente, que a resposta se adeque à prova que se mencionou.
Assim, eliminando-se o ponto 65.º, o ponto 28.º passa a ter a redação seguinte:
“28. Nos termos e condições para utilização da plataforma estabelece-se que, no caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta se compromete a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos, do que decorre que, sendo transportados numa mochila, esta tenha de ser isotérmica.”
Ponto 29.º, provado:
29. O prestador de atividade foi instruído de que tem de tratar os clientes finais com cordialidade;
Invoca a Ré que este ponto deve ser considerado não provado, porque não existe nos autos qualquer prova testemunhal ou documental que o comprove.
Socorrendo-nos ainda do corpo das alegações, indica o que aparenta serem passagens dos depoimentos de CC e BB, que localiza no registo da gravação.
Apreciando, com salvaguarda do respeito devido, a redação do ponto, ao utilizar-se a expressão “o prestador de atividade foi instruído…”, para além de ser conclusiva, como ainda genérica, ao não constar em que se traduziria “o modo como deveria tratar os clientes”, sequer obtém, afinal, suficiente suporte na prova produzida, assim a indicada pela Recorrente, incluindo, quanto ao depoimento de BB, as considerações que o mesmo faz (desde logo no sentido de que achava que não se lembrava “de ter, de alguma coisa assim, uma exigência quanto a isso, eu não me lembro…”), pelo que só com dificuldade se poderia integrar o conceito de “instruções”, que se utiliza no ponto em análise.
Em face do exposto, elimina-se também este ponto.»
Quanto a esta matéria, importa realçar que o estafeta AA, a propósito da visualização dos vídeos que explicam como funciona a aplicação, afirmou a dado passo do seu depoimento que “eles dão uma instrução para ter boa apresentação e ter bom trato para o cliente”. Mas disse também que a visualização dos vídeos não é obrigatória e que é apenas uma ajuda, pelo que, ainda que tais vídeos constante qualquer informação a respeito da apresentação e cordialidade dos estafetas, o que também acabou por não ser esclarecido pelo estafeta, nunca se poderia equivaler a uma “instrução”.
Retomamos a transcrição do Acórdão que vimos seguindo:
«Ponto 30.º, provado:
30. Para que o estafeta possa receber pedidos efetuados por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e consequentemente prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio do prestador de atividade na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/
Sustenta a Recorrente que, para além de integrar o thema decidendum, este ponto é contraditado expressamente pelos pontos 93.º e 72 provados, sustentando ainda que, em face da prova produzida, deverá ser alterado, passando a ter como redação:
“30. Para o estafeta receber pedidos efetuados através de aplicação “A...” por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio do prestador de atividade na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/”
Decidindo:
Deferindo a pretensão da Apelante, inclui-se a matéria “através da aplicação A...”. Consigna-se ainda assim que na leitura global feita da matéria que ficou a constar como assente da sentença neste item, não resultava que através de outras plataformas não fosse permitido ao estafeta receber outros pedidos, efetuados por clientes de parceiros dessas outras plataformas – sendo relevante o que a esse respeito ficou assente na sentença nos itens 72.º e 93.º, nos quais consta a possibilidade de o estafeta se poder conectar a outras plataformas (72. Para os denominados utilizadores prestadores de serviços, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolherem os pedidos que pretendem realizar – e podendo conectar-se a outras plataformas –, obtendo rendimentos. 93. Os termos e condições permite ao prestador de atividade exercer outras atividades, incluindo atividades de entrega para outras plataformas semelhantes ou diretamente para estabelecimentos, tendo o prestador de atividade, num período não determinado, operado igualmente com outra plataforma e subcontratar a sua conta nos termos a seguir indicados.)
Acresce que quanto aos termos do registo se reporta a matéria dos itens 31.º e 34.º da factualidade provada.
Em face do exposto, altera-se, em parte, este ponto da factualidade provada, passando a ter a seguinte redação:
“30. Para que o estafeta possa receber pedidos efetuados através da aplicação A..., por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, tem de efetuar o registo prévio na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/.”
Pontos 31.º e 34.º, provados:
31. Para tanto, o prestador de atividade esteve obrigado a enviar os seus documentos de identificação à plataforma, em concreto, carta de condução, declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ... (outros prestadores de serviços), passaporte, registo e seguro do veículo de duas rodas.
34. No decurso da criação de conta o prestador de atividade, como passo obrigatório para o completar, identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções, com a obrigação de comunicar qualquer mudança do tipo de veículo utilizado.
No que se refere a estes pontos, para defender que devam transitar para não provados, a Recorrente sustenta que, “Para os estafetas / prestadores de atividade, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolherem os pedidos que pretendem realizar – e podendo conectar-se a outras plataformas –, obtendo rendimentos (conforme pontos 82, 83, 84, 85, 87, 88, 89, 90 e 93 da matéria de Facto Provada da Sentença”, como ainda que, no mesmo sentido, são livres para se registar na aplicação. Acrescenta que resultou da prova produzida, nomeadamente da testemunha CC que os estafetas é que se registam voluntariamente para oferecer os serviços de estafeta através da aplicação, não sendo recrutados nem sujeitos a processo de recrutamento por parte da Recorrente (cfr. Depoimento gravado, disponível no Citius, de 00:05:50.7 a 00:07:16.6) e, adicionalmente, que não foi feita qualquer prova – porque não existe - de que o prestador de atividade tenha que comunicar alterações de veículo, nem que a Recorrente controle qual o veículo que o prestador de atividade se encontre, efetivamente, a utilizar enquanto presta serviços – transcrevendo e localizando passagens dos depoimentos de CC e BB.
Pugnando-se nas contra-alegações pela adequação do julgado, apreciando, estando este ponto diretamente relacionado com o ponto que antes analisámos, o que aqui está então em causa é apenas o processo de registo a que aí se alude – cuja redação passou a ser: “Para poder receber pedidos efetuados através de aplicação “A...” por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/” – e não, pois, o que possa extravasar esse registo, carecendo assim de fundamento grande parte das considerações que a Recorrente invoca para sustentar a transição dos pontos em reanálise para a factualidade não provada, assim nomeadamente o apelo que faz ao que resulta dos pontos provados que refere (ou seja, quando diz que desses resultará que os prestadores de atividade são “livres de prestar atividade com aplicações concorrentes, ou diretamente para estabelecimentos e/ou clientes utilizadores”, ou, ainda, que sejam os que os estafetas que se registem voluntariamente para oferecerem os serviços através da aplicação para firmar de seguida que esses não são “recrutados nem sujeitos a processo de recrutamento” – para o que apela, também, ao que nesse âmbito resultará na sua ótica da prova que indica. Não obstante, consideramos que deve ser substituída a expressão “esteve obrigado a enviar” que consta do ponto 31.º, por “teve de enviar”, a que acresce, quando consta “passaporte”, que deve passar a constar “documento de identidade ou passaporte” (é isso que consta dos termos de utilização de maio de 2023), a que acresce, quanto à parte final do mesmo ponto, assim “registo e seguro do veículo de duas rodas”, por não resultar de modo bastante da prova produzida, assim desde logo a indicada pela Recorrente, que essa será eliminada. O mesmo se passa e pelas mesmas razões no que se refere à parte final do ponto 34.º, quando consta “com a obrigação de comunicar qualquer mudança do tipo de veículo utilizado”, cuja eliminação se nos impõe, também.
Em face do exposto os pontos em análise passam a ter como redação:
“31. Para efetuar o registo antes referido, o prestador de atividade teve de inserir o seu documento de identificação ou passaporte, carta de condução e declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ... (outros prestadores de serviços).
34. No decurso da criação de conta o prestador de atividade, como passo necessário para o completar, identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções.”
Pontos 32.º e 38.º, provados:
“32. No decurso do processo de inscrição, foi disponibilizado ao prestador de serviço uma sessão de informação/formação online prévia, na plataforma, com a duração de cerca de trinta minutos.
38. Na formação referida, o prestador é informado que tem acesso ao seguro D... caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline.”
Quanto a estes pontos, para defender que devam transitar para não provados, a Recorrente refere que da prova testemunhal produzida resultou de forma clara e inequívoca que não “presta nem ministra formação aos estafetas” e que a qualificação, feita pelo o Tribunal, dos vídeos como formação online prévia é conclusiva e integra o thema decidendum. Socorrendo-nos, mais uma vez, do corpo das alegações, extrai-se o que aparenta serem passagens dos depoimentos de CC e BB, que se localizam no registo da gravação.
Constando das contra-alegações que “decorre de todos os depoimentos recolhidos que ao estafeta aquando do processo de inscrição era disponibilizado um vídeo de visualização facultativa e que davam informações sobre o funcionamento da plataforma”, no entanto, porém, mais uma vez, sem cumprimento do que se dispõe na alínea b) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC – “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Ora, e desde logo, resultando da prova que são efetivamente disponibilizados vídeos sobre o funcionamento da plataforma, vídeos esses também referenciados na prova produzida, assim inclusivamente a indicada pela Recorrente no presente recurso, no entanto, porém, sequer resulta que seja obrigatória a respetiva visualização (vejam-se depoimentos de CC e BB, nas passagens indicadas nas alegações), do que decorre, salvo o devido respeito, até porque aí se envolve já um juízo ou conclusão, que se trate de “uma sessão de informação/formação online prévia, na plataforma, com a duração de cerca de trinta minutos”. Sendo o mesmo de aplicar quando se fez constar do ponto 38.º “na formação referida”, no entanto, porém, quando à informação de que tem acesso ao seguro D... caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline”, essa consta, afinal, de modo expresso, tal como se extrai do documento junto com a petição inicial:
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Assim, os pontos 32.º e 38.º são alterados, passando a ter a redação seguinte:
“32. No decurso do processo de inscrição, foi disponibilizada ao prestador de serviço a possibilidade de visualizar vídeo sobre o funcionamento da plataforma.”
“38. O prestador é informado que tem acesso ao seguro D... caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline.”
Ponto 33.º, provado:
33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e parte de Santa Maria da Feira), não podendo ir para outra zona.
Defende a Recorrente que este ponto deve ser considerado parcialmente como não provado, passando a ter a seguinte redação: “33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo prestar serviços com a aplicação gerida pela Recorrente em zona diferente, devendo comunicar à Recorrente a alteração de zona”.
Socorrendo-nos ainda do corpo das alegações, sustenta que “as testemunhas esclareceram que os prestadores de atividade é que escolheram a área onde prestam serviços e que podiam alterar a área onde prestavam atividade, por decisão do respetivo prestador de atividade”, transcrevendo passagens (que localiza no registo de gravação), dos depoimentos de CC e BB.
Nas contra-alegações, no sentido da manutenção do julgado, faz-se apelo ao que se diz resultar do depoimento de EE (sem que, mais uma vez, se localize qualquer passagem), como ainda, neste caso para se sustentar que o pedido de alteração carecia sempre de uma autorização da Ré, o que resultará do depoimento de “CC, gestor de operações da A..., gravado no sistema HabilusMediaStudio, sessão do dia 15.07.2024, minuto 01h17m16s)”.
Apreciando, na consideração da prova produzida, assim a expressamente indicada, desde já se dirá que nessa obtém, sem dúvidas, adequado suporte, em termos de formação da convicção, a redação que é avançada pela Recorrente para o ponto aqui em análise.
Em face do exposto, sem necessidade de outras considerações, o analisado ponto passa a ter a seguinte redação:
“33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo prestar serviços com a aplicação gerida pela Recorrente em zona diferente, depois de comunicar à Ré a alteração de zona”.
Ponto 36.º, provado:
“36. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora B..., devendo, em caso de sinistro, reportar tal facto na plataforma da A..., na área dos sinistros.”
Defende a Recorrente que este ponto deve ser alterado, passando a ter como redação: “36. O estafeta pagava uma taxa de utilização da plataforma de 1,85€ por quinzena, que incluía o acesso e a cobertura de seguro de responsabilidade civil contratado pela plataforma, titulado pela seguradora B..., podendo, em caso de sinistro, reportar tal facto à Seguradora”.
Para além do que resulta do ponto 39.º provado (“O custo destes seguros é coberto pela taxa quinzenal de 1,85€ pago pelo prestador de atividade”), indica, em termos de prova, socorrendo-nos também do corpo das alegações, o que resulta dos documentos juntos com a petição inicial, bem como dos depoimentos das testemunhas CC e DD (transcrevendo passagens, que localiza).
Defende o Ministério Público, nas contra-alegações, a manutenção do julgado.
Cumprindo-nos pronúncia, tem razão o Ministério Público quando refere que a própria Recorrente confirma que o estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora B..., tratando-se de questão diversa, a de saber quem assegura o pagamento inerente, sendo a isso que se responde, não no facto 36.º que agora se reanalisa, e sim no ponto 39.º.
Do exposto resulta ser de manter a primeira parte do ponto, assim que O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora B....
Porém, já quanto à parte final, atendendo à prova, assim a indicada pela Recorrente, resulta que, em caso de sinistro, o reporte pode ser feito à Seguradora, como a mesma o defende.
Pelo exposto, este ponto passa a ter como redação:
“36. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora B..., devendo, em caso de sinistro, reportar tal facto à Seguradora.”»
Salientamos que, apesar de no caso em apreço, a recorrente não ter indicado como meio de prova o depoimento da testemunha DD, não vislumbramos motivo para divergir do decidido quanto à parte final do ponto 36. face à prova indicada pela recorrente (dos documentos juntos com a petição inicial, bem como dos depoimentos das testemunhas CC).
Voltamos à transcrição do Acórdão acima identificado:
«Ponto 43.º, provado:
“43. O estafeta, neste caso, BB, não celebrou qualquer contrato comercial com os estabelecimentos aderentes da plataforma nem com os clientes finais.” [no nosso caso a redação do ponto 43. é a seguinte: “O estafeta, neste caso, AA, não celebrou qualquer contrato comercial com os estabelecimentos aderentes da plataforma nem com os clientes finais.”]
Defende a Recorrente que este ponto contém “factos” ou considerações / afirmações conclusivas que não podem integrar a matéria de facto porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum – existência ou não de um contrato de trabalho - e impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor”. Mais, diz, os beneficiários da atividade do utilizador estafeta são o utilizador cliente e o utilizador estabelecimento comercial. Indica como prova passagens do depoimento de CC.
Defendendo o Ministério Público, por sua vez, a manutenção do julgado, chamando à aplicação o regime que antes enunciámos a propósito do que são factos e da exclusão de menções meramente conclusivas e valorativas que envolvem mesmo a aplicação do direito, consideramos que o conteúdo do ponto em análise aí se insere, pois que contêm apenas uma afirmação de que não celebrou qualquer “contrato comercial” com os estabelecimentos aderentes da plataforma nem com os clientes finais, sendo que, salvo o devido respeito, se assim será ou não é já juízo que envolve já a consideração, mediante mesmo a aplicação da lei, dos factos concretos provados (que de resto constam de outros pontos da matéria de facto).
Elimina-se, em face do exposto, este ponto da matéria de facto.
Pontos 47.º e 53.º, provados:
“47. Após a aceitação do pedido, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final;
53. A Ré, através da plataforma, determina que o prestador tem de ativar o “permitir sempre a localização”.
Refere a Ré que estes pontos estão em contradição “com os pontos 77, 88 e 90, pois que, se após a aceitação do serviço por parte do utilizador estafeta, que é livre de o recusar, o mesmo pode desligar a geolocalização, é imperativo concluir que, após a aceitação do pedido, tanto a plataforma como cliente final, podem não saber onde é que o estafeta se posiciona, nem o itinerário que o mesmo efetua em direção ao ponto de recolha e ao ponto de entrega”. Transcreve e localiza passagens dos depoimentos de CC e BB.
Defende que o ponto 53.º deve ser considerado não provado e o ponto 47.º deverá passar a ter a seguinte redação: “47. Após a aceitação do pedido, o prestador de atividade pode desligar a geolocalização, podendo concluir o serviço de entrega com a geolocalização desligada. Se o prestador de atividade quiser, pode ligar a geolocalização e, nesse caso, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o utilizador cliente”.
Nas contra-alegações, defendendo o julgado, sustenta o Ministério Público que não ocorre a invocada contradição com os pontos indicados.
Apreciando, a propósito do ponto 47.º, apenas se nos afigura ser de compatibilizá-lo com o que resulta do ponto 77.º não impugnado no presente recurso (“É possível executar a entrega sem a geolocalização ativada, emitindo a aplicação um aviso com a seguinte mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização»; e tendo o estafeta de recorrer a outros meios, diferentes dos normalmente usados para assinalar a chegada ao estabelecimento e a conclusão da entrega para poder receber o seu pagamento e obter novos pedidos”), razão pela qual o mesmo passará a ter como redação: “47. Após a aceitação do pedido, se estiver ligado à geolocalização existente na App, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final”.
Por sua vez, quanto ao ponto 53.º, a factualidade que lhe está subjacente já consta do ponto 77.º que antes se mencionou, sendo que a questão de saber se tal traduz ou não determinação da Ré já se assume como juízo meramente conclusivo e valorativo, incluindo, estando afinal em causa na ação a qualificação da relação como laboral ou não, a aplicação do direito.
Em face do exposto, eliminando-se o ponto 53.º, o ponto 47.º passa a ter como redação:
47. Após a aceitação do pedido, se estiver ligado à geolocalização existente na App, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final”.
Ponto 49.º, provado:
“49. O estafeta quando chegava ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido.”
Defendendo que reste ponto deve passar a ter outra redação – “O estafeta quando chegava ao ponto de recolha podia, querendo, ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido. Se o estafeta não ativasse o botão cheguei, não tinha qualquer consequência.” –, invoca a Ré, para o efeito, que tal resulta do Parecer do INESC-ID junto aos autos, o qual em nenhum momento foi contraditado, assim, que apesar de os estafetas poderem marcar na aplicação que já chegaram ao estabelecimento e que já recolheram a encomenda – para poderem confirmar a qualidade do serviço prestado –, por exemplo, não têm qualquer penalização ou advertência se o não fizerem, sendo livres de o fazer ou não.
Contrapõe o Ministério Público que não está em causa neste ponto nem que o estafeta não pode comunicar a realização do serviço de outro modo que não através do botão “cheguei”, como não se afirma que se não o fizerem desse modo, mas por contacto com o call center têm alguma penalização, constando antes, apenas, aquilo que o estafeta deveria efetuar quando chegava ao ponto de recolha, o que diz ser inegável pois que é o que resulta das informações, ou seja, que o modo usual e que deveria ser cumprido era esse, embora, excecionalmente, nomeadamente, quando o sistema de geolocalização estava desligado podia acionar a entrega de outro modo.
Apreciando, a redação que deve ser dada a este ponto tem na sua base a mesma ordem de razões que mencionámos no ponto 47.º, analisado anteriormente, ou seja, importa ressalvar, como aí, que o estafeta esteja ligado à geolocalização existente na App – situação em que, como consta também desse ponto, “quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final” –, sendo que, então, quando chegasse ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro ficasse a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido. De resto, a respeito da parte final oferecida pela Recorrente para o ponto em análise – “se o estafeta não ativasse o botão cheguei, não tinha qualquer consequência” – importa ter presente o que já consta do ponto 77.º, o que afasta a justificação dada para que conste a referência, de resto genérica, de que não tem consequências.
Em face do exposto, este ponto passa a ter como redação:
“49. Se estivesse ligado o sistema de geolocalização existente na App, o estafeta quando chegava ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido.” »
Ponto 59.º e 68.º, provados:
“59. O prestador de atividade em causa nos autos fica disponível durante vários períodos do dia (por exemplo durante o período do almoço e do jantar) e durante vários dias da semana.”
“68. Desde então e até à presente data, o referido BB vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da A..., o que fez de forma ininterrupta, todos os dias da semana, com uma ou duas folgas semanais, em períodos de 8 horas diárias, apresentando-se aos comerciantes e clientes como estafeta da ré, quase todos os dias, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira”. [No caso dos autos este ponto da matéria de facto provada tem a seguinte redação: “Desde então e até à presente data, o referido AA vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da A..., o que fez de forma ininterrupta, salvo num período de cinco meses, quase todos os dias, entre as 19 e as 22 horas, apresentando-se aos comerciantes e clientes como estafeta da ré, quase todos os dias, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira.”]
Sustenta a Recorrente que o ponto 59.º deve considerar-se não provado, para o que invoca que não existe qualquer prova que o suporta – indicando passagens de depoimento.
Por sua vez, quanto ao ponto 68.º, afirma ser o mesmo contraditório com os pontos 75, 76, 87 e 93. Em termos de prova indica passagem do depoimento de BB no sentido de que também exerceria atividade para a plataforma E....
Nas contra-alegações sustenta-se, por sua vez, que a prova decorre do depoimento do estafeta que descreveu a periodicidade com que se ligava à plataforma para prestar atividade: (…).
No que se refere ao ponto 59.º, a redação apresenta-se como claramente genérica, quer porque não se alude para que efeitos se traduz a disponibilidade que aí se afirma, quer, ainda, do mesmo modo, a respeito dos “vários períodos do dia”, apesar da exemplificação que se faz (“por exemplo durante o período do almoço e do jantar”), quer, por último, ao dizer-se no final “e durante vários dias da semana”, sem se referir quais.
No entanto, porque o ponto 68.º se reporta, afinal, à mesma matéria, ponto esse que é também aqui objeto do recurso, eliminando-se o ponto 59.º, dada a sua natureza, a existir qualquer factualidade que importe atender, será neste último considerada, o que veremos de seguida.
Ora, já na análise do ponto 68.º, extraindo-se que a referência “desde então” está diretamente ligada ao que consta do ponto anterior (“Pelo menos em 1 de agosto de 2022 a Ré aceitou o registo e início do serviço de BB, após inscrição do mesmo na referida app, para exercer as funções de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal nos termos já referidos”), sendo que, importando excluir a menção até à presente data porque não se refere a que data se reporta (visita inspetiva? Data da entrada da petição inicial?), (…)»
Quanto a este ponto 68.º importa referir que, no nosso caso, o momento inicial da prestação de atividade pelo estafeta se reporta a 1 de julho de 2021, como resulta expressamente do ponto 67.º, o que não foi impugnado e que, o mais corresponde aos esclarecimentos que este prestou.
O facto de o estafeta, em determinado momento, também ter prestado a sua atividade à E..., como confirmou, só teria como consequência a alteração do decidido em 68.º, se tal tivesse ocorrido em períodos de tempo diferentes daqueles em que a atividade foi prestada à A..., o que não resulta de qualquer meio de prova.
Acresce que não se vislumbra existir qualquer contradição entre o teor do ponto 68.º e a matéria provada nos pontos 76.º, 87.º e 93.º.
Já quanto à matéria do ponto 75.º, verifica-se existir uma contradição, pelo menos potencial, quando no ponto 68.º se restringe a atividade do estafeta aos produtos adquiridos, quando naquele consta como provado que
“75. Por vezes os utilizadores finais, via plataforma, solicitam aos denominados utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma;”
Nessa medida impõe-se, substituir produtos adquiridos por produtos solicitados.
No que respeita a apresentação aos comerciantes como estafeta tem também suporte nas declarações do estafeta, ao referir que enquanto ao serviço da A..., para que os comerciantes lhe entreguem os pedidos tem de apresentar um código que é fornecido pela aplicação. Quanto à apresentação aos clientes como estafeta da A... ela decorre, pelo menos, da circunstância de, quando o pedido é efetuado, o cliente ficar a saber quem é o estafeta que vai fazer a entrega, acedendo mesmo à sua fotografia na aplicação.
Assim, elimina-se o ponto 59.º e altera-se a redação do ponto 68.º que passará a ser a seguinte:
“68. Desde então, salvo num período de cinco meses, o referido AA vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares solicitados por terceiros por meio da plataforma eletrónica da A..., o que fez de forma ininterrupta, quase todos os dias, entre as 19 e as 22 horas, apresentando-se aos comerciantes e clientes como estafeta da ré, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira.”
Retomamos a transcrição:
«Ponto 66.º, provado:
“66. O referido BB, no dia, hora e local acima referidos encontrava-se sujeito ao regime e regras acima indicadas na sua atividade como estafeta. [No nosso caso a redação do ponto 66. É a seguinte: “O referido AA, no dia, hora e local acima referidos encontrava-se sujeito ao regime e regras acima indicadas na sua atividade como estafeta.]
Sustenta a Recorrente que reste ponto contém factos conclusivos, que integram o thema decidendum devendo considerar-se por não escrito.
E, esclareça-se, com razão, pois que apenas se faz referência a sujeição de regras, de resto dizendo-se que são as “acima indicadas, sem qualquer exta indicação, tratando-se assim também de alegação genérica.
Elimina-se, em face do exposto, também este ponto.
Ponto 67.º, provado:
67. Em 1 de Agosto de 2022 a Ré aceitou o registo e início do serviço de BB, após inscrição do mesmo na referida app, para exercer as funções de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal nos termos já referidos.” [No nosso caso a redação deste ponto é a seguinte: Em 1 de julho de 2021 a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA, após inscrição do mesmo na referida app, para exercer as funções de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal nos termos já referidos.”]
Defende a Recorrente que este ponto contém matéria conclusiva e de direito, que integra o thema decidendum, não podendo integrar a matéria de facto provada da sentença. Mais invoca que: ao contrário do que é referido, não aceita nem deixa de aceitar o “início do serviço” de estafeta, sendo esse livre de prestar a atividade de estafeta com a aplicação que desejar ou diretamente para estabelecimentos, conforme resulta dos pontos 72 e 93 dos factos provados; resulta ainda dos pontos 17, 82, 84, 85, 86, 88, 89 e 90 da matéria de facto provada factualidade que infirma o que consta deste ponto – daqueles resulta: que os prestadores de atividade têm liberdade para definir onde, como, quando e a quem é que pretendem prestar serviços de entregas propostas através da aplicação gerida pela Recorrente, bem como quais os itinerários a efetua; que é o prestador da atividade que define o tempo em que se pretende manter ligado e consequente o número de pedidos que recebe, bem como em aceitar aqueles que lhe apresentem o preço desejado ou rejeitar aqueles que não lhe interessem; que é o prestador da atividade que escolhe o local em que se pretende ligar para receber pedidos de entrega, o que influencia, naturalmente, os quilómetros a percorrer pelo próprio e, influenciará, a decisão do próprio em efetuar determinadas distâncias e/ou para determinadas zonas –, sendo que, acrescenta, o facto de o prestador de atividade não poder apresentar uma contraproposta através da aplicação não significa que seja ela Recorrente a fixar a retribuição, pois o estafeta é livre de não prestar esse serviço.
Socorrendo-nos do corpo das alegações, transcreve, localizando-as no registo da gravação, o que se percebe serem passagens dos depoimentos de CC, DD e BB.
Conclui que este ponto deve ser considerado como não provado ou, caso assim não se entenda, passar a ter a seguinte redação: “67. Em 1 de agosto de 2022 a Ré aceitou o registo de BB, após inscrição do mesmo na referida app, enquanto utilizador estafeta, para oferecer os seus serviços de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga, com periodicidade quinzenal nos termos já referidos, na eventualidade de ter efetivamente prestado serviços”.
Apreciando, podendo dizer-se que nada obsta, em termos de facto, que conste que “Em 1 de Agosto de 2022 a Ré aceitou o registo e início do serviço de BB, após inscrição do mesmo na referida app”, o que aliás não é contrariado pela Recorrente e resulta sem dúvidas da prova, assim desde logo a indicada, já, porém, na parte em que consta, de seguida, “para exercer as funções de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal”, estamos perante expressões conclusivas e valorativas, que envolvem aliás a aplicação do direito, quanto à questão fulcral na ação, assim a qualificação da relação como laboral ou não. De resto, mesmo por reporte na prova produzida, só alguma dificuldade, e ainda assim com envolvência de critérios também de direito, se poderia falar de aceitação da Ré, com a redação que consta do ponto.
Em face do exposto, este ponto passa a ter como redação:
“Em 1 de Agosto de 2022 a Ré aceitou o registo e início do serviço de BB, após inscrição do mesmo na referida app.”»
Com a ressalva de que não foi invocado pela recorrente o depoimento da testemunha DD e DD e, atentando no depoimento de AA, o estafeta dos autos, estas considerações valem sem necessidade de mais considerações no caso dos autos, impondo-se apenas, ter em atenção que a redação do ponto 67.º passa a ser a seguinte:
“67. Em 1 de julho de 2021 a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA, após inscrição do mesmo na referida app.”»
Pontos 60.º, 81.º, 83.º e 94.º, provados:
“60. Pelo menos até maio de 2023, a plataforma suspendia temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando o estafeta fazia entregas fora da zona ou saía da zona durante a faixa horária que lhe estava atribuída, quando recusava mais de dois pedidos por dia, quando não fazia o reconhecimento facial positivo ou quando não depositava o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas”.
81. Antes de maio de 2023, o prestador de atividade tinha de escolher faixas horárias definidas pela ré, de acordo com uma prioridade atribuída por esta em função da notação numérica que esta lhe atribuía, só podendo ligar-se nessas faixas horárias e ficando impedido de exercer atividade nessas faixas caso não se ligasse nesses períodos ou recusasse mais de dois pedidos.
“83. Antes de maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade podia aceitar ou recusar os pedidos, até ao limite de duas recusas diárias, sob pena de ficar impossibilitado de exercer atividade nessa faixa horária e na seguinte;
94. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, abrangendo designadamente os seguintes aspetos:
1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente definidos pela plataforma;
2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horário;
3)-eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa e, eventualmente, do seguinte com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas;
4)- introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1.”
Argumenta a Recorrente, em primeiro lugar, que não resulta da matéria alegada na petição inicial qualquer factualidade relativa ao período de atividade do prestador anterior à entrada em vigor do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, pelo que, diz, não exerceu, na contestação, o direito ao contraditório relativamente a tal factualidade; sem prejuízo, ocorre contradição com a matéria do ponto 56, provado, sendo ainda contraditório entre si o que consta dos pontos 81, 83 e 94, nº 3, bom como ao dar-se como não provado o que consta do ponto 4 não provado;
Socorrendo-nos do corpo das alegações, transcreve, localizando-as no registo da gravação, o que se percebe ser passagem do depoimento de CC e BB
Defende que os analisados pontos deverão ser considerados como parcialmente não provados, devendo passar a ter a seguinte redação:
60. Pelo menos até maio de 2023, a plataforma suspendia temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando o estafeta fazia entregas fora da zona ou saía da zona durante a faixa horária que o mesmo tivesse escolhido, quando recusava mais de dez pedidos nessa slot horária, ou quando não depositava o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas”.
81. Antes de maio de 2023, o prestador de atividade tinha de escolher faixas horárias disponibilizadas pela ré, de acordo com uma prioridade atribuída por esta em função da notação numérica que esta lhe atribuía, podendo ligar-se nessas faixas horárias e noutras faixas horárias que viesse a selecionar caso outros estafetas não as utilizassem e ficando impedido de exercer atividade nessas faixas caso não se ligasse nesses períodos ou recusasse mais de dez pedidos.
“83. Antes de maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade podia aceitar ou recusar os pedidos, até ao limite de dez recusas por faixa horária, sob pena de ficar impossibilitado de exercer atividade nessa faixa horária, podendo ligar-se nas restantes que tivesse selecionado;
94. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, abrangendo designadamente os seguintes aspetos:
1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente disponibilizadas pela plataforma;
2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horas;
3)- eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa, com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas;
4)- introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1.
Contrapõe-se nas contra-alegações que: após produção de prova, como consta expressamente na ata de audiência de 15.07.2024, foi aditada a matéria que consta do ponto 94.º, tendo tido a Ré oportunidade de exercer o seu direito ao contraditório, tendo tido possibilidade de exercer esse contraditório durante a produção de prova; a prova desse facto decorre dos depoimentos de BB (minuto 18h10) e CC (minuto 31m40s).
Desde logo, constata-se que as alterações propostas pela Recorrente apenas abrangem alguns aspetos constantes dos pontos que se apreciam, assim: no ponto 60.º, substituindo “…dois pedidos por dia, quando não fazia o reconhecimento facial positivo…” por “…dez pedidos nessa slot horária…”; no ponto 80.º, substituindo “definidas” por disponibilizadas”, excluindo “só” e acrescentando a seguir a faixas horárias “noutras faixas horárias que viesse a selecionar caso outros estafetas não as utilizassem” e, por último, substituir “dois” por “dez”; no ponto 83.º, substituir “dois” por “dez”, “ficar impossibilitado” por “ficando impedido” e “e na seguinte” por “podendo ligar-se nas restantes que tivesse selecionado”; no ponto, no n.º 3, acrescentando-se “e, eventualmente, do seguinte”.
Apreciando, então, e em primeiro lugar, assiste razão ao Ministério Público, por se verificar o que refere (cfr. ata de audiência de 15.07.2024), quando diz que não assiste fundamento para a invocação da Recorrente de que não teria tido a oportunidade de exercer o contraditório.»
Ora, no caso dos autos, no que respeita ao número de pedidos recusados, apesar de a testemunha CC, ter feito alusão a dez recusas, manifestou dúvidas, não sendo o seu depoimento, por isso, determinante. Já o estafeta AA, sem hesitações afirmou que no período em causa, só podia recusar dois pedidos sob pena de lhe tirarem 1 hora, o que o mesmo reiterou no recurso do depoimento e que se aceita como relevante admitindo-se tratar-se de matéria que aquele não esqueceria, atendendo ao impacto que a suspensão da atividade durante 1h teria no seu rendimento.
Nessa medida, inexiste qualquer alteração a fazer aos pontos 60.º, 81.º e 83.º, relativamente ao número de recusas.
No mais, face à prova produzida, importa referir que no ponto 60.º, a questão do “reconhecimento facial positivo” não oferece dúvidas face ao depoimento do estafeta AA que referiu que às vezes, após a aceitação do segundo pedido do dia, é pedida uma foto para confirmar a identidade e que se não for positivo não pode continuar, concluindo-se pela manutenção, sem alterações do ponto 60.º.
Quanto ao mais, reitera-se o que foi decidido no Acórdão que vimos transcrevendo, encontrando as alterações propostas pela recorrente respaldo na prova produzida em particular no depoimento prestado por CC.
Assim, os pontos em análise passam a ter a seguinte redação:
“81. Antes de maio de 2023, o prestador de atividade tinha de escolher faixas horárias disponibilizadas pela ré, de acordo com uma prioridade atribuída por esta em função da notação numérica que esta lhe atribuía, podendo ligar-se nessas faixas horárias e noutras faixas horárias que viesse a selecionar caso outros estafetas não as utilizassem e ficando impedido de exercer atividade nessas faixas caso não se ligasse nesses períodos ou recusasse mais de dois pedidos, nessa slot horária.
83. Antes de maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade podia aceitar ou recusar os pedidos, até ao limite de dois, por faixa horária, sob pena de ficar impossibilitado de exercer atividade nessa faixa horária, podendo ligar-se nas restantes que tivesse selecionado;
94. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, abrangendo designadamente os seguintes aspetos:
1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente disponibilizadas pela plataforma;
2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horas;
3)- eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa, com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas;
4)- introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1.”
Ponto 91.º, provado:
86. O prestador de atividade recebe instruções, via plataforma, para se deslocar ao estabelecimento, para assinalar a chegada ao estabelecimento, carregando no botão “cheguei”, para se deslocar ao local de entrega e para assinalar a conclusão da entrega;
Invoca a Recorrente que: este ponto contém matéria genérica e conclusiva, que integra o thema decidendum, inexistindo qualquer descrição sobre como, quando e de que forma é que, supostamente, dará instruções ao prestador de atividade (sendo assim caso para questionar, quais instruções?! A que instruções é que se refere o Tribunal a quo?); da matéria de facto provada constam factos demonstrativos da inexistência do alegado controlo sobre a prestação de serviço dos estafetas, nomeadamente dos pontos 80, 82 e 90; no parecer do INESC-ID, junto aos autos, resulta que “…nos testes efetuados, verificámos que a não confirmação da passagem pelas várias etapas, embora possa limitar a capacidade dos restantes intervenientes (parceiro e utilizador-estafeta) seguirem o desenrolar do serviço, não é impeditiva da realização do mesmo por parte do utilizador-estafeta”; apesar de os estafetas poderem marcar na aplicação que já chegaram ao estabelecimento e que já recolheram a encomenda – para poderem confirmar a qualidade do serviço prestado -, por exemplo, não têm qualquer penalização ou advertência se o não fizerem, sendo livres de o fazer ou não; inexiste qualquer tipo de “controlo de desempenho”, factualidade que foi confirmada nos depoimento da testemunha CC (cfr. depoimento gravado, disponível no Citius, de 00:15:51.5 a 00:16:42.2, de 01:12:00:3 a 01:12:24:8, de 00:23:34.7 a 00:25:47.7).
Defendendo o Ministério Público a adequação do julgado, cumprindo-nos mais uma vez pronúncia, consideramos que assiste razão à Recorrente, desde logo quando refere que não resulta do ponto qualquer descrição sobre como, quando e de que forma é que seriam dadas as instruções, sendo que, esclareça-se, o conteúdo deste ponto é inegavelmente puramente genérico e conclusivo, incluindo com juízo valorativo, assim em face dos factos concretos que resultaram provados noutros pontos da factualidade.
Exclui-se, pois, também, este ponto da factualidade provada.»
A impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente, procede, pois, parcialmente.
Importa, por fim, fazer uma retificação ao ponto 12.º da matéria de facto provada, uma vez que a indicação que nele consta do nome FF constitui evidente lapso de escrita, que se retifica, passando o referido ponto a ter a seguinte redação:
“12. No dia 15.09.2023, pelas 12h00m, conforme verificado por inspetor da Autoridade para as Condições do Trabalho, AA encontrava-se no centro comercial/shopping 8.ª Avenida a prestar a sua atividade de estafeta.”
O art.º 1152.º do Código Civil define o contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.
O art.º 1154.º do mesmo Código define o contrato de prestação de serviços nos seguinte termos: “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
Por sua vez, nos termos do art.º 11.º do CT, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.
Porque condensa o que entendemos ser relevante equacionar, nesta fase, socorremo-nos do Ac. RG de 17/10/2024[9], no qual se lê “A jurisprudência e doutrina têm apontado como traço característico do contrato de trabalho a subordinação jurídica, que é modernamente entendida como a sujeição da actividade prestada pelo trabalhador a parâmetros importantes ditados pelo empregador, que assim gere, conforma e delimita a execução do trabalho, classificado de hetero-determinado porque inserido em estrutura organizativa alheia.
Está hoje definitivamente ultrapassada a ideia de subordinação associada à emissão de ordens evidentes, directas e sistemáticas, por força da crescente autonomia técnica dos trabalhadores e das actuais formas de organização e de interacção laboral. O traço decisivo é o chamado elemento organizatório conforme espelhado na fórmula legal que refere actividade laboral como sendo a prestada “no âmbito de organização e sob a autoridade” de outrem -11º do CT/09.[10]
Donde, o fulcro da subordinação consistirá no facto de o prestador não trabalhar segundo a sua própria organização, mas sim inserido num ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário - António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 19º ed., p. 148.”
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[11] “A referência à integração do trabalhador no âmbito da organização do empregador, que é agora feita no contexto da noção de contrato de trabalho (art. 11º do CT), vem justamente salientar a componente organizacional do contrato de trabalho (…), e que, obviamente tem um valor qualificativo”.
Alterou-se, pois, o centro de gravidade da subordinação jurídica subjetiva (heterodeterminação da prestação de atividade, com presença dos poderes hierárquico, organizacional e disciplinar) para a subordinação jurídica objetiva (que leva em conta a integração do trabalhador na estrutura produtiva).
Na prática judiciária, reconhecendo-se a dificuldade de, em concreto, traçar uma fronteira completamente definida entre o contrato de trabalho e algumas das figuras que lhe são afins em que a atividade é prestada à margem da subordinação jurídica, tem-se optado pelo recurso à verificação, em cada caso, de um conjunto de indícios da existência ou inexistência de subordinação jurídica, particularmente, nas situações, de interpretação divergente do sentido das declarações de vontade na celebração do contrato.
Os indícios normalmente apontados no sentido da existência de subordinação são, entre outros, o de o lugar do trabalho pertencer ao empregador ou ser por ele determinado, o horário de trabalho ser o definido pelo empregador, a existência de poder disciplinar, a organização do trabalho depender estritamente da vontade o empregador, serem os instrumentos de trabalho pertencentes ao empregador, a existência de outros trabalhadores subordinados no exercício da mesma atividade, a opção pela modalidade de retribuição certa, o aumento periódico da retribuição, o pagamento de subsídios de férias e de Natal, a exclusividade da atividade laboral por conta do empregador, a sindicalização e a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.
O que importa, pois, considerar com vista à distinção do contrato de trabalho de formas de prestação de trabalho autónomas, é, afinal, o modo concreto de execução da prestação.
Importa ter presente que as significativas mudanças que se têm vindo a verificar na forma de organização do trabalho reclamam do Direito do Trabalho uma abordagem capaz de acompanhar a realidade. Na verdade, sendo ainda a subordinação o traço diferenciador do contrato de trabalho, ela tem hoje novas manifestações, devendo os indícios tradicionais de subordinação ser apreciados e valorizados em consonância com esta evolução.
Nessa medida, ainda antes da era do trabalho digital, já se reconhecia que a relevância daqueles indícios variava em função do tipo de atividade exercida, podendo/devendo, ser sopesados de maneira diferente conforme a especificidade de cada situação.
As dificuldades que se colocam na prova dos indícios relevantes a apreciar globalmente e o uso abusivo da figura do contrato de prestação de serviços para evitar os encargos que para o empregador resultam da celebração dos contratos de trabalho, levaram o legislador a consagrar, presunções de contrato de trabalho que oneram a entidade empregadora com o esforço da prova da inexistência de contrato de trabalho.
Assim, de acordo com o art.º 12.º nº 1 do CT, em linha com a Recomendação n.º 198.º da Organização Internacional do Trabalho, “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador da actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou de chefia na estrutura orgânica da empresa”.
Com a estatuição desta presunção, tratou-se afinal, como refere João Leal Amado[12], de “(…) uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação”.
Contudo, como sublinha, Teresa Coelho Moreira[13]:
«(…) esta presunção, apesar de ser positiva, foi perspetivada para as relações de trabalho típicas, para as relações de trabalho na era pré digital. Para as novas formas de prestar trabalho, para o trabalho nas plataformas digitais, para o trabalho na era digital, novos desafios surgiram e para os quais, porventura, a atual presunção de laboralidade constante do CT não consegue dar resposta satisfatória. Na verdade, os indícios que constam da presunção do art. 12.º são como que umas lentes que auxiliam a encontrar a laboralidade dos contratos, mas se continuar a atender-se a estes indícios em sentido estrito e com as lentes do século passado, pode ter-se alguma dificuldade em identificar trabalhadores no século XXI.»
Ora, a alteração ao Código do Trabalho (CT), operada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril[14], introduziu uma nova presunção de laboralidade no âmbito da prestação de atividade para plataformas digitais.
Assim, antecipando a transposição da Diretiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23-10-2024, foi aditado ao CT, o artigo 12.º-A, sob a epígrafe «Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataformas digitais», que se transcreve na parte relevante:
“1 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.
2 – Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
3 – O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.
4 – A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.
5 – A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
6 – No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora. (…).”
Ora, uma das questões que a recorrente suscita é a não aplicação desta presunção no caso dos autos, uma vez que a relação estabelecida com o estafeta se terá iniciado em 01/07/2021, ou seja, antes da entrada em vigor do art.º 12.º-A, que ocorreu em 01/05/2023.
A propósito da aplicação no tempo desta presunção pronunciou-se, entretanto, o STJ pelo Ac. de 15/05/2025[15], prolatado por unanimidade, no sentido de que “relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do artigo 12.º-A, do Código do Trabalho, a presunção de contrato de trabalho no âmbito da plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu n.º 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023).”
E como se pode ler no voto de vencido do Acórdão esta Relação de 10/07/2025[16], exarado pela aqui 1.ª Adjunta e que se subscreve na íntegra, revendo a relatora a posição antes adotada no Ac. de 17/03/2025, proferido no processo n.º 4119/23.1T8VFR.P1:
«Neste Acórdão do STJ foi, pois, já indicado um critério normativo relativamente à compreensão do âmbito de aplicação temporal do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, que deverá ser acompanhado, desde logo para promover a desejável segurança, certeza e previsibilidade na sua interpretação e aplicação e assim minimizar indesejáveis contradições judiciais na decisão de situações semelhantes neste âmbito em relações estabelecidas antes da entrada em vigor desse artigo.
Até porque e ponderando o estabelecido no artigo 5.º da referida diretiva (UE) 2024/2831 em conjugação com o Considerando 33, tendo o legislador nacional antecipado a transposição com a entrada em vigor da presunção da laboralidade contida no artigo 12.º-A em 1-05-2023, não vemos razões para não adotar desde já o entendimento da aplicabilidade da presunção aos factos que tenham sido praticados posteriormente a essa entrada em vigor, aplicando o raciocínio à norma do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.
Nesse sentido, aliás, se posicionaram, entretanto, vários Acórdãos dos Tribunais da Relação, de que são exemplo os citados Acórdãos desta Secção Social proferidos nos processos nºs 4407/23.7T8OAZ.P1 (de 16-06-2025, relatado pela Desembargadora Teresa Sá Lopes) e 21431/23.2T8PRT.P1 (de 10-07-2025, relatado pela Desembargadora Eugénia Pedro), o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-05-2025 (processo n.º 2845/23.4T8VRL.G1, Relator Desembargador Antero Veiga) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-06-2025 (processo n.º 167/24.2T8LRA.C1, Relator Mário Rodrigues da Silva).
Considera-se, pois, que a norma do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, relativa à presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, é aplicável às relações jurídicas anteriormente constituídas, que se mantenham a 1-05-2023, e relativamente a factos enquadráveis nas respetivas alíneas do n.º 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01-05-2023).
Nesta consonância, entende-se ser de aplicar tal normativo à situação dos autos, nos moldes indicados.»
Conclui-se, pois, que, ao contrário do defendido pela recorrente o disposto pelo art.º 12.º-A do CT, é aplicável a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor desta disposição, por referência aos factos praticados posteriormente àquele momento (01/05/2023), sendo de presumir a natureza laboral do contrato, desde que aqueles factos se subsumam a algumas das alíneas do seu n.º 1.
Consequentemente a presunção prevista pelo art.º 12.º-A do CT é aplicável no caso dos autos.
Importa, pois, antes de mais, que nos pronunciemos sobre a alegada inconstitucionalidade do art.º 12.º -A do CT por violação dos arts. 13.º, 18º nºs 2 e 3 e 61º da Constituição da República Portuguesa.
Sobre esta questão se debruçou o recente Ac. desta Relação de 08/09/2025[17], com respaldo no Ac. também deste tribunal de 16/06/2025[18], nos termos que infra transcreveremos:
«O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece o princípio da igualdade, que é fundamental no ordenamento jurídico português. Este artigo afirma que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Não obstante, é pacífico o entendimento de que o princípio da igualdade não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas. Assim, o princípio da igualdade proíbe diferenciações de tratamento, exceto quando estas são objetivamente justificadas.
Por outro lado, tal como sublinha, o Ministério Público nas suas contra-alegações, a liberdade de iniciativa económica prevista no artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa não é, na sua totalidade, um direito, liberdade e garantia insuscetível de restrições, particularmente quando destinadas à salvaguarda de outros direitos, valores ou interesses constitucionais.
Como é sabido, o princípio da proporcionalidade é um dos princípios fundamentais consagrados na nossa Constituição da República Portuguesa (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). Ele é essencial para garantir que as ações do Estado não sejam excessivas e respeitem os direitos dos cidadãos.
Este princípio divide-se em três vertentes principais, cujos traços gerais são:
1- Adequação: As medidas adotadas devem ser apropriadas para alcançar os objetivos pretendidos. Isso significa que a ação deve ser capaz de produzir o efeito desejado.
2- Necessidade: Entre as várias opções disponíveis, deve-se escolher a que menos restrinja os direitos dos cidadãos. Por outras palavras, a medida deve ser necessária e não deve haver uma alternativa menos gravosa para atingir o mesmo fim.
3- Proporcionalidade em sentido estrito: A medida deve ser equilibrada, ou seja, os benefícios da ação devem superar os prejuízos causados. Em suma, deve haver uma relação justa entre os meios utilizados e os fins pretendidos.
Nessa medida, sopesando o bem jurídico protegido (falsa situação de autonomia) e a nova realidade jurídica (era digital) retratada pela presunção de contrato de trabalho no âmbito da plataforma digital, é manifesto que a presunção contida no artigo 12.º-A não é desproporcional, nem viola os artigos 13.º, 18.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa.
Aliás, conforme se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de maio de 2025:
«Refira-se que esta disposição legal foi aditada ao Código do Trabalho por imposição da Diretiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de outubro de 2024, cuja transposição antecipou, a qual, exprimindo o empenhamento das instituições da União Europeia no combate ao abuso do estatuto de trabalhador independente e às relações de trabalho encobertas (em linha com a Recomendação nº 198 (2006) da OIT), e visando, precisamente, a melhoria das condições de trabalho em plataformas digitais (…).» (Fim da transcrição e negrito nosso).
O acabado de expor basta para concluirmos não merecer acolhimento a argumentação da Recorrente tendente a levar a defender a inconstitucionalidade, mas cita-se ainda, sobre o princípio da igualdade, o referido por Jorge Miranda e Rui Medeiros na “Constituição Portuguesa Anotada”[19], que é o seguinte:
O princípio da igualdade não tolhe, pois, a liberdade de conformação do legislador ou a margem de livre decisão administrativa no sentido do tratamento desigual de situações materialmente desiguais, permitindo tão somente, enquanto norma de controlo, a consideração como ilegítima de uma medida consagradora de soluções desiguais se e apenas na medida em que não se descortinar qualquer fundamento material para a distinção (Gomes Canotilho, A concretização, pág. 354).
(…)
A redução da liberdade de conformação do legislador … “a zero”, especialmente no campo da concretização do princípio da igualdade, é, portanto, inaceitável.
(…)
Em qualquer caso, enquanto proibição de arbítrio legislativo ou de distinção arbitrária, o princípio da igualdade opera apenas “na ausência de motivo pertinente, o que significa falta de fundamento, de fundamento material bastante ou suficiente, de fundamento material razoável, adequado suporte material, de justificação racional” (Martim de Albuquerque, Da igualdade, págs. 334 e 335).
X- A jurisprudência constitucional portuguesa reconduz, fundamentalmente, o controlo do respeito pelo princípio da igualdade a esta dimensão de proibição de arbítrio.
(…)
XII- A verdade, porém, é que a proibição de arbítrio não retira do princípio da igualdade tudo quanto dele se pode e deve retirar (Maria da Glória Ferreira Pinto, Princípio da Igualdade, pág. 39).
(…)
XIII- A enumeração do nº 2 do artigo 13º “pode, nesta perspetiva, facilitar o controlo do respeito pelo princípio da igualdade. O Tribunal Constitucional sublinha, frequentemente, que “uma coisa é a proibição do arbítrio […]; outra, a proibição de discriminação, ou de diferenças que encontrem o seu fundamento em certos critérios subjetivos que, pela sua estreita relação com a dignidade das pessoas, a Constituição entendeu serem à partida insuscetíveis de justificar a existência de regimes jurídicos distintos.»
Concordamos na íntegra com esta fundamentação, pelo que, concluímos como no acórdão citado, no sentido de que não se descortinando qualquer arbítrio por parte do legislador, nem qualquer restrição desproporcional do direito à livre iniciativa económica, improcede toda a argumentação da Recorrente quanto à inconstitucionalidade do art.º 12º-A do Código do Trabalho.
Inexiste, pois, fundamento para não aplicar a presunção de laboralidade prevista pelo art.º 12.º-A do CT, importando, decidir se dos factos praticados após a sua entrada em vigor resulta que a relação jurídica estabelecida entre o estafeta AA e a recorrente deve ou não ser qualificada como contrato e trabalho.
Antes, porém, afigura-se relevante transcrever as considerações constantes do citado Ac. TRP de 16/06/2025 a propósito desta presunção:
“Nas palavras de João Leal Amado[20]:
«As profundas mudanças registadas, nos últimos anos, na forma de trabalhar e nos modos de prestar serviços, pondo em contacto a oferta e a procura, interpelam, crescentemente, o Direito. E também, claro, o Direito do Trabalho. Em particular, o trabalho prestado com recurso a plataformas digitais, seja a que nos proporciona uma alternativa de transporte ao clássico táxi, seja a que nos permite encomendar o almoço ou o jantar através de uma cómoda app, tem colocado questões jurídicas delicadas, dir-se-ia que à escala universal, a primeira das quais consiste, claro, na qualificação da relação que se estabelece entre a empresa que opera na plataforma digital (a A…, a E…, etc.) e os respetivos prestadores de serviços, aqueles que transportam os clientes ao seu destino (os motoristas) ou que lhes levam a casa a refeição (os chamados “entregadores” ou “estafetas”).» (Fim da transcrição)
Em Portugal, o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho traçou, nesta matéria, uma linha de reflexão para as políticas públicas em matéria de plataformas digitais:
«Criar uma presunção de laboralidade adaptada ao trabalho nas plataformas digitais, para tornar mais clara e efetiva a distinção entre trabalhador por conta de outrem e trabalhador por conta própria, sublinhando que a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital.» (Fim da transcrição)
A Diretiva (EU) 2024/831 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2024, publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 11 de novembro de 2024, a qual visa melhorar as condições de trabalho nas plataformas digitais, prevê no seu artigo 5.º, uma presunção legal de relação de trabalho da pessoa que trabalha através de plataformas digitais, caso se verifiquem factos indiciadores de direção e controlo por parte da plataforma.
Nos seus considerandos 30) e 31), lê-se, em síntese:
«(30) (…) Por conseguinte, os Estados-Membros deverão definir medidas que prevejam uma facilitação processual efetiva para as pessoas que trabalham em plataformas digitais ao determinar o seu estatuto profissional correto. Neste contexto, uma presunção legal de uma relação de trabalho a favor das pessoas que trabalham em plataformas digitais, é um instrumento eficaz que contribui significativamente para a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores de plataformas digitais. Por conseguinte, deverá presumir-se juridicamente que uma relação contratual é uma relação de trabalho, tal como definida pelo direito, por convenções coletivas ou pelas práticas em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, sempre que se verifiquem factos indicativos da direção e do controlo.
(31) Uma presunção legal eficaz exige que o direito nacional torne efetivamente mais fácil para as pessoas que trabalham em plataformas digitais beneficiarem da presunção. Os requisitos da presunção legal não deverão ser onerosos e deverão diminuir as dificuldades que as pessoas que trabalham em plataformas digitais possam ter em apresentar elementos de prova que indiquem a existência de uma relação de trabalho numa situação em que se verifica um desequilíbrio de poder face à plataforma de trabalho digital. O objetivo da presunção legal é resolver e corrigir eficazmente o desequilíbrio de poder entre as pessoas que trabalham em plataformas digitais e as plataformas de trabalho digitais. As modalidades da presunção legal deverão ser definidas pelos Estados-Membros, na medida em que as mesmas assegurem a previsão de uma presunção legal ilidível efetiva de emprego que constitua uma facilitação processual em benefício das pessoas que trabalham em plataformas digitais, e que não tenham por efeito aumentar o ónus dos requisitos para as pessoas que trabalham em plataformas digitais, ou para os seus representantes, em processos que visem determinar o estatuto profissional correto dessas pessoas. A aplicação da presunção legal não deverá conduzir automaticamente à reclassificação das pessoas que trabalham em plataformas digitais. Se a plataforma de trabalho digital pretender ilidir a presunção legal, deverá caber à plataforma de trabalho digital provar que a relação contratual em causa não constitui uma relação de trabalho, tal como definida pelo direito, por convenções coletivas ou pelas práticas em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça.» (Fim da transcrição e negrito nosso).
Como é sabido, o trabalho em plataformas digitais pode ser realizado exclusivamente online através de ferramentas eletrónicas (trabalho em plataformas digitais online), designado pela doutrina como crowdwork online, ou de forma híbrida, combinando comunicação online com uma atividade subsequente no mundo físico (trabalho em plataformas digitais presencial), o denominado work-on-demand via apps (por exemplo: o estafeta; o motorista da E…).
Evidentemente, estas novas formas de prestação de serviços suscitam consideráveis dificuldades de enquadramento, exigindo sempre uma análise casuística atenta aos dados concretos de cada relação.
De facto, como sublinha João Leal Amado[21], não existe um qualquer “subordimómetro” que forneça uma resposta infalível e irrefutável.”
Na sentença recorrida foi considerado verificarem-se os pressupostos de funcionamento da presunção previstos nas alíneas a), c), d), e) e f) do nº 1 do art.º 12º-A do Código do Trabalho, decisão que, adiantamos já, não nos merece censura, pelos motivos que se seguida enunciaremos.
A al. a) do art.º 12.º-A, n.º 1 do CT elege como caraterística relevante a seguinte: “A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela”.
Ora, resulta da matéria de facto provada que o valor a pagar ao estafeta, designado por “total ganho” compreende: uma componente fixa designada por “tarifa base”, neste caso, no valor de €1,40 e uma componente variável resultante da conjugação das seguintes rubricas: €0,25 por cada km percorrido pelo estafeta desde o local de recolha do pedido até ao endereço de entrega do mesmo (os quilómetros percorridos são os definidos na rota dada pelo “google maps”); uma percentagem variável em função da hora do pedido/entrega, época do ano ou condições climatéricas ou promoções, designadas por “compensação por hora de ponta”; uma componente variável dependente do tempo de espera no ponto de recolha para além de um certo período de tempo, com o valor por minuto de, pelo menos, 0,05€; e uma componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade.
Com exceção do multiplicador, cujo valor é definido pelo próprio estafeta, o valor de todas as restantes componentes é fixado pela recorrente, não podendo o estafeta negociar o preço proposto para cada entrega (só pode aceitar ou recusar) e mesmo o multiplicador é escolhido pelo estafeta dentro dos limites pré-definidos pela plataforma, pelo que, é plataforma digital que fixa a retribuição e/ou estabelece limites máximos e mínimos para a mesma.
A esta conclusão não obsta o facto de o estafeta, de acordo com os termos e condições, poder receber gratificações, já que estas não são consideradas retribuição paga pela plataforma. De resto, se tal possibilidade tem alguma relevância do ponto de vista da qualificação da relação estabelecida entre a recorrida e o estafeta, é no sentido da subordinação deste àquela, já que se trata de possibilidade que existe na medida em que é a recorrida que autoriza os estafetas a receber gratificações.
Da al. c) do art.º 12.º-A, n.º 1 do CT consta como caraterística relevante o seguinte: “A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica.”
Ora, a exigência de “controlo biométrico (reconhecimento facial)” com periodicidade variável que resultou apurada (pontos 40), 60 e 61 dos factos provados), no caso, constitui um sistema de controlo e supervisão da prestação de atividade.
O sistema de “geolocalização” permite à plataforma saber onde o estafeta está disponível e, durante a entrega, monitorizar a sua localização, o que se traduz num controlo da atividade em tempo real (pontos 44) a 47), 49) e 51) dos factos provados). A possibilidade de a plataforma monitorizar a atividade em qualquer momento é suficiente, mesmo que não ocorra em contínuo.
Na alínea d) do art.º 12.º-A, n.º 1 do CT prevê-se o seguinte: “A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho, dos períodos de ausência ou de descanso, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma”
Considera-se preenchida a previsão desta alínea porquanto se provou que a plataforma suspende temporariamente a possibilidade de o estafeta receber pedidos quando o estafeta não faz o reconhecimento facial positivo ou não deposita o saldo em caixa [ponto 61) da matéria de facto provada]. Por outro lado, ainda que o estafeta pudesse subcontratar a sua conta, não o podia fazer sem prévia comunicação por escrito à recorrente, incluindo da identidade da pessoa a subcontratar, necessitando de apresentar a sua autorização de prestação de serviços e fotografia, reservando-se o direito de rejeitar a possível subcontratação de utilizadores, designadamente nos casos em que estes tenham sido previamente desativados na plataforma por motivos técnicos.
Já a al. e) do art.º 12.º-A, n.º 1 do CT estabelece: “A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta”.
O preenchimento desta alínea decorre já, em parte do exposto a propósito da alínea anterior, quanto demostrada [ponto 61 da matéria de facto provada)] possibilidade de plataforma suspender temporariamente a possibilidade de o estafeta receber pedidos quando o mesmo não faz o reconhecimento facial positivo ou não deposita o saldo em caixa.
Acresce ainda que a possibilidade de a plataforma cessar o contrato em caso de violação de qualquer uma das obrigações previstas nos presentes Termos e Condições, de incumprimento das normas de ética e conduta empresarial e/ou de qualquer outra política da A... aplicável a todos os Utilizadores da Plataforma, de violação da legislação local por parte do estafeta que possa constituir uma violação do princípio de boa-fé entre as partes, de quaisquer outras circunstâncias resultantes em danos fiscais, de segurança social, financeiros, comerciais, organizacionais ou de reputação para a outra Parte ou um Terceiro, independentemente do montante ou dimensão do dano causado, se o estafeta violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da A..., se participar em atos ou conduta violentos. A ré reserva-se ainda a possibilidade de caso o estafeta não cumpra qualquer um dos Termos e Condições, a A..., poder desativar a sua Conta, sem prejuízo de qualquer ação legal/ação que possa resultar de crimes, violações ou danos civis que possam ter sido causados.
Confere-se, pois, à recorrida, no seu próprio interesse um poder extremamente amplo relativamente a todas as condições de execução da atividade pelo estafeta, sejam elas principais ou acessórias, incluindo éticas, que em caso de incumprimento, lhe permite suspender a atividade do estafeta ou cessá-la, uma vez que, caso não possa aceder à conta, o estafeta deixa de receber pedidos.
Trata-se de um poder que, tal como configurado, contém uma faceta ordenadora e prescritiva que vai para além das consequências do mero incumprimento contratual, distinguindo-se da responsabilidade civil, cuja finalidade é, no essencial, reparatória e, sem se ater aos seus limites, pois a aplicação da “sanção” de desativar temporária ou permanentemente a conta do estafeta, pode ser cumulada com a responsabilidade civil.
E tal poder, como se lê no Ac. RG de 31/10/2024[22] “(…) acaba por se traduzir numa espécie de sanção disciplinar equivalente à suspensão do trabalho com perda de retribuição ou mesmo ao despedimento, sem instauração de procedimento disciplinar.
Este poder de tutela de que a Ré dispõe afigura-se-nos ser totalmente incompatível com a relação de trabalho autónomo quer pela amplitude das razões que levam a aplicação das “sanções”, quer pela gravidade das consequências do eventual incumprimento, que pode dar lugar à cessação da atividade de imediato.”
Está, pois, preenchida a previsão da al. e) do art.º 12.º-A, n.º 1 do CT.
A caraterística a que se refere a al. f) do art.º 12.º-A, n.º 1 do CT é a seguinte: “Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.”
Do nosso ponto de vista, a aplicação informática através da qual a recorrida disponibiliza os serviço de distribuição ao domicílio de produtos, atribui ao estafeta os pedidos e lhe fornece as informações necessárias para a recolha e entrega dos produtos constitui um equipamento ou instrumento de trabalho do estafeta. E trata-se do principal instrumento de trabalho utilizado pelo estafeta, já que a sua atividade, tal como resulta da matéria de facto provada a propósito do seu modo de execução, não pode ser realizada fora da dita aplicação e pressupõe a sua utilização.
É certo que a utilização da aplicação concorre para a classificação da recorrida como “plataforma digital”, entendida esta à luz do regime aprovado pela Lei n.º 13/2023, de 03/04. Na verdade, a plataforma digital, tal como veio a ser definida pelo art.º 12.º-A, n.º 2 do CT, é uma pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços utilizando meios eletrónicos e estes podem ser entre outros, um sítio da Internet ou uma aplicação informática. Mas a aplicação informática não se confunde com a empresa, apenas caracteriza o tipo de atividade a que esta dedica.
Ademais, importa não confundir a empresa, ou pessoa coletiva, que o legislador designa como “plataforma digital”, com os meios pela mesma utilizados, seja a aplicação informática, ou qualquer outro software.
Os meios utilizados caracterizam a atividade da empresa enquanto plataforma digital, mas não deixam de ser meios dela autonomizáveis, sendo as aplicações informáticas bens intelectuais com valor económico, suscetíveis de apropriação, designadamente por direito de propriedade intelectual e patentes, sendo suscetíveis de proteção de direito de autor (DL n.º 252/94, de 20 de Outubro) e podendo ser transacionadas.
As aplicações informáticas integram-se, pois, no âmbito dos meios de produção, ao lado dos mais tradicionais equipamentos, como instalações de fábricas, armazéns, máquinas, e infraestruturas, como de fornecimento de energia, de transportes, de telecomunicações, de internet, etc, os quais, associados à força de trabalho humano, geram a produção final.
Importa referir que o que caracteriza a pessoa coletiva enquanto “plataforma digital” é a utilização de uma aplicação informática, não de uma concreta aplicação. Na verdade as aplicações informáticas não se confundem umas com as outras (a aplicação da A... não será a mesma que a da E... ou que a da F..., por ex) pelo que, o que releva enquanto equipamento ou instrumento de trabalho é a concreta aplicação utilizada, com as respetivas características e funcionalidades.
Não se questiona que é através da aplicação que a empresa exerce relativamente ao estafeta, pelo menos, parte dos poderes enquanto beneficiária da atividade, e que, na relação com o estafeta, pelo menos aparentemente, é a aplicação que desempenha o papel relevante na distribuição e organização do serviço, aquilo a que Teresa Moreira Coelho[22], se refere com “app as the boss”. Mas a “função” da aplicação vai para além dessa vertente.
É que o estafeta para exercer a atividade tem que utilizar a aplicação, pois é nela que recebe as indicações imprescindíveis à entrega (moradas dos pontos de recolha e de entrega), que tem que aceitar o pedido e que informa da chegada ao ponto de recolha, para que o produto lhe seja entregue.
Assim, do nosso ponto de vista, a aplicação informática da A..., constitui um equipamento ou instrumento de trabalho dos estafetas e dada a sua manifesta imprescindibilidade, a aplicação é o equipamento/instrumento de trabalho preponderante dos estafetas, tornando meramente instrumentais os demais equipamentos utilizados e que pertencem ao próprio como o telemóvel, a viatura e a mochila.
Estão, pois, demonstradas, pelo menos, cinco das características previstas pelo art.º 12.º-A, n.º 1 do CT, operando, no caso concreto, a presunção de contrato de trabalho ali prevista, apesar das alterações introduzidas na relação jurídica com o estafeta [ponto 94) dos factos provados], improcedendo a argumentação da recorrente em sentido contrário.
Porém, tal como se vem defendendo para a presunção a que se refere o art.º 12.º do CT, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido. É necessário que se faça a prova de factos que levem à conclusão de que a relação contratual consubstancia um outro tipo contratual que não o contrato de trabalho, designadamente que consubstancia um contrato de prestação de serviços[23].
Quer isto dizer que «presumida a natureza laboral do contrato e apresentados ao tribunal, pela parte interessada, elementos de facto apontando em sentido oposto, mas não suficientes, porém, para convencer firmemente o tribunal de que o contrato em causa não é de trabalho -, então a decisão deverá ser favorável a quem beneficia da presunção, o prestador da atividade, e desfavorável a quem tinha o ónus de a ilidir. A presunção vincula o julgador – vale por dizer: verificados dois ou mais elementos dos elencados no art. 12.º, n.º 1, ele terá de considerar demonstrada a natureza laboral do contrato -, que apenas deverá afastar-se do resultado presuntivo se o interessado em ilidir a presunção lograr fazê-lo, dissipando não apenas a convicção de que o contrato em análise é um contrato de trabalho como a dúvida sobre se o será.»[24].
O tribunal “a quo” considerou que a presunção não tinha sido ilidida, conclusão relativamente à qual a recorrente manifesta a sua discordância.
O STJ já se pronunciou a propósito do artigo 12.º-A, no Ac. de 28/05/2025[25], em cujo sumário se lê o seguinte:
«I. No caso vertente, está assente que se encontram verificados os índices da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do art. 12.º-A, do Código do Trabalho, ou seja, um total de cinco elementos em seis possíveis.
II. Para além desta significativa expressão quantitativa, acresce que estão verificados os índices de subordinação previstos nas alíneas a) e c), que são especialmente fortes, uma vez que os poderes de direção, supervisão e controle são elementos essenciais da relação laboral.
III. Sendo certo que a qualificação de determinada situação jurídica exige sempre uma abordagem holística, em que todos os factos e circunstâncias relevantes são tidos na devida conta, a favor de uma relação de trabalho subordinado, há a considerar, desde logo, uma forte inserção do estafeta na organização algorítmica da R., encontrando-se o mesmo, inclusivamente, enquanto elemento do respetivo serviço de entregas, abrangido por um seguro de acidentes pessoais.
IV. Conexamente com este elemento organizacional, também assume especial relevo a circunstância de pertencerem e serem geridas/exploradas pela R. a plataforma digital e aplicações a ela associadas (App), as quais – enquanto intermediário tecnológico no processo de transmissão dos dados relativos aos pedidos formulados pelo utilizador-cliente –são os instrumentos de trabalho essenciais do estafeta.
V. Toda a sua atividade está condicionada pela efetiva ligação/conexão a estas ferramentas digitais, pelo que, neste contexto, não assume relevo decisivo o facto de o estafeta escolher a área em que trabalha, poder recusar serviços e conectar-se/desconectar-se da aplicação sempre que o entenda, sem ter de cumprir qualquer horário predefinido, nem de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade.
VI. O estafeta encontrava-se na dependência económica da ré e trabalhou regularmente, em regra, diariamente. A existência de um horário de trabalho não é elemento essencial do contrato de trabalho, tal como nada obsta a que o trabalhador seja pago “à peça”, sendo que esta forma de cálculo da retribuição se reconduz, no fundo, a uma forma modificada do salário por tempo. Também não é de valorizar a circunstância de o estafeta poder alterar o valor base dos serviços mediante a aplicação de um multiplicador, uma vez que esta ferramenta era disponibilizada pela própria ré e dentro dos limites por esta fixados.
XII. Independentemente da margem de liberdade reconhecida ao estafeta no exercício da sua atividade, é indiscutível que esta é desenvolvida num quadro de regras específicas definidas pela empresa, a qual – nos termos que tem por adequados e consentâneos com a prossecução do seu modelo de negócio – também controla e supervisiona a atuação da contraparte, tal como tem a possibilidade de exercer o poder disciplinar, mediante a suspensão ou desativação da respetiva conta.
XII. Tudo a sugerir, pois, que o estafeta igualmente se encontrava sujeito à autoridade da R., sendo certo que a subordinação pode ser meramente potencial, não sendo necessário que se traduza em atos de autoridade e direção efetiva.
X. O conjunto de factos provados que de forma mais nítida aponta no sentido de uma relação de trabalho autónomo não é, naturalmente, desvalorizável. Mas, para além de tudo o que já antes ficou dito, impõe-se ter presente que (com maior ou menor expressão) tais elementos são os habitual e tipicamente verificados no plano das relações estabelecidas entre os estafetas e as empresas detentoras de plataformas digitais, elementos já oportunamente ponderados pelo legislador nacional – bem como pelas instâncias e vários países da União Europeia – e que não obstaram à introdução da presunção de laboralidade em apreço no ordenamento jurídico, a qual foi consagrada nos termos tidos por mais adequados e que são obrigatórios para os tribunais.
X. Não pode deixar de reconhecer-se que o facto de o estafeta pagar à R. uma taxa pela utilização da plataforma contrasta especialmente com a matriz típica de uma relação de trabalho subordinado.
XI. Todavia, de forma alguma se pode conferir a este elemento, só por si, relevância decisiva, tanto mais que, como se sabe, o recurso a cláusulas contratuais com características de autonomia se encontra com frequência associado ao abuso do estatuto de trabalhador independente e às relações de trabalho encobertas, flagelo que com a presunção de laboralidade em apreço se visou, precisamente, combater.
XII. Sem deixar de assinalar que, ao invés, no sentido da subordinação, há ainda a considerar o facto de o estafeta não ter qualquer obrigação de resultado para com a contraparte, bem como a circunstância de ele não assumir algum risco financeiro ou económico, conclui-se que a ré não logrou ilidir a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.»
Em suma, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que os elementos que apontam para a autonomia, embora relevantes, não são suficientes para a afastar a presunção legal de contrato de trabalho, sublinhando que a existência de autonomia formal não elimina, por si, só, a subordinação jurídica, sobretudo quando a atividade do estafeta se insere de forma estruturante na organização da plataforma, que detém poderes de direção, supervisão e controlo, ainda que exercidos de forma algorítmica e não tradicional.
E, com particular relevância, considerou que a dependência tecnológica do estafeta é análoga à utilização de equipamentos tradicionais fornecidos pelo empregador, reforçando a ideia de inserção do trabalhador na organização da empresa. Mesmo que o estafeta utilize meios próprios, a app e os sistemas digitais da plataforma são os verdadeiros instrumentos de trabalho, sem os quais a atividade não poderia ser exercida.
Como já tivemos oportunidade de escrever no Ac. desta Relação de 17/03/2025, já acima mencionado:
«Está hoje definitivamente ultrapassada a ideia de subordinação associada à emissão de ordens evidentes, directas e sistemáticas, por força da crescente autonomia técnica dos trabalhadores e das actuais formas de organização e de interacção laboral. O traço decisivo é o chamado elemento organizatório conforme espelhado na fórmula legal que refere actividade laboral como sendo a prestada “no âmbito de organização e sob a autoridade” de outrem -11º do CT/09.[26]
Donde, o fulcro da subordinação consistirá no facto de o prestador não trabalhar segundo a sua própria organização, mas sim inserido num ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário - António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 19º ed., p. 148.”
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[27] “A referência à integração do trabalhador no âmbito da organização do empregador, que é agora feita no contexto da noção de contrato de trabalho (art. 11º do CT), vem justamente salientar a componente organizacional do contrato de trabalho (…), e que, obviamente tem um valor qualificativo”.
Alterou-se, pois, o centro de gravidade da subordinação jurídica subjetiva (heterodeterminação da prestação de atividade, com presença dos poderes hierárquico, organizacional e disciplinar) para a subordinação jurídica objetiva (que leva em conta a integração do trabalhador na estrutura produtiva). »
E como se pode ler no Ac. RP de 16/06/2025 já supra identificado: «Esta perspetiva reflete uma adaptação do conceito de subordinação jurídica à realidade da economia digital, onde o controlo e a organização do trabalho são exercidos por via tecnológica. A questão torna-se mais clara se nos focarmo-nos, na integração, ou não, do estafeta na estrutura organizativa da Recorrente, beneficiária da sua atividade.
(…)
De facto, é fundamental ponderar as especificidades da atividade em questão. É inegável que a margem de liberdade operacional do estafeta é superior à dos trabalhadores ditos tradicionais (ex.: operário fabril, da construção civil, hotelaria, etc.)
Com efeito, o estafeta não está sujeito a deveres de assiduidade e pontualidade (por exemplo, pode não estar sempre disponível, escolher as faixas horárias de prestação de serviço e até recusar serviços específicos). Também não está sujeito a deveres de exclusividade ou de não concorrência (podendo trabalhar para várias plataformas, incluindo concorrentes). Por fim, utiliza instrumentos de trabalho próprios (automóvel, mota, bicicleta, smartphone e mochila).
Não obstante, mesmo assim, verificam-se traços indiciadores de subordinação bastante vincados:
-> O estafeta, tal como o motorista, não tem clientes próprios; os clientes pertencem à plataforma, que é quem interage com o mercado (os utilizadores instalam a app nos seus smartphones).
-> O estafeta efetua as entregas sob a marca da plataforma, prestando a sua atividade para uma organização produtiva externa (a da plataforma digital), sem possuir uma organização empresarial própria.
-> Não assume riscos de ganhos ou perdas, que são assumidos pela empresa sob cuja marca presta serviços.
-> É a plataforma que define o valor final a receber pelo estafeta caso este aceite o pedido de entrega, processando os pagamentos. Embora o estafeta não receba um valor fixo e periódico, o critério de determinação da remuneração é, em última análise, definido pela plataforma, apesar de o estafeta poder recusar a prestação do serviço, nomeadamente por discordar do valor proposto.
-> A plataforma controla a prestação do serviço em tempo real, através da gestão algorítmica e de sistemas de geolocalização constante do estafeta e do cliente, impedindo que o serviço seja realizado de forma independente.»
O acabado de transcrever tem plena aplicação no caso aqui em apreciação.
Não podemos ainda deixar de referir, mais uma vez transcrevendo o citado Ac. RP de 17/03/2025, que:
“ (…) a possibilidade de o estafeta escolher os dias e horas em que quer ligar-se à aplicação da recorrida e de não aceitar ou rejeitar os pedidos, definindo o número de pedidos que pretende realizar, também não é suficiente para descaracterizar o laço de subordinação jurídica que acima concluímos existir entre o estafeta e a recorrida.
Não se ignora que são possibilidades estranhas à tradicional conceção do contrato de trabalho, mas não se pode ignorar que o poder de direção e de conformação da atividade do trabalhador tem vindo a perder relevância na distinção e qualificação do contrato de trabalho.
Desde logo, foi abandonada na noção de contrato de trabalho a referência à direção pelo empregador, como já acima referimos e aqui reiteramos.
São várias as situações consagradas pelo CT em que o poder de direção, a existir, não pertence ao empregador (contrato de trabalho temporário, cedência ocasional de trabalhadores, por exemplo).
O regime do teletrabalho, esbateu os deveres de assiduidade e pontualidade e o alcance o poder de direção do empregador.
A consagração do contrato de trabalho intermitente, remete-nos para situações em que o contrato de trabalho não pressupõe a execução permanente de atividade pelo trabalhador.
Por outro lado, na nossa perspetiva, é de importância fulcral a captação da realidade da era digital em que nos encontramos, que constituiu referência do «Livro Verde Sobre o Futuro do Trabalho», 2021, para a recomendação de criação da presunção de laboralidade adaptada às plataformas digitais podendo ler-se na pág. 172 que se tornou necessário «[c]riar uma presunção de laboralidade adaptada ao trabalho nas plataformas digitais, para tornar mais clara e efetiva a distinção entre o trabalhador por conta de outrem e o trabalhador por conta própria, sublinhando que a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital». (sublinhado nosso)
E como refere Monteiro Fernandes «Há, pois, uma progressiva desvalorização dos comportamentos diretivos na caracterização do trabalho subordinado. Se se adotar como critério identificativo a ocorrência de ordens e instruções pelas quais o trabalhador, em regime de obediência, paute o seu comportamento na execução do contrato, deixar-se-á à margem da regulamentação laboral um número crescente de situações de verdadeiro “emprego”, em tudo merecedoras do mesmo tratamento. Na verdade, a subordinação consiste, essencialmente, no facto de uma pessoa exercer a sua atividade em proveito de outra, no quadro de uma organização concebida, ordenada e gerida por essa outra pessoa. O elemento organizatório implica que o prestador de trabalho está adstrito a observar parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário, submetendo-se, nesse sentido, à autoridade que ele exerce no âmbito da organização de trabalho, ainda que execute a sua atividade sem, de facto, receber qualquer indicação conformativa que possa corresponder à ideia de “ordens e instruções”.»
Assim, a situação retratada no recurso, evidencia que, o vínculo estabelecido entre o estafeta e a recorrida tendo as especificidades próprias da prestação de atividade às plataformas digitais, consiste afinal numa relação de efetiva subordinação jurídica, entendida sob a nova roupagem que lhe conferem as hodiernas formas de organização do trabalho, não deixando de comungar do que no essencial define o contrato de trabalho, ou seja, a inserção do estafeta na organização produtiva da recorrida e a sua sujeição à autoridade desta.»
E retornando ao Ac. do STJ de 28/05/2025, já identificado, também nessa parte com inteira aplicação no caso dos autos:
«Toda a sua atividade está condicionada pela efetiva ligação/conexão a estas ferramentas digitais (“A partir do momento em que o estafeta se coloca na aplicação em modo de disponibilidade a plataforma fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização, sendo este indispensável ao exercício da atividade para a atribuição dos pedidos dos clientes da Ré e para cálculo do valor do serviço” – nº 18 da matéria de facto), pelo que, neste contexto, não assume relevo decisivo o facto de o estafeta escolher a área em que trabalha, poder recusar serviços e conectar-se/desconectar-se da aplicação sempre que o entenda, sem ter de cumprir qualquer horário predefinido, nem de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade (nºs 48 a 51 da matéria de facto).
A existência de um horário de trabalho não é elemento essencial do contrato de trabalho, tal como nada obsta a que o trabalhador seja pago “à peça”, sendo que esta forma de cálculo da retribuição se reconduz, no fundo, a uma forma modificada do salário por tempo. Também não é de valorizar a circunstância de o estafeta poder alterar o valor base dos serviços mediante a aplicação de um multiplicador, uma vez que esta ferramenta era disponibilizada pela própria ré e dentro dos limites por esta fixados (cfr. ponto 46º da matéria de facto).»
Diremos ainda que não obsta à qualificação do contrato como contrato de trabalho, o facto de o estafeta em causa nos autos trabalhar a tempo inteiro numa fábrica, tendo já feito serviços através de outra plataforma.
Na verdade, nenhum impedimento existe à cumulação de duas atividades profissionais, desde que uma não impeça o exercício da outra e, no caso, desconhecem-se as concretas condições em que o estafeta exerceu atividade para a outra plataforma (desde quando, com que periodicidade, rendimentos auferidos, etc).
E de resto, ficou provado que a atividade era exercida para a recorrente entre as 19h e as 22 horas, nada obstando à cumulação do contrato de trabalho na fábrica com um contrato de trabalho a tempo parcial.
Assim, sem necessidade de considerações adicionais, concluímos que a recorrente não provou factos necessários para ilidir a presunção legal de existência de contrato de trabalho prevista no citado art.º 12.º-A do Código do Trabalho, pelo que, em consequência, opera a presunção aí estabelecida, impondo-se a improcedência da argumentação que serviu de base ao recurso e o reconhecimento do contrato de trabalho.
E tal reconhecimento produz efeitos à data do registo do estafeta na plataforma, em 01/07/2021, já que, ainda que os factos relevantes para concluir pela verificação da presunção de contrato de trabalho sejam os ocorridos a partir da entrada em vigor da presunção (01/05/2023 como já vimos acima), está em causa uma mesma relação contratual em que se mantêm, sem diferenças relevantes para este efeito [as alterações introduzidas pela recorrente (facto provado 93) foram consideradas irrelevantes do ponto de vista da ilisão da presunção], as condições da respetiva execução da sua execução[28].
Em todo o caso, sempre se chegaria à mesma conclusão, já que, ainda que não fosse de presumir a existência do contrato de trabalho no período de 01/07/2021 até 01/05/2023 por não se verificarem pelos menos dois dos indícios da presunção estatuída pelo art.º 12.º do CT (em rigor apenas a característica a que se refere a al. b) seria de considerar verificada), sempre dos factos provados, analisados à luz do método indiciário ou tipológico, resulta demonstrado que o estafeta prestava a sua atividade à recorrente, no âmbito da organização e sob a autoridade da mesma.
Assim, sem necessidade de considerações adicionais, concluímos que a Recorrente não provou factos necessários para ilidir a presunção legal de existência de contrato de trabalho prevista no citado art.º 12.º-A do Código do Trabalho, tendo como consequência que opera a presunção aí estabelecida.
Improcede, pois, nesta parte a apelação, confirmando-se, com apenas com as alterações à matéria de facto acima decididas, a, a sentença recorrida.
É vencida a parte que não obtém a satisfação (total ou parcial) dos seus interesses e como se refere no Ac. do STJ de 06/12/2017[29], cujo entendimento se subscreve: «I. O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão.
II. A decisão de facto inserida em sentença ou acórdão não constitui ato decisório autónomo, assumindo antes a natureza de fundamento no quadro e economia da decisão final ali proferida.»
Por isso, ainda que a impugnação da decisão da matéria suscitada pela recorrente tenha sido julgada parcialmente procedente, tendo a mesma decaído na apelação, são da sua responsabilidade as custas do recurso, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.
Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida, com as alterações introduzidas na matéria de facto provada..
Custas da apelação pela recorrente.