I - O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efetuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus.
II - Com efeito, o tribunal superior - qualquer tribunal - tem o dever de obediência à lei, sendo por isso inaceitável que se torne num mero espectador e não possa intervir quando verifica que a qualificação jurídica dos factos que está a apreciar se mostra incorreta.
III - Tendo sido, designadamente, dado como assente que o arguido manteve relação de cópula completa com a vítima - sua enteada, que com ele coabitava e que tinha treze anos de idade - contra a sua vontade, mediante o uso da força física e colocando-a numa situação de impossibilidade de resistir, encontrando-se igualmente demonstrado o elemento subjetivo desse crime e das circunstâncias agravantes, mostra-se provado o crime de violação agravada p. e p. nos arts. 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.os 1, al. b) e 8, do CP.
IV - A atenuação especial da pena só em casos verdadeiramente extraordinários ou excecionais pode ter lugar, devendo para o efeito serem provados factos que, numa análise global da conduta do agente, diminuam, por forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
V - Tal não ocorre quando, embora o agente tenha confessado integralmente e sem reservas os factos praticados, não exista prova do seu arrependimento e, pelo contrário e designadamente, a ilicitude seja muito elevada, o dolo direto e muito intenso, as consequências do crime graves e as necessidades de prevenção geral muitíssimo altas.
VI - Sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida da pena - parcelar ou única - por este STJ abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
VII -Na apreciação das decisões recorridas e dos respetivos recursos o tribunal superior apenas pode levar em conta os factos dados como provados e já não o que o arguido entende que foi apurado, os juízos conclusivos sem qualquer apoio na matéria de facto assente nem os factos repetidamente enunciados, ainda que com formulação diversa.
VIII-Não tendo sido violados os aludidos princípios, tendo o arguido cometido o crime de violação agravado acima mencionado, sendo a ilicitude muito alta, o dolo direto e intenso, as consequências do facto graves, registando-se confissão - desacompanhada de arrependimento -, sendo o arguido primário e devidamente inserido em termos sociais, profissionais e familiares e mostrando-se que as necessidades de prevenção especial não são particularmente acentuadas mas as necessidades de prevenção geral são muito altas, não se mostra desproporcionada a pena de 6 anos de prisão a qual, aliás, só não pode ser aumentada devido ao princípio da proibição da reformatio in pejus.
Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:
A - Relatório
A.1.A decisão da primeira instância.
Através de acórdão proferido a 21 de maio de 2025, pelo Juízo Central Cível e Criminal de ... – Juiz 2, AA foi condenado, como autor material e na forma consumada da prática do crime abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, na pena de seis anos de prisão.
A.2. O recurso
O arguido não se conformou com essa decisão, pelo que dela recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, o qual se declarou – e bem – materialmente incompetente e determinou a remessa dos autos para este Supremo Tribunal de Justiça.1
O arguido termina a sua peça recursiva com as seguintes conclusões (transcrição integral):
“CONCLUSÕES
1.O arguido foi condenado na pena de prisão de 6 anos pela prática de um crime de abuso sexual de criançasagravado,nos termos dos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal.
2.O arguido tem plena consciência da gravidade do crime que cometeu, e o presente recurso não pretende minimizar a natureza dos factos criminosos nem desconsiderar a sua gravidade objetiva
3.Considera-se, porém, que o Tribunal a quo não valorou de forma esgotante a postura processual de colaboração e de arrependimento que o arguido assumiu desde o primeiro momento.
4.O objetivo deste recurso visa assim, e apenas, discutir a medida da pena.
5.Desde o primeiro momento dos presentes autos o arguido confessou os factos, mostrou arrependimento e colaborou com a investigação e com o Tribunal.
6.Em concreto, o arguido deslocou-se voluntariamente à GNR no dia do crime, pondo-se completamente à disposição das autoridades, na perfeita consciência de que fizera algo muito grave e de que as medidas de coação poderiam ser as mais graves.
7.No primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o arguido confessou os factos do despacho de apresentação, sem qualquer cálculo, emenda, tergiversação ou falsa justificação, estando visivelmente emocionado, o que foi reconhecido pela Meritíssima Juiz.
8.Mais tarde, no contexto de audição para ponderação da obrigação de permanência na habitação, o arguido mostrou novamente arrependimento e vergonha, emocionando-se
9.Em audiência de julgamento, o arguido confessou novamente os factos sem qualquer cálculo, emenda, tergiversação ou falsa justificação, estando visivelmente emocionado, demonstrando sincero arrependimento e consciência da gravidade dos seus atos.
10.O Tribunal a quo reconheceu o caráter integral e sem reservas da confissão do arguido.
11.De forma consistente e séria, ao longo de todo o processo, o arguido confessou os factos, mostrou arrependimento, culpa e vergonha e reconheceu a gravidade do crime cometido.
12.Esta postura processual não apaga o crime nem diminui a gravidade ou a ilicitude do mesmo, mas é relevante para a correta ponderação das exigências de prevenção especial e de reintegração do arguido na sociedade.
13.Inclusive, a lei prevê como causa de atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, alínea c) do Código Penal, ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente.
14.O comportamento processual do arguido só é assumível por quem tem plena consciência da gravidade do que fez, e por quem transporta consigo uma culpa e uma vergonha elevadas e genuínas.
15.Por outro lado, com a postura assumida, o arguido facilitou o labor probatório e investigatório das autoridades, nunca tendo atrasado o processo, feito chicana processual ou obstruído ou estorvado a ação da justiça.
16.Assim, é aplicável ao presente caso o disposto no artigo 72.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do Código Penal, situando-se a moldura penal abstrata do crime entre os 9 meses e 15 dias e os 8 anos e 8 meses de prisão.
17.Paralelamente, importa ter em conta alguns dos factos considerados provados que abonam ao arguido.
18.Do facto provado 23 resulta que o arguido não tem quaisquer adições e assume um comportamento socialmente normal; resulta também de tal facto que o arguido é uma pessoa com ética de trabalho, revelando capacidade de sacrifício em prol de terceiros, força de vontade e carácter. Até à data dos factos, o arguido gozava de boa imagem social, sendo tido como uma pessoa idónea.
19.O arguido mantém relação com todos os filhos biológicos, encontrando-se neste momento a cumprir a medida de coação na casa de seus pais, tendo por isso laços familiares sólidos. Acresce que os familiares mostram constrangimento e deceção pelos factos praticados pelo arguido, pelo que o mesmo não se encontra num ambiente laxista.
20.Sublinha-se também que, em face do percurso de vida do arguido, não surpreende o facto provado 24, do qual resulta que o arguido não tem antecedentes criminais, não surpreendendo tão-pouco o conteúdo do relatório social, que indica a execução das medidas de coação, primeiro em cárcere, depois em casa, sem quaisquer incidentes.
21.Pelo exposto, pode concluir-se com segurança o seguinte:
a. O arguido tem plena consciência da gravidade do crime cometido;
b. O arguido está arrependido do crime cometido e sente culpa e vergonha pelo que fez, possuindo consciência crítica sobre os seus atos;
c. O arguido colaborou desde o primeiro momento, sem quaisquer reservas, com as autoridades, contribuindo para o rápido andamento dos autos, facilitando o labor probatório e investigatório das autoridades, e poupando algumas testemunhas de reviverem os factos em juízo;
d. O arguido está socialmente inserido, teve uma vida de estudos e de trabalho, e tem um percurso pessoal e profissional de luta e de esforço, revelando nas opções tomadas carácter, força de vontade e preocupação com a família;
e. O arguido dispõe de todas as competências intelectuais e motoras para dedicar a sua vida ao trabalho honesto;
f. O arguido não tem antecedentes criminais, nem possui uma personalidade deformada, repugnante, isenta de valores ou de esteios morais, impreparada para uma sã convivência social, impossibilitadora de conformação normativa ou de pensamento crítico ou consequencial;
g. O crime cometido é um evento isolado na vida do arguido, não escorado numa personalidade estruturalmente perversa ou repugnante;
h. O arguido dispõe de família que o ampara mas que demonstra consciência crítica face ao que aconteceu, não vivendo num ambiente laxista.
22.Neste contexto, a pena concretamente fixada deve ser revista, nos termos do artigo 71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
23.Não se pondo em causa o grau de ilicitude dos factos e da culpa do arguido, agravada pelos laços de afinidade existentes com a ofendida, sublinha-se que o arguido está preparado para manter uma conduta lícita.
24.Por outro lado, sendo inegáveis as necessidades de prevenção geral, as necessidades de prevenção especial encontram-se atenuadas, não só pelas várias e consistentes demonstrações de culpa, vergonha, arrependimento e consciência crítica e pela ausência de registo criminal, mas também pelo período de reclusão que o arguido vem passando desde 19 de agosto de 2024.
25.Face ao que vem exposto, o arguido considera que a pena concretamente fixada deve situar-se nos 3 (três) anos de prisão.
26.Esta pena deve ser suspensa, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, pelo período de 5 anos, acompanhada de um rigoroso regime de obrigações e injunções:
a. Condicionar a suspensão ao pagamento da compensação pecuniária à ofendida, ao abrigo do artigo 51.º, n.º 1,alínea a)do Código Penal, sendo que pelo menos em cada um dos 5 anos deve o arguido entregar € 2 000 à ofendida;
b. Proibir o arguido de contactar por qualquer meio com a ofendida durante os 5 anos da suspensão, nos termos do artigo 52.º, n.º 2, alínea d) do Código Penal;
c. Proibir o arguido de se estar a menos de 500 metros do local de residência da ofendida e do estabelecimento de ensino ou local de trabalho desta durante os 5 anos da suspensão, nos termos do artigo 52.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal
d. Proibir o arguido de estar com os seus filhos biológicos menores quando desacompanhado de outras pessoas maiores, preferencialmente os avós paternos ou os tios paternos, durante os primeiros 3 anos da suspensão, nos termos do artigo 52.º, n.º 2, alínea d) do Código Penal;
e. Proibir o arguido de se ausentar da sua residência durante os fins de semana e feriados,exceto se for para trabalhar, durante as folgas, se forem emdiasúteis, e durante férias laborais nos primeiros 2 anos da suspensão, com fiscalização pelos serviços de reinserção social através de meios técnicos de controlo à distância, nos termos do artigo 51.º, n.º 4, 52.º, n.º 1, alíneas a) e c), 2 e 4, todos do Código Penal;
f. Sujeitar o arguido a regime de prova,nos termosdo artigo 53.º,n.º 4 do Código Penal.
27.Esta solução, para além de se ajustar melhor às necessidades de prevenção especial e ao fim das penas, permite ainda ao arguido retomar a sua atividade profissional, obtendo assim proventos financeiros para pagar a compensação à ofendida e para apoiar os seus filhos biológicos menores.
28.Reenviar o arguido para a prisão depois de este ter de lá saído para ficar em casa com pulseira não parece fazer sentido do ponto de vista da prevenção especial e da reintegração social.
29.Caso não se entenda ser de suspender a pena de prisão de 3 anos, e considerando que, previsivelmente, os presentes autos não serão decididos pelo Tribunal ad quem antes de 19 de agosto de 2025, suscita-se a possibilidade de ser aplicada a obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância eletrónica nos termos conjugados dos artigos 43.º, n.º 1, alínea b) e 80.º, n.º 1 do Código Penal.
30.Nos termos do artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código Penal, o Tribunal deve, caso entenda ser de aplicar a prisão domiciliária:
a. autorizar as saídas do arguido para exercício de atividade profissional ou para entrevistas ou outras diligências com vista à obtenção de trabalho
b. impor ao arguido a frequência de programas de prevenção de criminalidade sexual;
c. impor ao arguido o pagamento de pelo menos € 5 000 à ofendida, por conta da compensação financeira arbitrada, até ao termo da pena de 3 anos;
d. Proibir o arguido de contactar por qualquer meio com a ofendida;
e. Proibir o arguido de estar com os seus filhos biológicos menores quando desa-companhado de outras pessoas maiores, preferencialmente os avós paternos ou os tios paternos.
31.Note-se que neste regime não se aplica a liberdade condicional, conforme artigo 43.º, n.º 5 do Código Penal.
32.Caso não se entenda ser de aplicar a atenuação especial da pena, entende-se que a pena de prisão não deve ser superior a 5 anos, devendo a mesma ser suspensa nos exatos termos acima indicados.
33.Independentemente de ser ou não aplicável aos presentes autos a atenuação especial da pena, a pena concretamente fixada de 6 anos de prisão, conforme determinada pelo Tribunal a quo, afigura-se excessiva face a outras penas determinadas ao abrigo de outros processos, de gravidade superior, em que os crimes foram repetidos ao longo do tempo.”
1.3. Resposta do MP
O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta2 na qual formulou, designadamente, as seguintes conclusões (transcrição parcial):
“IV Das Conclusões:
(…)
6 - Na determinação da pena, o Tribunal Coletivo a quo ponderou em que circunstânciasocorreuo crime, ograudeilicitudedosfactos,a natureza doculpa,o motivo determinante da conduta, a situação pessoal do recorrente, as suas condições de vida, bem como a necessidade degarantira reprovação e a prevenção de crime– que temuma grande incidência com efeitos tão perversos e a ausência de antecedentes criminais, as fortes exigências em termos de prevenção geral.
7 - As considerações tecidas na decisão recorrida não revelam qualquer incoerência ou desproporcionalidade na fixação da medida concreta da pena, não suscitando a necessidade de correção da decisão, visto que nela se observaram os critérios de determinação da pena concreta, foram adequadamente atendidos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
8 - Assim, bem decidiu o Tribunal Coletivo a quo em fixar ao recorrente a pena de 06 anos de prisão.
9 – A operatividade do instituto da suspensão da pena de prisão, consagrado no artigo 50º depende, da verificação de pressupostos formais e materiais.
10 - O pressuposto formal é de a pena ser inferior a 05 anos de risão, o que não se verifica in casu,
11 – Mas caso se assim entenda, alterando-se a pena de prisão determinada pelo Tribunal Coletivo a quo para uma pena inferior ou igual a 05 anos de prisão, “O pressupostomaterialdasuspensãodaexecuçãodapenaéodaadequação dameracensura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial”,
12 - Atentas as circunstâncias concretas do caso, deve-se afastar a suspensão da pena de prisão do recorrente porque a ameaça da execução da mesma não será suficiente para que o recorrente toma consciência da gravidade do seu comportamento e das consequências irreparáveis que este tipo de criminalidade provoca nas indefesas vítimas.
13 - As exigências de prevenção geral e as de prevenção especial o impedem.
14 - Os atos sexuais que envolvem menores são hediondos, constituem violações graves dos direitos fundamentais, em especial do direito da criança à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar.”
1.4. Parecer
O Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Alto Tribunal emitiu douto e muito extenso parecer no qual entende que o recurso não merece provimento.
Nesse parecer é, designadamente, consignado o seguinte (transcrição parcial):
1. “1- No que se refere à solicitada atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, alínea c) do Código Penal, consistente no invocado arrependimento sincero:
Ao contrário do que o recorrente alega, não está provada nenhuma circunstância que se possa reconduzir ao pretendido preenchimento da alínea c), do n.º 2, do artigo 72.º do Código Penal, ou seja:
“c) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
Portando, o invocado arrependimento, sem substrato factual e objetivo que lhe dê consistência e relevância subsuntiva, não passa de mera declaração do recorrente, sem os correspondentes atos demonstrativos do arrependimento e sem a respetiva realidade processual e probatória que os sustente. Portanto, a declaração de arrependimento não pode, por si só, ser equivalente à prática de atos demonstrativos do arrependimento sincero do agente.
Por um lado, não sendo sequer congeminável que as manobras do arguido para evitar a gravidez da enteada posteriormente ao ato sexual praticado contra a vontade desta pudessem ser considerados atos demonstrativos de arrependimento – avaliação que nem sequer o recorrente faz, pois, como se refere no acórdão recorrido, tal comportamento apenas revela a consciência plena do abuso grave por si cometido –, não vemos que tenha havido qualquer reparação dos danos causados que pudesse indiciar qualquer arrependimento sincero nos termos da lei e dos fatores exemplificativos nela previstos. Ou seja, tendo sido à custa da inocência da vítima que prevaleceu a satisfação dos instintos sexuais do recorrente com recurso à força exercida sobre a enteada com quem convivia familiarmente para lograr manter com ela cópula vaginal, não se vê nisso qualquer constrangimento moral, sentimento de culpa ou de arrependimento pelos danos físico–psíquico–sociais causados àquela que possa mitigar a imagem global dos factos na qual está manifestada uma personalidade malestruturada e patológica por desvinculada de sentimentos de proteção do bem estar da enteada–vítima–criança e dos padrões sociais de normalidade.
Também a confissão e colaboração invocadas não constituem bases suficientes para sustentar qualquer atenuação especial da pena enquanto válvula de segurança do sistema prevenindo as situações não expressamente previstas na lei, em que a imagem global do facto surge de tal forma atenuada, que escapa ao padrão normal dos casos previstos pelo legislador quando estabeleceu a moldura penal para o tipo de crime, de modo a evitar que a aplicação desta moldura acarrete a fixação de uma pena concreta superior à medida da culpa do agente e à requerida pelas exigências de prevenção1.
Na verdade, a confissão e colaboração invocadas, além de não estarem sequer na origem do processo (que se iniciou por queixa da mãe da criança–vítima, seguido de diligências inspetivas de recolha de prova pela PJ), estão longe de terem sido a prova principal e muito menos exclusiva da condenação, pois a decisão condenatória numa panóplia de meios de prova devidamente conjugados, entre eles Relatório n.º 20240176... – SLC – fls. 77 a 83; Relatório da Perícia de Natureza Sexual em Direito Penal n.º 2024/0665... – fls. 120 a 122; Relatório Serviço de Telecomunicações e Informática – fls. 189 e 190 (CD/DVD contracapa) Exame Pericial n.º 2024061...-BBG e Perfil Genético – fls. 204, 205, 207 e 208; Relatório de Exame Pericial n.º 2024084...-BBG – fls. 211; Informação AIMA - Identificação de BB – fls. 56; Informação AIMA - Identificação do arguido – fls. 57; Informação AIMA – Identificação CC – fls. 58; Auto de Inspecção Judiciária – fls. 59 a 61; Auto de Apreensão – fls. 75; Informação Segurança Social – fls. 133; Informação AIMA – fls. 137 a 151; Auto de diligência – fls. 185; Factura/recibo de farmácia – fls. 186; Auto de Visionamento e Registo de Imagens – fls. 191 a 192; Folha de suporte – print mensagens – fls. 199 a 201; com as declarações do arguido, o qual, de uma forma integral e sem reservas, confessou os factos pelos quais se encontrava acusado; o CRC, o Relatório social. Portanto, o arrependimento, colaboração e confissão não têm relevante utilidade para o sentido decisório.
Por outro lado, as circunstâncias enumeradas no normativo em causa, além de exemplificativas, não são de funcionamento automático, dependendo previamente da comprovação no caso concreto de se ter verificado acentuada diminuição da ilicitude, da culpa e da necessidade da pena. Não é o que sucede no presente caso, pois tanto a ilicitude, quanto a culpa revelada nos factos ou mesmo a necessidade da pena não se mostram acentuadamente diminuídas; bem pelo contrário, conforme está expresso no acórdão recorrido quanto à determinação da medida da pena, na qual a elevada ilicitude da conduta e do juízo de censurabilidade elevado resultante do dolo direto e da plena consciência do ato gravemente violador da autodeterminação sexual da sua enteada estão bem vincadas e evidenciadas na caracterização da imagem global do facto e da personalidade do arguido.
Também a ausência de antecedentes criminais e a alegada boa inserção social/familiar/laboral não têm excecional valor atenuativo por ser conduta exigida a todo e qualquer cidadão minimamente inserido e que não diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa ou a necessidade da pena.
(…)
2 - No que se refere à excessividade da pena:
Todos os fatores relevantes tiveram ilustração suficientemente patenteada no acórdão recorrido, no modo e relevância acima citados, sem se ter esquecido as circunstâncias atenuantes a que o recorrente faz apelo, ainda que não na tonalidade e com a intensidade que reclama, pois há também que não esquecer que a confissão não representou – pelo menos com respaldo nos factos provados – consciencialização do arguido quanto aos potenciais danos causados à vítima–menor ou preocupação quanto ao seu bem–estar, o que compromete a interiorização do desvalor da conduta, e que a ausência de antecedentes criminais não assume especial relevo neste tipo de criminalidade, empiricamente associada a agentes bem inseridos socialmente e por norma cumpridores das regras, que não concorrem relevantemente com as elevadas exigências de prevenção geral
(…)
Não se vê razão para censurar ou corrigir a medida da pena aplicada, pois nem o tribunal recorrido usou de critérios inadequados ou legalmente irrelevantes, nem se vislumbra erro ou insuficiência na escolha dos fatores determinantes da pena, face ao disposto pelo artigo 71.º do Código Penal.”
1.5. Contraditório
O arguido apresentou resposta, na qual mantém a posição já vertida nas suas alegações do recurso.
Assim e também designadamente, sublinha, de forma enfática e para defender o uso de atenuação especial da pena, o valor da confissão integral e sem reservas, bem como o seu sincero arrependimento, contrariando inclusivamente algumas das afirmações daquele magistrado.
1.6. Acórdão do STJ
Apreciando, decidiu este Supremo Tribunal de Justiça, através de acórdão proferido a 9 de outubro de 2025, o seguinte:
“III. Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em decidir o seguinte:
- compulsados os autos constata-se que os factos julgados provados na decisão recorrida poderão ser susceptíveis de integrar a prática pelo arguido, não de um crime de crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal, mas sim, em concurso real e efectivo, de um crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164.º/1 e 2 alínea a) e 177.º/1 alínea b) e 8 CPenal, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal e de um outro crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal;
- ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 424.º CPPenal, determina-se se efectue a comunicação desta enunciada alteração da qualificação jurídica dos factos constantes do acórdão condenatório.
Notifique, sendo o arguido para, querendo, em 10 dias se pronunciar.”
1.7. Posição adotada pelos sujeitos processuais face à notificação desse acórdão
1.7.1. Resposta do arguido
Em síntese, o arguido opõe-se à alteração jurídica dos factos constantes no acórdão condenatório por tal estar vedado pelo princípio da proibição da reformatio in pejus.
“Considera inconstitucional a norma constante, isolada ou conjugadamente, dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea b), 409.º, n.º 1, 424.º, n.º 3, 432.º, n.º 1, alínea c) e 434.º do Código de Processo Penal, no sentido segundo o qual o tribunal de recurso pode condenar o arguido, em concurso real e efetivo, por mais crimes do que o tribunal recorrido ou fixar penas concretas para os crimes que acrescentou, em concurso real e efetivo, à condenação do arguido pelo tribunal recorrido, com base nos factos dados como provados pelo tribunal recorrido, quando apenas o arguido interpôs recurso, por violação do direito ao recurso enquanto garantida de defesa no processo criminal, previsto no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição.”
Entende, ainda, que não existe matéria de facto para suportar – quer em termos objetivos quer em termos subjetivos - a condenação por dois crimes (um na forma consumada e outro na forma tentada) de crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, nºs 1 e 2 e 177.º, nº1, alíneas a) e b) ambos do Código Penal.
1.7.2. Resposta do Ministério Público.
Também em síntese, o Ministério Público concorda com a alteração da qualificação jurídica da matéria de facto no que concerne ao crime de violação agravada, mas já discorda no que tange aos dois crimes de abuso sexual de crianças agravado.
Com efeito, embora entenda, por razões algo diversas das constantes no acórdão supra, que a factualidade dada como provada no ponto 15 permitiria imputar ao arguido dois crimes de abuso sexual de crianças agravado, conclui que tal não é viável por falta de factos que demonstrem a existência do elemento subjetivo desses crimes.
* * *
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
B - Fundamentação
B.1. âmbito do recurso
O âmbito do recurso delimita-se, como já atrás se referiu, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença ( artigo 379º, nº do Código de Processo Penal).
Assim e em suma, as questões a apreciar no presente recurso são as seguintes:
- A eventual aplicação de atenuação especial da pena;
- A alegadamente excessiva medida concreta da pena aplicada.
B.2. Matéria de facto dada como provada
Para dar resposta às questões suscitadas pelo recorrente e, bem assim, à problemática da qualificação dos factos cometidos pelo arguido, impõe-se que passemos a consignar o que ficou apurado.
Assim, foi considerado provado3 o seguinte4:
“Os Factos:
Com interesse para a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido AA (doravante, AA), pelo menos desde 2014 e até 18.08.2024, residiu com CC numa relação análoga à dos cônjuges.
2. À data de 18.08.2024 o arguido AA e CC tinham a sua residência e do respectivo agregado familiar, na Rua 1, na localidade de Ferreira do Alentejo.
3. O agregado familiar do arguido AA era composto, para além do próprio, pela companheira CC, pelos três filhos menores do casal e pela filha da companheira - BB (doravante BB), nascida em D.M.2010.
4. No dia 18.08.2024, pelas 04 horas, na residência da família, o arguido AA entrou no quarto de BB, sua enteada, de 13 anos de idade, e da filha DD (doravante, DD), nascida em D.M.2021, de 2 anos de idade, dirigiu-se à cama que as crianças partilhavam e aproximou-se de BB.
5. Acto contínuo, o arguido AA agarrou nos dois braços de BB, pôs o seu corpo em cima do corpo dela, imobilizou-a mediante o emprego de força física, beijou-a na boca, beijou-a nos seios, com as mãos tocou-lhe nos seios, desviou-lhe os calções e as cuecas para o lado, acariciou-lhe e introduziu-lhe os dedos na vagina e, após, introduziu o seu pénis erecto na vagina.
6. O arguido AA, após introduzir o pénis na vagina de BB, friccionou-o, fazendo movimentos de entrada e saída, até atingir o orgasmo e terminou a ejacular na barriga dela.
7. O arguido AA provocou muita dor e sangramento a BB.
8. Foi a primeira relação sexual de cópula vaginal de BB.
9. Após o arguido AA ordenou a BB que parasse de chorar, que fosse à casa de banho limpar-se e que se mantivesse em silêncio.
10. O arguido AA actuou sempre sob oposição de BB, que tentou, sem sucesso, afastar a cara para evitar os beijos e o corpo para evitar o contacto físico, ao mesmo tempo que implorava dizendo, repetidamente «Pára, não faças isso!»
11. O arguido AA actuou do modo supra descrito com a filha DD a dormir, na mesma cama, deitada ao lado de BB.
12. O arguido AA não usou preservativo.
13. No mesmo dia 18.08.2024, pelas 11 horas, o arguido AA entregou a BB um comprimido «Postinor, 1,5 mg», vulgo, pílula do dia seguinte, anticonceptivo de emergência, por si adquirido naquele mesmo dia, e disse-lhe «bebe isto para o caso de …».
14. Na véspera, no final da tarde do dia 17.08.2024, num dos quartos da residência, o arguido tentou beijar a BB, não tendo logrado porque esta se esquivou e fugiu.
15. Em meados de Abril de 2024, em duas ocasiões distintas, o arguido apalpou BB por cima da roupa, nos seios, rabo e vagina.
16. Em datas não concretamente apuradas, mas anteriores ao dia 18.08.2024, por várias vezes distintas, o arguido entrava na casa de banho quando BB estava a tomar banho, sendo que o poliban do duche tem vidro transparente.
17. O arguido AA sabia que BB tinha 13 anos de idade, era sua enteada, que o reconhecia como se fosse um pai e com ele coabitava.
18. O arguido AA sabia que DD tinha dois anos de idade, era sua filha, estava a dormir na mesma cama, podia acordar durante a sua supra descrita conduta e assistir à mesma, o que só não sucedeu por razões alheias à sua vontade.
19. O arguido AA sabia que BB não queria manter relações sexuais, e ainda assim, quis e conseguiu forçá-la a manter consigo cópula vaginal completa, contra a sua vontade, através do recurso à força física que exerceu sobre o corpo daquela, com intuito de satisfazer o seu desejo sexual e os seus instintos libidinosos, indiferente às consequências de tal actuação sobre a mesma, prejudicando-a no seu normal e são desenvolvimento e atentando contra a sua autodeterminação sexual.
20. O arguido AA agiu com o propósito concretizado de manter relações sexuais de cópula vaginal com BB, bem sabendo que o fazia contra a vontade desta e que ofendia a sua dignidade e autodeterminação sexual, aproveitando-se da circunstância de a ofendida se encontrar desprevenida, não lhe conseguir oferecer resistência, em face da superioridade física do arguido, que lhe prendeu os movimentos, limitou e impediu a sua capacidade de reacção e defesa.
21. O arguido AA previu e sabia que BB estava impedida de gritar ou chamar por ajuda com receio de acordar a irmã que dormia ao seu lado.
22. O arguido AA em todas as supra descritas condutas agiu de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que eram proibidas e punidas pela lei penal.
Mais se provou relativamente ao arguido:
23. À data da instauração do presente processo, AA, de nacionalidade venezuelana, integrava agregado próprio, constituído pela esposa, pelos três filhos do casal (um rapaz de oito anos, uma rapariga de dois anos, e um rapaz de um ano) e pela enteada com treze anos de idade. Sem adições e uma postura normal, aos 25 anos casou-se em primeiras núpcias, matrimónio que, por incompatibilidades relacionais, terminou passados cerca de sete anos. Desta união teve um filho, actualmente com vinte e um anos, autónomo e residente em Lisboa, com quem mantém relacionamento. AA uniu-se maritalmente a CC em 2014, quando a filha da então companheira tinha três anos de idade. Em 2015 casou-se em segundas núpcias com CC. Em Julho de 2018 AA veio para Portugal, com o intuito de melhorar a condição económica da família, e mais tarde, em Outubro de 2019 veio a esposa, com a respectiva filha e o primeiro filho do casal. Inicialmente AA esteve três meses na Madeira, onde vivia a sua irmã, depois veio trabalhar para a Herdade do ..., em Ferreira do Alentejo. Inicialmente a esposa também trabalhou na herdade, mas depois do nascimento dos dois filhos mais novos, começou a dedicar-se unicamente às lides domésticas e ao acompanhamento da prole. Desde 19 de Dezembro de 2024 e até à actualidade, o arguido integra o agregado familiar de origem, constituído pelos progenitores, mantendo contactos regulares com os filhos da última união marital, por videochamada. Do seu processo de crescimento e desenvolvimento destaca-se o facto de ter crescido junto dos pais e de dois irmãos, um homem e uma mulher, em ambiente familiar funcional que lhe permitiu uma instrução diferenciada e que lhe transmitiu hábitos de trabalho. O pai era electricista na refinaria da Empresa Petrolífera Pedevsa e a mãe explorava um pequeno comércio. Entretanto, parte da família alargada do casal viera da Venezuela para Ferreira do Alentejo, reconhecendo em AA idoneidade. Tem um irmão a residir em Ferreira do Alentejo e uma irmã na ilha da Madeira com quem mantém contacto. O agregado familiar vivia na Aldeia... em casa de renda. A esposa, os filhos e a enteada, na sequência do presente processo, passaram a residir junto de familiares em ..., sendo sustentados pelos ascendentes e outros parentes. Em termos de escolaridade, teve um percurso escolar normativo, no qual investiu, concluindo a licenciatura em engenharia mecânica, no país de origem. Iniciou o seu percurso profissional na Venezuela, onde exercia as funções de engenheiro mecânico na Empresa Petrolífera Pedevsa. Após a vinda para Portugal, concretamente para Ferreira do Alentejo, iniciou actividade laboral na Empresa Agrícola da Herdade .... No entanto, e em consequência de um despedimento colectivo da Empresa Agrícola da Herdade ..., AA passou a trabalhar, como tractorista, na Empresa O..., sendo o seu vencimento, de 880 euros mensais, o principal recurso económico do agregado. Actualmente e no âmbito da sua situação jurídico penal encontra-se sem rendimentos, subsistindo do rendimento dos seus progenitores. O progenitor exerce a actividade de electricista, por conta de outrem, com um rendimento mensal de aproximadamente 1000 euros e a progenitora trabalha no Monte .../Turismo Rural, auferindo o salário mínimo nacional. Ao nível da ocupação de tempo livre, o arguido não se dedicava a nenhuma actividade estruturada. Mantinha até à data dos alegados factos uma boa imagem social, considerado como “representante” da comunidade venezuelana residente no meio, tido como pessoa idónea. No local de residência, o impacto da situação em apreciação deixou a população indignada e chocada, sem registo de incidentes. A instauração do presente processo desencadeou alterações no quotidiano da vítima, nomeadamente, ao nível habitacional, tendo alterado a residência com a mãe e irmãos para ..., bem com ao nível escolar. Alterou o estabelecimento de ensino, frequentando actualmente o 7º ano de escolaridade, no Liceu ..., em ..., para onde se desloca diariamente. Tem acompanhamento em consulta de psicologia no Departamento de Saúde Mental do Hospital de .... Em 19 de Agosto de 2024 foi aplicada ao arguido, a medida de coacção de prisão preventiva, a qual foi substituída em 19 de Dezembro de 2024 pela medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, medida que decorre em casa dos seus pais, na mesma localidade, sem incidentes registados até à presente data.
24. O arguido não tem antecedentes criminais.
25. Confessou integralmente e sem reservas os factos.
***
Não deixaram de se provar quaisquer factos com interesse para a boa decisão da causa.”
B.3. O Direito
B.3.1. Questão prévia
Como atrás se mencionou, o recurso foi dirigido ao Tribunal da Relação de Évora, tendo-se este Tribunal declarado incompetente em razão da matéria e determinado a remessa dos autos para este Supremo Tribunal de Justiça.
Concorda-se com este entendimento dado que, nos termos do disposto na al. c) do nº 1 e no nº 2 do artigo 432º do Código de Processo Penal (doravante “CPP”) se estabelece o seguinte:
“1. Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
(…)
c) proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º;
(…)
2. Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artº 414.º “
Ora, in casu, o arguido foi condenado por um tribunal coletivo, numa pena de 6 anos de prisão e apenas vem discutir matéria de direito.
Ou seja, estamos perante o que se designa por recurso per saltum, sendo este Alto Tribunal o competente para julgar o caso em apreço.
B.3.2. A alteração da qualificação jurídica dos factos provados.
4.3.2.1 Introdução
O arguido foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punível pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do Código Penal.
Através do acórdão acima referido este Supremo Tribunal notificou os sujeitos processuais de que os factos supra descritos “ poderão ser susceptíveis de integrar a prática pelo arguido, não de um crime de crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal, mas sim, em concurso real e efectivo, de um crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164.º/1 e 2 alínea a) e 177.º/1 alínea b) e 8 CPenal, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal e de um outro crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal;
Perante essa notificação e dentro do prazo de 10 dias que, para o efeito lhe foi concedido, o arguido veio, desde logo, manifestar que tal alteração não poderia ocorrer por violar o princípio da proibição da reformatio in pejus.
A este propósito cumpre, começar por transcrever o disposto no nº 3 do artigo 424º do CPP:
“3 Sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos na decisão recorrida ou da respetiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo se pronunciar no prazo de 10 dias.” (negrito e sublinhado nossos)
Aliás, também o artigo 358º do CPP estabelece, em sede de julgamento, a possibilidade de o Tribunal, na sequência de idêntica notificação, alterar a qualificação jurídica dos factos constantes na acusação ou na pronúncia.
Por outro lado, e nos termos do nº 1 do artigo 409º do CPP, o que o princípio da proibição de reformatio in pejus estabelece é, apenas, que, em casos como o dos presentes autos, “o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes” (sublinhado e negrito nossos).
Assim, não há dúvida de que, in casu, é lícito a este Supremo Tribunal de Justiça alterar a qualificação jurídica dos factos5, apenas não lhe sendo permitido agravar a pena aplicada no tribunal de primeira instância.
Aliás, a este propósito e para que não restem dúvidas, o STJ decidiu, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/95, de 7 de junho de 19956, o seguinte:
“O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus.”
Com efeito, o Tribunal tem o dever de obediência à lei, sendo por isso inaceitável que se torne num mero espectador e não possa intervir quando verifica que a qualificação jurídica dos factos que está a apreciar se mostra incorreta.
E, não alterando a medida e a espécie da pena concreta aplicada, tal não se mostra contrário ao princípio da proibição da reformatio in pejus.
Por outro lado, tal procedimento não viola quaisquer direitos constitucionais do arguido porquanto o tribunal concedeu um prazo (de 10 dias) para que os sujeitos processuais – designadamente o arguido – se pronunciassem sobre a alteração que poderia vir a realizar, assim lhe concedendo a possibilidade de exercer o seu direito de defesa.
Com efeito, desde longa data e uniformemente o Tribunal Constitucional tem considerado que a norma que prevê a alteração da qualificação jurídica da matéria de facto dada como provada não é inconstitucional, desde que se preveja a possibilidade de o arguido poder contestar essa nova qualificação e não se altere a espécie ou medida da pena aplicada.7
Assim e concluindo, este Alto Tribunal pode alterar a qualificação da matéria de facto dada como assente, devendo sublinhar-se que, em momento algum, se anunciou que se pretendia alterar a espécie ou medida da pena aplicada.
4.3.2.2 Alteração da qualificação jurídica da matéria dada como provada
No acórdão de 9 de outubro de 2025 consignou-se “que os factos julgados provados na decisão recorrida poderão ser susceptíveis de integrar a prática pelo arguido, não de um crime de crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal, mas sim, em concurso real e efectivo, de um crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164.º/1 e 2 alínea a) e 177.º/1 alínea b) e 8 CPenal, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal e de um outro crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal;
Ou seja, lida a matéria de facto dada como assente, o tribunal comunicou ao arguido a possibilidade de vir a proceder a uma qualificação jurídica diversa daquela que constava na decisão recorrida, para que este não fosse confrontado com uma decisão surpresa.
Contudo e como é evidente, tal comunicação jamais poderia equivaler a uma vinculação do tribunal à aludida diversa qualificação até porque, quer o arguido, quer Ministério Público, podiam expressar (e expressaram) entendimento diverso.
Aqui chegados impõe-se distinguir:
Assim e desde logo no que concerne aos crimes de abuso sexual de criança agravado há que reconhecer que, - como bem refere o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Alto Tribunal – embora objetivamente fosse possível alterar a qualificação jurídica dos factos, não se encontram na decisão recorrida factos que permitam dar como provado o elemento subjetivo dessa infração.
Com efeito, o que a esse título consta, quer na acusação quer na decisão recorrida, reporta-se aos factos ocorridos em 18 de abril de 2024 e já não aos factos ocorridos em “Abril de 2024, em duas ocasiões distintas”.
Assim e sendo sabido que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”, não é possível considerar a existência dos aludidos crimes de abuso sexual de crianças agravado.
Situação diversa ocorre no que concerne à anunciada qualificação dos factos dados como assentes como crime de violação agravado.
Com efeito, a al. a) do nº2 do artigo 164º do Código Penal8 dispõe que:
2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral;
Por outro lado, estabelecem a al. b) do nº 1 e o nº 8 do artigo 177º do Código Penal9 que:
“1 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:
b) Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação;
8 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 175.º, no n.º 1 do artigo 176.º e no 176.º-C são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos.”
Ora, para o que ora interessa, não há dúvida de que ficou provado:
• Que o arguido praticou ato de cópula com a vítima.
Com efeito, sendo a cópula descrita, de acordo com a definição médico-legal, como a introdução, ainda que parcial, do pénis na vagina, com ou sem emissão seminal, ficou provado que o arguido “introduziu o seu pénis erecto na vagina de BB, friccionou-o, fazendo movimentos de entrada e saída, até atingir o orgasmo e terminou a ejacular na barriga dela” (facto 6);
• Que tal ato foi praticado contra a vontade da vítima.
Com efeito, foi, designadamente, dado como provado que “O arguido AA actuou sempre sob oposição de BB, que tentou, sem sucesso, afastar a cara para evitar os beijos e o corpo para evitar o contacto físico, ao mesmo tempo que implorava dizendo, repetidamente «Pára, não faças isso!» (facto 10);
• Que, para o efeito, o arguido usou violência física e colocou a vítima na impossibilidade de resistir. Com efeito, foi, também designadamente, dado como provado que o arguido “agarrou nos dois braços de BB, pôs o seu corpo em cima do corpo dela, imobilizou-a mediante o emprego de força física” (facto 5) “através do recurso à força física que exerceu sobre o corpo daquela”,(facto 19) “aproveitando-se da circunstância de a ofendida se encontrar desprevenida, não lhe conseguir oferecer resistência, em face da superioridade física do arguido, que lhe prendeu os movimentos, limitou e impediu a sua capacidade de reacção e defesa” (facto 20) que BB estava impedida de gritar ou chamar por ajuda com receio de acordar a irmã que dormia ao seu lado (facto 21);
• Que o arguido “sabia que BB não queria manter relações sexuais, e ainda assim, quis e conseguiu forçá-la a manter consigo cópula vaginal completa, contra a sua vontade, através do recurso à força física que exerceu sobre o corpo daquela, com intuito de satisfazer o seu desejo sexual e os seus instintos libidinosos, indiferente às consequências de tal actuação sobre a mesma, prejudicando-a no seu normal e são desenvolvimento e atentando contra a sua autodeterminação sexual” (facto 19);
• Que o arguido sabia que “ofendia a sua (da vítima) dignidade e autodeterminação sexual (facto 20);
• Que “O agregado familiar do arguido AA era composto, para além do próprio, pela companheira CC, pelos três filhos menores do casal e pela filha da companheira - BB (doravante BB), nascida em D.M.2010.” (facto 3);
• Que o arguido sabia que a vítima “tinha 13 anos de idade, era sua enteada, que o reconhecia como se fosse um pai e com ele coabitava (facto 17);
• Que o arguido “agiu de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que eram proibidas e punidas pela lei penal” (facto 22).
Assim, fica demonstrado que os factos dados como provados preenchem todos os requisitos, objetivos e subjetivos e por isso são subsumíveis ao crime de violação agravado previsto nos artigos 164º, nº 2, al a) e 177º, nº 8 do Código Penal e punível com pena de prisão de 4 anos e 6 meses a 15 anos.
Aliás, o arguido não parece contestar a possibilidade de os factos dados como provados poderem ser subsumíveis ao crime de violação agravada10 e o Ministério Público expressamente concordou com este entendimento.
Com efeito, o que o arguido contesta, com veemência, é o anúncio de que os factos dados como assentes poderiam também ser subsumíveis a dois crimes de abuso sexual de criança agravado.
Contudo, e como referido anteriormente, é inútil discutir esta argumentação, desde logo porque, na prática, o que se irá fazer é, apenas, alterar a qualificação jurídica constante no acórdão recorrido para a de um único crime de violação agravado.
Chegados a este momento o processo devia ser reenviado para o tribunal a quo para, com esta nova qualificação dos factos, se encontrar a nova medida concreta da pena.
Porém, tal revelar-se-ia completamente inútil11.
Na verdade, sendo a moldura abstrata do crime de violação agravado superior àquela que corresponde ao crime pelo qual o arguido foi condenado (abuso de criança agravado) e não podendo ser ultrapassada a pena aplicada na decisão recorrida (devido ao princípio da proibição da reformatio in pejus), não se vê que a primeira instância fosse aplicar uma pena diversa da que aplicou…
Assim, passaremos a analisar os fundamentos do recurso apresentado.
B.3.3. A atenuação especial da pena
O arguido solicita que seja aplicada atenuação especial da pena, nos termos do disposto no artigo 72º, nº 1, al. c) do Código Penal, em virtude de ter confessado os factos sem reservas e por estar arrependido.
Estabelece a norma referenciada que:
“Artigo 72.º
Atenuação especial da pena
1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
(…)
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados”
Com efeito e para o que ora interessa, foi dado como provado que o arguido:
”26 - Confessou integralmente e sem reservas os factos.”
Contudo, em lado algum da decisão recorrida se refere que o arguido está arrependido nem, muito menos, que procurou, até onde lhe era possível, reparar os danos causados. Pelo contrário, foi dado como assente que, depois de cometido o crime, o arguido “ordenou a BB que parasse de chorar, que fosse à casa de banho limpar-se e que se mantivesse em silêncio”.
Ora, como é evidente, as decisões recorridas e os respetivos recursos são apreciados pelos Tribunais Superiores com base, exclusivamente e quando esta não foi posta em causa, na matéria de facto dada como assente.
Ou seja, não pode este Alto Tribunal ter em conta factos alegados pelo recorrente, mas que não foram dados como provados.
Tanto bastava para que, nesta parte, nos inclinássemos para considerar o recurso improcedente.
E essa convicção torna-se certeza quando se verifica que a circunstância elencada na al. c) do nº 2 do artigo 72º do Código Penal, estando subordinada ao disposto no nº1 do mesmo artigo, não tem, in casu, a virtualidade de preencher os requisitos nesta últimas norma referenciados.
Com efeito, e in casu, para usar da atenuação especial da pena, seria necessário que a circunstância enunciada tivesse por efeito “diminuir, por forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.”
E para se concluir pela positiva seria necessário que, numa análise global dos factos assentes, tal circunstância tivesse por efeito a aludida diminuição, de forma acentuada, da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena.
Com efeito e como refere o Prof Figueiredo Dias «diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá (…) considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios» (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 306-307, § 454).
Na verdade, e apenas para dar um exemplo, tem sido, há muito, jurisprudência uniforme deste Alto Tribunal que:
“I. Na esteira da doutrina mais relevante, são pressupostos do instituto da atenuação especial da pena, previsto no art. 72.º, do Cód. Penal, para além dos casos que lei expressamente prevê, existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporânea dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude dos factos ou a culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção, sendo que a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipótese tais quando estatuiu os limites normais da moldura correspondente ao tipo de facto respetivo.
II. Na mesma linha, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, com particular destaque para a deste Supremo Tribunal, tem vindo a acentuar que a atenuação especial da pena só em casos verdadeiramente extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Para a generalidades dos casos, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios12
Ora, no caso dos autos, a imagem global do facto praticado pelo arguido é muitíssimo negativa.
Com efeito e desde logo no que tange à ilicitude, repare-se que o crime praticado pelo arguido se insere no que a lei classifica como criminalidade especialmente violenta13.
Por outro lado, o agente utilizou vários dos meios referidos no nº 2 do artigo 164º do Código Penal – v.g. força física e colocação da vítima na impossibilidade de resistir – para consumar a cópula, tendo ainda em dois momentos diversos apalpado a menor “por cima da roupa, nos seios, no rabo e na vagina” .
Também são várias as circunstâncias estabelecidas no artigo 177º do Código Penal que agravam o crime praticado pelo arguido, mais concretamente as previstas no nº 1º, al b) e no nº 8 desse artigo.
Acresce que, mesmo relativamente a este último ponto do artigo mencionado, constata-se que o facto foi praticado, não só contra menor de 14 anos, como também na presença de outra menor – filha do arguido – com 2 anos de idade que, embora estivesse a dormir, o arguido tinha de admitir que podia acordar e, não obstante, prosseguiu no cometimento do crime.
Por outro lado, o arguido atuou com dolo direto, mostrando-se indiferente às consequências da sua atuação sobre a vítima e persistindo na sua conduta depois de a menor ter oferecido resistência e lhe ter pedido para parar.
As consequências do ato do arguido foram muito graves. Com efeito, a menor era virgem, foi dado com provado que os factos praticados pelo arguido prejudicaram o seu normal desenvolvimento, que a menor teve de mudar de residência e de escola e que passou a carecer de acompanhamento em psicologia (que lhe tem sido proporcionado no Departamento de Saúde Mental do Hospital de ...).
Finalmente, embora se possa admitir que as necessidades de prevenção especial não se mostram particularmente elevadas, as necessidades de prevenção geral são altíssimas, não se vislumbrando circunstâncias que possam sugerir uma diminuição, muito menos acentuada, da necessidade de aplicação de pena.
Em conclusão, não só a confissão integral e sem reservas do arguido não se mostra acompanhada de atos de arrependimento, como a imagem global do facto inequivocamente não permite a atenuação especial da pena que, como atrás se referiu, é uma medida excecional e que deve ser aplicada com a maior das parcimónias.
Assim e quanto a este aspeto, o recurso improcede.
B.3.4. Medida concreta da pena
B.3.4.1. Introdução
Nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 40º do Código Penal e como refere Figueiredo Dias14, “(a)s finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, sendo que, “a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa” pois isso, “mesmo que em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assi, logo por razões jurídico constitucionais, inadmissível.”
Por outro lado, continuando a acompanhar esse Mestre e citando o acórdão recorrido, a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstrata da pena) aplicável ao caso; na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida.
Como decorre do nº 1 do artigo 71º do Código Penal, a medida concreta da pena tem como limite máximo a culpa do agente, como limite mínimo razões de prevenção geral (consubstanciadas no quantum da pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expetativas da comunidade), sendo subsequentemente afinada por razões de prevenção especial espelhadas nas funções que a mesma desempenha (seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou segurança ou inocuização15).
Escrito de outra forma e usando as palavras de Anabela Miranda Rodrigues, sobre o exposto modelo de determinação concreta da medida da pena:
«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»16
Para terminar este excurso falta referir que, nos termos do nº 2 daquele mesmo artigo 71º, na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente as elencadas exemplificativamente nessa mesma norma.
Sobre as circunstâncias, que relevam para a determinação da medida da pena, quer pela via da culpa, quer pela da prevenção, refere Figueiredo Dias17, que as mesmas se podem agrupar em:
“1. Fatores relativos à execução do facto”, esclarecendo que: Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram (...);
“2) Fatores relativos à personalidade do agente”, em que inclui: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; e c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto; e
“3) Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”, esclarecendo que no que respeita à vida anterior ao facto há que averiguar se este surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderá atenuar a pena ou se existem condenações anteriores, que poderão servir para agravar a medida da pena.
Também Maria João Antunes refere que podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 18
Finalmente, tem sido jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça que:
“II - Sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida da pena - parcelar ou única - por este STJ abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.19
B.3.4.2 O caso concreto
No caso em análise, considerando que os factos eram subsumíveis a um crime de abuso sexual de criança agravado p. e p. pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, o Tribunal recorrido condenou o arguido numa pena de seis anos de prisão.
O arguido considera que essa pena é excessiva e defende que a mesma não deve ser superior a 3 anos de prisão (ou a 5 anos, caso se entenda não se justificar a aplicação de atenuação especial da pena), devendo a sua execução, em qualquer caso, ser suspensa na sua execução mediante um rigoroso regime de obrigações e injunções que enuncia. Sugere, finalmente, a possibilidade de aplicação do regime de permanência na habitação sujeito a regras de conduta.
Para esse efeito e em termos sintéticos, invoca o seguinte:
“a. O arguido tem plena consciência da gravidade do crime cometido;
b. O arguido está arrependido do crime cometido e sente culpa e vergonha pelo que fez, possuindo consciência crítica sobre os seus atos;
c. O arguido colaborou desde o primeiro momento, sem quaisquer reservas, com as autoridades, contribuindo para o rápido andamento dos autos, facilitando o labor probatório e investigatório das autoridades, e poupando algumas testemunhas de reviverem os factos em juízo;
d. O arguido está socialmente inserido, teve uma vida de estudos e de trabalho, e tem um percurso pessoal e profissional de luta e de esforço, revelando nas opções tomadas carácter, força de vontade e preocupação com a família;
e. O arguido dispõe de todas as competências intelectuais e motoras para dedicar a sua vida ao trabalho honesto;
f. O arguido não tem antecedentes criminais, nem possui uma personalidade deformada, repugnante, isenta de valores ou de esteios morais, impreparada para uma sã convivência social, impossibilitadora de conformação normativa ou de pensamento crítico ou consequencial;
g. O crime cometido é um evento isolado na vida do arguido, não escorado numa personalidade estruturalmente perversa ou repugnante;
h. O arguido dispõe de família que o ampara mas que demonstra consciência crítica face ao que aconteceu, não vivendo num ambiente laxista.”
(…)
- sendo inegáveis as necessidades de prevenção geral, as necessidades de prevenção especial encontram-se atenuadas, não só pelas várias e consistentes demonstrações de culpa, vergonha, arrependimento e consciência crítica e pela ausência de registo criminal, mas também pelo período de reclusão que o arguido vem passando desde 19 de agosto de 2024.”
Entretanto, o acórdão recorrido fundamentou a pena aplicada nos seguintes termos:
“ - Temos as fortíssimas exigências em termos de prevenção geral uma vez que este tipo de crime atinge um dos bens que qualquer sociedade civilizada considera de mais sagrado, a inocência própria das crianças; a que acrescem as estatísticas nacionais que revelam que a maior parte dos abusos sexuais de crianças ocorre no seio familiar ou intrafamiliar, ou seja, por parte daqueles que estão mais próximo das crianças, beneficiando da sua confiança e aproveitando-se dela, ao invés de zelarem pela sua segurança e saúde;
- No que respeita ao grau de ilicitude, este também não pode deixar de se considerar muito elevado. Após ter começado a entrar na casa de banho quando menor lá se encontrava, a ter tentado apalpar e beijar, o arguido acabou por recorrer à força para obrigar a sua enteada, com que vivia desde tenra idade, a manter consigo relações sexuais de cópula vaginal (tendo sido a primeira vez da menor), provocando-lhe muita dor e sangramento;
- O dolo na modalidade mais gravosa, porque muito intenso, sendo de salientar que nem o facto de a sua filha com dois anos se encontrar a dormir na mesma cama demoveu o arguido de concretizar os seus propósitos libidinosos;
- A sua conduta posterior aos factos, tentando evitar as consequências que poderiam advir do facto de não ter usado preservativo, levando a menor a tomar medicamentos para evitar uma gravidez indesejada, porque reveladora do abuso por si praticado;
- A personalidade do arguido e o seu nível de inserção socio-económico que resultam dos factos provados;
- A confissão integral e sem reservas;
- A ausência de antecedentes criminais.”
Apreciando, mais uma vez se começa por recordar que o Supremo Tribunal de Justiça aprecia as decisões proferidas pelos tribunais a quo e os respetivos recursos com base na matéria de facto dada como provada.
Assim, não se podem ter em consideração os múltiplos factos invocados pelo arguido, mas que não se encontram incluídos na matéria de facto dada como assente.
Por outro lado, também não se poderão ter em consideração o que são meras frases proclamatórias ou juízos conclusivos (muitos deles sem sequer suporte na matéria de facto dada como provada) nem a repetição, embora por outras palavras, do mesmo facto em vários dos pontos acima transcritos.
Finalmente, os demais factos invocados pelo arguido (v.g. a confissão integral e sem reservas; a sua boa inserção social, familiar e profissional e a ausência de antecedentes criminais) foram tidos em conta pelo Tribunal a quo.
Tanto bastaria para que o recurso improcedesse.
Acontece que, mesmo tendo em consideração tudo o que o recorrente alega, o destino do recurso seria o mesmo, já que na ponderação da medida concreta da pena não podem ser tidos em consideração apenas o que são aspetos favoráveis ao arguido…
E a esse propósito, remete-se para o que o tribunal a quo consignou, bem como para o se escreveu neste acórdão quando abordámos a pretensão de aplicação de atenuação especial da pena.
Face a todo o exposto, não se vislumbra que, nas operações realizadas para determinação da medida concreta da pena, a decisão recorrida tenha desrespeitado os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação ou consideração dos fatores de medida da pena” não se considerando igualmente que a pena aplicada se mostre “de todo desproporcionada” face à moldura abstrata de que partiu (quatro a treze anos e quatro meses de prisão).
Acresce que, estando demonstrado que os factos dados como assentes são subsumíveis ao crime de violação qualificada agravada p. e p. pelos artigos 164º, nº 2, al. a) e 177º, nº 1, al a) e nº 8 do Código Penal, a moldura abstrata que deve ser considerada varia entre o mínimo 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e como limite máximo 15 (quinze) anos de prisão.
Donde se conclui que a pena não, peca certamente, por excesso…
Muito pelo contrário…
Contudo, face à circunstância de apenas o arguido ter recorrido e por obediência à proibição de reformatio in pejus, há que manter a aplicada pena de 6 anos de prisão.
Aqui chegados e face ao disposto nos artigos 50º e 43º do Código Penal, perdem sentido os pedidos de suspensão da execução da pena ou de aplicação do regime de permanência na habitação.
Concluindo, também no que se reporta à medida concreta da pena o recurso improcede.
C – Decisão
Por todo o exposto, decide-se;
• Alterar a qualificação jurídica dos factos constantes do acórdão condenatório, os quais se julga serem subsumíveis ao crime de violação agravada previsto nos artigos 164º, nº 2, al a) e 177º, nº 1, al. b) e nº 8 do Código Penal e punível com pena de prisão de 4 anos e 6 meses a 15 anos;
• Negar provimento ao recurso interposto por AA, no que concerne ao pedido de atenuação especial da pena e de diminuição da pena aplicada;
• Manter a condenação do arguido na pena de 6 anos de prisão, por só o arguido ter recorrido e em obediência ao princípio da proibição da reformatio in pejus;
• Condenar o recorrente no pagamento de 5 (cinco) U.C., relativas às custas devidas;
Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada
(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Celso Manata (Relator por vencimento)
Ernesto Nascimento (1º Adjunto – Primitivo Relator, vencido conforme voto que se junta)
Vasques Osório (2º Adjunto)
______________________________________
Declaração de voto.
O arguido com base nos seguintes factos,
4- No dia 18.08.2024, pelas 04 horas, na residência da família, o arguido AA entrou no quarto de BB, sua enteada, de 13 anos de idade, e da filha DD (doravante, DD), nascida em D.M.2021, de 2 anos de idade, dirigiu-se à cama que as crianças partilhavam e aproximou-se de BB.
5- Acto contínuo, o arguido AA agarrou nos dois braços de BB, pôs o seu corpo em cima do corpo dela, imobilizou-a mediante o emprego de força física, beijou-a na boca, beijou-a nos seios, com as mãos tocou-lhe nos seios, desviou-lhe os calções e as cuecas para o lado, acariciou-lhe e introduziu-lhe os dedos na vagina e, após, introduziu o seu pénis erecto na vagina.
6- O arguido AA, após introduzir o pénis na vagina de BB, friccionou-o, fazendo movimentos de entrada e saída, até atingir o orgasmo e terminou a ejacular na barriga dela.
14- Na véspera, no final da tarde do dia 17.08.2024, num dos quartos da residência, o arguido tentou beijar a BB, não tendo logrado porque esta se esquivou e fugiu.
15- Em meados de Abril de 2024, em duas ocasiões distintas, o arguido apalpou BB por cima da roupa, nos seios, rabo e vagina.
16- Em datas não concretamente apuradas, mas anteriores ao dia 18.08.2024, por várias vezes distintas, o arguido entrava na casa de banho quando BB estava a tomar banho, sendo que o poliban do duche tem vidro transparente.
19- O arguido AA sabia que BB não queria manter relações sexuais, e ainda assim, quis e conseguiu forçá-la a manter consigo cópula vaginal completa, contra a sua vontade, através do recurso à força física que exerceu sobre o corpo daquela, com intuito de satisfazer o seu desejo sexual e os seus instintos libidinosos, indiferente às consequências de tal actuação sobre a mesma, prejudicando-a no seu normal e são desenvolvimento e atentando contra a sua autodeterminação sexual.
20- O arguido AA agiu com o propósito concretizado de manter relações sexuais de cópula vaginal com BB, bem sabendo que o fazia contra a vontade desta e que ofendia a sua dignidade e autodeterminação sexual, aproveitando-se da circunstância de a ofendida se encontrar desprevenida, não lhe conseguir oferecer resistência, em face da superioridade física do arguido, que lhe prendeu os movimentos, limitou e impediu a sua capacidade de reacção e defesa.
21- O arguido AA previu e sabia que BB estava impedida de gritar ou chamar por ajuda com receio de acordar a irmã que dormia ao seu lado.
22- O arguido AA em todas as supra descritas condutas agiu de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que eram proibidas e punidas pela lei penal,
foi acusado, primeiro, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a), b) e c) CPenal e, condenado, depois, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal, na pena de 6 anos de prisão.
Em sede de recurso - interposto pelo arguido tendo como objecto, apenas e tão só, a questão da medida da pena - entendeu-se, contudo, num primeiro momento, que a leitura dos factos provados seria susceptível de integrar uma outra, diversa e plúrima qualificação jurídica.
Entendeu- se que,
“os factos que foram tidos como integradores do crime pelo qual o arguido foi acusado e vem condenado, de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal, a que se reportam os pontos 5 e 6 do elenco dos factos provados da decisão recorrida;
- acto contínuo, o arguido AA agarrou nos dois braços de BB, pôs o seu corpo em cima do corpo dela, imobilizou-a mediante o emprego de força física, beijou-a na boca, beijou-a nos seios, com as mãos tocou-lhe nos seios, desviou-lhe os calções e as cuecas para o lado, acariciou-lhe e introduziu-lhe os dedos na vagina e, após, introduziu o seu pénis erecto na vagina;
- o arguido AA, após introduzir o pénis na vagina de BB, friccionou-o, fazendo movimentos de entrada e saída, até atingir o orgasmo e terminou a ejacular na barriga dela,
são, eles próprios susceptíveis de integrar o tipo legal de crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164.º/1 e 2 alínea a) e 177.º/1 alínea b) e 8 CPenal, porque colocou o corpo em cima da vítima.
Por outro lado, vem provado no ponto 14, que.
- na véspera, no final da tarde do dia 17.08.2024, num dos quartos da residência, o arguido tentou beijar a BB, não tendo logrado porque esta se esquivou e fugiu,
e, no ponto 15, que,
- em meados de Abril de 2024, em duas ocasiões distintas, o arguido apalpou BB por cima da roupa, nos seios, rabo e vagina,
O que é susceptível de integrar, respectivamente, em concurso real, o tipo legal de crime de abuso sexual de menor agravado – tal como vem condenado – um, na forma tentada e outro, na aforma consumada.
Com efeito.
Parece claro que tanto o tipo de crime de abuso sexual de crianças como o de violação não contemplam a pressuposta multiplicidade de actos semelhantes, que está implícita no crime habitual nem, por isso, a sua realização supõe um comportamento reiterado.
Cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido.
Cada um desses atos não constituiu um momento ou parcela de um todo projetado nem um ato em que se tenha desdobrado uma atividade suposta no tipo, mas um “todo”, em si mesmo, um autónomo facto punível.
Deve por isso entender-se que, referentemente a cada grupo de actos, integradores do tipo de abuso sexual e do tipo de violação, existe uma pluralidade de sentidos de ilicitude típica e, portanto, de crimes.
Não obstante, vem imputada ao arguido a prática de um crime, de um crime de abuso sexual.
Sem que nada indicie, sem que nada permita inferir que a conduta do arguido se traduza numa única e singular resolução, que abarcasse, ab initio, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que viriam a ter lugar os actos sexuais que praticou com a vitima.
O que ressalta dos factos provados é que o arguido, aproveitando o facto de integrar o mesmo agregado familiar que a vítima, por três ocasiões, tomou a decisão de a molestar sexualmente.
Dito de outra forma, o arguido, quando pretendia satisfazer seus apetites sexuais, renovava a intenção de o fazer, praticando de seguida os actos necessários a executá-la: escolhia o momento, o espaço e o modo concreto de o levar a cabo.
Cremos, assim, que cada uma das condutas do arguido – cada acto sexual - é autónoma em relação às outras, sujeita a um juízo, também ele, autónomo de censura, constituindo, assim, um crime, em concurso efectivo, com os demais”.
Entretanto – acolhendo-se a tese da acusação - fez maioria a tese de se deixar cair a ressonância jurídico-penal dos factos que fossem além da relação de cópula.
Isto é, por um lado, o beijo, a tentativa do beijo, só por si, sem mais, não é susceptível de ser qualificada como de acto sexual de relevo, para efeito que aqui está em causa, seja de preencher o elemento objectivo do tipo legal de crime de abuso sexual de crianças.
E, por outro, em relação ao elemento subjectvo dos tipos legais anunciados, de abuso sexual consumado, como, de resto, em relação ao tentado, falta a descrição do respectivo elemento subjectivo. Porque a descrição efectuada na acusação e julgada como provada na decisão recorrida, se reportava apenas e tão só ao único acto praticado pelo arguido a que foi atribuída ressonância jurídico-penal - o acto da cópula.
Única situação, que, então subsiste, para apreciação.
E, nesta sede fez vencimento a tese – de resto, que tinha sido anunciada – de que os factos integram o tipo legal de violação, p. e p. pelo n.º 2 do artigo 164.º CPenal.
Entendimento, de que, com o sempre devido respeito, discordamos.
Com efeito, pelas resumidas razões que infra adiantaremos, apresentamos projecto de acórdão no sentido de se operar a convolação do crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 164.º/1 alínea a) e 177.º/1 alínea b) – atinente com a circunstância da coabitação e com o aproveitamento desta relação - e 8 – atinente com a circunstância de a vítima ser menor de 14 anos - em vez da subsunção operada na decisão recorrida, de crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alíneas a) e b) CPenal.
Como se vê exclui-se da agravação a alínea a) do n.º 1 do artigo 177.º, que prevê a circunstância de a vítima ser ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente.
O que manifestamente não é o caso da filha da companheira.
E mantém-se a circunstância da alínea b) - relação de coabitação, que de facto se verifica, sendo o crime praticado com aproveitamento desta relação.
Com efeito.
O n.º 1 do artigo 177.º, nas suas diferentes versões, encontra-se estruturado na base da consideração da relevância de diferentes tipos de relação entre o agente e a vítima, que justificam a agravação da pena, havendo que distinguir,
- as relações familiares para efeitos da alínea a) em que o maior desvalor do tipo de ilícito resulta da sua simples existência, limitada ao círculo constituído por ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente e,
- as relações familiares para efeitos da alínea b) – em que tal desvalor decorre do aproveitamento de outra relação familiar para a prática do acto sexual ilícito.
“Relações familiares”, para efeitos do n.º 1 do artigo 177.º são, pois, as relações constituídas por factos que, nos termos da lei, constituem fontes das relações jurídicas familiares – o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção, artigo 1576.º CCivil.
Às relações familiares previstas na alínea b), cujo âmbito encontra definição por esta via normativa, veio a Lei 103/2015 - como se evidencia dos elementos histórico e sistemático de interpretação - acrescentar um outro tipo de relação – a de coabitação.
Que, não emergindo de fontes de relações familiares, alarga a tutela penal a situações de facto em que as pessoas envolvidas abusam de uma relação de confiança nos termos anteriormente expostos, em que se incluem as relações constituídas no âmbito do conceito de família alargada, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 13.2.2019, processo 3922/17.6JAPRT.
E, atenta a respectiva moldura penal abstracta, de prisão de 1 e 6 meses a 9 anos de prisão, condenaria o arguido na pena de 4 anos e 6 meses de prisão e suspenderia a execução da pena pelo período de 5 anos, acolhendo, no essencial, a totalidade das condições e regras de conduta que o arguido sugeriu no seu recurso.
Passamos a enunciar as razões subjacentes a este entendimento.
Dentro do capítulo denominado dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual estão previstos na secção I os crimes contra a liberdade sexual e na secção II os crimes contra a autodeterminação sexual.
Os primeiros são crimes cometidos contra adultos ou menores sem consentimento destes e os segundos são crimes cometidos contra menores de modo consensual, com o “consentimento” destes – estando aqui centrado o foco do na violação do livre desenvolvimento da personalidade do menor, na esfera sexual.
Nos primeiros insere-se o crime de violação e nos segundos o crime de abuso sexual de crianças.
O artigo 164.º CPenal, com a epígrafe de “violação” foi alterado diversas vezes ao longo da vigência do Código Penal, sendo a última pela Lei 101/2019, de 6 de setembro.
E, assim, na redacção que ainda se encontra em vigor, tem a seguinte redação:
“1 - Quem constranger outra pessoa a:
a) Sofrer ou praticar consigo ou com outrem cópula, coito anal ou coito oral; ou
b) Sofrer ou praticar atos de introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objetos;
é punido com pena de prisão de um a seis anos.
2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou
b) A sofrer ou a praticar atos de introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objetos;
é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática dos atos referidos nas respetivas alíneas a) e b) contra a vontade cognoscível da vítima”.
Por seu lado, dispõe o artigo 171.º/1 CPenal, sob a epígrafe de “abuso sexual de crianças”, na redacção dada pela Lei 59/2007 de 4.9, que, “Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos”.
O bem jurídico protegido pelo crime de violação é a liberdade sexual de outra pessoa, prendendo-se, no caso dos adultos, com a liberdade de se relacionar sexualmente ou não e com quem e, no caso das crianças/adolescentes, com a liberdade de crescer na relativa inocência até à adolescência até se atingir a idade da razão para aí se poder exercer plenamente aquela liberdade.
O bem jurídico protegido no crime de violação é a liberdade sexual de outra pessoa, como resulta da Secção I “Crimes contra a liberdade sexual”, do Capítulo V “Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”, do Título I “Dos crimes contra as pessoas”, da Parte Especial, do Código Penal.
A liberdade sexual protegida prende-se, no caso dos adultos, com a liberdade de se relacionar sexualmente ou não e com quem e, no caso das crianças/adolescentes, como assertivamente esclarece Teresa Beleza, Jornadas de Direito Criminal”, CEJ, 1996, 11, com a “liberdade de crescer na relativa inocência até à adolescência até se atingir a idade da razão para aí se poder exercer plenamente aquela liberdade”.
O bem jurídico protegido no crime de abuso sexual de criança de criança é a autodeterminação sexual, mas aqui sob uma forma particular – não face a condutas que representem extorsão de contactos sexuais, de forma coactiva – mas em função da circunstância de determinadas condutas de natureza sexual que, tendo em consideração a pouca idade da vítima, podem, mesmo com ausência de coação, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da criança, cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo I, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 541 a 553.
O crime de violação está definido em função da falta de consentimento e não do uso de violência, ameaça ou coerção e o de abuso sexual de crianças na prática consensual de acto sexual de relevo com criança.
Deste enunciado resulta claro que o crime, traduzido na apurada relação de cópula, sem o consentimento da vítima, com a oposição cognoscível da vontade da vítima não é susceptível de integrar o tipo de abuso sexual de crianças – imputado na acusação e pelo qual vem o arguido condenado.
Mas sim, o de violação.
O que, desde logo, nos remete para a consideração de que a descrição dos factos feita na acusação, tal como desprezou a tentativa do beijo e os outros dois actos sexuais de relevo – 4 meses antes da cópula – também desprezou a forma como, em concreto, a relação de cópula teve lugar.
O cerne da questão, retratada na acusação centra-se na prática, pelo arguido, de um acto consentido.
E, assim a tese que fez vencimento se acolhe a tese de que na acusação se não quis dar ressonância jurídico-penal, quer, ao beijo, quer, aos apalpões, pelo contrário “bate de frente”, agora com a tese da acusação, pretendendo ver violência, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 164.º CPenal, onde o MP, não só, nada vislumbrou, como o que viu, a leitura que fez dos factos o levou a concluir pelo consentimento da vítima.
O que, desde logo, naturalisticamente, afasta a verificação, desde logo, de constrangimento e, prejudica a verificação de ter sido causado, por meio de violência.
Que a existir, pressuporia - o que aqui não está, de todo, em causa – práticas sado-masoquistas.
Se de facto o ponto de partida da descrição dos factos não tem presente actos de violência, por parte do arguido, também, o ponto de chegada os não contempla.
A questão reside, então, em saber se a descrita e apurada conduta do arguido cabe no n.º 1 ou se cabe no n.º 2.
O crime do n.º 1 é de execução livre, pode ser cometido por qualquer meio não compreendido no n.º 2.
Por seu lado, o crime do n.º 2 é um crime de execução vinculada, tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir.
Isto é, a violência, aqui pressuposta, está ao mesmo nível - não da ameaça, mas sim - da ameaça grave e da colocação da vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir.
Não é, seguramente, qualquer violência, que o n.º 2 do artigo 164.º prevê.
Não é qualquer violência que é susceptível de integrar, aquela noção, para o efeito de preenchimento do elemento objectivo do tipo.
O tipo prevê, assim, o constrangimento, no que ao caso releva, por meio de violência.
Violência é definida pela Organização Mundial da Saúde como "o uso intencional de força física ou poder, ameaçados ou reais, contra si mesmo, contra outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resultem ou tenham grande probabilidade de resultar em ferimento, morte, dano psicológico, mau desenvolvimento ou privação".
Qualquer dicionário dá como sinónimos de violência o emprego de força física, de agressão, de atentado, de ataque, de brutalidade, de crueldade, de ferocidade, de atrocidade, de bestialidade, de dureza, de barbaridade, de desumanidade, de hostilidade, de selvajaria.
São elementos objectivos constitutivos do crime de violação previsto no n.º 1, a cópula, coito anal ou oral, a ação apta a constranger outrem a suportar ou praticar os aludidos atos e o dolo do agente.
São elementos objectivos constitutivos do crime de violação previsto no n.º 2, a cópula, coito anal ou oral, a violência, ameaça grave, ação apta a tornar inconsciente ou neutralização da possibilidade de resistência da vítima e o dolo do agente.
Cópula é, de acordo com a definição médico-legal, a introdução, ainda que parcial, do pénis na vagina, com ou sem emissão seminal.
A vítima do crime de violação pode ser do sexo feminino ou masculino, isto é, independentemente do género, e tanto pode ser maior ou menor de idade e ter uma posição passiva (sofrer) como ativa (praticar, consigo ou com outrem).
Entre aqueles actos sexuais que a vítima é constrangida a sofrer ou a praticar, interessa para o presente caso considerar apenas a “cópula”, que consiste no ato pelo qual a vagina é penetrada pelo pénis, haja ou não emissio seminis, cfr. AFJ deste Supremo Tribunal 5/2003.
Nos termos do n.º 3 do artigo 164.º, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no n.º 2 - por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir - empregue para a prática dos atos referidos nas respetivas alíneas a) e b) contra a vontade cognoscível da vítima.
O constrangimento está assim definido em função da oposição à vontade cognoscível da vítima e traduz-se, então, na prática pelo agente de actos, com falta cognoscível da vontade da vítima - actuação do agente contra a vontade da vítima, em violação da sua liberdade e determinação sexual.
Sem o uso de força ou outra forma de violência.
Nas palavras da lei, sem violência, ameaça grave, ou sem, se ter tornada a vítima inconsciente ou posta na impossibilidade de resistir.
O que se criminaliza no n.º 1 é o relacionamento sexual, através de atos de cópula, coito anal, coito oral e introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou de objetos, sem utilização de um meio típico de coação enunciado no n.º 2, no sentido de que pode ser cometido através de qualquer meio ou modo (crime de execução livre), com constrangimento, ou seja, sem a vontade livre das pessoas envolvidas ou contra ela.
Aqui cabem as mais variadas situações susceptíveis de traduzir relação de poder, dominação, ascendência, aproveitamento de fragilidades, de medos, retratos de intimidação, de intrusão, situações de diminuição, de incapacidade de reacção. Qualquer forma de constrangimento, abrangendo a violência psicológica, a ordem, a ameaça – não grave - o aproveitamento de uma posição de autoridade do agente ou de temor por parte da vítima.
No caso em apreço, o arguido agarrou nos dois braços da vítima, pôs o seu corpo em cima do corpo dela, imobilizou-a mediante o emprego de força física, beijou-a na boca, beijou-a nos seios, com as mãos tocou-lhe nos seios, desviou-lhe os calções e as cuecas para o lado, acariciou-lhe e introduziu-lhe os dedos na vagina e, após, introduziu o seu pénis erecto na vagina.
Exercendo, naturalmente, a força equivalente ao peso do seu corpo.
Esta forma de actuação não é susceptível de integrar o conceito de “violência” a que alude o n.º 2 do artigo 164.º, pois este remeterá para uma gravidade superior de força física à verificada no caso aqui em apreciação.
O conceito de violência a que alude o n.º 2 do artigo 164.º remete para uma gravidade de nível superior, nomeadamente a agressão típica, com ofensa da integridade física e limitação efectiva de movimentos, cfr. neste sentido acórdão deste Supremo Tribunal de 8.9.2022, processo 205/20.8JASTB.
Ainda assim, a descrita atuação do arguido era idónea a conseguir limitar os seus movimentos e apta a constranger a menor a manter cópula com ele.
Se se entendesse que a conduta do arguido integrava a aludida noção de violência, então, tudo seria violência. E quando tudo é violência, como se sabe, nada é violência.
Estaria, desta forma, esvaziado de sentido e de conteúdo útil, caindo por desuso, a previsão do n.º 1, pois que tudo caberia no n.º 2.
Em resumo entendo que a imputada e apurada conduta do arguido não é susceptível de integrar, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 164.º CPenal, a noção de “violência” – ali colocada a par, ao mesmo nível, no mesmo patamar e com a mesma densidade semântica de “ameaça grave”, ou “colocar a vítima inconsciente ou posta na impossibilidade de resistir”.
Ernesto Nascimento – primitivo relator
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1. Com efeito, o arguido foi julgado por tribunal coletivo, apenas coloca em causa matéria de direito e foi condenado em pena de prisão superior a 5 anos.
2. A qual mereceu absoluta concordância do seu Colega junto do Tribunal da Relação de Évora.
3. Não foi considerado como “não provado” qualquer facto.
4. Recorde-se que esta matéria de facto não foi colocada em causa, devendo acrescentar-se que não foram imputados ao acórdão recorrido quaisquer vícios ou nulidades (nem este Alto Tribunal entende que existam) pelo que a mesma está definitivamente fixada, sendo com base nela que se passa a decidir as questões colocadas nos autos.
5. O mesmo regime se aplica no processo civil (cf. arts.662º e 682º do Código de Processo Civil).
6. Publicado no Diário da República, I série, de 6 de julho de 1995, págs. 4298 a 4300.
7. Neste sentido e para além do ac. nº 394/2022 do Tribunal Constitucional vejam-se ainda os acórdãos nºs 402/95 e 696/96 desse mesmo Tribunal e no seu sítio.
8. Na redação introduzida pela Lei nº 45/2023, de 17 de agosto.
9. Na redação introduzida pela Lei nº 15/2024, de 29 de janeiro.
10. Com efeito e relativamente a esta matéria, partindo do princípio de que a moldura abstrata do crime de violação agravada seria a mesma que foi tida em conta pelo tribunal a quo, o arguido refere que a alteração anunciada “tem pouco ou nenhum alcance em matéria de gravidade abstrata”. Ora, embora o pressuposto referido esteja errado (dado que as molduras abstratas não são iguais), é verdade que a medida concreta da pena não pode ser modificada.
11. Recorde-se que o artigo 130º do Código de Processo Civil – aplicável ex vi artigo 4º do CPP – proíbe a prática de atos inúteis.
12. Ac. do STJ de 28 de junho de 2023 – Proc. nº 357/21.0GBILH.S1 disponível em www.dgsi.pt.
13. Cf. art. 1º, al. l) do CPP.
14. “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime” 4ª reimpressão, pág. 227 e sgs.
15. Figueiredo Dias, ob. citada 223 e sgs.
16. Cf. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, abril-junho de 2002, págs. 181 e 182.
17. Cf. “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, pág. 245 a 255.
18. Cf. “Consequências Jurídicas do Crime”, Lições para os alunos da FDC, Coimbra, 2010-2011.
19. Ac. do STJ de 25 de setembro de 2025 – Proc. nº 3251/22.3JABRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.