RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SEGURO OBRIGATÓRIO
Sumário


I. O art. 62º, nº 1, Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto estabelece uma situação de litisconsórcio necessário, nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de viação, quando o responsável pelo acidente seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, entre este e o Fundo de Garantia Automóvel, sob pena de ilegitimidade.
II. Tendo o pedido de indemnização civil sido deduzido pelo assistente contra o arguido e depois, mediante intervenção provocada, contra o Fundo de Garantia Automóvel e contra o proprietário do veículo automóvel, e tendo o acórdão recorrido analisado apenas a posição do Fundo de Garantia Automóvel, condenando-o em parte do pedido deduzido pelo assistente, padece de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 379º, nº 1, c), do C. Processo Penal.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca da Madeira – Juízo Local Criminal de Santa Cruz, o arguido BB, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos arts. 69º, nº 1, a) e 291º, nº 1, a), agravado nos termos dos arts. 294º e 285º, todos do C. Penal, e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro.

O assistente e demandante civil CC deduziu pedido de indemnização civil [referência ......53] contra o arguido e a Companhia de Seguros Tranquilidade SA [actualmente, Seguradoras Unidas, SA], seguradora do veículo automóvel matrícula V1, com vista à sua condenação no pagamento da quantia mensal, vitalícia e actualizável anualmente de € 668,15 acrescida de despesas médicas e medicamentosa, no pagamento da quantia de € 32691,23 por danos patrimoniais e no pagamento da quantia de € 251652,12 por danos não patrimoniais.

No decurso do processo, o assistente deduziu a intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel, que foi deferida [despacho de 14 de Novembro de 2019], e deduziu a intervenção principal provocada de DD, proprietário do veículo automóvel matrícula V2, igualmente deferida [despacho de 31 de Maio de 2021].

Após vicissitudes várias, por sentença proferida em 3 de Abril de 2024, foi decidido:

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente, por não provada, a acusação pública, bem como os pedidos de indemnização civil e em consequência:

- absolver o arguido BB da imputação de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. nos termos do artigo 291º n.º 1, alínea a), agravado nos termos dos artigos 294º e 285º do Código Penal e 69.º n.º 1 alínea a), também daquele diploma legal, em concurso real com um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do DL 2/98, de 3 de janeiro;

- absolver os demandados dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelos demandantes.

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Inconformada com a decisão, AA, na qualidade de representante do falecido assistente e demandante civil, CC, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

I. A sentença recorrida, por considerar que o assistente não provou que apesar de seguir no interior do veículo causador do acidente, não era ele o seu condutor, não era ele que tinha a direção efetiva do veículo, julgou improcedentes as petições indemnizatórias.

II. Face ao depoimento da testemunha EE, cujo depoimento, conforme se encontra consignando na ata da audiência de julgamento teve o seu início pelas 11 horas, 29 minutos e 50 segundos e o seu termo pelas 11 horas, 44 minuto e 41 segundos (em especial declarações entre o minuto 2:30 e o minuto 2:53 e entre o minuto 7:35 e o minuto 7:55), deve ser dado como provado que: O assistente não conduzia.

III. Pelo que, com toda a segurança é possível concluir, socorrendo-se das regras da experiência, que o assistente não era o condutor, não tendo a direção efetiva do veículo V2 no momento do acidente relatado nos presentes autos, facto este a aditar ao conjunto de factos provados.

IV. Considerando-se que o Assistente não era o condutor do veículo V2 deveria o demandado Fundo de Garantia Automóvel ser condenado no pagamento da indemnização peticionada.

V. Mesmo que não se dê como provado que o assistente não era o condutor do veículo V2, sempre o pedido de indemnização civil teria que ser julgado procedente, uma vez que dos artigos 47º e 49º do D/L n° 291/2007, de 21.08. não decorre que o lesado/assistente, tenha que provar que não era o condutor do veículo.

VI. De tal norma apenas resulta o ónus da prova de que não era conhecido o condutor do veículo ou que o mesmo não beneficiava de seguro automóvel válido.

VII. Encontram-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil pelo risco, bem como da aplicação do disposto nos artigos 47º e 49º do D/L n° 291/2007, de 21.08.

VIII. A sentença omitiu a indicação do valor dos não patrimoniais, e não se pronunciou sobre o valor pago mensalmente pelo assistente devido ao seu internamento, pelo que ao não enumerar, na sua fundamentação, factos essenciais para a quantificação da indemnização eventualmente a arbitrar, infringiu assim o disposto no nº 2 do artigo 374 do Código de Processo Penal, o que constitui nulidade.

IX. Os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo assistente são de pelo menos de € 269343,45.

O arguido respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

1 – A absolvição aplicada ao arguido é, sem dúvida, a decisão mais ajustada;

2 – Não merecendo, por isso, qualquer juízo de censura, antes pelo contrário.

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O Tribunal da Relação do Lisboa, por acórdão de 11 de Março de 2025, proferiu a seguinte decisão:

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação:

1. Em aditar aos factos provados o seguinte facto: “CC faleceu em 29.12.2021”.

2. Conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência, condenar o Fundo de Garantia Automóvel no pagamento a AA, na qualidade de representante do já falecido assistente/demandante cível CC, da quantia de € 47.089,83 (quarenta e sete mil, oitenta e nove Euros e oitenta e três cêntimos a título de danos patrimoniais) e a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil Euros), a título de danos não patrimoniais, no total de € 127.089,83 (cento e vinte e sete mil, oitenta e nove Euros e oitenta e três cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal, contados, quanto aos danos patrimoniais, desde a data da notificação para contestar o pedido cível e, quanto aos danos não patrimoniais, desde a presente decisão, improcedendo o recurso quanto ao demais peticionado.

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Inconformado com o decidido, o Fundo de Garantia Automóvel recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

A) O Tribunal "a quo" decidiu Douto Acórdão que alterou a decisão de 1ª Instância e concedeu provimento parcial ao recurso apresentado por AA, em representação do falecido assistente/demandante cível CC, condenando o FGA a pagar-lhe a quantia global de € 127.089,83 por danos patrimoniais e não patrimoniais do falecido.

B) Tal decisão, resulta da análise dos factos dados como provados e não provados, entendendo o Douto Tribunal que os pressupostos da responsabilidade do FGA se encontram verificado, uma que está assente que:

(...) no dia 4.7.2014, na Estrada 1, Rochão, Camacha, no sentido Camacha -Santo da Serra, ocorreu um acidente de viação envolvendo duas viaturas automóveis matriculadas em Portugal, cuja viatura responsável - o veículo de passageiros, de matrícula V2 - não beneficiava de qualquer seguro de responsabilidade civil que cobrisse os riscos de circulação, tendo do mesmo resultado danos para o assistente/demandante. Por outro lado, não se provou quem era o condutor do referido veículo à data do acidente.

C) Ora, salvo o devido respeito, mas existe uma clara contradição entra a conclusão de que não se provou quem era o condutor do veículo V2, quando resulta claro dos factos assentes que o seu condutor conduzia desatento e com uma TAS superior a 1,20 g/l - Cfr. “No entanto porque o condutor do V2 conduzia desatento e com uma TAS superior a 1,20 g/l, pela referida estrada, não impediu que aquele veículo automóvel embatesse com a frente no muro de proteção da via e posteriormente com a traseira na frente do veículo conduzido por FF.

D) Pois, apenas se pode dar como provado que um condutor seguia a sua condução com uma TAS de 1,20 g/l, se ao mesmo lhe foi realizado o teste de alcoolemia, portanto, tem de ser conhecido o seu condutor. Facto esse que não foi alterado pelo Douto Tribunal “ad quo”.

E) Por outro lado, convém relembrar que o Fundo de Garantia Automóvel, é mero garante de satisfação das indemnizações, sendo a condenação do F.G.A, solidária, com os demais responsáveis civis.

F) As ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando os responsáveis civis sejam conhecidos e não beneficie de seguro válido ou eficaz, devem obrigatoriamente ser interpostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e os responsáveis civis sob pena de ilegitimidade.

G) Alias, exceção essa invocada pelo FGA na sua contestação por não estar demandando o proprietário do veículo V2, o qual terá incumprido a obrigação de segurar, cuja omissão determina a ilegitimidade do FGA por preterição de litisconsórcio necessário passivo.

H) Tal exceção veio a ser sanada, uma vez que o Demandante CC requereu a intervenção DD, proprietário inscrito na Conservatória do Registo de Automóveis do Funchal, conforme documento que foi junto pelo Demandante no seu requerimento de intervenção, e que agora se junta novamente.

I) Tal intervenção veio a ser admitida, por Despacho datado de02-12-2020, com a Ref,ª: 49307135, o qual veio a ser citado e não apresentou contestação.

J) Ora, o Douto Tribunal da Relação de Lisboa, apenas veio a condenar o Fundo de Garantia Automóvel, por entender que o condutor do veículo V2 era desconhecido, no entanto, o seu proprietário é conhecido e figura como co-demandado com o FGA - O Demandado DD - sendo que quanto a este Demandado, na qualidade de proprietário do veículo sem seguro e a quem incumbia essa obrigação, o Doutro Tribunal “ad quo” não se pronunciou, ou seja, nem foi condenado nem absolvido.

K) Saliente-se que basta o facto de ser proprietário de um veículo que, automaticamente, e por força do disposto no n.º 1 do Art.º 6º do DL 291/2007 de 21.08, recai sobre ele a obrigação de segurar, obrigação essa que o Demandado DD, enquanto proprietário, incumpriu.

L) Ora, no Douto Acórdão Recorrido nada foi mencionado quanto ao Interveniente DD, que salvo o devido respeito por opinião diversa, deveria ter-se pronunciado sobre tal Interveniente, tanto mais que ao não fazê-lo, viola a preterição de litisconsórcio necessário passivo entre os Demandados, sendo que tal facto constitui causa de nulidade da decisão, conforme disposto na alínea d) do n.º 1 do Art.º 615º do C.P.C..

M) O douto Acórdão recorrido ao condenar o FGA sozinho violou, assim, o disposto no Art.º 503º n.º 1 do Código Civil e Art.º 62º n.º 1 do DL 291/2007 de 21.08 e constitui causa de nulidade da decisão o facto de o Douto Tribunal “ad quo” não se ter pronunciado sobre a preterição de litisconsórcio necessário passivo entre o FGA e condutor do veículo sem seguro, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do Art.º 615º do C.P.C..

Termos em que,

Revogando-se o douto Acórdão recorrido, no âmbito delimitado pelo objeto do presente recurso, se fará, como sempre, JUSTIÇA!

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O recurso foi admitido por despacho de 22 de Abril de 2025.

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O arguido BB respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

1 – As decisões superiormente aplicadas ao arguido são, sem dúvida, as mais acertadas e ajustadas;

2 – Não merecendo, por isso, qualquer juízo de censura, antes pelo contrário.

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, atento o rigor e a elevadíssima qualidade jurídica da fundamentação do douto Acórdão, se conclui pela absoluta improcedência do recurso e, consequentemente, pela confirmação do douto Acórdão recorrido. Assim, será feita JUSTIÇA.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça apôs o seu visto, por o objecto do recurso versar apenas matéria do pedido de indemnização civil.

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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.

Cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Factos provados

A matéria de facto provada que provém das instâncias é a seguinte:

No dia 04 de julho de 2014, cerca das 00horas e 50 minutos, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula V2, circulava na Estrada 1, Rochão, Camacha, no sentido Camacha – Santo da Serra, quando foi interveniente em acidente de viação.

Naquele local a referida estrada desenha-se em curva para a esquerda, atento o sentido de trânsito prosseguido por aquele veículo.

A via de trânsito apresenta a largura de 6,15 metros, tendo do lado direito, atento o sentido de trânsito prosseguido pelo referido V2, um muro de proteção da via.

No interior daquele veículo seguiam o arguido, CC e GG.

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, encontrava-se a circular no mesmo sentido de trânsito, na retaguarda do V2, FF, que conduzia o veículo automóvel de matrícula V1.

Ao aperceber-se que o veículo com a matrícula V2 se dirigia na direção do muro de proteção da via e por forma a evitar o embate entre os dois veículos automóveis, aquele FF procurou efetuar uma manobra de ultrapassagem do veículo com a matrícula V2.

No entanto, porque o condutor do V2 conduzia desatento e com uma TAS superior a 1,20g/l, pela referida estrada, não impediu que aquele veículo automóvel embatesse com a frente no muro de proteção da via situado à sua direita e posteriormente com a traseira na frente do veículo conduzido por FF.

Como consequência direta do embate entre o veículo com a matrícula V2 no referido muro de proteção e posteriormente entre os dois referidos veículos nas circunstâncias descritas, CC sofreu traumatismo vertebro-medular com lesão cervical grave, tendo sido transportado para o Hospital Nélio Mendonça, no Funchal, onde foi observado, realizou exames complementares de diagnóstico, medicado e internado no serviço de Neurologia do mesmo Hospital. CC foi transferido para a Unidade de Internamento de Longa Duração no Hospital Dr. João de Almada, do Serviço de Cuidados a 29.09.2014., onde ficou até falecer, uma vez que não tinha cuidador no seu domicílio.

Em consequência do referido traumatismo vertebro-medular cervical CC passou a estar totalmente dependente de terceiros nas várias atividades da vida diária; acamado, deslocando-se em cadeira de rodas, para a qual tinha de ser transferido por terceiros; não tendo controlo de esfíncteres, estando cronicamente algaliado e necessitando de fralda; apresentando tetraparésia mais acentuada nos membros inferiores com espasticidade de predomínio em flexão que obriga à utilização de bomba infusora de baclofeno, a qual se encontra colocada no flanco esquerdo, sendo a sua doença de carácter permanente, dolorosa e irreversível.

Tais lesões determinaram para CC 87 dias para a consolidação com afetação da capacidade de trabalho em geral.

CC passou a ser medicado com os seguintes medicamentos: Ácido acetilsalicílico, Biasacodilo, Diazepam per os, Sertralina, Simeticone, Gabapentina, Lactulose, Pentoxifilina, Esomeprazol, Cáscara+Sene e Baclofeno.

Em consequência do acidente, ficou paraplégico, tendo-lhe sido atribuído um grau de incapacidade definitiva permanente de 80%.

Antes do acidente CC sofria de artroplastia da anca.

CC ficou incapaz de usufruir o dia-a-dia devido à sua condição física, ficando isolado de amigos e familiares, sentindo-se desanimado.

CC recebeu em 2016 do Centro Nacional de Pensões (CNP) uma pensão por incapacidade permanente anual no valor de €6.899,98 e outra pensão por sobrevivência no valor anual de €2.209,20.

Em virtude da incapacidade determinada em 80%, CC deixou de poder dispor da totalidade da sua pensão mensal, de forma a pagar o seu internamento na Unidade de Longa Duração no Hospital Dr. João de Almada, no Serviço de Cuidados Continuados.

CC necessitou de cuidados médicos continuados e permanentes, tendo permanecido internado no Hospital Dr. João de Almada até falecer, pagando uma prestação mensal ao SESARAM, E.P.E, que lhe era descontada da pensão.

Até 18 de abril de 2017 CC, para pagamento do internamento no Hospital Dr. João de Almada, pagou ao SESARAM, E.P.E a quantia de €15.591,23, valor que lhe foi descontado da pensão de invalidez.

Para se poder deslocar CC teve de adquirir uma cadeira de rodas elétrica, tendo pago a quantia de €2.100,00.

CC nasceu a D-M-1956 e faleceu a 29-12-2021, era viúvo e tem duas filhas maiores de idade.

O Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, EPERAM, no exercício da sua atividade, prestou cuidados de saúde a CC, que consistiram num internamento e várias consultas, desde o dia 04.07.2014 até ao seu falecimento, a BB e a GG, que consistiram num atendimento e outros exames no dia 04.07.2014, conforme certidões juntas a fls. 221 a 223, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

[Mais se provou que:]

O arguido tem antecedentes criminais.

O arguido foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue através de colheita de sangue, sendo que, o resultado do referido teste revelou uma taxa de alcoolemia de 1,91 g/l à qual se deve deduzir a margem de erro de 0,24 g/L admissível.

GG foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue através de colheita de sangue, sendo que, o resultado do referido teste revelou uma taxa de alcoolemia de 1,94 g/l à qual se deve deduzir a margem de erro de 0,24 g/L admissível.

CC foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue através de colheita de sangue, sendo que, o resultado do referido teste revelou uma taxa de alcoolemia de 1,90 g/l à qual se deve deduzir a margem de erro de 0,24 g/L admissível.

O arguido não era titular de carta de condução à data do acidente.

A data do acidente não existia qualquer seguro de responsabilidade civil que cobrisse os riscos decorrentes da circulação do V2.

O proprietário do V1 e a seguradora atualmente denominada Seguradoras Unidas, S.A., celebraram contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel para cobrir os riscos da circulação daquela viatura

B) Factos não provados

A matéria de facto não provada que provém das instância é a seguinte:

No dia 04 de Julho de 2014, cerca das 00horas e 50 minutos, o arguido BB conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula V2, na Estrada 1, Rochão, Camacha, no sentido Camacha –Santo da Serra, quando foi interveniente em acidente de viação.

Inesperadamente o veículo V2, foi embatido na parte traseira, sem que o seu condutor tivesse tempo para travar, perdendo o controlo do mesmo, entrando em despiste e embatendo num muro de proteção da via sito na berma direita da artéria, o que fez com que CC batesse com a cabeça no para-brisas.

CC, aquando do acidente, estava sentado no banco da frente do lado direito do veículo V3, ou seja, no banco do passageiro.

O arguido conduziu o referido veículo automóvel na via pública, bem sabendo que a quantidade de álcool que tinha ingerido momentos antes do acidente supra mencionado lhe reduzia consideravelmente as elementares faculdades psico-motoras absolutamente necessárias à condução de veículos automóveis, designadamente no que respeita à coordenação das funções de sensação, de perceção e à coordenação motora e nem por isso se absteve de conduzir aquele veículo nas circunstâncias supra descritas.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que, antes de dar início à condução, tinha ingerido bebidas alcoólicas que determinariam necessariamente uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l, não se abstendo de conduzir aquele veículo, na via pública, nesse estado e que a sua relatada conduta era proibida e punida por lei como crime.

Ao decidir conduzir a viatura nas circunstâncias e do modo descritos, o arguido agiu, de igual forma, livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que não estava em condições de conduzir na via pública em segurança por se encontrar com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l e que por isso poderia colocar em perigo a integridade física e/ou a vida de outrem, bem como colocar em perigo bens jurídicos pessoais e patrimoniais, tal como efetivamente ocorreu, sendo que se conformou com essa possibilidade.

O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

CC foi sujeito a três intervenções cirúrgicas à mão e ficou com cicatrizes permanentes no corpo.

CC cogitou, por várias vezes, por termo à própria vida.

Durante o internamento no Hospital Dr. João de Almada, CC foi submetido a tratamentos diários e continuados, que lhe provocam angústia e desespero, gemendo e chorando durante o tratamento.

CC era uma pessoa bem humorada, próxima dos amigos e disponível, sendo estimado pelas filhas, amigos e colegas.

B) Fundamentação de direito quanto à obrigação de indemnizar dos demandados civis [na parte relevante]

“(…).

Como nota prévia, dir-se-á que, como acertadamente refere a decisão recorrida, a absolvição do arguido quanto aos crimes imputados não impede a condenação dos demandados, designadamente o FGA, no pagamento de uma indemnização ao assistente/demandante, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, uma vez que a mesma se funda na responsabilidade civil extracontratual, baseada nos riscos próprios do veículo responsável pelo acidente – no caso o veículo com a matrícula V3 (cf. artigo 503.º do C.Civil, 377.º, n.º 1 do C.P.Penal e Assento n.º 7/99, in DR, série I-A, de 3.8.1999) (sobre esta temática, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2021, in ECLI:PT:STJ:2021:159.18.0PCRGR.L1.S1.1D)

Por sua vez, em matéria de responsabilidade do fundo de Garantia Automóvel, dispõe o artigo 47.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, que «A reparação dos danos causados por responsável desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, é garantida pelo Fundo de Garantia Automóvel nos termos da secção seguinte.»

No caso em apreço, para que o FGA seja responsável pela reparação dos danos resultantes de um acidente de viação é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos:

1. Que estejamos perante um acidente rodoviário ocorrido em Portugal;

2. Em que seja interveniente e responsável pelo mesmo, veículo sujeito ao seguro obrigatório ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo (artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08);

3. Que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil pelo risco inerente à circulação do veículo não segurado.

4. Que do mesmo resultem danos ressarcíveis, nos termos do disposto no artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08).

5. Que o responsável seja desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel;

6. Que não se verifiquem nenhuma das situações previstas nos artigos 14.º e 52.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08 que excluem tal responsabilidade, designadamente, no que para o caso em apreço releva, que o lesado esteja incluído numa das situações descritas no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, designadamente ser o condutor do veículo responsável pelo acidente ou tenha sido o causador doloso do acidente (cf. artigo 52.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08)

Atento os factos dados como provados e não provados, é manifesto que os pressupostos da responsabilidade o FGA se encontram verificados, uma vez que está assente que no dia 4.7.2014, na Estrada 1, Rochão, Camacha, no sentido Camacha – Santo da Serra, ocorreu um acidente de viação envolvendo duas viaturas automóveis matriculadas em Portugal, cuja viatura responsável – o veículo de passageiros, de matrícula V2 – não beneficiava de qualquer seguro de responsabilidade civil que cobrisse os riscos de circulação, tendo do mesmo resultado danos para o assistente/demandante. Por outro lado, não se provou quem era o condutor do referido veículo à data do acidente.

Sendo estes os termos que constam da decisão recorrida, entendemos que a mesma não poderia ter concluído, como fez, pelo afastamento da responsabilidade do FGA, considerando-se verificada a causa de exclusão prevista no artigo 14.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, ao referir, “Na verdade, não se pode indemnizar os danos sofridos por aquele que poderá ter sido o responsável pela sua ocorrência.”.

Em nosso entender, esta conclusão resulta de dois pressupostos errados.

Em primeiro lugar, esta conclusão pressupõe que o assistente/demandante tinha o ónus de provar que não era ele a conduzir o veículo causador do acidente, sendo certo que o mesmo não dá como provado quem é que conduzia o referido veículo.

Ora, nesta matéria, quanto ao regime do ónus de prova, o artigo 342.º do Código Civil, estabelece que «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), sendo que «A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2).

Nestes termos, ao assistente/demandante apenas cabia provar os factos constitutivos do seu peticionado direito a uma indemnização, o que se reconduzia à prova da verificação do acidente de viação, que o veículo responsável pelo mesmo não beneficiava, à data do acidente, de seguro que cobria os riscos de circulação e que do acidente resultaram danos indemnizáveis. Ora, cotejado os factos assentes constantes da decisão recorrida é manifesto que o assistente cumpriu com tal ónus.

Não cabia ao assistente/demandante provar que não era o condutor do veículo responsável pelo acidente de viação, uma vez que tal reconduz-se a um facto que a verificar-se exclui o seu direito, pelo que estamos perante um facto impeditivo do direito por si invocado. Nestes termos, cabia ao FGA o ónus da prova de tal facto. Nestes termos, a sua não prova não pode onerar o assistente/demandante, mas apenas o FGA a quem incumbia a sua prova, uma vez que da sua prova apenas resulta a inexistência de qualquer facto impeditivo do direito invocado pelo assistente.

Em segundo lugar, a decisão recorrida erra ao retirar uma conclusão do facto não provado de CC, aquando do acidente, estar sentado no banco da frente do lado direito do veículo V3, ou seja, no banco do passageiro. Com efeito, deste facto não provado, a decisão recorrida retira a conclusão que não se provou que o mesmo não fosse o condutor do veículo responsável pelo acidente.

Ora, da não prova de um facto não se pode retirar qualquer efeito, pressuposto na prova do seu oposto, isto é, da não prova que o assistente/demandante, à data do acidente, estava sentado no banco da frente do lado direito do veículo V3, não se pode retirar a conclusão de que o mesmo podia ser o condutor do veículo e, num salto lógico inadmissível, ter como verificada uma causa de exclusão da responsabilidade do FGA.

(…).

Nestes termos, estando verificados os pressupostos donde resulta a responsabilidade do FGA, e não existindo qualquer causa que exclua a mesma, não poderia o tribunal recorrido decidir, como decidiu, absolver o FGA do pedido indemnizatório formulado pelo assistente/demandado.

Resultando do referido acidente danos para o assistente/demandante, estão verificados os elementos constitutivos da obrigação de indemnizar por parte do FGA, pelo que cumpre fixar o montante da indemnização devida, em função dos danos sofridos pelo assistente/demandante.

(…)”.

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Âmbito do recurso

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.

Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.

Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo Fundo de garantia Automóvel, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A contradição entre o facto provado «No entanto, porque o condutor do V2 conduzia desatento e com uma TAS superior a 1,20g/l, pela referida estrada, (…)» e a circunstância de não se ter provado quem conduzia o veículo de matrícula V2 [conclusões C e D];

- A nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a obrigação de indemnizar relativamente ao interveniente principal DD [conclusões J, L e M].

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Da contradição entre factos provados e factos não provados

1. Alega o Fundo de Garantia Automóvel [doravante, FGA] que existe contradição entre a conclusão de não se ter provado quem era o condutor do veículo V2 e ter-se provado que o condutor deste veículo seguia desatento e com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l e que por estas razões não conseguiu impedir que o veículo embatesse com a frente no muro de protecção da estrada e, depois, com a traseira do mesmo na frente do veículo V1, pois apenas se pode dar como provado que um condutor conduzia com taxa de álcool no sangue superior à permitida por lei para a condução, se for submetido aso respectivo teste de pesquisa de álcool no ar expirado, o que implica que seja conhecida a sua identidade, o que não sucedeu in casu, sendo desconhecida a identidade do condutor do V2.

Vejamos.

Ainda que o objecto do recurso se restrinja à matéria do pedido de indemnização civil, cumpre dizer que, tendo este sido deduzido no processo penal, em obediência ao disposto no art. 71º do C. Penal, são-lhe aplicáveis, em primeira linha, as regras do processo penal.

Temos, em síntese, provado, que na madrugada do dia 4 de Julho de 2014, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula V2 circulava na Estrada 1, na Camacha, Região Autónoma da Madeira, no sentido Camacha – Santo da Serra, nele sendo transportados, o arguido, o assistente e GG e, ao efectuar uma curva para a esquerda, atento o referido sentido, porque o seu condutor ia desatento e com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l, não conseguiu evitar que o veículo embatesse com a frente nu muro de protecção da via, situado à direita, atento o mesmo sentido, e de seguida, com a traseira, na frente do veículo automóvel de matrícula V1, que o precedia, circulando igualmente no mesmo sentido.

Temos ainda provado que os três ocupantes do veículo com a matrícula V2 foram submetidos a pesquisa de álcool no sangue mediante análise ao sangue, tendo o arguido acusado uma taxa de álcool no sangue de 1,67 g/l [depois de deduzido o erro máximo admissível de 0,24], tendo o assistente acusado uma taxa de álcool no sangue de 1,66 g/l [depois de deduzido o erro máximo admissível de 0,24] e tendo o GG acusado uma taxa de álcool no sangue de 1,7 g/l [depois de deduzido o erro máximo admissível de 0,24].

Desta factualidade retira-se, sem margem para qualquer dúvida, que todos os passageiros do veículo de matrícula V2, no momento em que ocorreu o acidente, se encontravam sob a influência de álcool pois que, todos apresentaram taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l.

Sendo evidente que, necessariamente, um dos três – arguido, assistente ou GG – era o condutor da viatura, é lógica a conclusão de que, quem, de facto, conduzia o veículo, se encontrava com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l, independentemente de não se ter apurado quem exercia a condução.

Em suma, não existe qualquer contradição entre factos provados e não provados e, muito menos insanável, sendo pois de afastar a existência do vício previsto na alínea b) do nº 2 do art. 410º, do C. Penal.

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Da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a obrigação de indemnizar relativamente ao interveniente principal DD

2. Alega o FGA que o proprietário do veículo de matrícula V2, tendo a sua direcção efectiva, responde pelos danos que ele causar, ainda que não se encontre em circulação, e sobre ele recai, pela sua qualidade de proprietário, a obrigação de segurar, nos termos do art. 6º, nº 1, do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto. Assim, continua, não tivesse o interveniente DD incumprido esta obrigação, o recorrente não estaria a ser demandado nos autos, sendo certo que se impõe uma responsabilidade solidária entre o demandado DD, o condutor do veículo e o próprio recorrente, pelo que, deveria o acórdão recorrido ter-se pronunciado sobre a responsabilidade do interveniente DD, o que não fez, assim dando causa à nulidade da decisão prevista no art. 615º, nº 1, d), do C. Processo Civil.

Vejamos.

Dispõe o art. 62º, nº 1, do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto que, [a]s acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade. E dispõe o seu nº 2 que, [q]uando o responsável civil por acidentes de viação for desconhecido, o lesado demanda directamente o Fundo de Garantia Automóvel.

Assim, sendo conhecido o responsável civil, ou os responsáveis civis, por acidente de viação, e não beneficiando estes de seguro válido e eficaz, a lei estabelece uma situação de litisconsórcio necessário entre estes e o FGA.

Como se deixou dito no Relatório do presente acórdão, o assistente CC deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido e a Companhia de Seguros Tranquilidade SA [actualmente, Seguradoras Unidas, SA], sendo que esta era seguradora do veículo de matrícula V1 e não, do veículo de matrícula V2 cujo condutor não foi possível identificar [sabendo-se apenas que será um dos três ocupantes desta última viatura]. E no decurso do processo, face às dúvidas que iam surgindo, o assistente requereu a intervenção principal provocada, primeiro, do FGA e, depois, do proprietário do veículo de matrícula V1, DD, incidentes estes que foram admitidos e devidamente processados.

Como é sabido, o interveniente principal provocado tem o estatuto de parte principal, fazendo valer no processo um interesse próprio, paralelo ao do demandante ou ao do demandado.

Nesta decorrência, estabelece o art. 320º do C. Processo Civil que, [a] sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado. E isto é assim, quer o interveniente tenha ou não, intervenção efectiva nos autos, devendo a sentença, em qualquer dos casos, apreciar a relação jurídica em cujo âmbito ocorreu o chamamento, e constituirá caso julgado quanto àquele (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Parte Geral e Processo de Declaração, 2ª Edição, 2020, Almedina, pág. 393).

Dito isto.

Nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, d), do C. Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Idêntica disposição encontramos no art. 379º, nº 1, c), do C. Processo Penal, ao estabelecer ser nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

É, pois claro que, quer a jurisdição civil, quer a jurisdição penal prevê como nulidade da sentença a omissão e o excesso de pronúncia.

Em todo o caso, conforme supra dito, atenta a natureza dos autos, a questão em análise será decidida nos termos da norma do processo penal.

Como se pode ler no segmento da fundamentação de direito do acórdão recorrido supra transcrito, relativamente aos sujeitos passivos da obrigação de indemnizar – o arguido, o recorrente FGA e o interveniente DD –, da qual o assistente se arroga a qualidade de sujeito activo, o Tribunal da Relação de Lisboa apenas analisou a posição do FGA, tendo omitido pronúncia sobre as posições do arguido e do interveniente proprietário do veículo causador do acidente, quando, nos termos do referido art. 320º do C. Processo Civil, a tanto estava obrigado. E, consequentemente, no Dispositivo, condenou o FGA em parte do pedido deduzido pelo assistente, nada tendo decidido quanto aos demais demandados.

Destarte, enferma o acórdão recorrido, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 379º, do C. Processo Penal, de nulidade por omissão de pronúncia, relativamente ao demandado civil BB e ao interveniente DD.

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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em declarar a nulidade do acórdão recorrido – prevista na alínea c) do nº 1 do art. 379º do C. Processo Penal – e, em consequência, determinam a prolação de novo acórdão, pelo mesmo tribunal, suprindo a verificada nulidade.

Recurso sem tributação por não ser devida.

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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).

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Lisboa, 19 de Novembro de 2025

Vasques Osório (Relator)

Ernesto Nascimento (1º Adjunto)

José Piedade (2º Adjunto)