RECURSO DE REVISÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PRISÃO
PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DA SENTENÇA
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
DEPOIMENTO
TESTEMUNHA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
INDEFERIMENTO
Sumário


I - O recurso de revisão destina-se a reparar condenações/absolvições que se verifiquem terem sido erradas, injustas, estando em causa a justiça da condenação, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito, a que o caso julgado dá garantia.
II- No conflito entre o valor da certeza e da segurança jurídicas, garantido pelo caso julgado, condição essencial da paz jurídica comunitária, e as exigências da verdade material e da justiça, condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, o recurso de revisão procura conciliar estes valores contraditórios, tendo o caso julgado de ceder, em casos excecionais, para salvaguardar interesses da verdade material e da justiça.
III- A revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os do nº 2 do art. 410º do CPP).
IV- Pelo carácter excecional do recurso de revisão, este não se compadece perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adoção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais.
V - A alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP impõe que se tenham descoberto novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
VI - Factos novos ou novos meios de prova são aqueles desconhecidos pelo recorrente e pelo tribunal aquando do julgamento e que não puderam ser apreciados no processo que levou à condenação, são suscetíveis de criar dúvida sobre a justeza do que se decidiu e que, por si mesmos ou combinados com os que foram valorados no respetivo processo, originem ponderosas reservas sobre se se decidiu bem, ou sobre se justamente se decidiu.
VII- Não se pode pedir a revisão de uma decisão condenatória apenas com vista a que a pena aplicada seja reduzida ou suspensa na sua execução.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

Nos presentes autos, os arguidos AA e BB, foram condenados por acórdão de 20/01/ 2022, por decisão transitada em julgado, no seguinte:

- O arguido AA, na pena única de 14 (catorze) anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas de:

. 12 (doze) anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro; e de

. 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em coautoria, de um crime de adesão a associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28.º, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro.

- o arguido BB, na pena única de 13 (treze) anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas de:

. 11 (onze) anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro; e de

. 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em coautoria, de um crime de adesão a associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28.º, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro.

***

Ambos os arguidos vieram interpor recurso de revisão, fundamentando-se na alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP (após terem sido notificados para aperfeiçoarem o pedido), por terem constatado que, num outro processo (693/20.2T8AGH), em que fora arguido CC, coautor dos factos pela quais foram condenados e que também ele, se viu ali condenado, alegando para tal:

« 1. Por acórdão proferido no processo 206/18.6JELSB, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores - Angra do Heroísmo – Juízo Central Cível e Criminal – J1, de 16.12.2020, transitado em julgado, foi CC condenado, pela pratica, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, 1 e 24.º, al. c) do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro, na pena de 12 (doze) anos de prisão; e ainda pela pratica, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de adesão a associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28.º, 2 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, em cúmulo jurídico foi o mesmo condenado na pena única de 14 (catorze) anos de prisão, e ainda condenado BB, no âmbito destes mesmos autos, pela pratica, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, 1 e 24.º, al. c) do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro, na pena de 11 (onze) anos de prisão; e ainda pela pratica, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de adesão a associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28.º, 2 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, em cúmulo jurídico foi o mesmo condenado na pena única de 13 (treze) anos de prisão, penas estas que estão a cumprir no Estabelecimento Prisional do Funchal.

2. Inicialmente, era ainda arguido, nestes autos, CC, solteiro, velejador, filho de DD e de EE, nascido a D.M.1979, em ..., Inglaterra, portador do passaporte britânico nº. ........35 e com domicílio em P...1, Palma de Maiorca, o qual foi pronunciado, em conjunto com os aqui condenados recorrentes, mas sendo separado o processo para prosseguir pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Juízo Central Cível e Criminal - J2, como número de processo 693/20.2T8AGH, o qual também transitou em julgado, 23.03.2022, e ali este condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º e 24.º, al. c) do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B anexa ao mesmo, na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão e ainda pela prática, em autoria material, um crime de adesão a associação criminosa, previsto e punido no artigo 28.º, 2 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão, em cúmulo jurídico, fixou ainda o Tribunal, a pena única em 12 (doze) anos de prisão, a qual se acha a cumprir no Reuni Unido.

3. Foi arrolada como testemunha da Acusação, para onde remete a Pronuncia, entre outras, o Senhor Inspetor da Policia Judiciária FF, ouvido na Audiência de Julgamento, nas sessões a tal destinado, quer no âmbito do processo 206/18.6JELSB, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores - Angra do Heroísmo – Juízo Central Cível e Criminal – J1, quer ainda no processo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Juízo Central Cível e Criminal - J2, como número de processo 693/20.2T8AGH.

4. Alcance-se na motivação do Acórdão do Tribunal a quo o seguinte, relativamente ao depoimento da testemunha FF no âmbito dos presentes autos:

“Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 13, 14, 15, 16 (…), a convicção do tribunal fundou-se no teor da informação da MAOC constante de fls. 5 (confirmada pelo teor do depoimento testemunha GG, que elaborou a mesma), devidamente conjugada com o teor globalmente consonante das declarações de HH (inspector da PJ que acompanhou a operação após a embarcação chegar à Horta), FF (inspector da PJ que acompanhou toda a operação desde a abordagem), II (inspectora da PJ que acompanhou toda a operação desde a abordagem), JJ (coordenador da PJ que coordenou a operação em causa) e KK (chefe da brigada da PJ que levou a cabo a operação em causa), todos congruentes e credíveis no sentido sinalização via MAOC e da localização pela força aérea e abordagem pelos fuzileiros da embarcação no local em causa (local especificado na informação de fls. 13 e que se situa na ZEE de Portugal, conforme informação de fls. 1141- 1142, corroborada pelas declarações da testemunha LL, ao afirmar que o ponto em causa é a 95 milhas do Faial (…)”.

Os factos a que alude a motivação supra são:

“13. Na sequência de informações obtidas via MAOC – Maritime Analysis and Operations Centre - Narcotics, as autoridades portuguesas localizaram o veleiro “O...” e os arguidos nas coordenadas 037º 31.8 N, 030º 19.6 W, no Oceano Atlântico, ao largo dos Açores.

14. Tendo, em consequência, interceptado o veleiro em causa no dia 21 de Junho de 2018, em hora não concretamente apurada mas anterior às 8:15 horas dos Açores, naquelas mesmas coordenadas 037º 31.8”N; 030º 19.6”W, entrando neste, primeiramente, os fuzileiros e, após, a Polícia Judiciária portuguesa.

15. No dia 21/06/2018, pelas 8:15 horas dos Açores, foi, verbalmente, pelas Ilhas Virgens Britânicas, transmitida a autorização para que a marinha portuguesa e a polícia portuguesa actuassem no veleiro em causa.

16. Pelas condições do estado do mar, que não permitia a realização de buscas, em segurança no veleiro O..., foi, por determinação da polícia judiciária, a embarcação conduzida pelo arguido AA ao porto comercial da cidade da Horta, na ilha do Faial, Açores, onde chegou no dia 22/06/ 2018 pelas 8:00 horas da manhã.”

5. No âmbito do processo que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Angra do Heroísmo -Juízo Central Cível e Criminal - J2, como número de processo 693/20.2T8AGH, no douto Acórdão proferido em 02.07.2021, alcançamos:

“Cabe aqui, antes de prosseguirmos, referir que os depoimentos do arguido e da generalidade das testemunhas (ainda que alguma reserva nos suscite o depoimento de FF, porque disse mais do que viveu e conheceu, nomeadamente no que toca a ter viajado no avião que detetou o veleiro, o que manifestamente não aconteceu porque o documento de fls.2135 e ss. não deixa margem de dúvidas quanto a isso, ainda que, mau grado essa circunstância, deva ser entendido como relevante e credível na parte que coincide com os demais que viveram a mesma realidade, nomeadamente HH e II), são credíveis porque estruturados, claros, clarividentes e têm esteira nos demais elementos probatórios, nomeadamente nas perícias, apreensões e no depoimento do arguido.”

6. Acontece, todavia, que o depoimento do Senhor Inspetor FF, por haver presenciado factos que são totalmente comuns, a um e outro processo, versando, aliás, ambos sobre a mesma matéria, foi apreciado de diferente forma num e noutro,

7. Resultando que, nos autos presentes resulta desfavorável aos aqui condenados,

8. Qual seja, a invocada testemunha diz ter viajado no avião que deteteu o veleiro e tal não corresponde à verdade, antes, tal facto é desmentido pelo documento de fls. 2135 dos autos 693/20.2T8AGH,

9. Julgamento este que ocorreu posteriormente ao dos autos 206/18.6JELSB,

10. Tendo os condenados tomado conhecimento do Acórdão dos autos 693/20.2T8AGH, no dia em que a certidão foi emitida pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Angra do Heroísmo – Juízo Central Cível e Criminal – J2,

11. Seja, os condenados tiveram conhecimento do teor integral daqueles autos e do que aqui se trás a este recurso extraordinário de revisão em 07/07/2025.

12. Que permite concluir que a prova que sustentou a sua condenação e sucessivamente confirmada pelos Tribunais Superiores é contrária à prova julgada provada no processo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Angra do Heroísmo - Juízo Central Cível e Criminal - J2, como número de processo 693/20.2T8AGH,

13. Pois que os condenou nos moldes que se deixa supra em 1.

14. Sem considerar ou haver concluído que a testemunha Inspetor FF afastou-se da verdade, o que num caso e noutro teria que ser extamente o mesmo, dado os factos e agentes de um e outro processo serem os mesmos, em circunstâncias de modo e lugar.

15. E assim sendo, importa que nesta sede o Supremo Tribunal de Justiça aceite – o que confiadamente requerem – a revisão das suas penas, que possa por uma aproximação ponderada à pena a que está condenado, até determinada fase processual, o co-arguido CC.

16. Quando não os recorrentes absolvidos dos crimes de que se acham ambos condenados.

17. Ou seja, invoca-se expressamente – estando demonstrado – que o fundamento probatório viciado influiu e concorreu determinantemente para a condenação dos recorrentes.

18. O depoimento do Inspetor FF é um meio de prova (testemunhal), que serviu – num e noutro processo – para fundamentar os factos provados.

19. Sendo que o aludido depoimento foi desmerecido (em parte) no processo 693/20.2T8AGH para fundamentar os factos provados,

20. Ao invés do que sucedeu com o processo em que os recorrentes se acham condenados, vejam-se os factos julgados como provados n.ºs 13 a 16 do Acórdão do Tribunal a quo.

21. Dito de outro modo, o testemunho da mesma pessoa, que veio a ambos os processos, como meio de prova, tem a virtualidade, a capacidade e a idoneidade para suscitar graves e sérias dúvida quanto à justeza das condenações, quando não à própria condenação na sua globalidade.

Nestes termos, deve ser autorizada a revisão aqui requerida, com reenvio do processo ao Tribunal de categoria e composição idênticas às do Tribunal que proferiu a decisão a rever, seguindo-se os demais termos até final, ao abrigo do disposto pelos artigos 457.º e seguintes do Código de Processo Civil, devendo ser chamado a depor a testemunha FF acerca dos factos em que interveio nas circunstâncias de tempo e lugar aquando da deteção do veleiro em que se faziam transportar os recorrentes e CC.

Assim se fazendo A JUSTIÇA!»

***

O Ministério Público, pronunciou-se acerca do pedido, nos seguintes termos:

« …Os condenados AA e o BB, vieram interpor recurso extraordinário de revisão, nos termos do disposto pelos artigos 449.º, 1., al. c), 450.º, 1., al. c), 451.º e 452.º, todos do Código de Processo Penal, invocando, em suma, que “foi apreciado de diferente forma” neste processo e no processo 693/20.2T8AGH, o depoimento da testemunha FF, o qual presenciou “factos que são totalmente comuns, a um e a outro processo, versando, aliás, ambos sobre a mesma matéria”.

Concretizam que na motivação do acórdão proferido nos autos principais, o Tribunal a quo relativamente ao depoimento da testemunha FF referiu o seguinte: “Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 13, 14, 15, 16 (…), a convicção do tribunal fundou-se no teor da informação da MAOC constante de fls. 5 (confirmada pelo teor do depoimento testemunha GG, que elaborou a mesma), devidamente conjugada com o teor globalmente consonante das declarações de HH (inspector da PJ que acompanhou a operação após a embarcação chegar à Horta), FF (inspector da PJ que acompanhou toda a operação desde a abordagem), II (inspectora da PJ que acompanhou toda a operação desde a abordagem), JJ (coordenador da PJ que coordenou a operação em causa) e KK (chefe da brigada da PJ que levou a cabo a operação em causa), todos congruentes e credíveis no sentido sinalização via MAOC e da localização pela força aérea e abordagem pelos fuzileiros da embarcação no local em causa (local especificado na informação de fls. 13 e que se situa na ZEE de Portugal, conforme informação de fls. 1141- 1142, corroborada pelas declarações da testemunha LL, ao afirmar que o ponto em causa é a 95 milhas do Faial (…)”.

E referem que no âmbito do processo que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Angra do Heroísmo - Juízo Central Cível e Criminal - J2, como número de processo 693/20.2T8AGH, consta do douto Acórdão proferido em 02.07.2021, o seguinte: “Cabe aqui, antes de prosseguirmos, referir que os depoimentos do arguido e da generalidade das testemunhas (ainda que alguma reserva nos suscite o depoimento de FF, porque disse mais do que viveu e conheceu, nomeadamente no que toca a ter viajado no avião que detetou o veleiro, o que manifestamente não aconteceu porque o documento de fls.2135 e ss. não deixa margem de dúvidas quanto a isso, ainda que, mau grado essa circunstância, deva ser entendido como relevante e credível na parte que coincide com os demais que viveram a mesma realidade, nomeadamente HH e II), são credíveis porque estruturados, claros, clarividentes e têm esteira nos demais elementos probatórios, nomeadamente nas perícias, apreensões e no depoimento do arguido.”

Desde já, cumpre referir que não se vislumbra em que medida foi o depoimento da testemunha em causa apreciada de forma diferente, já que, quer num quer noutro processo, o depoimento do mesmo (com excepção da parte em que o mesmo disse ter viajado no avião que detetou o veleiro) foi considerado relevante e credível. Tanto que, quem num quer noutro processo, os arguidos (aqui, os recorrentes, no processo 693/20.2T8AGH, CC) foram condenados pela prática dos mesmos crimes (tráfico gravado e adesão e associação criminosa).

De qualquer modo, e porque estamos aqui perante a interposição de um recurso extraordinário de revisão, a sua admissão é limitada aos casos previsto no artigo 449º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Ora, por douto despacho proferido em 15/08/2025, foram os arguidos convidados a aperfeiçoar o seu requerimento de recurso, uma vez que não vislumbrava, da fundamentação expendida no requerimento de recurso, em que medida a apreciação diversa de um tal meio de prova possa integrar-se em qualquer uma das alíneas do nº 1 do artigo 449.º, do Código de Processo Penal.

Por requerimento junto aos autos em 26/08/2025, os condenados AA e o BB, limitaram-se a referir que “não obstante, os recorrentes hajam invocado o artigo 449º, 1, alínea c) do Código de Processo Penal, para fundamentarem o recurso extraordinário interposto”, “vêm, desta feita, esclarecer que, a alínea a ser considerada, deverá ser a alínea d) daquela disposição legal, que, por lapso, não foi devidamente indicada, aquando da interposição do meio recursivo”.

Constata-se, pois, que os recorrentes, não obstante notificados para aperfeiçoar o requerimento de recurso, limitaram-se a enquadrar o fundamento do seu recurso numa outra alínea do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal - a alínea d) da citada norma.

Os recorrentes pretendem seja chamado a depor a testemunha FF, acerca dos factos em que interveio nas circunstâncias de tempo e lugar aquando da deteção do veleiro em que faziam transportar os recorrentes e CC (condenado no âmbito do Processo 693/20.2T8AGH).

Ora, essa testemunha, como resulta da certidão que acompanha o requerimento de recurso, proferida no âmbito dos autos principais, já foi inquirida sobre os referidos factos.

Como já se havia referido no douto despacho proferido em 15/08/2025, que se transcreve e acompanha “a admissão do recurso de revisão é limitada aos casos previstos no artigo 449.º do Código de Processo Penal, que vem sendo sujeito, por sua vez, pela doutrina e pela jurisprudência, a uma interpretação restritiva, de modo a reservar apenas a circunstâncias “substantivas e imperiosas” a quebra daquela garantia constitucional, sob pena de transformação desta forma de recurso numa “apelação disfarçada” [Albuquerque, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2007, pp. 1209 a 1210]

In casu, os recorrentes invocam a apreciação diversa de um meio de prova comum, ou seja, o depoimento da testemunha FF, sendo que tal fundamento não é enquadrável em nenhuma das alíneas do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, designadamente na alínea d).

Com efeito, conforme decorre do Ac. do STJ de 13/09/2023 (Ernesto Vaz Pereira), in www.dgsi.pt, “a al. d), do nº 1, do artigo 449º, do CPP, exige, para a revisão, que haja “descoberta” de “novos” factos ou “novos” meios de prova, de per si ou aliados aos já apreciados suscitem “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, o que não é manifestamente o caso.

Uma vez que não há factos novos ou novos meios de prova a considerar, deve ser rejeitada a produção de prova requerida e, a final, negar-se provimento ao recurso, por ser manifestamente inadmissível.».

***

O Sr. Juiz titular do processo, prestou a informação a que alude o art.° 454.° do CPP, na qual, concluiu, também, no sentido de que a revisão não deve ser concedida, por não se verificarem os pressupostos de que depende a autorização para a revisão, cujos fundamentos se passam a transcrever:

«…Os condenados AA e o BB, vieram interpor recurso extraordinário de revisão, nos termos do disposto nos artigos 449.º, 1., al. c), 450.º, 1., al. c), 451.º e 452.º, todos do Código de Processo Penal, invocando, em suma, que “foi apreciado de diferente forma”, neste processo e no Processo nº 693/20.2T8AGH, o depoimento da testemunha FF, o qual presenciou “factos que são totalmente comuns, a um e a outro processo, versando, aliás, ambos sobre a mesma matéria”.

Concretizam os condenados que na motivação do Acórdão proferido nos autos principais do presente processo, o Tribunal a quo, relativamente ao depoimento da testemunha FF, referiu o seguinte: “Quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 13, 14, 15, 16 (…), a convicção do tribunal fundou-se no teor da informação da MAOC constante de fls. 5 (confirmada pelo teor do depoimento testemunha GG, que elaborou a mesma), devidamente conjugada com o teor globalmente consonante das declarações de HH (inspetor da PJ que acompanhou a operação após a embarcação chegar à Horta), FF (inspetor da PJ que acompanhou toda a operação desde a abordagem), II (inspctora da PJ que acompanhou toda a operação desde a abordagem), JJ (coordenador da PJ que coordenou a operação em causa) e KK (chefe da brigada da PJ que levou a cabo a operação em causa), todos congruentes e credíveis no sentido sinalização via MAOC e da localização pela força aérea e abordagem pelos fuzileiros da embarcação no local em causa (local especificado na informação de fls. 13 e que se situa na ZEE de Portugal, conforme informação de fls. 1141-1142, corroborada pelas declarações da testemunha LL, ao afirmar que o ponto em causa é a 95 milhas do Faial (…)”.

Os condenados mais referem que no âmbito do Processo que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Angra do Heroísmo - Juízo Central Cível e Criminal - J2, com o número de Processo nº 693/20.2T8AGH, consta do douto Acórdão proferido em 02.07.2021, o seguinte: “Cabe aqui, antes de prosseguirmos, referir que os depoimentos do arguido e da generalidade das testemunhas (ainda que alguma reserva nos suscite o depoimento de FF, porque disse mais do que viveu e conheceu, nomeadamente no que toca a ter viajado no avião que detetou o veleiro, o que manifestamente não aconteceu porque o documento de fls. 2135 e ss. não deixa margem de dúvidas quanto a isso, ainda que, mau grado essa circunstância, deva ser entendido como relevante e credível na parte que coincide com os demais que viveram a mesma realidade, nomeadamente HH e II), são credíveis porque estruturados, claros, clarividentes e têm esteira nos demais elementos probatórios, nomeadamente nas perícias, apreensões e no depoimento do arguido”.

*

Cumpre apreciar e decidir.

Desde já cumpre referir que não se vislumbra em que medida foi o depoimento da testemunha em causa apreciado de modo diferente, já que, quer num quer noutro processo, o depoimento da mesma (com exceção da parte em que o mesmo disse ter viajado no avião que detetou o veleiro) foi considerado relevante e credível. Tanto que, quer num quer noutro processo, os respetivos arguidos (os ora recorrentes arguidos nos presentes autos e o arguido CC no Processo nº 693/20.2T8AGH) foram condenados pela prática dos mesmos crimes (tráfico gravado e adesão a associação criminosa).

De qualquer modo, e porque estamos aqui perante a interposição de um recurso extraordinário de revisão, a sua admissão é limitada aos casos previstos no artigo 449º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Por Despacho proferido em 15/08/2025 (cfr. Refª ......16), foram os arguidos, condenados e ora recorrentes, convidados a aperfeiçoar o seu requerimento de recurso, uma vez que não se vislumbrava, da fundamentação expendida no requerimento de recurso, em que medida a apreciação diversa de um tal meio de prova poderia ser integrada em qualquer uma das alíneas do nº 1 do citado artigo 449º do Código de Processo Penal.

Por requerimento junto aos autos em 26/08/2025 (cfr. Refª .....52), os condenados AA e BB limitaram-se a referir que “não obstante, os recorrentes hajam invocado o artigo 449º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal, para fundamentarem o recurso extraordinário interposto”, “vêm, desta feita, esclarecer que a alínea a ser considerada deverá ser a alínea d) daquela disposição legal, que, por lapso, não foi devidamente indicada, aquando da interposição do meio recursivo”.

Constata-se, assim, que os recorrentes, não obstante notificados para aperfeiçoar o requerimento de recurso, limitaram-se a enquadrar o fundamento do seu recurso numa outra alínea do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal - a alínea d) da citada norma legal.

Os ora recorrentes pretendem que seja chamada a depor a testemunha FF acerca dos factos em que interveio nas circunstâncias de tempo e lugar aquando da deteção do veleiro em que se faziam transportar os ora recorrentes e CC (este último condenado no âmbito do Processo nº 693/20.2T8AGH).

Essa testemunha, FF, como resulta da certidão que acompanha o requerimento de recurso e foi emitida no âmbito dos autos principais, já foi inquirida sobre os referidos factos.

A admissão do recurso de revisão é limitada aos casos previstos no artigo 449º/1 do Código de Processo Penal, o qual vem sendo sujeito, por sua vez, pela doutrina e pela jurisprudência, a uma interpretação restritiva, de modo a reservar apenas a circunstâncias “substantivas e imperiosas” a quebra daquela garantia constitucional, sob pena de transformação desta forma de recurso numa “apelação disfarçada” (cfr. Albuquerque, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2007, pp. 1209 a 1210).

No presente caso concreto, os ora recorrentes invocam a apreciação diversa de um meio de prova comum, ou seja, o depoimento da testemunha FF, sendo que tal fundamento não é enquadrável em qualquer uma das alíneas do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, designadamente não é enquadrável na invocada alínea d).

Conforme decorre do Acórdão do STJ datado de 13/09/2023 (Ernesto Vaz Pereira), in www.dgsi.pt , “a al. d), do nº 1 do artigo 449º do CPP, exige, para a revisão, que haja “descoberta” de “novos” factos ou “novos” meios de prova que, de per si ou aliados aos já apreciados, suscitem “graves dúvidas” sobre a justiça da condenação”, o que não é manifestamente o caso da situação sub judice.

Conclui-se que não há factos novos e/ou novos meios de prova a considerar, logo

Indefere-se a produção de prova requerida.

Acrescente-se, em conformidade com o supra exposto e a título de informação final sobre o mérito do pedido, que deve ser negado provimento ao presente recurso extraordinário de revisão, por ser manifestamente inadmissível.

Porém, em cumprimento integral do disposto no artigo 454º do Código de Processo Penal e após cumprimento do prazo aí exarado, remeta-se os presentes autos (principais e respetivos apensos) ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça, acompanhados de informação sobre o (não) mérito do pedido, consubstanciada no teor integral do presente Despacho sob a Refª 60168888. Notifique».

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Neste STJ, o Sr. PGA junto do STJ, no seu douto parecer, refere o seguinte:

«…Com efeito, se certo é que os requerentes têm legitimidade para o pedido (artº 450º, nº 1, al. b), do CPP), tendo sido pelos mesmos cumpridas as formalidades necessárias (artº 451º do mesmo diploma), reportando-se o recurso, como é exigido, a decisão transitada em julgado (artº 449º, nº 1, também do CPP), certo é igualmente que não se verifica o preenchimento das condições substanciais que permitiriam admitir a pretendida revisão.

A possibilidade de revisão de uma decisão transitada em julgado, ou seja, depois de todas as vias ordinárias de contestação da decisão estarem esgotadas, visa obter a reposição da verdade dos factos e a consequente aplicação do que se será, então, igualmente uma verdadeira justiça.

Se nalguns casos a revisão é admitida sem grandes (ou, pelo menos, com menores) dúvidas serem levantadas, como nos casos das alíneas a), b), e), f) e g) do nº 1, do artº 449º do CPP, já noutros exige-se uma maior apreciação acerca do que é invocado, como são as situações mencionadas nas alíneas c) e d) do mesmo preceito – serem os factos que serviram de fundamento à condenação inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença (al. c)) ou se se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (al.d), graves dúvidas estas que são igualmente exigidas nas situações da alínea anterior.

No caso dos autos sendo clara a invocação do fundamento da alínea d) do nº 1 do artº 449º (depois de terem sido – e agora não cumpre apreciar se bem, se mal – convidados os requerentes a melhor fundamentarem o pedido), necessário seria que tivessem sido alegados fundamentos que importassem a conclusão de que, na decisão contestada, não foram tidos em conta elementos de prova que teriam levado a decisão diferente ou, pelo menos, que existem fortes suspeitas de que, tendo sido conhecidos aqueles elementos, a decisão teria seria diferente, e de forma determinante (é daí que resulta a impossibilidade de ser admitida revisão quando apenas se visa corrigir medida concreta da pena fixada, como resulta do nº 3 do artº 449º).

Sendo aquele o fundamento, deparou-se logo a necessidade de o requerente dar cumprimento ao disposto no artº 453º, nº 2, quando este refere que o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão, ou que estiveram impossibilitadas de depor.

Ora, esse requisito não se mostra preenchido, antes se mostra afastado: a testemunha indicada foi até ouvida no decurso do julgamento (num e noutro processo).

E, mesmo ultrapassando-se esta ‘dificuldade’, certo é que, conjugando isto com os demais elementos existentes no processo, temos que no caso não se suscitam graves dúvidas na condenação do arguido/recorrente que possam justificar a admissão da revisão.

Na verdade, nem se entende qual a relevância da ‘diferença’ de entendimentos de um e de outro coletivo quanto à credibilidade da testemunha – reporta-se a um aspeto concreto (estar ou não a testemunha num dado local) e nada mais, não sendo esses elementos minimamente determinantes em termos de prova quanto à prática dos factos integradores da prática do crime.

Basta ver que, mesmo no acórdão em que se suscitaram dúvidas quanto à total veracidade do depoimento, ocorreu condenação do arguido pela prática da factualidade, tendo esta sido dada como provada com base, não só no referido pela testemunha em questão, mas com base num vasto conjunto de elementos probatórios ali referidos.

Finalmente, há a notar que o recorrente não contesta a condenação por si sofrida, não contesta a prática dos factos por si praticados e que integraram os crimes pelos quais foi condenado. Limita-se a referir divergência de entendimentos quanto à credibilidade de uma das testemunhas inquiridas em julgamento, sem que isso acarrete a certeza, ou mesmo a fundada suspeita de a condenação não ter sido justa.

Tanto assim é que pede, em 1ª linha, uma redução das penas que lhes foram impostas…

Sucede que, não parece ser esse o escopo do recurso de revisão: este destina-se a reparar condenações que se verifiquem terem sido «erradas»: A matriz da revisão é a de condenação/absolvição, aí estando em causa a justiça da condenação.

Daqui que não se possa pedir a revisão de uma decisão condenatória apenas com vista a que a pena aplicada – que não se contesta – seja, por exemplo, suspensa na sua execução. Isso vai para além da previsão do tipo de recurso extraordinário em causa, pois o que se visa com este é obviar a decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito, a que o caso julgado dá caução. Ora, ao invocar-se – como fazem os arguidos – a alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP – como fundamento para a revisão, estão eles próprios a afastar essa mesma possibilidade de revisão: a alínea em causa impõe que se tenham descoberto novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

E, como Paulo Pinto de Albuquerque refere no Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem» (a pág. 1188 da 3ª edição), tais graves dúvidas sobre a justiça da condenação que são exigidas para efeitos de revisão têm de ter na sua base um grau de convicção superior ao que imporia a absolvição do arguido no processo criminal se fossem neste conhecidos, ao tempo da deliberação, os factos novos. O grau requerido para a revisão de sentença é mais exigente: não se trata apenas de uma dúvida razoável, mas de uma dúvida grave sobre a justiça da condenação. E como grave só podem ser havidas as dúvidas que “atinjam profundamente o julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos” (aqui sendo citado o acórdão deste STJ de 11.05.2000):

I - O recurso de revisão na sua ratio, aspira a obter o equilíbrio entre a imutabilidade da sentença ditada pelo caso julgado (vertente da segurança) e a necessidade de assegurar o respeito pela verdade material (vertente da Justiça).

II - Trata-se de um verdadeiro recurso, permissivo não apenas de um mero reexame ou de uma simples apreciação de um anterior julgado, mas antes, de uma nova decisão alicerçada em renovado julgamento do feito e com o apoio de novos dados de facto.

III - Tal como se alcança do contexto das diversas alíneas que integram o n.º 1 do art. 449.º, do CPP, mas de modo particularmente visível na hipótese da al. d), a revisão versa sobre a questão de facto, rectius, versa apenas sobre a questão de facto.

IV - Factos novos ou novos meios de prova são aqueles que não tendo sido apreciados no processo que levou à condenação, e que sendo desconhecidos da jurisdição na altura do julgamento, são susceptíveis de criar dúvida sobre a justeza do que se sentenciou e que, por si mesmos ou combinados com os que foram valorados no respectivo processo (combinação de que derive ficarem estes últimos infirmados no essencial ou abalados na credibilidade que mereceram e que, na altura, se justificava que merecessem), embora não tendo que evidenciar a inocência do condenado, originem todavia, ponderosas reservas sobre se se decidiu bem, ou sobre se justamente se decidiu.

V - Exactamente porque se trata de um recurso extraordinário, o mesmo tem de ser avalizado rigorosamente, não podendo, nem devendo vulgarizar-se, pelo que, haverá que encará-lo sob o inafastável prisma das “graves dúvidas” e como graves, só podem ser havidas as que atinjam profundamente um julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos.

11-05-2000 Proc. n.º 20/2000 - 5.ª Secção Oliveira Guimarães (relator)

Não é isso que sucede no caso. E de forma evidente.

E daqui que, sem necessidade de maiores considerações, se tenha forçosamente de entender ser manifestamente infundado o pedido de revisão da decisão condenatória formulado pelos arguidos condenados AA e BB, devendo ser, consequentemente, negado nos termos do artº 455º, nº 3, do CPP e aplicada a sanção prevista no artº 456º do mesmo diploma.».

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Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

Cumpre decidir.

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Fundamentação

Direito

Dispõe o artº. 449.°CPP, que a revisão de sentença transitada em julgado só é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n°s 1 a 3 do artigo 126°;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 - Com fundamento na alínea d), do n.° 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.

O recurso extraordinário de revisão é um direito reconhecido no n.° 6 do art.° 29° da Constituição aos "cidadãos injustamente condenados".

No conflito entre o valor da certeza e da segurança jurídicas, garantido pelo caso julgado, condição essencial da paz jurídica comunitária, e as exigências da verdade material e da justiça, que são também condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, o recurso de revisão tenta conciliar estes valores contraditórios, pelo que o caso julgado terá de ceder, em casos excecionais, perante os interesses da verdade e da justiça.

Ora, o caso julgado dá estabilidade à decisão, consequentemente ao valor da segurança que é um dos fins do processo penal.

Contudo, o fim do processo é também a realização da justiça.

Por isso, o recurso de revisão representa a procura do equilíbrio entre aqueles dois valores.

Como refere Cavaleiro de Ferreira, “A justiça prima e sobressai acima de todas as demais considerações; o direito não pode querer e não quer a manutenção duma condenação, em homenagem à estabilidade das decisões judiciais a garantia dum mal invocado prestígio ou infabilidade do juízo humano, à custa de postergação de direitos fundamentais dos cidadãos, transformados então cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa da lei e do direito.”. Cf. In “Scientia Iuridica”, tomo XIV, n.ºs 75/76, págs. 520-521.

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Este recurso constitui, pois, uma restrição ao princípio da intangibilidade do caso julgado, que deriva do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, elemento integrante do princípio do estado de direito (cfr. art. 2º da Constituição).

Na verdade, o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, é condição fundamental da paz jurídica que todo o sistema judiciário prossegue, como condição da própria paz social. As exceções devem, pois, assumir um fundamento material evidente e incontestável, insuscetível de pôr em crise os valores assegurados pelo caso julgado (cfr.J. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, pp. 256-257).

Assim, o recurso de revisão baseia-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, pois também elas comportam valores relevantes que são igualmente condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, e afinal daquela mesma paz jurídica.

Porém, a incerteza jurídica provoca um sentimento de insegurança para a comunidade, mas a intangibilidade do caso julgado de uma decisão que vem a revelar-se nitidamente injusta, contraria o sentimento de confiança coletiva nas instituições judiciárias.

Por isso, o recurso de revisão é um meio de repor a justiça e a verdade, destronando o caso julgado, que para não causar nenhum dano irreparável na confiança do direito na comunidade, deve restringir-se a casos excecionais, taxativamente indicados.
A este recurso está subjacente um inerente interesse de ordem pública, para salvaguardar a genuinidade da administração da justiça, e consequentemente da confiança da comunidade na justiça.

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Vejamos agora se está preenchida a citada alínea d) do art.º 449.º n.º 1 do CPP, relativa novos factos ou meios de prova, pois é aí que reside o fundamento do recurso interposto pelos requerentes.

Nesta alínea admite-se a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Factos novos ou novos meios de prova são aqueles que não tendo sido apreciados no processo que levou à condenação, e que são suscetíveis de criar dúvida sobre a justeza do que se decidiu e que, por si mesmos ou combinados com os que foram valorados no respetivo processo, originem ponderosas reservas sobre se se decidiu bem, ou sobre se justamente se decidiu.

Ora, o fundamento de revisão previsto na citada al. d) do n.º 1 do art. 449.° do CPP pressupõe a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do mesmo preceito) (cfr. Ac. STJ n.º 2/00.7TBSJM-A.S1 de 30 de Janeiro de 2013).

Como se sustenta no Ac. STJ de 3/12/2014, Proc. 798/12.3GCBNV-B.S1 in www.dgsi.pt, exigem-se “novas provas” que, no concreto quadro factual, se revelem tão seguras que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a prova de um quadro de facto novo ou a exibição de novas provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão.

Em síntese, são, dois e cumulativos os parâmetros da admissibilidade da revisão com fundamento na al.ª d) do n.º 1 do art. 449º do CPP:

-que os factos ou provas apresentados não existiam ou se, se existentes, desconheciam e, portanto, não puderam apresentar-se e, consequentemente, ser tidos em conta na sentença;

-que por si sós ou conjugados e confrontados com provas produzidas na audiência evidenciem, acima de qualquer dúvida razoável, a grave injustiça da condenação.

Quanto à aferição da novidade dos factos e dos meios de prova, refere-se no Acórdão do STJ, processo 41/05.1 GAVLP-C.S1, de 12.03.2014, que factos novos serão «os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão».

No mesmo sentido, vai o Ac. de 12/5/2005 do Tribunal Constitucional, onde se refere:

«…Há‑de, pois, tratar-se de “novas provas” ou “novos factos” que, no concreto quadro de ato em causa, se revelem tão seguros e (ou) relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.

Não se trata, portanto, de elementos probatórios que permitam novas argumentações a favor da inocência do condenado, mas de autênticas novas provas que desvirtuando totalmente as provas que motivaram a condenação, fazem duvidar gravemente da sua justiça material. Tampouco se trata de uma nova oportunidade para reapreciar os elementos probatórios que o tribunal de instância e/ou de recurso já tiveram em conta.».

Assim, repetimos, é necessário que apareçam factos ou elementos de prova novos, e que tais elementos novos suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Por isso, as dúvidas têm de ser suficientemente fortes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado.

Ora, é a cumulação destes dois requisitos que garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica.

A lei afasta ainda a possibilidade de este recurso ter como único fim a “correção” da pena concreta (nº 3 do art. 449º do CPP), ou tenha como finalidade exclusiva “corrigir” a qualificação jurídica dos factos, ainda que ela se afigure a posteriori injusta” ou “errada”.

Assim, insiste-se, a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os do nº 2 do art. 410º do CPP). Para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento.

Na verdade, o recurso extraordinário de revisão previsto na al. d) pressupõe que foram descobertos novos factos ou meios de prova e é a ponderação dos mesmos, em conjugação com a restante prova, que é o objeto do recurso.

É a posição defendida no acórdão do S.T.J.de 11-11-2021 (proc. n.º769/17.3PBAMD-B.S1- 5.a Secção), onde se escreve: “Na sua aceção mais comum – e, por assim dizer, mais tradicional – «[a] expressão “factos ou meios de prova novos”, constante do fundamento de revisão da alínea d) do n° 1 do artigo 449º do CPP, deve interpretar-se no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão».

Porém, são novos os factos ou meios de prova já conhecidos ao tempo do julgamento pelo requerente, desde que este justifique «porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal» ( cfr. Ac. STJ de 9.12.2021, proferido no proc. n.o3103/15.3TDLSB-E.S1, consultável in www.dgsi.pt/stj).

Neste sentido, tem decidido o Supremo Tribunal, entre muitos outros, nos acórdãos de 01-02-2023 (proc. n.º 506/18.5JACBR-E.S1), de 06-10-2022 (proc. n.º 529/19.7T9PFR.P1-A.S1) e de 27-05-2021 (proc. n.º 205/18.8GCA VR-B.S1), publicados em .

De igual forma, tem o STJ decidido no sentido de que os factos devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o próprio arguido recorrente (cfr. Acs. STJ de 20.11.2014, proc. nº 113/06.3GCMMN-A.S1 e de 3.12.2015, proc. nº 66/12.0PAAMD-A.S1, bem como Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do CPP, 4ª ed., p. 1207, e Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, 2ª ed., Almedina, p. 1509).

Na verdade, tendo carácter excecional o recurso de revisão, não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adoção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais.

Olhando agora para o caso concreto, entendem os requerentes que a testemunha FF, Inspetor da Polícia Judiciária, teve diferente credibilidade por parte dos julgadores, pois no processo em que os recorrentes foram condenados, o depoimento desta testemunha foi valorado e serviu para tal condenação, enquanto no outro processo não mereceu total credibilidade por parte dos julgadores, ficando ali referido que tal testemunha terá dito «mais do que viveu e conheceu, nomeadamente no que toca a ter viajado no avião que detetou o veleiro, o que manifestamente não aconteceu».

Consequentemente, consideram os requerentes «que a prova que sustentou a sua condenação e sucessivamente confirmada pelos Tribunais Superiores é contrária à prova julgada provada no processo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Angra do Heroísmo - Juízo Central Cível e Criminal - J2, com o número de processo 693/20.2T8AGH».

Assim, pedem os mesmos a redução das penas em que se mostram condenados, para ficarem mais aproximadas às aplicadas ao arguido Hutton, ou mesmo a absolvição.

Os recorrentes pretendem, pois, que seja chamado a depor a testemunha FF, acerca dos factos em que interveio nas circunstâncias de tempo e lugar aquando da deteção do veleiro em que faziam transportar os recorrentes e CC (condenado no âmbito do Processo 693/20.2T8AGH).

Vimos que essa testemunha, como resulta da certidão que acompanha o requerimento de recurso, proferida no âmbito dos autos principais, já foi inquirida sobre os referidos factos.

Como refere o Sr. PGA, que aqui acompanhamos, atento o disposto no artº 453º, nº 2, os requerentes não podem indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão, ou que estiveram impossibilitadas de depor.

Ora, não é este o caso, pois a testemunha indicada foi ouvida no decurso do julgamento, num e noutro processo.

Porém, a ‘diferença’ de entendimentos de um e de outro coletivo quanto à credibilidade da testemunha, tem a ver com o facto de estar ou não a testemunha num dado local, pelo que não são esses elementos determinantes quanto à prática dos factos integradores da prática do crime.

Além disso, mesmo no acórdão em que se suscitaram dúvidas quanto à total veracidade do depoimento, houve condenação do arguido pela prática da factualidade, com base no conjunto de elementos probatórios ali referidos, bem como na referida testemunha.

Por outro lado, os recorrentes não contestam a condenação sofrida, não contestam a prática dos factos por si praticados e que integraram os crimes pelos quais foram condenados. A divergência de entendimentos tem a ver com a credibilidade de uma das testemunhas inquiridas em julgamento, mas que não leva a qualquer certeza ou suspeita fundada de a condenação não ter sido justa, pois pedem uma redução das penas que lhes foram impostas.

Porém, como dissemos, a revisão destina-se a reparar condenações que se verifiquem terem sido «erradas», de condenação/absolvição, pondo em causa a justiça da condenação.

Por isso, não se pode pedir a revisão de uma decisão condenatória apenas com vista a que a pena aplicada, seja reduzida, pois o que se pretende é obviar a decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito, a que o caso julgado dá cobertura.

Efetivamente, quando os arguidos invocam a alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP, como fundamento para a revisão, vimos que o que aqui está em causa é que se tenham descoberto novos factos ou meios de prova que, aliados á restante prova, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o que não é claramente o que sucede neste caso.

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Assim sendo, não preenchendo a situação em causa o fundamento de revisão expressamente enunciado pelos recorrentes no seu pedido, designadamente, o previsto na alínea d), n.º1 do art.449.º do Código de Processo Penal, há que negar provimento ao recurso.

Nos termos do art.456.º do Código de Processo Penal, «Se o Supremo Tribunal de Justiça negar a revisão pedida pelo assistente, pelo condenado ou por qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 450.º, condena o requerente em custas e ainda, se considerar que o pedido era manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC.».

Ora, a jurisprudência vem considerando que o recurso é manifestamente infundado quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que está votado ao insucesso (Cf. acórdão do STJ de 16.11.2000, proc.° n.°2353/02-3, in www.dgsi.pt).

Por isso, como referem Simas Santos e Leal-Henriques, há manifesta improcedência quando, «atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos Tribunais Superiores, é patente a sem razão do recorrente, sem necessidade de ulterior e mais detalhada discussão jurídica» sobre o que vem impugnado (Cf. “Recursos Penais”, 9.ª ed. Rei dos Livros, pág. 130).

Assim, uma avaliação perfuntória dos fundamentos do pedido de revisão, nos termos formulados pelo recorrente, é manifestamente infundado, pelo que deve este ser condenado numa soma, nos termos do art.456.º do Código de Processo Penal.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão de sentença peticionada pelos condenados AA e BB.

Custas pelos recorrentes, fixando em 2 (duas) UCs a taxa de justiça (art.8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais), a que acresce a quantia de 6 (seis) UCs, por o pedido ser manifestamente infundado, nos termos do art.456.º do Código de Processo Penal.

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Supremo Tribunal de Justiça, 19/11/2025

Pedro Donas Botto - Relator

Jorge Gonçalves – Juiz Conselheiro 1.º Adjunto

Adelina Barradas Oliveira – Juíza Conselheira 2.ª Adjunta

Helena Moniz – Presidente da Secção