MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
Sumário

I. A mediadora só tem direito à remuneração convencionada se, durante o prazo de vigência do acordo de mediação, apresentar ao comitente pessoa disposta e pronta a celebrar o contrato visado, ou seja, nas condições por aquele predispostas.
II. Angariado pela empresa de mediação interessado pronto a celebrar o negócio querido pelo mediado, ainda assim pode este livremente recusar a sua celebração, mas, tendo sido convencionada cláusula de exclusividade, terá então que pagar a remuneração acordada, conforme resulta do n.º 2 do artigo 19.º do RJAMI.
III. Violada a cláusula de exclusividade por terem os RR comitentes, na vigência do contrato celebrado com a autora, vendido o imóvel a terceiro, negócio concretizado com intervenção de uma outra mediadora, conforme ficou a constar da escritura celebrada, é devida àquela a remuneração acordada, por força das regras gerais em matéria contratual, nomeadamente o disposto no artigo 795.º, n.º 2, do Código Civil.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo 17/24.0T8PTG.E1[1]
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre
Juízo Local Cível de Portalegre - Juiz 1


I. Relatório
(…) – Sociedade de mediação imobiliária, Lda., com sede na Rua (…), 7-A, em Portalegre, instaurou contra (…) e mulher, (…), residentes na Praceta dos (…), n.º 4, r/c-Dt.º, em Portalegre, a presente ação declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação dos demandados no pagamento da quantia de € 9.348,00, acrescida de juros, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento à taxa em vigor para as dívidas civis.
Para tanto alegou, em síntese, dedicar-se à atividade de mediação imobiliária, no exercício da qual celebrou com os Réus contrato de mediação em regime de exclusividade, tendo em vista a venda do imóvel que identificou, no cumprimento do qual promoveu a pretendida venda, realizou visitas e obteve propostas.
Mais alegou ter tomado conhecimento de que os demandados haviam, na vigência do contrato e sem o seu conhecimento, procedido à venda do imóvel, negócio concretizado com a intervenção de uma outra mediadora, conforme ficou a constar da respetiva escritura, o que lhe confere o direito à remuneração acordada, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2023, de 8 de Fevereiro, disposição legal que expressamente convocou.

Regularmente citados, apenas a Ré mulher contestou, peça na qual negou que algum contrato tivesse sido celebrado com a Autora.

Realizada a audiência final foi proferida sentença que decretou a improcedência da ação, com a consequente absolvição dos RR do pedido.
Inconformada, apelou a Autora e, tendo desenvolvido na alegação que apresentou os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“1.ª O contrato de mediação imobiliária é, em essência, um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual, a mediadora se obriga a encontrar um terceiro com quem determinado contrato sobre bens imóveis venha a ser celebrado, podendo ser celebrado em regime de exclusividade ou sem exclusividade.
2.ª Para que a mediadora imobiliária tenha direito à retribuição nos termos do artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, é necessário: a) que a mediadora tenha efectivamente desenvolvido a actividade de mediação, promovendo efectivamente o negócio; b) que tenha sido concluído o negócio visado no contrato de mediação; e c) que exista um nexo causal entre a actividade desempenhada pela mediadora e a conclusão do contrato visado.
3.ª No caso dos autos “Resultou provado que a A. celebrou um contrato de prestação de serviços de mediação imobiliária com os RR., e em regime de exclusividade, tendo por objecto a venda de um imóvel de propriedade dos RR.”.
4.ª Ainda que se considere estarmos perante um caso de exclusividade simples, na vigência do contrato de mediação imobiliária celebrado com a Autora, os Réus estavam impedidos de contratar outra mediadora para promover a venda do imóvel objecto desse contrato.
5.ª Nos casos em que apenas a mediadora imobiliária tem o direito de promover o negócio visado e que nenhuma outra mediadora o poderá promover (regime de exclusividade), existe a presunção de que foi através da promoção desenvolvida pela mediadora contratada em regime de exclusividade que o comprador teve conhecimento do negócio, conforme tem sido considerado pela doutrina e pela jurisprudência.
6.ª Considerando que a Autora, contratada em regime de exclusividade, para além de apresentar o imóvel a clientes específicos, “publicitou o imóvel em causa nas suas instalações/sede e no website da Autora, bem como outros canais de exportação, nomeadamente, sites de compra e venda de imóveis”, autoriza a presunção de facto de que a actividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e o terceiro, facilitando o negócio.
7.ª Tal presunção não é afastada nas situações em que haja sido declarado na escritura pública de compra e venda que o negócio teve intervenção de outra mediadora, uma vez que, no regime de exclusividade, apenas a mediadora contratada pode promover o negócio visado e, nessa sequência, não é de excluir que a actividade da Autora contribuiu como causa próxima na realização do negócio.
8.ª Assim, ainda que não resulte provado que a compradora do imóvel dos Réus tenha qualquer relação com os interessados angariados pela Autora, presume-se essa mesma relação, considerando, assim, a existência do nexo de causalidade entre a actividade da Autora e a celebração do contrato visado, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013.
9.ª Tendo sido contratado entre Autora e Réus o regime de exclusividade, conforme tem vindo a entender a doutrina e a jurisprudência, basta à Autora demonstrar e provar os dois primeiros requisitos, para que tenha direito à retribuição, uma vez que o terceiro requisito se presume naturalmente.
10.ª No caso dos autos, resulta dos factos provados que: - a Autora promoveu efectivamente o imóvel em causa e desenvolveu a actividade a que se obrigou (factos provados 10 a 16); - o negócio visado no contrato de mediação foi perfeitamente realizado, no âmbito da vigência do contrato de mediação (factos provados 7, 9, 18 e 19).
11.ª Estando preenchidos os dois primeiros requisitos in casu e presumindo-se o nexo causal entre a actividade desenvolvida pela Autora e o contrato visado de compra e venda do imóvel em causa, sempre é devida pelos Réus a remuneração peticionada à Autora, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013.
12.ª Ainda que não se considere que o nexo causal se presume – o que não se aceita –, nos casos em que tenha sido acordado o regime de exclusividade, dispõe o n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013 que a mediadora imobiliária tem também direito à remuneração quando o contrato visado não se tenha celebrado por causa imputável ao cliente proprietário.
13.ª Tal acontece quando, vigorando a exclusividade entre mediador imobiliário e cliente, o mediador efectivamente promove o negócio e encontra interessados, mas o cliente celebra o negócio prometido com a intervenção de outra mediadora – como ocorreu no caso dos autos.
14.ª Com a celebração do contrato visado com intervenção de outra mediadora imobiliária, os Réus, de forma culposa e por motivo que lhes é exclusivamente imputável, impossibilitaram a concretização do negócio visado com a intervenção da Autora (que, diga-se uma vez mais, era a única que podia promover o negócio em causa).
15.ª De modo que a mediadora, aqui Autora, tem direito à remuneração acordada.
16.ª Perante o exposto, conclui-se que, pela cláusula de exclusividade, as partes determinam que o mediador terá direito à remuneração se o contrato pretendido for celebrado durante o período de exclusividade acordado, o que acontecerá sempre que esse contrato tenha sido celebrado em consequência da actividade de outro mediador.
17.ª Tendo sido desenvolvida pela Autora a actividade a que se obrigou, no âmbito do contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, e tendo o negócio objecto do contrato sido concretizado através da intervenção de outra mediadora, durante o período de vigência do contrato celebrado com a Autora, devem os Réus ser condenados ao pagamento da retribuição acordada à Autora, no montante de € 9.348,00, acrescida de juros civis à taxa legal.
18.ª Ao julgar a acção improcedente nos termos em que o fez, o tribunal a quo fez incorrecta interpretação da lei, tendo violado o disposto no artigo 19.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 15/2013 e artigo 405.º do Código Civil”.
Conclui pela procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que condene os RR no pedido formulado.
Não foram oferecidas contra alegações.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objeto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se a mediadora imobiliária tem direito à remuneração acordada por terem os RR, seus clientes, celebrado negócio com terceiro, com intervenção de uma outra mediadora, em violação da cláusula de exclusividade.
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II. Fundamentação
De facto
Não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, e não se vislumbrando fundamento para a sua alteração oficiosa, são os seguintes os factos a considerar:
1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à mediação imobiliária.
2. Os Réus eram donos de um prédio misto, denominado (…), sito em (…), Marvão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marvão, sob o n.º (…), da freguesia de (…), e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), e na matriz predial rústica sob o artigo (…), secção (…), da freguesia de (…), concelho de Marvão.
3. Com vista à sua venda, no ano de 2022, os Réus contactaram a Autora, para que esta angariasse comprador para o dito imóvel, pelo preço de € 200.000,00.
4. Os Réus entregaram à Autora toda a documentação necessária para a promoção do imóvel em causa.
5. Nessa sequência, em 15/06/2022, foi ajustado entre a Autora e os Réus um acordo, intitulado “contrato de mediação imobiliária”, nos termos do qual, a Autora obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessados na compra do prédio.
6. Conforme resulta da cláusula 4ª do referido acordo, só a Autora podia promover o negócio objeto do acordo de mediação, durante o seu período de vigência.
7. No que concerne ao período de vigência do acordo em causa, dispõe a cláusula 8ª do mesmo: «O presente contrato tem uma validade de seis meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo».
8. No caso de conclusão do negócio visado, os Réus comprometeram-se a pagar à Autora, uma comissão de 4% calculada sobre o preço do negócio, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, aquando da celebração do contrato-promessa, conforme acordaram na cláusula 5ª do acordo de mediação imobiliária.
9. Até 15/12/2022, os Réus não denunciaram o dito acordo.
10. Com a assinatura do acordo, a Autora iniciou a publicitação do imóvel identificado no ponto 2 e a angariação de possíveis clientes.
11. Para tal, a Autora publicitou o imóvel em causa nas suas instalações/sede e no website da Autora, bem como outros canais de exportação, nomeadamente, sites de compra e venda de imóveis, identificando o imóvel com a referência (…).
12. No âmbito da promoção, divulgação e publicitação desenvolvidas pela Autora, surgiram vários interessados na aquisição do imóvel em causa.
13. Na sequência dos pedidos de informação formulados, a Autora apresentou o imóvel em causa nos presentes autos aos interessados, tendo transmitido todas as informações relevantes relativamente ao mesmo, tendo sido realizadas diversas visitas ao imóvel.
14. No âmbito das visitas realizadas, surgiram algumas propostas, de diferentes interessados.
15. Em finais de Julho de 2022, (…) e (…), interessados angariados pela Autora, apresentaram uma proposta de aquisição do imóvel, no valor de € 160.000,00 (com entrega de sinal no valor de € 22.500,00 e escritura definitiva a celebrar no prazo de 90 dias).
16. A Autora elaborou a minuta do acordo de compra e venda do imóvel identificado em 2., nos termos e condições acordadas entre as partes.
17. Porém, quando contactados para assinarem o contrato promessa, os Réus declararam não aceitar o preço em causa e, nessa sequência, não assinaram o contrato promessa e o negócio visado não foi concretizado.
18. Em 22/12/2022, os Réus venderam o imóvel objeto do acordo de mediação imobiliária, identificado em 2., a (…), pelo preço de € 190.000,00.
19. Resulta do referido acordo de compra e venda que o preço foi pago da seguinte forma: a) “cinquenta mil euros pagos em dez de Outubro do corrente ano”; b) “vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos pagos nos dias dezanove e vinte do corrente mês”; c) “cento e quinze mil, duzentos e quarenta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos pagos hoje”.
20. Os Réus, e (…), declaram no ato de compra e venda que “o negócio resultante da compra e venda desta escritura teve intervenção do mediador imobiliário, (…), Lda., com a licença AMI (…), sede na Quinta do (…), (…) Marvão, declaração que fazem para os fins da lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro”.
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Não se provou que:
a) A proposta de (…) e (…), em 01/08/2022, foi inicialmente aceite pelos vendedores.
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De Direito
Da cláusula de exclusividade e do direito da autora à remuneração
Na definição constante do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 13/2015, de 8 de Fevereiro, que estabeleceu o regime jurídico a que ficou sujeita a atividade de mediação imobiliária (doravante designado por RJAMI) “A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes[2], de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis”, sendo a descrita atividade a prestação característica do contrato de mediação imobiliária [3]. Numa outra formulação, o acordo de mediação pode ser definido como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à conclusão de determinado negócio entre elas, mediante remuneração”[4].
Não interessando aqui discutir se no âmbito dos contratos de mediação a empresa mediadora assume uma verdadeira obrigação – de meios ou resultado –, ou apenas uma incumbência, e se tal dependerá dos termos contratualmente fixados[5], afigura-se, em todo o caso, que a celebração do negócio visado pelo cliente, porque na dependência de terceiros, não integra o tipo contratual. Não obstante, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 19.º do RJAMI que a remuneração da mediadora não é devida pelo exercício da atividade de mediação, ou seja, pelas diligências realizadas no sentido de encontrar interessado no negócio visado, nem sequer pela obtenção do interessado, sendo devida apenas com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, sendo no entanto irrelevante para este efeito que o mesmo venha ou não a ser cumprido.
É, pois, "entendimento pacífico, na doutrina e jurisprudência, que no contrato de mediação imobiliária a regra é a de que a remuneração da empresa mediadora é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, ou seja, que a comissão do mediador apenas é devida quando a sua atividade tenha contribuído, de forma determinante, para a celebração (e perfeição) do negócio, por via da aproximação do comitente com terceiros para o efeito”[6]. Assim sendo, à empresa de mediação que pretenda fazer valer o seu direito à remuneração, caberá alegar e provar que: i. exerceu efetivamente a sua atividade, tendo agido de modo a proporcionar a aproximação entre o comitente e o terceiro especificamente interessado no negócio que o primeiro quer celebrar; ii. ocorreu a conclusão do contrato pretendido entre o comitente e um terceiro, não bastando, em regra, a promessa de contratar ou manifestações de vontade que não correspondam à celebração do negócio visado; iii. verifica-se a existência de um nexo causal entre aquela atividade e a conclusão deste contrato.
Feitas tais prévias considerações sobre o tipo contratual aqui em causa, não se encontra controvertido nos autos que entre a A. e os RR. foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, logo, necessariamente oneroso, nos termos do qual a primeira se obrigou a promover a venda do imóvel pertencente aos demandados pelo preço predeterminado de € 200.000,00, mediante o pagamento de uma remuneração fixada em 4% do preço da venda, acrescida de IVA.
Resulta ainda da factualidade apurada, não impugnada no recurso, que as partes acordaram numa cláusula de exclusividade e o imóvel veio a ser vendido com intervenção de uma outra mediadora durante o período de vigência do contrato (cfr. o teor dos pontos 5, 6, 7 e 9 dos factos assentes), discutindo-se apenas se a autora tem direito, conforme pretende, à remuneração acordada nos termos do n.º 2 do artigo 19.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redação introduzida pelo DL 102/2017, de 23 de Agosto, em vigor à data da celebração do contrato em causa nos autos (cfr. o artigo 12.º do Código Civil).
Já se disse que, via de regra, e conforme resulta do disposto no n.º 1 do citado artigo 19.º do RJAMI, a remuneração a pagar pelo comitente só é devida com a “conclusão e perfeição do negócio visado” ou com a “celebração do contrato promessa” quando as partes assim o tenham previsto. Todavia, quando as partes tenham acordado a celebração do contrato em regime de exclusividade, é ainda devida a remuneração quando o negócio se não concretize “por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”, conforme estatui o n.º 2 do preceito.
Considerou-se na sentença recorrida, entendimento contra o qual se insurge a apelante, que não lhe era devida qualquer remuneração porque a recusa dos RR em celebrar o negócio angariado não lhes era censurável, dado que o preço oferecido era muito inferior ao pretendido, tendo o negócio visado sido celebrado com terceiros que nenhuma relação tinham com a autora ou com os interessados por esta angariados. Mas será assim?
No caso vertente não está em causa a recusa dos apelados em celebrarem o contrato com os interessados angariados pela apelante que, na verdade, apresentaram proposta que não correspondia aos termos do negócio por aqueles pretendido. Com efeito, a mediadora só tem direito à remuneração convencionada se, durante o prazo de vigência do acordo de mediação, apresentar ao comitente pessoa disposta e pronta a celebrar o contrato visado, ou seja, nas condições por aquele predispostas, não relevando para o efeito diversas propostas recebidas de eventuais interessados. Angariado pela empresa de mediação interessado pronto a celebrar o negócio querido pelo mediado, ainda assim pode este livremente recusar a sua celebração, mas terá então que pagar a remuneração acordada por força da convencionada cláusula de exclusividade, conforme resulta do n.º 2 do artigo 19.º.
A situação colocada nos autos é, todavia, outra: sendo lícita, como vimos, a recusa dos apelados em contratar com os interessados angariados pela autora identificados no ponto 15., violaram, todavia, a cláusula de exclusividade quando venderam o imóvel a terceiros, negócio concretizado com intervenção de uma outra mediadora, conforme ficou a constar da escritura celebrada. Saber se, nestas específicas circunstâncias, é ainda devida a remuneração, é questão que não tem reunido consenso doutrinário ou jurisprudencial, como evidencia o recentíssimo acórdão deste mesmo TRE de 16/10/2025 (processo n.º 542/23.0T8ABT.E1, em www.dgsi.pt, com voto de vencido).
Considerando que o artigo 19.º, n.º 2, não dá resposta direta à questão que nos ocupa, afigura-se que a solução terá de encontrar-se nas regras gerais em matéria contratual.
Acompanhando Mafalda Miranda Barbosa (“Entre a aleatoriedade e a condicionalidade: reflexões a propósito do direito à remuneração do mediador imobiliário[7]), impõe-se considerar que pela cláusula de exclusividade simples, como era aqui o caso, o solicitador obriga-se a não permitir que um terceiro, que não o mediador, promova a celebração do negócio pretendido (na exclusividade reforçada a interdição recai também sobre o próprio comitente). Daqui decorre que, vindo a celebrar um contrato com um destinatário angariado por outra mediadora, o solicitante, como observa a autora citada “(…) viola um dever de omissão, incorrendo em responsabilidade, pelo que deve o mediador ser colocado na posição em que estaria se não tivesse existido violação, ou seja, se o dever de atuação exclusiva tivesse sido pontualmente cumprido. Respondendo o solicitador pelo interesse contratual positivo, o mediador terá, pelo menos, direito ao valor da comissão acordada.” Tal solução, acrescenta, “(…) do ponto de vista da intencionalidade judicativa, não dista daquela a que se chega nas hipóteses em que, não tendo havido violação do acordo de exclusividade, o negócio visado pela mediação apenas não se celebra por facto imputável ao solicitador”.
Acresce que, estando em causa um contrato bilateral, ainda que imperfeito, é aplicável o artigo 795.º, n.º 2, nos termos do qual se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, conforme aqui ocorre, não fica este desobrigado da contra-prestação.
Apontando a mesma solução, Higina Castelo[8], assinala que “Com tal atuação, o cliente torna impossível a verificação da condição de que depende a remuneração da mediadora (torna impossível a celebração do contrato visado com eventual interessado a apresentar pela mediadora), pelo que, no fundo, torna impossível o bom sucesso da prestação da mediadora, pois ninguém se pode interessar verdadeiramente por comprar um imóvel que já não estará à venda. Neste quadro, o cliente deve pagar à mediadora exclusiva a remuneração acordada. Desde logo, porque se trata da solução que resulta da aplicação das regras gerais sobre o incumprimento das obrigações: nos contratos bilaterais, se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação (artigo 795.º, n.º 2, do CC). Acresce que é também esta a solução conferida para o caso análogo do contrato de agência exclusivo: o agente tem direito à comissão por atos concluídos durante a vigência do contrato (mesmo que não os tenha promovido nem tenham sido celebrados por clientes por si angariados), se gozar de um direito de exclusividade para uma zona geográfica ou para um círculo de clientes e se os mesmos atos tiverem sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou círculo de clientes (cfr. artigo 16.º, n.º 2, conjugado com o n.º 1, do Regime do Contrato de Agência – DL n.º 178/86, de 3 de julho, alterado pelo DL n.º 118/93, de 13 de abril)”.
Perfilhando aqui o mesmo entendimento e impondo-se concluir que os RR, por força da violação da cláusula da exclusividade, tornaram impossível a prestação a que a apelante se vinculou, por aplicação do citado artigo 795.º, n.º 2, não ficaram desobrigados da sua prestação, sendo por isso devida a remuneração acordada. Com a consequência de não poder subsistir a sentença recorrida, que assim se revoga.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, condenando os RR a pagarem à Autora a quantia de € 9.348,00 (nove mil e trezentos e quarenta e oito euros), acrescida dos juros vencidos desde a citação, contados à taxa supletiva legal para as dívidas de natureza civil, porque assim foi peticionado, e os vincendos até integral pagamento sobre o montante de € 7.600,00.
As custas, nesta e na 1ª instância, serão suportadas pelos RR, que decaíram (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCiv.).
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Sumário: (…)
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Évora, 13 de Novembro de 2025
Maria Domingas Simões (Relatora)
Cristina Dá Mesquita (1ª Adjunta)
Vítor Sequinho dos Santos (2º Adjunto)


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[1] Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos:
1ª Adjunta: Sr.ª Juíza Desembargadora Cristina Dá Mesquita;
2º Adjunto: Sr. Juiz Desembargador Vítor Sequinho dos Santos.
[2] “em nome de” que, todavia, aqui se não reconduz ao conceito jurídico de representação.
[3] Neste sentido, Higina Castelo, “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade”, Revista de Direito Comercial, https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5f022e6c04cf460c9abc7f88/1593978480039/2020-26+-+1401-1462.pdf
[4] Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, Revista de Direito Comercial, https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/596cd1a6cd0f68fd3589dd22/1500303787254/2017-08.pdf
[5] Neste sentido, Higina Castelo, estudo citado, segundo a qual “Perceber se a mediadora se obrigou e a quê, só casuisticamente, mediante a análise de casa concreto contrato, poderá ser conseguido. Há que olhar o texto do contrato e interpretá-lo”.
[6] Fernando Baptista Oliveira, in “Direito dos Contratos – O contrato de mediação imobiliária na prática judicial: uma abordagem jurisprudencial” – Centro de Estudos Judiciários, 2016, Coleção Formação Contínua, acessível em file:///C:/Users/MJ01415/Downloads/eb_Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria%20(1).pdf
[7] Estudo publicado na Revista de Direito Comercial 7 (2023): págs. 1227-1282, acessível em https://www.revistadedireitocomercial.com/entre-a-aleatoriedade-e-a-condicionalidade)
[8] No estudo citado “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade”.