INABILITAÇÃO
MEDIDA TUTELAR
REVISÃO DA INCAPACIDADE
Sumário

- as medidas de acompanhamento têm natureza temporária e tendencialmente transitória;
- a revisão periódica da medida, pelo menos, de 5 em 5 anos, assume caráter oficioso;
- sem prejuízo da revisão oficiosa da medida aplicada, a revisão pode ter lugar a todo o tempo, desde que seja requerida com fundamento em circunstâncias que a justifiquem.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Requerente: Ministério Público
Requerido Acompanhado: (…)

Por decisão proferida a 26/11/2019, determinou-se a aplicação ao Requerido das medidas de acompanhamento de representação geral e de administração total dos respetivos bens previstas das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 145.º do CC, assim como a incapacidade de exercício do Requerido para a celebração de negócios da vida corrente, para o exercício dos direitos de casar ou de constituir uniões de facto, de procriar por via de procriação medicamente assistida, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou adotados, de escolher profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio e residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar.
O Ministério Público, a 16/01/2025, apresentou-se a impulsionar a revisão da medida de acompanhamento.
Reiterou, posteriormente, que o incidente deve prosseguir para revisão da medida de acompanhamento que foi decretada por razões de saúde, com a fixação das medidas já determinadas e as alterações que a prova vier a revelar adequadas, requerendo a audição do Requerido Acompanhado e da Acompanhante bem como a submissão do Requerido a exame pericial de índole médico-legal para apurar a atual situação do mesmo.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida decisão onde foi exarado o seguinte:
«Em conclusão, a deferir a pretensão ora deduzida, teria o Ministério Público que reiniciar também todos os processos de interdição/inabilitação, cujas pessoas estão vivas, para apurar concretamente a situação atual desses beneficiários, pois só assim se cumpriria o princípio da legalidade a que está sujeito.
Destarte, face ao exposto e no que tange ao requerimento apresentado pelo Ministério Público, conclui-se pela inadmissibilidade legal do aludido requerimento, o que se decide.»
Inconformado, o Ministério Público apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine o prosseguimento do incidente. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1. Os autos respeitam a (…), solteiro, nascido em 30.08.1991, natural da freguesia da (…), do concelho de Lisboa, filho de (…) e de (…).
2. A sentença proferida nos autos principais a 26.11.2019, transitada em julgado a 20.12.2019, conferiu ao mesmo o estatuto de “maior acompanhado”.
3. O Ministério Público já interveio (cfr. ref.ª 26814478, de 17.03.25) neste Apenso I.
4. As decisões judiciais de 16.01.25/ref.ª 26635241, a primeira admite a revisão valida a criação do apenso e a segunda, de 20.03.25/ref.ª 26824449 que se reporta à incompetência territorial do tribunal de Bragança atribuindo competência ao tribunal de Abrantes, transitaram em julgado, consolidaram-se no ordenamento jurídico.
5. Já no Juízo Local Cível de Abrantes, o MP veio aditar o requerimento conforme promoção de 23.04.25/ref.ª 996126563.
6. O presente recurso vem interposto da decisão proferida a 12.04.25/ref.ª 99482890 que recusou proceder à revisão da medida de acompanhamento de maior aplicada ao beneficiário (…), indeferindo o requerimento para revisão da medida, a tramitar por apenso nos termos do disposto no artigo 904.º, n.º 3, do CPC.
7. Não olvidado que já houvera decisão judicial anterior em Bragança, admitindo essa revisão ordenando mesmo diligências.
8. O artigo 155.º do Código Civil, sob a epígrafe “Revisão Periódica”, dispõe que “O Tribunal revê as medidas de acompanhamento em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos”.
9. Deste último preceito resulta, como é pacificamente entendido, que as medidas são revistas no máximo com uma periodicidade de cinco anos, após o trânsito em julgado da sentença que as fixou.
10. Salvo melhor entendimento, este Tribunal não se pronunciou ainda acerca da revisão obrigatória da medida e só pode, agora que lhe foi requerido, optar o fazer.
11. Termos em que viola o douto despacho recorrido o disposto nos artigos 155.º do Código Civil e 904.º, n.º 2, do CPC, negando a tutela da revisão da medida de acompanhamento.
12. Deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento do incidente, com tramitação por apenso aos autos principais, designando-se dia para audição do Beneficiário, aceitando-se a prova junta e determinando-se a prova tida por adequada.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar o desacerto da decisão de extinção do incidente de revisão por inadmissibilidade legal.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os que resultam do que se deixa exposto.

B – A Questão do Recurso
O Regime do Maior Acompanhado foi aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, com vista a assegurar o bem-estar, a recuperação, o pleno exercício de todos os direitos e o cumprimento dos deveres do beneficiário, salvo determinadas exceções legais ou determinadas por sentença.
Distanciando-se dos regimes estanques da interdição e da inabilitação destinados a suprir a incapacidade de gestão da sua pessoa e bens, o processo especial de acompanhamento de maiores pretende sejam cometidas ao acompanhante poderes para atuação em função da concreta situação do acompanhado e independentemente do que tenha sido pedido.
Trata-se de instrumento legal de cariz protetivo, ajustando o respetivo regime à situação específica de cada sujeito.
Ora, nos termos do disposto no artigo 138.º do CC, o maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código. Já o artigo 140.º do CC estatui que o acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença (n.º 1), sendo que a medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam (n.º 2).
De acordo com o novo regime, já não se trata de saber se uma determinada pessoa tem capacidade mental para exercer a sua capacidade jurídica, mas de saber quais são os tipos de apoio necessários para aquela pessoa exercer a sua capacidade jurídica, pretendendo-se proteger a pessoa, mas sem a incapacitar (neste sentido, Pinto Monteiro, O Código Civil Português entre o elogio do passado e um olhar sobre o futuro e Mafalda Miranda Barbosa, Maiores Acompanhados, pág. 40).[1]
O artigo 149.º/1, do CC estabelece que o acompanhamento cessa ou é modificado mediante decisão judicial que reconheça a cessação ou a modificação das causas que o justifiquem.
Nos termos do disposto no artigo 155.º do CC, na redação decorrente da referida Lei, o tribunal revê as medidas de acompanhamento de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos.
Trata-se de uma imposição legal, no sentido de apurar e apreciar a evolução da situação do acompanhado, de modo a aferir se deve ter lugar a manutenção das medidas aplicadas ou se deve alterar-se o quadro estabelecido.
Já o artigo 904.º/2 e 3, do CPC determina que as medidas de acompanhamento podem a todo o tempo ser revistas ou levantadas pelo tribunal, quando a evolução do beneficiário o justifique; ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto no artigo 892.º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal.
“A instância relativa ao processo no qual tenha sido decretada a medida de acompanhamento também se renova (obrigatoriamente) para revisão periódica do acompanhamento.
Prevê a lei que o acompanhamento cesse ou se modifique mediante decisão judicial que reconheça a cessação ou a modificação das causas que o justificaram (cfr. o n.º 1 do artigo 149.º do CC), sendo certo que, enquanto estiver instaurado, o tribunal deve rever as medidas decretadas, periodicamente, em conformidade com o que constar da sentença, mas, no mínimo, de cinco em cinco anos (artigo 155.º do CC). A nova redação desses dois preceitos legais consagra a natureza temporária e tendencialmente transitória das medidas de acompanhamento. Está aqui em causa, mais uma vez, uma ideia de necessidade e proporcionalidade das medidas de acompanhamento, para salvaguarda da maior autonomia possível do beneficiário.”[2]
Assim, temos por certo que as medidas de acompanhamento têm natureza temporária e tendencialmente transitória, e que a revisão periódica da medida assume caráter oficioso. As diligências que venham a operar-se no incidente da revisão oficiosa, nomeadamente a obrigatória audição do acompanhado, é que permitirão aferir a atual situação clínica deste bem como as demais circunstâncias relevantes para decidir da conveniência e adequação da manutenção das medidas aplicadas ou da respetiva alteração.
Sem prejuízo da revisão oficiosa da medida aplicada, pelo menos, de 5 em 5 anos, a revisão pode ter lugar a todo o tempo, desde que seja requerida com fundamento em circunstâncias que a justifiquem.
Atento o que foi exarado na sentença recorrida relativamente a interdições e inabilitações decretadas em processos tramitados anteriormente à vigência do regime atual, embora sem relevância para o caso em apreço, importa atentar no regime inserto no artigo 26.º da Lei n.º 49/2018, que estabelece o seguinte:
1 - A presente lei tem aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes aquando da sua entrada em vigor.
2 - O juiz utiliza os poderes de gestão processual e de adequação formal para proceder às adaptações necessárias nos processos pendentes.
3 - Aos atos dos requeridos aplica-se a lei vigente no momento da sua prática.
4 - Às interdições decretadas antes da entrada em vigor da presente lei aplica-se o regime do maior acompanhado, sendo atribuídos ao acompanhante poderes gerais de representação.
5 - O juiz pode autorizar a prática de atos pessoais, direta e livremente, mediante requerimento justificado.
6 - Às inabilitações decretadas antes da entrada em vigor da presente lei aplica-se o regime do maior acompanhado, cabendo ao acompanhante autorizar os atos antes submetidos à aprovação do curador.
7 - Os tutores e curadores nomeados antes da entrada em vigor da presente lei passam a acompanhantes, aplicando-se-lhes o regime adotado por esta lei.
8 - Os acompanhamentos resultantes dos n.ºs 4 a 6 são revistos a pedido do próprio, do acompanhante ou do Ministério Público, à luz do regime atual.
Donde, nos processos de interdição, com decisão transitada em julgado antes da entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, a medida de acompanhamento é revista oficiosamente decorridos 5 anos desde a data da entrada em vigor desta lei, e pode ser revista a todo o tempo, a pedido do próprio, do acompanhante ou do Ministério Público, desde que seja alegada a modificação das causas que a justificaram ou que a evolução do beneficiário o justifique.[3]
Termos em que resulta manifesto que o requerimento apresentado pelo Ministério Público não se afigura legalmente inadmissível. Antes decorre de imposição legal, pelo que a revisão oficiosa não poderá deixar de prosseguir os seus regulares termos.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, determinando-se que a revisão oficiosa encetada pelo M.º P.º prossiga os seus regulares termos.
Sem custas.
Évora, 13 de novembro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Miguel Teixeira
Anabela Raimundo Fialho

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[1] Ac. TRE de 15/07/2025 (Francisco Xavier).
[2] Ana Luísa Santos Pinto, O Regime Processual de Acompanhamento de Maior, Julgar - n.º 41, pág. 171.
[3] Ac. TRE de 15/07/2025, supracitado.