i. Decorre do disposto nos artigos 17.º, n.º 4 e 18.º, n.º 1, alínea b), ambos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que a comunicação da extinção do PERSI ao cliente bancário constitui condição de admissibilidade da execução a intentar pela instituição de crédito, gerando a sua falta ou vício, consequentemente, uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que, a ser detetada na fase liminar do processo executivo, pode e deve ali ser conhecida.
ii. Na informação da extinção do PERSI ao cliente bancário a instituição de crédito deve não só enunciar a concreta norma ao abrigo da qual entende justificar-se a extinção, como também, sendo o fundamento o previsto no artigo 17.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, a descrição dos concretos factos que determinam a extinção do PERSI, não se bastando com a reprodução do preceito.
(Sumário da Relatora)
II. FUNDAMENTOS
1. De facto
A decisão recorrida assentou nos seguintes factos, com relevo em sede do recurso:
i) Em 9-01-2025 o “Banco (…), SA” instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum ordinário, contra (…), apresentado para valer como título executivo uma livrança alegadamente subscrita pela executada, com data de emissão de 04-12-20236, data de vencimento de 04-12-2024 e cujo restante teor se considera integralmente reproduzido, designadamente na parte em que nela consta «(…)».
ii) No requerimento executivo, designadamente no segmento destinado à enunciação dos factos, alegou o seguinte:
«Em virtude de operação de crédito praticada no exercício da respetiva atividade comercial, o Exequente é legítimo dono e portador de uma livrança subscrita (…), pela importância de € 21.233,60, com vencimento em 04.12.2024 (…).
Em momento anterior ao preenchimento, o Banco integrou a executada em PERSI (…).
Apresentada a pagamento na data do respetivo vencimento, a mesma não foi paga – nem então, nem posteriormente.
Assim, o Exequente tem o direito de haver da Executada, e esta está constituída na correspondente obrigação de pagar àquele, o capital titulado pela livrança e os respetivos juros vencidos e vincendos, desde a data do vencimento até efetivo e integral pagamento».
iii) Para além da livrança, ao requerimento executivo foram anexadas cópias de duas missivas tendo como destinatária a aqui executada, a saber:
1ª – Carta datada de 13-05-2024:
«(…)
Assunto: Responsabilidades em incumprimento
N/Ref.ª: (…)
(…)
Como é do conhecimento de V. Exa. encontram-se ainda por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo. Face ao exposto, na data de emissão desta carta, foi V. Exa. integrado(a) no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*) e está a ser acompanhado por uma Unidade de Recuperação.
No caso de, entretanto, ter já procedido à regularização dos valores identificados, ou estar em curso a formalização de um acordo de pagamento ou de uma proposta de reestruturação, agradecemos que considere esta carta sem efeito.
Na eventualidade de não ter condições para regularizar integralmente os valores em atraso, deverá V. Exa. enviar-nos no prazo máximo de 10 dias, a documentação abaixo indicada, comprovativa da sua situação financeira, para que se possa proceder a uma avaliação correta da capacidade financeira de V. Exa. e ponderar pela apresentação de eventual proposta de regularização:
(a) cópia da Última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;
(b) comprovativo do rendimento auferido por V. Exa., nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
(c) descrição e quantitativo dos encargos que V. Exa. suporta, nomeadamente com obrigações decorrentes de contratos de crédito, incluindo os celebrados com outras instituições de crédito.
Mais informamos que a situação de crédito vencido foi comunicada à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
Para mais informações agradecemos que contacte os nossos serviços através do número de telefone do Centro de Contactos do Banco (…), abaixo indicado, ou através dos canais habituais.
Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no "Portal do Consumidor, disponível em www.(...).”
(…)
(*) Criado pelo DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro de 2012, cujas condições se encontram descritas no documento em anexo.
(…)»;
2ª - Carta datada de 16-07-2024:
«(…)
Assunto: Responsabilidades em incumprimento
N/Ref.ª: (…)
(…)
Vimos por este meio comunicar a V. Exa que, ao abrigo e nos termos do previsto no artigo 17.º do PERSI — Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*), na sequência da verificação dos factos a seguir assinalados, considerámos inviável a manutenção deste procedimento, pelo que o mesmo foi extinto.
Motivo da extinção do procedimento PERSI:
- Falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco.
Assim, caso se mantenham por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro que anexamos, o Banco reserva-se o direito de, verificadas que sejam as condições legais previstas para o efeito - conforme informações adicionais - promover pela resolução dos contratos e avançar com a execução judicial dos créditos.
Se porventura estiver em formalização uma reestruturação com vista à regularização dos valores identificados, neste caso agradecemos que considere esta carta sem efeito e aceite as nossas desculpas pelo incómodo.
Sem prejuízo do acima referido, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação com vista à obtenção de informações adicionais e/ou negociar soluções de regularização extrajudicial das referidas responsabilidades de crédito, através do número de telefone do Centro de Contactos do Banco (…), abaixo indicado, ou dos canais habituais.
Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no “Portal do Consumidor, disponível em www.(...)."
(…)
(*) Criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
(…)».
2. Conhecimento das questões suscitadas no recurso
2.1. Do conhecimento em sede de despacho liminar
Como vimos, o Recorrente insurge-se contra a decisão de indeferimento liminar da execução, fundada no incumprimento do dever de cabal comunicação da extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
O PERSI foi criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, diploma que visou estabelecer medidas preventivas do incumprimento de compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito e promover a regularização dessas situações de incumprimento, numa ótica de proteção dos respetivos consumidores.
Em tal diploma consagram-se fundamentalmente dois procedimentos: o primeiro relativo à “Gestão do risco de incumprimento”, prévio ao incumprimento pelo mutuário, visando identificar atempadamente os indícios de degradação da capacidade financeira do cliente bancário para cumprir as obrigações decorrentes de contratos de crédito (artigos 9.º a 11.º) e, o segundo, traduzido no PERSI, previsto nos artigos 12.º a 21.º, aplicável a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
O PERSI comporta uma fase inicial, a que se segue a fase da avaliação e proposta, culminando com a respetiva extinção, estando, todas elas, enformadas pela imposição, à instituição de crédito, de especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção, ditadas pelo reconhecimento da maior vulnerabilidade do consumidor.
Como decorre do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do citado diploma, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, sendo que o n.º 4 do artigo 17.º do mesmo diploma prevê que a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação de extinção, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1 (isto é, quando tenha sido obtido acordo entre as partes).
A comunicação da integração do cliente no PERSI e da extinção deste, constituem, portanto, condição de admissibilidade da ação judicial, gerando a sua falta ou falha, consequentemente, uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso.
Dito isto, facilmente se conclui que, sendo verificada, aquando da apreciação liminar da execução, a falta ou um vício nas aludidas comunicações, o tribunal pode e deve deles conhecer. Na verdade, o artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, de ora em diante CPC, estatui que o juiz “indefere liminarmente o requerimento executivo quando […] ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso”.
Efetivamente, constatando-se, na apreciação liminar, a verificação de uma exceção que dá lugar à absolvição da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC), nenhum sentido faz deixar prosseguir a execução, com a inerente prática de atos inúteis e dispêndio de tempo e custos para os intervenientes e o tribunal.
Bem andou, pois, o tribunal a quo ao conhecer da referida exceção em sede liminar.
2.2. Verificação dos fundamentos subjacentes ao indeferimento
O indeferimento pelo tribunal a quo assentou no entendimento de que, ao comunicar à Executada a extinção do PERSI, o Exequente não indicou, por um lado, a concreta norma legal habilitante de tal extinção e, por outro, as concretas razões de facto em que se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento.
Sendo esses os fundamentos do indeferimento, não releva apreciar a conduta do Exequente prévia à comunicação da extinção. Tal conduta prévia não foi censurada pelo tribunal a quo¸ pelo que nenhum sentido faz escrutinar, agora, o que vem alegado pelo Exequente nas alíneas D) a G) das conclusões do recurso. Ou seja, é irrelevante analisar se o Exequente comunicou adequadamente a integração da Executada no PERSI. Nem tão-pouco é razoável sustentar que a comunicação à Executada da sua integração no PERSI supre, de alguma foram, o que possa ter falhado aquando da comunicação da extinção. A integração não se confunde com a extinção. A circunstância de serem dadas a conhecer ao devedor as várias possibilidades de atuação que lhe assistem ao longo do processo, em nada altera a necessidade de, a final, lhe ser dado a conhecer por que motivo tal processo soçobrou.
Posto isto, analisemos se o Recorrente efetivamente incumpriu o ónus de comunicação de extinção do PERSI que sobre si impendia.
E, procedendo a tal análise, importa começar por salientar que em causa não está o mero decurso do prazo previsto no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 227/2012. Nos termos desta norma, o PERSI “extingue-se no 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação”. Ora, não foi essa a circunstância alegada pelo Exequente quando comunicou à Executada a extinção do PERSI, pelo que não tem aplicação ao caso dos autos, também, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07/11/2023 (proc. nº 543/23.8T8ENT.E1), invocado pelo Exequente no seu requerimento de 03/04/2025.
Na comunicação da extinção do PERSI que dirigiu à Executada, o Recorrente comunicou, isso sim, que o motivo de tal extinção consistia na “Falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco”.
Isto é, o Recorrente limitou-se a reproduzir de modo praticamente literal o artigo 17.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 227/2012, nos termos do qual:
“A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:
[…]
d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior (…)”.
Ora, considerando que o preceito, para além de ser meramente exemplificativo no elenco dos fundamentos que possam ser tradutores de uma “falta de colaboração” por parte do cliente bancário (como resulta do advérbio “nomeadamente”), encerra em si mesmo três situações distintas (quais sejam i) falta de colaboração na prestação de informações, ii) falta de colaboração na disponibilização de documentos solicitados e iii) falta de resposta atempada às propostas apresentadas), salta à vista que a comunicação nos termos em que foi feita no presente caso não observa o disposto no n.º 3 do preceito, que determina que a instituição de crédito na informação da extinção do PERSI ao cliente bancário deve descrever “o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento”.
Na verdade, tal como refere o tribunal a quo, o Exequente não só omitiu a norma (ou seja, o fundamento legal) em que assentou a extinção, como também deixou de enunciar os concretos factos pelos quais considerava inviável a manutenção do procedimento, sendo que estes têm de ser expressamente referidos, conforme se extrai não só do aludido n.º 3, mas particularmente do aviso do Banco de Portugal, a que alude o n.º 5 do artigo 17.º do Decreto-Lei nº 227/2012, concretamente do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021 (publicado no Diário da República n.º 244/2021, Série II de 2021-12-20, Parte E), cujo artigo 9.º estatui que «A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis […] a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal (…)».
E estas exigências não são feitas depender de um escrutínio sobre se o cliente bancário já estava ou não ciente do motivo por que o PERSI fora extinto. Efetivamente, a lógica ínsita ao diploma que criou o PERSI – proteção ao consumidor, por reconhecimento da sua maior vulnerabilidade – exige um cumprimento rigoroso das respetivas formalidades, atentas, desde logo, as consequências gravosas que para o cliente bancário resultam da extinção do PERSI (possibilidade de ser alvo de ação judicial). Não releva, portanto, a alegação de que, porventura, face à tramitação anterior do procedimento extrajudicial, a Executada teria conhecimento dos factos subjacentes à extinção do PERSI.
Ora, é no seu recurso que o Exequente acaba por enunciar que a Executada não forneceu qualquer informação para resolução e alternativas (ponto G) das conclusões), não pugnou pelo alcance de um qualquer entendimento com o Exequente (ponto J) das conclusões), nem nada requereu (alínea L) das conclusões). Trata-se de uma enunciação tardia, pois, pelos motivos apontados, devia ter sido levada a cabo aquando da comunicação da extinção do PERSI à Executada.
Por todo o exposto, importa reconhecer que o tribunal a quo decidiu com acerto, inexistindo motivo para discordar da decisão recorrida.
3. Custas
Custas pelo Recorrente, atento o decaimento (artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC e tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais).
III. DECISÃO
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 13 de novembro de 2025
Sónia Kietzmann Lopes (Relatora)
Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto (1º Adjunto)
Sónia Moura (2ª Adjunta)