PERSI
COMUNICAÇÃO
EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário

i. Decorre do disposto nos artigos 17.º, n.º 4 e 18.º, n.º 1, alínea b), ambos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que a comunicação da extinção do PERSI ao cliente bancário constitui condição de admissibilidade da execução a intentar pela instituição de crédito, gerando a sua falta ou vício, consequentemente, uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que, a ser detetada na fase liminar do processo executivo, pode e deve ali ser conhecida.
ii. Na informação da extinção do PERSI ao cliente bancário a instituição de crédito deve não só enunciar a concreta norma ao abrigo da qual entende justificar-se a extinção, como também, sendo o fundamento o previsto no artigo 17.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, a descrição dos concretos factos que determinam a extinção do PERSI, não se bastando com a reprodução do preceito.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 174/25.8T8ENT.E1 – Apelação

Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento– Juiz 1

Recorrente – Banco (…), S.A.

Recorrida – (…)

*
Sumário: (…)
*
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1.
Banco (…), S.A. instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum ordinário, contra (…), para o que alegou que, em virtude de operação de crédito praticada no exercício da respetiva atividade comercial, é legítimo portador de uma livrança subscrita e não paga pela Executada, pelo valor de € 21.233,60, com vencimento em 04.12.2024 e que, em momento anterior ao preenchimento, integrou a Executada em PERSI.
*
2.
Após exercício do contraditório, ao qual o Exequente correspondeu, o tribunal a quo proferiu despacho liminar a julgar «oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pelo exequente “Banco (…), S.A.”, da demonstração do válido cumprimento da obrigação de comunicação à executada (…) da extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10» e, em consequência, indeferiu o requerimento executivo.

3.
Inconformado com esta decisão, o Exequente interpôs recurso de apelação, enunciando as seguintes conclusões:
«A. Aquando da entrada do requerimento executivo, foram juntas as cartas de integração e extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10;
B. O tribunal a quo veio entender que a comunicação de extinção não é suscetível de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicar a concreta base normativa da extinção nem, de forma clarividente e inequívoca, as concretas razões de facto pelas quais foi considerada inviável a manutenção do procedimento.
C. Contudo, entende o Apelante que tais previsões normativas foram completamente verificadas. Com efeito, da carta de extinção remetida, em 16/07/2024, consta: “Vimos por este meio comunicar a V. Exa. que, ao abrigo e nos termos do previsto no artigo 17.º do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*), na sequência da verificação dos factos a seguir assinalados, considerámos inviável a manutenção deste procedimento, pelo que o mesmo foi extinto.
Motivo da extinção do procedimento PERSI: - Falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta às propostas apresentadas pelo banco”;
D. Na sequência do incumprimento verificado, em 13/05/2024, o ora Recorrente remeteu carta onde comunicou a integração no PERSI e da qual constava um quadro com a origem, o montante, a data do incumprimento, os montantes em mora, a finalidade do PERSI; é indicado qual o procedimento a adotar e quais os documentos que devem ser remetidos ao Exequente, até que data e a que fim se destinam; e são ainda indiciados os contactos da equipa responsável, para prestação de quaisquer informações e esclarecimentos adicionais que o destinatário entenda necessários. Do anexo II daquela missiva, consta a comunicação de integração no procedimento, é fornecida uma explicação exaustiva acerca do PERSI, indicando os prazos, as garantias dos clientes e ainda, os seus deveres, informações estas que visavam esclarecer relativamente ao crédito em causa, do procedimento a adotar, das informações a prestar, a quem e como as remeter, só podendo assim ser possível a apresentação do Banco Exequente e ora Apelante de um solução de regularização que se adequasse à sua real condição. E isto é o que é, salvo melhor opinião, exigível para que se considerem verificadas as exigências previstas no Decreto-lei 227/2012, de 25 de outubro.
E. Veja-se que, com a remessa da missiva de integração no PERSI, é dado conhecimento à Executada, ora Apelada, da possibilidade de renegociação de acordo com as suas capacidades financeiras. Contudo, exige-se que haja um interesse e proatividade por parte do cliente, para que possa pedir, informar e esclarecer quanto às mesmas e permitir que a instituição bancária proponha uma alternativa.
F. Não restam dúvidas de que o Banco ora Apelante integrou em PERSI, tendo o mesmo vindo a ser extinto por carta datada de 16/07/2024 e que foi remetida à ora Apelada, para a morada contratualmente acordada, constando da mesma o motivo de extinção:
“Falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo Banco”; isto é o que é exigível por imposição legal.
G. O certo é que é necessário analisar integradamente as comunicações remetidas à Executada e, disso mesmo, deu o ora Apelante conhecimento à Apelada. Com efeito, havia já sido remetida carta de interpelação, dando conhecimento da possibilidade de resolução e alternativas e, ainda assim, nenhuma informação foi trazida pela devedora.
H. A falta de colaboração, per se, é motivo suficiente para conduzir à extinção válida do PERSI, conforme previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 17.º do DL 227/2012, de 27.10, não sendo exigível qualquer explicação adicional por parte da entidade bancária.
I. Sendo certo que, conforme resulta do artigo 16.º, n.º 3, do DL n.º 227/2012, de 25/10, o cliente bancário tem 15 dias para se pronunciar quanto às propostas apresentadas. Ora, veja-se que, entre a integração e a extinção, decorreram mais de 60 dias!
J. Mas mais se diga que o PERSI, visando conceder ao devedor, possibilidade de renegociação da dívida, não pode implicar a impossibilidade de o credor recuperar os valores que lhe são devidos. E diversas foram as oportunidades concedidas à ora Apelada: o vencimento de cada uma das prestações nos prazos contratualmente previstos, a carta de interpelação, a carta de aviso de preenchimento da livrança, a integração no PERSI, a extinção desse mesmo preenchimento, o vencimento da livrança ou, qualquer momento posterior. Ressalve-se que é exigível à Apelada que saiba que está em incumprimento e que a mesma pode, em qualquer momento e através de qualquer meio de contacto disponível, pugnar pelo alcance de um qualquer entendimento com o seu credor. Isso não aconteceu, nem mesmo depois de ser informada, por escrito, de tal possibilidade.
K. Desta forma e salvo melhor opinião, não podemos simplesmente entender, como fez o tribunal a quo, que o motivo de extinção comunicado deixa o cliente na dúvida uma vez que, “em primeiro lugar, porque fica sem saber se a sua falta de colaboração se prendeu com a prestação de informações ou com a resposta a propostas apresentadas, sendo certo que se trata de diferentes realidades; em segundo lugar, fica sem saber se a falta de colaboração se prende com omissões ou com atrasos. Sem saber exactamente quais foram as informações que deixou de prestar ou as respostas que deixou de apresentar e, no caso de as ter prestado/apresentado, o atraso com que o fez, o devedor fica, repetimos, sem poder contrariar tais factos e/ou discutir a sua subsunção jurídica.”
L. As conclusões a que o tribunal a quo chegou, partem, a nosso ver, de uma premissa errada: a de que a devedora ficou na dúvida e que isso inviabilizou qualquer conduta da mesma. Diga-se que, como já se aflorou supra, que foram diversas as oportunidades que a devedora teve para que se viesse manifestar ou apresentar uma qualquer proposta de resolução. Como é bom de ver, e não obstante as cartas de integração e extinção do PERSI, o certo é que até à presente data, nada foi resolvido ou requerido pela devedora! Decorrido mais de um ano desde as referidas cartas. E esta atuação (ou falta dela) por parte da Apelada, apenas nos pode levar a concluir que a mesma não está interessada na resolução e que a única hipótese que assiste ao credor de poder ver a sua pretensão em recuperar o valor mutuado, é a presente ação executiva.
M. À semelhança do que se tem vindo a entender no que diz respeito à eficácia das comunicações referentes ao PERSI, tal sempre poderia vir a ser esclarecido pela Executada, nomeadamente em sede de embargos. Com efeito, a questão levantada pelo tribunal a quo, como se disse, assenta em pressuposto falacioso de que a devedora ficou na dúvida e isso não resulta dos autos nem se crê que possa ter sucedido porquanto, ninguém melhor do que a Apelada para ter conhecimento dos contratos celebrados, incumprimento dos mesmos e ações desenvolvidas na tentativa de resolução dos mesmos.
N. Mais uma vez se diga que o que o regime do PERSI visa é dar a conhecer aos devedores a possibilidade de alternativa de resolução quanto a um incumprimento verificado. Em bom rigor, diga-se, que o fundamento em questão que leva à extinção do PERSI, acaba por ser inócuo na medida em que, qualquer motivo que seja, se traduz numa conclusão de um procedimento (que, no caso dos presentes autos, durou cerca de 2 meses) criado legalmente para ajudar os clientes em incumprimento a retomar os seus créditos, evitando um incumprimento definitivo e todas as consequências daí advenientes.
O. Não restam dúvidas que cabe a cada devedor e consoante as suas condutas, aceitar e procurar a resolução através dessa faculdade e mecanismo. Contudo, nos presentes autos, a questão suscitou-se previamente, em sede de despacho liminar, impedindo que a Executada venha aos autos invocar ou dizer o que tiver por conveniente, nomeadamente as condições deficitárias que levaram a que não tenha conseguido/querido apresentar qualquer proposta ou aceitar qualquer proposta que tenha sido apresentada pelo banco como alternativa ao contrato peticionado e que se encontrava em incumprimento.
P. Razão pela qual andou mal o tribunal a quo, ao considerar que a carta de extinção do PERSI não produziu efeitos por não se indicar, de forma clara e inequívoca a concreta norma legal habilitante da extinção nem, por outro, de forma cabal, as concretas razões de facto em que se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento.
Q. Termos em que, deve a decisão proferida pelo tribunal a quo ser alterava, revogando-se a sentença proferida e, ordenando-se, assim, o prosseguimento da execução com vista ao efetivo e integral pagamento dos valores que se mostram devidos à Apelante.»
*
O recurso foi admitido e colheram-se os vistos.

4. Questões a decidir
Considerando as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (de ora em diante CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, importa decidir:
i) Se o tribunal a quo devia ter deixado a apreciação da questão que levou ao indeferimento liminar da execução para a fase de eventuais embargos;
ii) Se se verificam os fundamentos subjacentes ao indeferimento liminar da execução.

II. FUNDAMENTOS

1. De facto

A decisão recorrida assentou nos seguintes factos, com relevo em sede do recurso:

i) Em 9-01-2025 o “Banco (…), SA” instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum ordinário, contra (…), apresentado para valer como título executivo uma livrança alegadamente subscrita pela executada, com data de emissão de 04-12-20236, data de vencimento de 04-12-2024 e cujo restante teor se considera integralmente reproduzido, designadamente na parte em que nela consta «(…)».

ii) No requerimento executivo, designadamente no segmento destinado à enunciação dos factos, alegou o seguinte:

«Em virtude de operação de crédito praticada no exercício da respetiva atividade comercial, o Exequente é legítimo dono e portador de uma livrança subscrita (…), pela importância de € 21.233,60, com vencimento em 04.12.2024 (…).

Em momento anterior ao preenchimento, o Banco integrou a executada em PERSI (…).

Apresentada a pagamento na data do respetivo vencimento, a mesma não foi paga – nem então, nem posteriormente.

Assim, o Exequente tem o direito de haver da Executada, e esta está constituída na correspondente obrigação de pagar àquele, o capital titulado pela livrança e os respetivos juros vencidos e vincendos, desde a data do vencimento até efetivo e integral pagamento».

iii) Para além da livrança, ao requerimento executivo foram anexadas cópias de duas missivas tendo como destinatária a aqui executada, a saber:

1ª – Carta datada de 13-05-2024:

«(…)

Assunto: Responsabilidades em incumprimento

N/Ref.ª: (…)

(…)

Como é do conhecimento de V. Exa. encontram-se ainda por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo. Face ao exposto, na data de emissão desta carta, foi V. Exa. integrado(a) no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*) e está a ser acompanhado por uma Unidade de Recuperação.

No caso de, entretanto, ter já procedido à regularização dos valores identificados, ou estar em curso a formalização de um acordo de pagamento ou de uma proposta de reestruturação, agradecemos que considere esta carta sem efeito.

Na eventualidade de não ter condições para regularizar integralmente os valores em atraso, deverá V. Exa. enviar-nos no prazo máximo de 10 dias, a documentação abaixo indicada, comprovativa da sua situação financeira, para que se possa proceder a uma avaliação correta da capacidade financeira de V. Exa. e ponderar pela apresentação de eventual proposta de regularização:

(a) cópia da Última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;

(b) comprovativo do rendimento auferido por V. Exa., nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;

(c) descrição e quantitativo dos encargos que V. Exa. suporta, nomeadamente com obrigações decorrentes de contratos de crédito, incluindo os celebrados com outras instituições de crédito.

Mais informamos que a situação de crédito vencido foi comunicada à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.

Para mais informações agradecemos que contacte os nossos serviços através do número de telefone do Centro de Contactos do Banco (…), abaixo indicado, ou através dos canais habituais.

Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no "Portal do Consumidor, disponível em www.(...).”

(…)
(*) Criado pelo DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro de 2012, cujas condições se encontram descritas no documento em anexo.
(…)»;
2ª - Carta datada de 16-07-2024:

«(…)

Assunto: Responsabilidades em incumprimento

N/Ref.ª: (…)

(…)

Vimos por este meio comunicar a V. Exa que, ao abrigo e nos termos do previsto no artigo 17.º do PERSI — Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*), na sequência da verificação dos factos a seguir assinalados, considerámos inviável a manutenção deste procedimento, pelo que o mesmo foi extinto.

Motivo da extinção do procedimento PERSI:

- Falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco.

Assim, caso se mantenham por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro que anexamos, o Banco reserva-se o direito de, verificadas que sejam as condições legais previstas para o efeito - conforme informações adicionais - promover pela resolução dos contratos e avançar com a execução judicial dos créditos.

Se porventura estiver em formalização uma reestruturação com vista à regularização dos valores identificados, neste caso agradecemos que considere esta carta sem efeito e aceite as nossas desculpas pelo incómodo.

Sem prejuízo do acima referido, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação com vista à obtenção de informações adicionais e/ou negociar soluções de regularização extrajudicial das referidas responsabilidades de crédito, através do número de telefone do Centro de Contactos do Banco (…), abaixo indicado, ou dos canais habituais.

Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no “Portal do Consumidor, disponível em www.(...)."

(…)
(*) Criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
(…)».

2. Conhecimento das questões suscitadas no recurso

2.1. Do conhecimento em sede de despacho liminar

Como vimos, o Recorrente insurge-se contra a decisão de indeferimento liminar da execução, fundada no incumprimento do dever de cabal comunicação da extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).

O PERSI foi criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, diploma que visou estabelecer medidas preventivas do incumprimento de compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito e promover a regularização dessas situações de incumprimento, numa ótica de proteção dos respetivos consumidores.

Em tal diploma consagram-se fundamentalmente dois procedimentos: o primeiro relativo à “Gestão do risco de incumprimento”, prévio ao incumprimento pelo mutuário, visando identificar atempadamente os indícios de degradação da capacidade financeira do cliente bancário para cumprir as obrigações decorrentes de contratos de crédito (artigos 9.º a 11.º) e, o segundo, traduzido no PERSI, previsto nos artigos 12.º a 21.º, aplicável a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.

O PERSI comporta uma fase inicial, a que se segue a fase da avaliação e proposta, culminando com a respetiva extinção, estando, todas elas, enformadas pela imposição, à instituição de crédito, de especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção, ditadas pelo reconhecimento da maior vulnerabilidade do consumidor.

Como decorre do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do citado diploma, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, sendo que o n.º 4 do artigo 17.º do mesmo diploma prevê que a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação de extinção, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1 (isto é, quando tenha sido obtido acordo entre as partes).

A comunicação da integração do cliente no PERSI e da extinção deste, constituem, portanto, condição de admissibilidade da ação judicial, gerando a sua falta ou falha, consequentemente, uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso.

Dito isto, facilmente se conclui que, sendo verificada, aquando da apreciação liminar da execução, a falta ou um vício nas aludidas comunicações, o tribunal pode e deve deles conhecer. Na verdade, o artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, de ora em diante CPC, estatui que o juiz “indefere liminarmente o requerimento executivo quando […] ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso”.

Efetivamente, constatando-se, na apreciação liminar, a verificação de uma exceção que dá lugar à absolvição da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC), nenhum sentido faz deixar prosseguir a execução, com a inerente prática de atos inúteis e dispêndio de tempo e custos para os intervenientes e o tribunal.

Bem andou, pois, o tribunal a quo ao conhecer da referida exceção em sede liminar.

2.2. Verificação dos fundamentos subjacentes ao indeferimento

O indeferimento pelo tribunal a quo assentou no entendimento de que, ao comunicar à Executada a extinção do PERSI, o Exequente não indicou, por um lado, a concreta norma legal habilitante de tal extinção e, por outro, as concretas razões de facto em que se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento.

Sendo esses os fundamentos do indeferimento, não releva apreciar a conduta do Exequente prévia à comunicação da extinção. Tal conduta prévia não foi censurada pelo tribunal a quo¸ pelo que nenhum sentido faz escrutinar, agora, o que vem alegado pelo Exequente nas alíneas D) a G) das conclusões do recurso. Ou seja, é irrelevante analisar se o Exequente comunicou adequadamente a integração da Executada no PERSI. Nem tão-pouco é razoável sustentar que a comunicação à Executada da sua integração no PERSI supre, de alguma foram, o que possa ter falhado aquando da comunicação da extinção. A integração não se confunde com a extinção. A circunstância de serem dadas a conhecer ao devedor as várias possibilidades de atuação que lhe assistem ao longo do processo, em nada altera a necessidade de, a final, lhe ser dado a conhecer por que motivo tal processo soçobrou.

Posto isto, analisemos se o Recorrente efetivamente incumpriu o ónus de comunicação de extinção do PERSI que sobre si impendia.

E, procedendo a tal análise, importa começar por salientar que em causa não está o mero decurso do prazo previsto no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 227/2012. Nos termos desta norma, o PERSI “extingue-se no 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação”. Ora, não foi essa a circunstância alegada pelo Exequente quando comunicou à Executada a extinção do PERSI, pelo que não tem aplicação ao caso dos autos, também, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07/11/2023 (proc. nº 543/23.8T8ENT.E1), invocado pelo Exequente no seu requerimento de 03/04/2025.

Na comunicação da extinção do PERSI que dirigiu à Executada, o Recorrente comunicou, isso sim, que o motivo de tal extinção consistia na “Falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco”.

Isto é, o Recorrente limitou-se a reproduzir de modo praticamente literal o artigo 17.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 227/2012, nos termos do qual:

“A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:

[…]

d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior (…)”.

Ora, considerando que o preceito, para além de ser meramente exemplificativo no elenco dos fundamentos que possam ser tradutores de uma “falta de colaboração” por parte do cliente bancário (como resulta do advérbio “nomeadamente”), encerra em si mesmo três situações distintas (quais sejam i) falta de colaboração na prestação de informações, ii) falta de colaboração na disponibilização de documentos solicitados e iii) falta de resposta atempada às propostas apresentadas), salta à vista que a comunicação nos termos em que foi feita no presente caso não observa o disposto no n.º 3 do preceito, que determina que a instituição de crédito na informação da extinção do PERSI ao cliente bancário deve descrever “o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento”.

Na verdade, tal como refere o tribunal a quo, o Exequente não só omitiu a norma (ou seja, o fundamento legal) em que assentou a extinção, como também deixou de enunciar os concretos factos pelos quais considerava inviável a manutenção do procedimento, sendo que estes têm de ser expressamente referidos, conforme se extrai não só do aludido n.º 3, mas particularmente do aviso do Banco de Portugal, a que alude o n.º 5 do artigo 17.º do Decreto-Lei nº 227/2012, concretamente do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021 (publicado no Diário da República n.º 244/2021, Série II de 2021-12-20, Parte E), cujo artigo 9.º estatui que «A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis […] a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal (…)».

E estas exigências não são feitas depender de um escrutínio sobre se o cliente bancário já estava ou não ciente do motivo por que o PERSI fora extinto. Efetivamente, a lógica ínsita ao diploma que criou o PERSI – proteção ao consumidor, por reconhecimento da sua maior vulnerabilidade – exige um cumprimento rigoroso das respetivas formalidades, atentas, desde logo, as consequências gravosas que para o cliente bancário resultam da extinção do PERSI (possibilidade de ser alvo de ação judicial). Não releva, portanto, a alegação de que, porventura, face à tramitação anterior do procedimento extrajudicial, a Executada teria conhecimento dos factos subjacentes à extinção do PERSI.

Ora, é no seu recurso que o Exequente acaba por enunciar que a Executada não forneceu qualquer informação para resolução e alternativas (ponto G) das conclusões), não pugnou pelo alcance de um qualquer entendimento com o Exequente (ponto J) das conclusões), nem nada requereu (alínea L) das conclusões). Trata-se de uma enunciação tardia, pois, pelos motivos apontados, devia ter sido levada a cabo aquando da comunicação da extinção do PERSI à Executada.

Por todo o exposto, importa reconhecer que o tribunal a quo decidiu com acerto, inexistindo motivo para discordar da decisão recorrida.

3. Custas

Custas pelo Recorrente, atento o decaimento (artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC e tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais).

III. DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 13 de novembro de 2025
Sónia Kietzmann Lopes (Relatora)
Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto (1º Adjunto)
Sónia Moura (2ª Adjunta)