JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE RECURSO
VENDA EXECUTIVA
NULIDADE
TAXA DE JUSTIÇA EXCEPCIONAL
Sumário

- Se o Recorrente não pede a reapreciação da matéria de facto, não tem pertinência a junção de documentos por parte do Recorrido, nos termos do artigo 651.º do CPC, se com eles pretende demonstrar unicamente a matéria de facto em que o Tribunal de primeira instância assentou a sua decisão;
- A lei processual não contempla a figura das nulidades violadoras de “princípios fundamentais do processo”, insanáveis e invocáveis a todo o tempo, reconduzindo os vícios processuais previstos no artigo 195.º do CPC, onde se incluem os que dêem lugar à anulação do ato da venda em processo executivo, nos termos do artigo 839.º, n.º 1, alínea c), do CPC – ao regime de arguição previsto no artigo 199.º do mesmo diploma;
- Não existe incompatibilidade entre o artigo 531.º do CPC e a garantia do acesso ao direito e uma tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º da CRP, na medida em que a aplicação da taxa sancionatória, não sendo automática mas antes fundamentada e proporcional, integra um instrumento de economia processual e de responsabilização das partes no sentido de uma utilização ponderada e racional do sistema de justiça.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 756/12.8TBTMR-A.E1 – Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1
Recorrente – (…)
Recorrida – “(…), S.A.”

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Sumário: (…)

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Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO
Por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa que em 30.05.2012 o “Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.” instaurou contra (…), (…) e (…), em 18-12-2024 veio (…) «propor, ação declarativa comum, para Anulação de Venda Judicial», o que fez contra a sociedade “(…), S.A.” e alegando, em síntese, o seguinte:
- É filho e herdeiro de (…) que faleceu no dia 23-12-2008 e filho, herdeiro e cabeça de casal da herança de (…) que faleceu no estado de viúvo no dia 21-03-2018;
- Após o falecimento da sua mãe, foi habilitado enquanto herdeiro para assumir a posição daquela na execução;
- Na execução foi penhorado em 19-12-2014 o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º (…);
- Após a penhora, na impossibilidade de os executados pagarem ao Banif a quantia exequenda, foi determinada a venda do imóvel por proposta em carta fechada, a qual se concretizou em 12-11-2015;
- Após abertura das propostas, a melhor no valor de € 176.612,64 foi a apresentada pelo exequente Banif;
- Aquando da apresentação da aludida proposta o Banif, enquanto exequente, solicitou a dispensa da entrega da totalidade do preço, a qual foi deferida;
- Porém, ainda que tivesse sido dispensado do pagamento da totalidade do preço por conta do crédito da execução, estava o Banif adstrito à entrega da diferença entre o valor da execução (€ 151.802,36) e o valor da proposta (€ 176.612,64);
- Todavia, tal valor nunca foi entregue aos executados, tendo apesar disso a execução sido declarada extinta por parte da sra. AE, em 24-06-2016 nos termos do termos do artigo 849.º do CPC e o imóvel sido transmitido e registado em favor do famigerado Banif;
- Apesar de ter sido habilitado no respetivo processo de execução, nunca o autor tomou conhecimento dos vícios de que padecia o mesmo, nomeadamente da falta de depósito do preço;
- Destarte, no âmbito do processo de inventário aberto por óbito dos seus pais, que corre termos sob n.º 10330/23.8T8LSB, procurou aferir as condições que levaram à perda do imóvel, tendo tomado conhecimento que foi transmitido ao Banif nas condições descritas e está agora na posse da ré;
- Em face disso, o autor informou a ré que tomou conhecimento de que o processo que conduziu à adjudicação do imóvel está eivado de irregularidades, que colocam em causa a transmissão do bem para o Banif em 2015 e, por maioria de razão, a putativa venda para um terceiro por parte da ré;
- Nos termos do artigo 825.º do CPC, a falta de depósito da totalidade do preço de venda de um bem em processo executivo tem como cominação que a venda fique sem efeito, devendo no limite ser repetida a mesma ou optar o Agente de Execução titular do processo por uma das alternativas que lhe são facultadas por cada uma das alíneas a), b) e c), do n.º 1 do artigo 825.º do CPC, o que não veio a verificar-se;
- A falta de depósito do remanescente do preço não pode deixar de ter como consequência que a venda fique sem efeito nos termos do artigo 839.º, n.º 1, c), do CPC;
- Apesar de volvidos já alguns anos, o autor está em tempo e tem legitimidade para tal, pois a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, nos termos do artigo 286.º do Código Civil.
Concluiu que deve «ser declarada nula a venda judicial celebrada em 12.11.2015 após proposta em carta fechada do Exequente Banif».

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Notificada, a requerida deduziu oposição, alegando que:
- A (…), transmissária do imóvel, apresenta-se como terceiro de boa fé, estando protegida nos termos do disposto no artigo 291.º do CC, o que desde já invoca para todos os efeitos legais;
- A alegada falta de pagamento da totalidade do preço por parte do Banif é o único fundamento invocado pelo requerente para almejar a declaração de nulidade da respetiva venda, sendo inquinada por uma razão muito simples: é que o valor do crédito do Banif sobre os executados à data da adjudicação perfazia já o montante de € 176.612,64 (acrescendo que as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, saem precípuas do produto dos bens penhorados, ao abrigo do artigo 541.º do CPC), e não o valor de € 151.802,36, este reportado à data da apresentação do requerimento inicial da execução;
- Na ausência de reclamações de créditos que pudessem ser graduados antes do crédito do Banif, foi por este apresentada uma proposta em carta fechada pelo valor devido nessa data, proposta que foi aceite e o imóvel adjudicado ao Banif com dispensa do depósito do preço nos termos do disposto no artigo 815.º, n.º 1, do CPC, dada a inexistência de credores graduados em primeiro lugar e o valor da proposta corresponder ao montante do crédito, tendo o respetivo título de transmissão sido passado no dia 23-11-2015 após cumprimento das obrigações fiscais pelo Banif;
- Assim, não há qualquer fundamento para tornar nula a venda, por não existir a obrigação do Banif na entrega de qualquer valor aquando da adjudicação que lhe foi feita, designadamente o resultante da diferença entre os valores acima referidos (à data da execução e à data da adjudicação);
- Mesmo que assim não fosse, sempre o requerente teria tido oportunidade de tomar posição nos autos principais, habilitado que foi para os termos da execução por óbito de sua mãe, primitiva executada;
- Não obstante terem sido notificadas todas as partes interessadas dos atos processuais relevantes no âmbito da venda e mesmo assim terem deixado decorrer os prazos sem a prudência ou diligência exigíveis para, só agora, à beira do ano de 2025, vir o requerente tentar anular a venda sem qualquer sustentação factual ou legal, revela culpa grosseira e no mínimo censurável, merecedora de sanção efetiva designadamente por aplicação do disposto no artigo 531.º do CPC.
Concluiu, pedindo que o Tribunal:
A) julgue totalmente improcedente o pedido de formulado pelo Requerente, por não provado, mantendo-se a validade da venda judicial do imóvel ao Banif por adjudicação que lhe foi feita de 12 de novembro de 2015 nos autos principais; e
B.) ordene o cancelamento do registo da presente ação com a Ap. (…), de (…), sobre o imóvel descrito na CRP de Tomar com o n.º (…), da freguesia da (…).

Tendo sido assinalado o cumprimento do disposto no artigo 221.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o requerente não reagiu.

Em 21.04.2025, foi proferida decisão que:
A) Julgou “intempestivo o presente incidente deduzido por (…) em 18-12-2024;” e
B) Condenou “o requerente (…) em taxa sancionatória excepcional no valor equivalente a 2 (duas) unidades de conta”.
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O requerente, inconformado com esta decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo:
a) Deve ser declarada a nulidade da venda judicial de 12-11-2015, por falta de depósito do diferencial do preço (artigos 825.º e 839.º, n.º 1, alínea c), do CPC); O Recorrente não foi validamente notificado dos atos determinantes da venda, sendo-lhe aplicável o regime do artigo 286.º do Código Civil.
b) A (…) não é terceira de boa-fé, dada a sua posição como cessionária do Banif.
c) A nulidade arguida é insanável e invocável a todo o tempo, por violar princípios fundamentais do processo.
d) A condenação em taxa sancionatória é desproporcionada, devendo ser revogada.
e) O incidente de anulação é tempestivo, admissível e merece apreciação de mérito.
f) Deve ser revogada a condenação em taxa sancionatória excecional, por violação do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do critério restritivo afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça (Ac. STJ de 02.07.2020, proc. n.º 1348/10.8TBOAZ.C1.S1).
g) A sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de facto ao presumir, sem prova, que o valor do crédito exequendo atualizado coincidia com o valor da proposta adjudicatária, devendo ser ordenada a reapreciação da prova documental e, se necessário, a produção de prova complementar sobre a evolução do crédito do exequente até à data da venda judicial.
h) A falta de notificação válida configura uma nulidade processual que afeta o direito ao contraditório.
i) Essa nulidade é invocável a todo o tempo e invalida o juízo de intempestividade formulado pelo Tribunal a quo.

Pede que seja revogada a decisão recorrida, ordenando-se a apreciação do mérito do incidente de anulação de venda.

A Recorrida apresentou resposta.
Com a resposta, juntou 6 documentos (cfr. o ponto 4 das alegações).
Notificado, o Recorrente veio impugnar e arguir a falsidade de tais documentos (cfr. o requerimento com a Ref.ª 12002280).

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II – QUESTÕES A DECIDIR
Perante as conclusões das alegações do Recorrente, são três as questões a decidir:
- saber se é admissível a junção dos documentos por parte da Recorrida;
- saber se a venda deve ser declarada nula;
- saber se estamos perante um caso de aplicação de taxa sancionatória excecional.

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Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão, importa ter em consideração os seguintes factos:
1. Em 30-05-2012 o “Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.” instaurou contra (…), (…) e (…) acção executiva para pagamento da quantia global de € 151.802,36 (cento e cinquenta e um mil e oitocentos e dois euros e trinta e seis cêntimos) tendo alegado, para além do mais, o seguinte:
«1º
No âmbito da sua actividade creditícia, o Banco Exequente tornou-se legítimo portador de 1 livrança subscrita pelos executados (…) e (…), no valor de € 151.496,24 vencida em 17 de Maio de 2012 (…).

A Executada (…), assumiu a posição de avalista, pelo que, nos termos dos artigos 47.º, 48.º e 77.º da LULL, são solidariamente responsáveis pelo pagamento da dívida.

A referida livrança não foi paga, sequer parcialmente, na respectiva data de vencimento, nem até à presente data, não obstante terem sido os executados devidamente interpelados para o efeito.

Sobre o capital titulado pela livrança, venceram-se juros à taxa legal de 4% desde a data do respectivo vencimento até à presente.

Para garantia do pagamento a livrança ora dada à execução foi constituída por escritura pública (…) pelos executados (…) e (…) hipoteca sobre o prédio descrito sob o n.º (…), na Conservatória do Registo predial de Tomar, freguesia de (…), pelas Ap. (…) e (…).
(…)».
2. No segmento destinado à liquidação da obrigação indicou o que se segue:
«Valor da Livrança: € 151.496,24
Juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento da livrança (17-Mai-2012) até à presente data (30 de Maio de 2012): € 294,32 + Imposto de selo: € 11,80 = Valor total em dívida: € 151.802,36
Acrescem juros de mora e imposto de selo à taxa legal de 4% até efectivo e integral pagamento».
3. Por ofício datado de 28-08-2012 a sra. Agente de execução notificou o exequente de que «tomou conhecimento de que a executada (…) faleceu, desconhecendo (…) a data do seu óbito».
4. Em 01-10-2012 o exequente juntou aos autos cópia do assento de óbito da identificada executada, falecida em 23-12-2008.
5. Por despacho proferido em 12-01-2013 foi declarada «suspensa a instância – artigos 276.º, n.º 1, alínea a) e 277.º do C.P.Civil – a qual só cessará com a notificação da decisão que considere habilitado(s) o(s) sucessor(es) (artigo 284.º, n.º 1, alínea a), do C.P.Civil)».
6. Em 23-01-2013 o exequente deduziu incidente de habilitação dos herdeiros da co-executada falecida.
7. Em 17-05-2013 foi proferida sentença na qual foi decidido julgar «habilitados (…), (…) e (…) como únicos e universais herdeiros da falecida (…) para a prossecução, em vez dela, dos termos da causa principal».
8. Tal sentença foi notificada às partes, incluindo ao habilitado (…), por ofícios datados de 17-05-2013.
9. Em 05-01-2015, tendo por referência uma dívida exequenda de € 151.802,36 (cento e cinquenta e um mil e oitocentos e dois euros e trinta e seis cêntimos) e despesas prováveis no valor de € 7.590,12 (sete mil e quinhentos e noventa euros e doze cêntimos), a sra. Agente de execução elaborou auto de penhora do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob artigo (…).
10. Por ofícios com aquela mesma data notificou os executados, incluindo o aqui requerente (…), para deduzirem, querendo, oposição à penhora, o que não sucedeu.
11. Por ofícios datados de 20-02-2015 citou os credores públicos para reclamarem créditos, o que também não sucedeu por parte daqueles ou de qualquer outro credor.
12. Em 16-06-2015 exarou decisão sobre a modalidade de venda e valor base do imóvel, fixado em € 75.996,88 (setenta e cinco mil e novecentos e noventa e seis euros e oitenta e oito cêntimos).
13. Por ofícios com aquela mesma data notificou as partes, incluindo o aqui requerente (…), para deduzirem reclamação, querendo, o que não sucedeu.
14. Por despacho proferido em 24-09-2015 foi agendada data para abertura de propostas em carta fechada, a qual se realizou em 12-11-2015, tendo sido aceite a proposta apresentada pelo exequente, no valor de € 176.612,64 (cento e setenta e seis mil e seiscentos e doze euros e sessenta e quatro cêntimos), ficando o mesmo dispensado «de depositar a parte preço, nos termos do artigo 815.º, n.º 1, do C.P.C., que não seja necessária para pagar a credores graduados antes dele e não exceda a importância que tem direito a receber».
15. Por ofício datado de 12-11-2015 a sra. Agente de execução notificou o exequente «para enviar à signatária comprovativos de liquidação dos impostos devidos, em sede de IMT e IS, para elaboração do título de transmissão».
16. Por ofícios com aquela mesma data notificou as partes, incluindo o aqui requerente (…), do teor do auto de abertura de propostas em carta fechada.
17. Em 23-11-2015 a sra. Agente de execução emitiu o título de transmissão do imóvel para o exequente.
18. A aquisição do imóvel a favor do exequente foi registada através da Ap. (…), de (…), sendo que por intermédio da ulterior Ap. (…), de (…) foi registada a aquisição a favor da “(…), S.A.” tendo como causa a «transmissão em consequência das deliberações do Banco de Portugal tomadas em (1) 20/12/2015, nos termos dos artigos 145.º-S, n.º 1 e 5, e 145.º-T, n.º 2, alínea c), e em (2) 02/05/2016, nos termos dos artigos 145.º-M, n.º 1, 145.º-N, n.º 3 e 145.º-T, n.º 1 e 7, todos do RGICSF [DL 298/92, de 31/12]».
19. Por requerimento datado de 03-02-2016 o aqui requerente (…) juntou aos autos procuração forense outorgada em 26-01-2016.
20. Por ofício datado de 08-02-2016 a sra. Agente de execução notificou o exequente nos seguintes termos:
«Serve o presente para solicitar a V. Exa. o seguinte:
Que atendendo ao valor da quantia exequenda de € 151.802,36 e ao fato do imóvel ter sido adjudicado ao exequente pelo valor de € 176.612,64, queira V. Exa. vir aos autos informar se o exequente se considera pago, e, consequentemente se deverá a presente execução ser declarada extinta pelo pagamento».
21. Não consta nos autos qualquer resposta.
22. Por ofícios datados de 13-04-2016 a sra. Agente de execução notificou as partes, incluindo o aqui requerente (…), do teor do auto de auto de diligência referente à tomada de posse do imóvel levada a cabo em 11-04-2016.
23. Por ofícios datados de 26-06-2016 notificou as partes, incluindo o aqui requerente (…), da extinção da execução «em virtude do pagamento da totalidade da quantia exequenda pelo produto da venda do imóvel penhorado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 849.º do C.P.C.».
24. Por intermédio da Ap. (…), de (…) foi registada sobre o supra identificado imóvel a acção tendente a «ser declarada nula a venda judicial celebrada em 12 de novembro de 2015 após proposta em carta fechada do Exequente Banif»”.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
O Recorrente não impugna a decisão relativa à matéria de facto.
Os factos relevantes para a decisão são, portanto, aqueles que o Tribunal Recorrido elencou.
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3.2.1.
A (in)admissibilidade da junção de documentos
O artigo 651.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Junção de documentos e de pareceres” “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
A respeito da norma citada, lê-se no Ac. da Relação de Coimbra de 18.11.2014, em www.dgsi.pt, que “I – Da articulação lógica entre o artigo 651.º, n.º 1, do CPC e os artigos 425.º e 423.º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis. V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento. VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651.º, n.º 1, do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum”.

No caso concreto, a matéria de facto que a Recorrida pretende demonstrar com os documentos que junta são aqueles que invoca na oposição em resposta aos factos alegados pelo A. no requerimento inicial. Trata-se, ademais, de factualidade que o Tribunal a quo considerou demonstrada na decisão recorrida sem que o Recorrente tenha pedido a reapreciação da matéria de facto.
Deste modo, colide com a admissibilidade dos documentos: (i) a não demonstração de que a sua junção, em momento anterior, não foi possível e (ii) a circunstância de não serem relevantes para o recurso, assentes que estão os factos em que se baseou o Tribunal a quo para proferir a decisão recorrida.
Por não ser admissível a sua junção, determinar-se-á o seu desentranhamento, com o que fica prejudicada a apreciação da impugnação e a arguição da falsidade dos documentos (requerimento com a Ref.ª 12002280).
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3.2.2
A (in)validade da venda
O A. começa por fundamentar a sua pretensão no disposto no artigo 825.º do CPC.
Diz que “a falta de depósito do remanescente do preço (…) não pode deixar de ter como consequência que a venda fique sem efeito nos termos do artigo 839.º, n.º 1, c), do CPC”.

O artigo 825.º do CPC, sob a epígrafe “Falta de depósito”, dispõe que “1 - Findo o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:
a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos”.
O artigo 824.º do CPC refere-se ao prazo de 15 dias de que, aceite alguma proposta, o proponente ou preferente dispõem para depositar numa instituição de crédito a totalidade ou a parte do preço em falta.

O artigo 839.º do CPC respeita aos “Casos em que a venda fica sem efeito”, estipulando que: “1 - Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada;
b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 851.º, salvo o disposto no n.º 4 do mesmo artigo;
c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º;
d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono”.

O A. defende que “A venda executiva (ou a que siga o mesmo procedimento), nos termos do artigo 839.º, n.º 1, alínea c), do CPC, pode ser anulada, quer por vícios ocorridos no próprio ato da venda, quer por vícios que a precedam e que sejam suscetíveis de se refletir no objetivo por ela visado que se traduz, no fundo, na maximização do preço, em benefício das partes e de eventuais credores reclamantes”.

Está em causa, portanto, o pedido de anulação do ato da venda com fundamento no disposto no artigo 195.º do CPC.
O artigo 195.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos atos” prevê que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, dispondo o artigo 199.º, n.º 1, do CPC, quanto à “Regra geral sobre o prazo da arguição”, que “Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”.

Ora, como se lê no Acórdão de 02.10.2025, desta Relação, em www.dgsi.pt, “Qualquer irregularidade do acto da venda está sujeita ao regime estabelecido no artigo 195.º do Código de Processo Civil pelo que a sua invocação, susceptível de prejudicar a venda, tem que ser efectuada no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento (artigos 195.º, n.º 1, 199.º, n.º 1, 149.º, n.º 1 e 839.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma)”, “sob pena de a mesma ficar sanada e precludir assim hipótese de impugnar a existência de qualquer vício”.

No caso concreto, o único fundamento invocado pelo requerente para pedir a declaração de nulidade da venda é a alegada falta de pagamento da totalidade do preço por parte do exequente.
Ora, como se lê na decisão Recorrida, “por ofícios datados de 13-04-2016 a sra. Agente de execução notificou as partes, incluindo o aqui requerente (…), do teor do auto de auto de diligência referente à tomada de posse do imóvel levada a cabo em 11-04-2016 (cfr. facto assente em 22), sendo que desde 03-02-2016 o requerente estava representado nos autos por Ilustre mandatário (facto assente em 19).
Assim, e mesmo desconsiderando todas as anteriores notificações relacionadas com a venda, pelo menos desde aquela concreta notificação o aqui requerente (…) tinha conhecimento ou tinha a obrigação de conhecer a susodita factualidade em que fez assentar o pedido de anulação em apreciação.
Mais: notificado da extinção da execução por ofício datado de 26-06-2016 (facto assente em 23) nada disse, tendo apenas em 18-12-2024 deduzido o presente incidente, que intitulou de «ação declarativa comum, para Anulação de Venda Judicial»”.
A conclusão a que chegou o Tribunal Recorrido é, por isso, correta. O requerente pediu a anulação da venda já depois de decorrido o prazo de 10 dias que lhe era facultado para o efeito, o que torna o pedido manifestamente intempestivo.

Acresce que a lei processual não contempla a figura das nulidades violadoras de “princípios fundamentais do processo”, insanáveis e invocáveis a todo o tempo, reconduzindo os vícios processuais previstos no artigo 195.º do CPC – recordemos que o Recorrente não invoca qualquer outro – ao regime de arguição previsto no artigo 199.º do mesmo diploma.

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3.2.3
A aplicação da taxa sancionatória excecional
O artigo 531.º do CPC, sob a epígrafe “Taxa sancionatória excecional”, dispõe que “Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.
A aplicação da taxa sancionatória tem, como resulta da letra da lei, natureza excecional, destinando-se a sancionar condutas da parte que, pese embora não justifiquem uma condenação em litigância de má-fé, correspondem a pretensões (infundadas e abusivas) ou à prática de atos (inúteis, dilatórios) que não teriam sido formuladas e/ou praticados caso aquela tivesse atuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis, nessa medida se revelando excecionalmente censuráveis (litigância anómala e imponderada que em nada se confunde com o exercício de uma defesa aguerrida dos interesses em causa).
Podemos, assim, afirmar que a taxa sancionatória excecional está a meio caminho entre o incidente anómalo – determinante de uma tributação autónoma, por representar um acontecimento atípico no normal decurso do processo, apto a causar uma perturbação significativa no seu andamento, traduzindo-se num desvio marcante e injustificado à sua regular e adequada tramitação – e a litigância de má fé (neste sentido, o Ac. da Relação de Coimbra de 19.03.2024, em https://diariodarepublica.pt/:I – A taxa sancionatória excecional prevista no artigo 531.º do C.P.Civil destina-se a sancionar condutas da parte que, pese embora não justifiquem uma condenação em litigância de má-fé, correspondem a pretensões infundadas e abusivas que não teriam sido formuladas e/ou praticados caso aquela tivesse atuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis, nessa medida se revelando excecionalmente censuráveis. II – Uma litigância anómala e imponderada não se confunde com o exercício de uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses em causa. III – Com a taxa sancionatória excecional não se pretende responder/sancionar “erros técnicos”, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte”).

No caso concreto, o Recorrente foi notificado dos atos processuais relevantes no âmbito da venda. Quedou-se inerte e deixou decorrer os prazos de que dispunha para reagir aos atos que diz, agora, estarem viciados.
Vir, decorridos mais de oito anos sobre a extinção da execução, tentar anular a venda, revela – se não algum arrojo – pelo menos negligência merecedora de sanção à luz do disposto no artigo 531.º do CPC.
O problema não se coloca, como diz o Recorrente, no plano da existência de uma dúvida razoável quanto à tempestividade ou fundamento do incidente, no sentido de afastar o juízo de manifesta improcedência e o consequente sancionamento.
A intempestividade, aqui, é evidente. Decorreram mais de 8 anos desde a extinção da execução!

Finalmente, o Recorrente defende que “Deve ser revogada a condenação em taxa sancionatória excecional, por violação do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa”.
Fá-lo, contudo, de forma genérica, o que impossibilita ou, pelo menos, dificulta qualquer tomada de posição do Tribunal a esse respeito.
Se o que pretende o Recorrente é que o Tribunal tome posição no sentido da inconstitucionalidade do artigo 531.º do CPC, por violação do disposto no artigo 20.º da CRP, diremos que não procede a sua pretensão.
Não vemos incompatibilidade entre o artigo 531.º do CPC e a garantia do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º da CRP, na exata medida em que a aplicação da taxa sancionatória, não sendo automática mas antes fundamentada e proporcional, integra um instrumento de economia processual e de responsabilização das partes no sentido de uma utilização ponderada e racional do sistema de justiça.

Improcede, por isso, a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em:
- determinar o desentranhamento dos documentos juntos com a resposta da Recorrida;
- julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
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Custas do incidente a que deu causa pela Recorrida, com taxa de justiça que se fixa em uma UC (artigos 1.º, n.º 2 e 7.º, n.º 8, do RCP).
Custas pelo Recorrente.
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Notifique.
Évora, 13.11.2025
Miguel Jorge Vieira Teixeira
Anabela Raimundo Fialho
Maria Domingas Simões