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SERVIDÃO
ESCRITURA PÚBLICA
NULIDADE DO CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
Sumário
- O contrato que por via do qual se constitui servidão é nulo se não for celebrado na forma legalmente exigida, isto é, por escritura pública. - Porém, a declaração e os efeitos dessa nulidade podem ser afastados, quando da arguição do vício de forma resulte uma violação grave dos princípios da boa fé que devem reger a atuação das partes na execução e cumprimento dos acordos livremente celebrados (artigos 334.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil), traduzindo-se num manifesto abuso de direito. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 139/23.4T8ABT.E1 - Recurso de Apelação Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Cível de Abrantes Recorrente/Recorrido – (…); Recorrentes/Recorridos – (…) e (…).
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Sumário: (…)
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Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
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1. RELATÓRIO 1.1.
(…) instaurou ação de processo comum contra (…) e (…), pedindo que seja:
a) Declarado que o A. é dono e legítimo proprietário e possuidor dos prédios descritos nos artigos 1º a 19º da PI, prédios estes que o A. adquiriu por sucessão hereditária por óbito de (…) e ainda através do instituto da usucapião;
b) Decretado que mediante acordo verbal ocorrido no ano de 2004, o A. cedeu aos RR. o prédio urbano referido no artigo 5º da PI e, em troca, os RR. cederam a favor do A. uma servidão de passagem sobre uma faixa de terreno, onerando o prédio inscrito na matriz sob o artigo (…), da secção (…), da freguesia de (…), propriedade dos RR.;
c) Decretado que no prédio dos RR. se constituiu por usucapião uma servidão de passagem a pé, carro e trator a favor do prédio do A. descrito no artigo 1º da PI;
d) Decretado que tal servidão tem o comprimento aproximado de 12 metros e a largura de 3,5 metros, começando na estrada situada a nascente, seguindo no sentido nascente/poente e processando-se na extrema sul prédio rústico dos Réus, inscrito na matriz sob o artigo (…), da secção (…), da freguesia de (…) até atingir a extrema do quintal do prédio urbano do Autor (artigo …), onde a mesma flete para sul e entra no logradouro do prédio do Autor;
e) Decretado que tal servidão se constituiu por usucapião a favor do A., onerando-se o prédio dos RR., condenando-se aqueles a mantê-la livre e desembaraçada em toda a sua extensão;
f) Os RR. ser condenados a suas expensas a proceder à retirada do portão que implantaram no início da servidão junto à estrada e a manter esse espaço livre e desimpedido, bem como todo o espaço ocupado pela servidão em toda a extensão e cuja configuração consta assinalada no documento 14 junto com a PI;
g) Alternativamente, para o caso de não se mostrarem preenchidos os requisitos da constituição da servidão por usucapião, decretada a constituição a favor do A. duma servidão legal de passagem com as mesmas dimensões e configuração da servidão referida nos artigos 35º e 49º da PI, em consequência da permuta verbal efetuada entre o A. e os RR., a qual apesar de não formalizada mediante documento, foi concretizada pelos A. e RR., conforme descrito nos artigos 52º a 62º da PI;
h) Os RR. condenados a pagar € 1.400,00 a título de indemnização pelos prejuízos causados decorrentes da privação do uso de tal servidão desde novembro de 2021, valor este calculado à razão de € 100,00 por cada mês de privação, relegando-se para execução de sentença os prejuízos que vierem a ser apurados após a propositura da presente ação;
i) Os RR. ser condenados, caso o Tribunal entenda não haver lugar à decretação da constituição da servidão a favor do A. (quer por usucapião quer servidão legal de passagem), a pagar ao autor uma indemnização no valor de € 8.400,00, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, tendo por base a área do palheiro de 28m2, ocupada pelos RR., ao preço de € 300,00 por m2 de construção;
j) Os RR. ser condenados a pagar ao A. a quantia de € 2.500,00 a título de danos morais.
Em síntese, alega que é proprietário de dois prédios urbanos, a que correspondem os artigos (…) e (…).
Este último situava-se entre um prédio urbano (artigo …) e um prédio rústico (artigo …-…) adquiridos pelos Réus em 2004 para reconstrução. Autor e Réus acordaram verbalmente na permuta do prédio a que corresponde o artigo (…) para que os Réus pudessem reconstruir e ampliar o seu prédio, em troca da constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio rústico (artigo …-…). Esta servidão era a única forma de o Autor aceder da via pública ao quintal/logradouro do seu prédio para fins de limpeza e cultivo, circulando a pé, de carro e de trator. Os Réus demoliram a área do prédio a que corresponde o artigo (…) e, em 2021, o Réu começou a vedar o prédio rústico e a fechar o portão, impedindo o uso da servidão e o acesso do A. ao logradouro, tanto para circulação a pé como para veículos. A obstrução causou prejuízos ao Autor, já que ficou impedido de lavrar e cultivar o seu quintal, levou à paralisação de obras e à deterioração pela chuva de materiais de construção e equipamentos que não puderam ser transportados pela passagem bloqueada. Pede que os Réus sejam condenados a pagar indemnização por enriquecimento sem causa e reclama uma indemnização por danos não patrimoniais.
Os réus apresentaram contestação.
Em síntese, alegam que são donos legítimos possuidores de um prédio urbano (antigo artigo …) e um prédio rústico (artigo …, seção …), os quais foram consolidados no novo artigo matricial (…), com uma área total de 359,50 m². Neste terreno, que contém a habitação, garagem e um logradouro onde mantêm uma pequena horta e canis, os RR. finalizaram a construção, muraram a totalidade do prédio e colocaram um portão junto à via pública, licenciado em outubro de 2021. Por sua vez, o prédio urbano do Autor (artigo …, proveniente do artigo …, alegadamente adquirido por sucessão em 1967) sofreu um aumento significativo de área em 2019, passando de 48 m² para 1200 m², com a adição de um logradouro.
Negam ter feito qualquer acordo para a definição de uma servidão de passagem a favor do prédio do A., sustentando que o A. só acedeu ao seu prédio fazendo passagem pelo terreno dos RR. poucas vezes e só por mera tolerância. Por fim, sustentam que o A. não tem os 20 anos de posse necessários para a constituição da servidão por usucapião.
Concluem, pugnando pela improcedência da ação.
Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, procedendo-se à fixação do objeto da ação e à enunciação dos temas da prova.
1.2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão que:
A) declarou “que o Autor é dono e legítimo proprietário dos prédios identificados em 1) e 2) da factualidade provada, condenando os Réus a reconhecerem-no”;
B) absolveu “os Réus dos pedidos c), d), e), f), g), h) e da última parte do pedido b) formulados pelo Autor na PI”;
C) condenou “os Réus, solidariamente, a pagar ao Autor a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais”;
D) condenou “os Réus, solidariamente, a pagar ao Autor o valor de € 1.000,00 (mil euros) a título de danos não patrimoniais”.
1.3.
O A. inconformado com esta decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo:
“1) No que concerne à matéria de facto contida no ponto 12 dos factos provados, deve aditar-se que o acordo quanto à permuta verbal, apesar de não se ter apurado a data, ocorreu no decurso do ano de 2004; 2) Este aditamento quanto ao ano de 2004 resulta da conjugação da prova testemunhal e demais elementos constantes dos autos; 3) A este propósito, as obras no palheiro cedido pelo Recorrente iniciaram-se no ano de 2004, data em que o acordo já estava em vigor, dado que o Recorrente já tinha cumprido com a sua obrigação bilateral, considerando-se o contrato de permuta perfeito. 4) A Testemunha (…), cujo depoimento se encontra gravado de 0:07:26.8 a 0:12:20.0 – esclareceu que “a lenha às vezes era colocada no barracão/palheiro ao lado da passagem, o palheiro que foi cedido ao Réu e em 2008 ainda estava a construir a casa e o seu pai, ora Autor, cedeu o palheiro em troca da servidão de passagem e teve conhecimento desse facto em 2007/2008.” A Testemunha (…), cujo depoimento a que se alude nestas alegações se encontra gravado de 0:23:45.0 a 0:28:42.2, questionado acerca do período temporal em que o Recorrente utiliza a referida passagem este referiu que “Desde que o (…) construiu aquela casa ali e deixou essa passagem, ele construiu a casa e deixou a passagem”. A Testemunha (…), cujo depoimento a que se alude nestas alegações se encontra gravado de 0:18:02.4 a 0:25:44.1 esclareceu que desde a altura em que a D. (…) lhe vendeu os prédios aos Recorridos, o Recorrente passou a utilizar a servidão em consequência do acordo que tinham feito. O Recorrente em declarações de partes a este respeito e cujo depoimento se encontra gravado de 0:01:49.4 a 0:40:41.2 de forma despretensiosa, honesta e credível também referiu que começou a utilizar a servidão no ano de 2003/2004, pois os Recorridos demoliram o palheiro objeto da permuta quando efetuaram as obras de construção da sua casa. 5) Da prova testemunhal acima referida resulta que a permuta verbal efetuada entre o Recorrente e os Recorridos pelo qual este lhes cedeu o palheiro em troca da servidão ocorreu no início do ano de 2004 ou seja, na altura em que os Recorridos adquiriram os prédios urbano (…) e rústico (…), ambos da freguesia de (…), a (…) cuja escritura data de 19/02/2004. 6) Da mesma prova testemunhal resulta ainda que o Recorrente pelo menos desde o ano de 2004, que faz uso da passagem descrita em 13) dos factos assentes em virtude da permuta acordada com os Recorridos. 7) Está dado como assente que o contrato de permuta foi celebrado, dando-se ainda como provado no ponto 15 que a passagem descrita em 13), desde a altura que os RR. adquiriram os prédios a (…), tem sido utilizada pelo A. de forma contínua, pública e pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, agindo o Autor convicto de que tinha o direito de aí passar a pé, de carro, tal como foi acordado entre A. e RR. (veja-se ponto 12 da matéria de facto assente). 8) As duas escrituras referentes à aquisição dos prédios dos Recorridos apontam para o início do ano de 2004 e está junto aos autos a entrega do projecto de arquitectura de reconstrução/ampliação de moradia destinada a habitação, cuja memória descritiva tem a data de 25/06/2004 referente ao prédio propriedade dos Recorridos e que já implicava a demolição do palheiro do Recorrente. 9) Além disso, consta que a respectiva licença de reconstrução foi emitida em 17/06/2005 e que em 23/08 2007 foi emitido o Alvará de Utilização n.º 20 pela Câmara Municipal de Mação. 10) Da conjugação de todos os elementos probatórios supra descritos, bem como da factualidade que se encontra assente e considerando as regras da experiência comum, pode afirmar-se com suficiente grau de certeza que desde pelo menos desde o ano de 2004 que os Recorridos constituíram a favor do Recorrente, em troca da propriedade de um palheiro, uma servidão de passagem de carro e trator com a largura de 3,5 m que incidia sobre o artigo (…), a qual foi utilizada pelo Recorrente de forma pública e pacífica, como se seu legítimo titular se tratasse, ignorando lesar o direito de outrem, desde aquela data até que foi a posse lhe foi esbulhada pelos Recorridos. 11) Deste modo, resulta da prova produzida que desde pelo menos 2004 que o Recorrente e os Recorridos acordaram verbalmente fazer uma permuta, através da qual o A. cedia a propriedade do palheiro descrito em 2) e os RR. constituíam uma passagem de carro e trator com a largura de 3,5m que incidia sobre o artigo (…), de modo a que o A. pudesse aceder desde a via pública até ao quintal do seu prédio descrito em 1). 12) O A. circulou pela passagem descrita em 13) desde 2004 até os RR construírem o muro, a pé e de carro para ter acesso ao quintal da sua casa de habitação, transportando lenha, materiais de construção e produtos do seu quintal, tais como hortaliça e frutas, bem como as alfaias agrícolas que se mostravam necessárias ao cultivo do quintal do prédio do A., fazendo o A. um uso diário, semanal e mensal para aceder ao logradouro do seu prédio. 13) Como tal deve a matéria de facto constante nos pontos 12 e 14 deve passar a ter a seguinte redacção: 12. Após os RR. adquirirem os prédios a (…), o Autor e os RR. acordaram verbalmente fazer uma permuta, em data não concretamente apurada, mas que ocorreu no decurso do ano de 2004, através da qual o A. cedia a propriedade do palheiro descrito em 2) e os RR. constituíam uma passagem de carro e trator com a largura de 3,5m que incidia sobre o artigo (…), de modo a que o A. pudesse aceder desde a via pública até ao quintal do seu prédio descrito em 1). 14. O A. circulou pela passagem descrita em 13) desde o ano de 2004 até os RR. construírem o muro, a pé e de carro para ter acesso ao quintal da sua casa de habitação, transportando lenha, materiais de construção e produtos do seu quintal, tais como hortaliça e frutas, bem como as alfaias agrícolas que se mostravam necessárias ao cultivo do quintal do prédio do A., fazendo o A. um uso diário, semanal e mensal para aceder ao logradouro do seu prédio. 14) Considerando que está documentado nos autos e dada como provada a concreta data em que os Recorridos adquiriram os prédios a (…) – factos 6 e 7 – daí resulta que desde pelo menos o dia 19 de Fevereiro de 2004 que o Recorrente utiliza a referida passagem de forma contínua, pública e pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, agindo o Recorrente convicto de que tinha o direito de aí passar a pé, de carro, tal como foi acordado entre Recorrente e Recorridos. 15) Em face da matéria de facto dada como provada, nomeadamente a existência de um contrato verbal de permuta entre o Recorrente e os Recorridos, compaginado com a circunstância do Recorrente ter utilizado a referida passagem desde a altura que os RR. adquiriram os prédios a (…), tem sido utilizada pelo A. de forma contínua, pública e pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, agindo o Autor convicto de que tinha o direito de aí passar a pé, de carro, tal como foi acordado entre A. e RR. importa acrescentar a esse facto que o Autor ignorava estar a lesar o direito de outrem. 16) O ponto 15 da matéria de facto deve passar a ter a seguinte redacção: “A passagem descrita em 13), desde a altura que os RR. adquiriram os prédios a (…), tem sido utilizada pelo A. de forma contínua, pública e pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, agindo o Autor convicto de que tinha o direito de aí passar a pé, de carro, tal como foi acordado entre A. e RR, ignorando o R. estar a lesar o direito de outrem, não lhe sendo exigível conhecer a potencial lesão. 17) Não restam dúvidas de que a posse exercida pelo Recorrente era de boa fé, alicerçada num acordo verbal, caracterizado como contrato de permuta, de acordo com o qual em troca da transmissão da propriedade do palheiro, o Recorrente passaria a utilizar a passagem identificada no facto 13. 18) Acordo esse que se materializou desde a data em que os Recorridos adquiriram os prédios a (…), ou seja, desde 19 de Fevereiro de 2004. 19) Consequentemente, na data da propositura da presente acção, que ocorreu em 07/02/2023, tinham transcorrido 19 anos desde a data em que o Recorrente iniciou a posse da aludida servidão de passagem. 20) Assim, em face do disposto no artigo 1260.º do Código Civil e sendo de concluir que a posse mantida pelo Recorrente é de boa fé, dado que a exerceu com base num contrato bilateral não formalizado por escrito, mas em relação ao qual cumpriu com o sinalagma que lhe competia, a transmissão da posse e propriedade do palheiro e, em contrapartida, passou a utilizar a referida passagem, que ao fim de 15 anos adquiriu por usucapião pelo decurso do prazo. 21) O Recorrente adquiriu o direito de passagem desde 2004, com base no disposto no artigo 1260.º do Código Civil. 22) O que resulta da factualidade provada, donde se conclui precisamente que, desde o ano de 2004 o Recorrente “utiliza de forma contínua, pública e pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, agindo o Autor convicto de que tinha o direito de aí passar a pé, de carro, tal como foi acordado entre A. e RR.”. 23) Devendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que, em conformidade com a factualidade dada como provada, condene os Recorridos de acordo com o peticionado nas alíneas b) a f) do pedido, mostrando-se violado o disposto nos artigos 1287.º, 1296.º do Código Civil e 615.º, alínea c), do CPC. 24) O pedido de condenação dos Recorridos em danos morais deve ser alterado de € 1.000,00 para € 2.500,00; 25) Já que, em face dos factos dados como provados, a conduta adoptada pelos Recorridos e os danos causados ao Recorrente, pessoa de idade, que durante anos agiu na convicção de ser titular de um direito que aqueles se haviam comprometido constituir a seu favor, locupletando-se de um imóvel que era propriedade deste, entende-se ser justo e razoável a fixação da indemnização no valor peticionado de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), sob pena de estarmos perante uma situação em que “a atuação ilícita” compensa. 26) Mostra-se violado o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, 483.º, 496.º, 1260.º, 1287.º, 1288.º, 1316.º, 1317.º do Código Civil, devendo a sentença ser revogada no sentido indicado”.
1.4.
Também inconformados com a decisão final, dela interpuseram recurso os RR., que remataram da seguinte forma:
“1ª Nos termos do artigo 640.º do CPC, os RR. impugnam a decisão sobre a matéria de facto constante dos n.os 1, 2, 3, 11 e 40, que apresentam a seguinte redação: “1. O A. é dono, legítimo proprietário e possuidor do prédio urbano sito na Rua (…), n.º 208, no (…), freguesia de (…), concelho de Mação, omisso na Conservatória do Registo Predial de Mação e atualmente inscrito na matriz urbana com o artigo (…), da freguesia de (…), o qual é composto de casa de r/chão e 1º andar para habitação com 9 divisões assoalhadas, com a superfície coberta de 88m2 e logradouro anexo com a área de 1112 m2, confrontando a norte com Herdeiros de (…) e com os R.R., do sul com a Via Pública e Herdeiros de (…), do nascente com Herdeiros de (…) e Herdeiros de (…) e do poente com via pública, o qual foi adquirido pelo A. através de sucessão hereditária por óbito de (…), ocorrido em 30/01/1967, do qual o ora A. é o único e universal herdeiro”. 2. O acervo hereditário de (…) era composto, entre outros, por um prédio urbano destinado a arrecadação, sito na Rua (…), no (…), freguesia de (…), concelho de Mação, matricialmente inscrito com o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Mação, composto de casa com rés do chão para palheiro com uma divisão, com a área total de 28 m2, e omisso na Conservatória do Registo Predial de Mação. 3. O A. encontra-se na posse dos prédios descritos em 1) e 2) há mais de 20 anos, porque o A. desde o óbito do seu pai a 30/01/1967 tem cuidado e utilizado em seu benefício estes prédios, habitando a casa descrita em 1), fazendo obras de reparação, pintando, plantando produtos hortícolas no quintal, tais como couves, alfaces, lavrando, adubando a terra e cuidando das árvores aí existentes, guardando lenha e pastos para os animais na arrecadação descrita em 2), à vista de toda a gente, de forma pública e pacífica, sem oposição de ninguém, ignorando lesar direito alheio, agindo convencido que é dono de cada um dos referidos prédios. 11. O Autor é proprietário e possuidor do prédio descrito em 1) desde o ano 1970 e desde o falecimento do pai do Autor. 40. O prédio urbano, artigo (…), do (…), que proveio do artigo (…) da mesma freguesia, com base no Mod. 1 do IMI de 2019, terá sido adquirido pelo A. por sucessão em 1967, por morte de seu pai”. 2ª Os concretos meios probatórios que levam à impugnação da matéria de facto referida são os documentos: o junto aos autos com o n.º 5 junto pelo Autor e que consiste numa certidão do processo de imposto sucessório n.º (…), entregue por óbito de (…), falecido em 30.01.1967, no estado de casado com (…) e do qual consta, igualmente, certidão do processo de inventário n.º (…) do Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes. 3ª Com base neste documento e no inventário, verificamos que o prédio urbano descrito sob a verba n.º 9, sob o artigo urbano matricial (…), da freguesia de (…) foi adjudicado, na sua totalidade, à mãe do Autor, (…). 4ª Da mesma certidão, identificada como doc. 5 junto com a p.i., não consta o artigo urbano (…), da freguesia de (…), identificado como palheiro. 5ª Por sua vez, com base na Habilitação de Herdeiros lavrada a fls. 55 a fls. 55vº, do livro 14-A do Cartório Notarial de (…), em Vila de Rei, junta com a P.I., documento 6, a mãe do Autor, (…) faleceu no dia 21.03.2020, na referida freguesia de (…), concelho de Mação, de onde era natural e onde teve a sua última residência na Rua (…), n.º 208 – ver documento 6. 6ª A caderneta predial rústica do artigo (…), da secção (…), da freguesia de (…), concelho de Mação, junta pelo Serviço de Finanças de Mação no sistema Citius em 12.06.2024, com a ref.ª 10738483. 7ª Documentos n.os 2 e 3 juntos com a p.i., respectivamente caderneta predial urbana do artigo urbano (…), da freguesia de (…) e certidão negativa registral. 8ª Documentos n.os 7 e 8 juntos com a p.i., respectivamente caderneta predial urbana do artigo urbano (…), da freguesia de (…) e certidão negativa registral. 9ª Doc. junto pelo Serviço de Finanças de Mação em 20.06.2023, com a ref.ª Citius 9790012 composto por cópia da matriz referente ao artigo urbano (…), da freguesia de (…) e modelo 1 do IMI apresentada em 14.08.2019 e respectivas plantas que o instruíram em nome de (…). 10ª Os factos dados como provados e supra mencionados em 1ª, levaram a que o tribunal a quo decidisse: “declarar que o A. é dono e legitimo proprietário dos prédios identificados em 1) e 2) da factualidade provada, condenando os RR. a reconhecerem-no”. 11ª Mais, da fundamentação de direito da douta sentença recorrida diz-se, quanto ao direito de propriedade dos prédios do A., que os ora recorrentes não colocaram em questão os direitos de propriedade do A. no que tange à sua casa de habitação, inscrito actualmente sob o artigo urbano (…), da freguesia de (…). 12ª Tal declaração não corresponde à verdade porque os RR. a contrariaram impugnando em sede da sua contestação o constante dos artigos 14º a 17º, o qual remete para o doc. 2 – IMI e pedindo que se oficiasse à autoridade tributária a junção deste documento, veja-se, ainda a impugnação dos artigos 18º a 22º da contestação dos RR. aqui recorrentes. 13ª O documento que foi junto Serviço de Finanças de Mação, em 20.06.2023, com ref.ª citius 9790012, que se compões de caderneta predial do artigo urbano (…), da freguesia de (…) em nome de (…) e modelo 1 do IMI apresentada em 14.08.2019 e tendo como anexo plantas que o instruíram em nome de (…). 14ª Notificados do referido documento, os RR. pronunciaram-se impugnando os factos constantes da p.i. quanto à composição, identificação do prédio, e área do mesmo, conforme requerimento junto ao citius em 05.07.2023 com a ref.ª 9835916. 15ª Os documentos juntos pelo A. na sua p.i., identificados com os n.os 2, 3 e 7 são contraditórios em relação à matéria dada como provada na sentença em crise. 16ª O que significa que o actual artigo urbano (…), da freguesia de (…), que proveio do artigo urbano (…), da mesma freguesia, só passou a ter a composição constante do doc. 2 junto com a p.i. em virtude da apresentação e das declarações prestadas pelo Autor e de sua exclusiva responsabilidade e autoria, na modelo 1 do IMI por ele apresentada em 14 .08.2019 e que deu origem ao artigo urbano (…), da freguesia de (…). 17ª Acontece que os RR., ora recorrentes, só tiveram acesso ao doc. da titularidade deste prédio urbano, pela notificação através do citius a 05.04.2023, com a ref.ª 9586262, que o A. juntou como doc. 5, e o qual é composto por certidão do processo de imposto sucessório n.º (…), entregue por óbito de … (pai do A.), falecido em 30.01.1967, no estado de casado em comunhão geral de bens com (…). 18ª Só após a junção deste documento é que os recorrentes tomaram conhecimento, em face da certidão do imposto sucessório, datado de 08.02.1967, conforme melhor consta a fls. 3, Termo de Declaração Imposto Sucessório datado de 08.02.1967, em que foi declarante (…), no estado de viúva, na qualidade de cabeça de casal, participando o falecimento do seu marido, com quem foi casada no regime da comunhão geral de bens em primeiras núpcias de ambos, não tendo havido testamento, doação ou quaisquer disposições legais de última vontade e informando que deste casamento havia um único filho legítimo, (…), de 5 anos de idade e que era residente com a mãe. 19ª Na mesma certidão, a fls. 5 consta relação de bens, data de 03.04.1967, em que a verba correspondente ao artigo matricial urbano (…), da freguesia de (…) se encontra descrito sob a verba n.º 20 da mesma. 20ª No final da relação de bens e constante de fls. 7, declarou a mãe do A. por sua honra não existirem mais bens além dos mencionados nesta relação e que se procede a inventário judicial. 21ª E ainda participação do inventário judicial obrigatório, onde consta a fls. 8 e seguintes, do mesmo doc. 5, tendo dado entrada em 14.12.1967, com o n.º (…) do Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, que começou pelo auto de declarações de cabeça de casal e com indicação do único filho de casal (…) então com 6 anos de idade. 22ª Continuando a, fls. 9, quanto à descrição dos bens a partilhar, e nos bens imóveis, na verba n.º 9, encontra-se descrito um prédio urbano destinado a habitação, inscrito na matriz respectiva sob o artigo (…), da freguesia de (…), e que por sua vez não se encontrava descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação. 23ª No mapa de partilha constante de fls. 14 do mesmo documento, a verba n.º 9 – correspondente ao artigo (…), da freguesia de (…) – o qual foi na sua totalidade adjudicada à inventariante (…), viúva. 24ª E ainda, consta do referido inventário, os bens que ficaram adjudicados ao seu filho (…), menor. 25ª No Mapa de Partilha do inventário referido, que está datado de 16.11.1967 e cujo escrivão certifica que a partilha foi homologada por sentença de 28.11.1967 e foi devidamente notificada e transitou em julgado no dia 13.12 do mesmo ano (1967). 26ª Acresce que, tal como resulta do referido documento, na relação de bens e Mapa de Partilha, por morte de (…), pai do Autor, não consta como tendo sido descrito o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Mação, como sendo bem do inventariado e 27ª Portanto, em face daquele documento, o artigo urbano de habitação inscrito na matriz sob o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Mação, não foi adjudicado ao Autor. 28ª Decorre, e por isso se impugna, o que em sede de motivação de direito na douta sentença recorrida, a M.ª Juiz a quo declarou “Relativamente ao artigo (…), o mesmo veio à posse do Autor através de escritura pública de partilha, no entanto, relativamente aos restantes prédios (palheiro e quinta), não tem título”. 29ª Mais diz: “que a invocada posse do Autor sobre o prédio (…) respeitante à casa de habitação do Autor é titulada por este ter logrado provar a operação jurídica que fez transitar o prédio para a sua esfera jurídica – artigo 1256.º do Código Civil – e da dos restantes prédios, designadamente o palheiro e o quintal adjacente à casa de habitação do Autor é não titulada”. 30ª E assim prossegue até concluir “(…) que resultou da factualidade provada, que desde a sua aquisição e até à actualidade, de modo ininterrupto, que o Autor, por si e pelos seus ante-possuidores estiveram e têm estado no uso e fruição dos sobreditos prédios, bem como todas as suas utilidade . Mais se provou que o Autor, por si e por antepossuidores, praticam os actos de posse há mais de 10, 20, 30 e 40 anos, sem oposição de ninguém, com exclusão de outrem, à vista de todos, de forma continua e na convicção de exercerem um direito próprio de donos, de boa fé sobre os aludidos prédios urbano (casa de habitação) e rústicos (palheiro e quintal integrado no urbano). Desta feita, logrou o A. demonstrar os pressupostos da posse aquisitiva da titularidade do direito de propriedade sobre os prédios identificados em 1) e 2) dos factos provados, por usucapião”. 31ª Os factos dados como provados nos pontos 1 a 3 e 11 e 40, encontram-se impugnados pela certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Mação que é composta por certidão do Imposto Sucessório e respectivo Inventário judicial obrigatório supra referido e onde não consta que ao Autor tenha sido adjudicado tal bem, leia-se o artigo urbano (…), da freguesia de (…) – Doc. 5 junto pelo Autor. 32ª Mas sim, foi adjudicado a sua mãe, inventariante, na sua totalidade, veja-se o mesmo documento. 33ª Logo, o Tribunal a quo errou ao dar como provado que o artigo urbano (…), da freguesia de (…) foi adquirido pelo A. por sucessão hereditária por óbito de (…), e muito menos através de escritura pública de partilha. 34ª Sendo certo que até ao ano de 2019 o prédio sempre esteve inscrito sob o artigo urbano (…), da freguesia de (…) – Veja-se modelo 1 do IMI referido. 35ª Mas mais, com base no doc. modelo 1 do IMI, o qual deu origem ao artigo urbano (…), da freguesia de (…) e proveniente do supra artigo (…), que foi junto pelo Serviço de Finanças de Mação e ao tribunal, verifica-se que o mesmo modelo apenas deu entrada no serviço de finanças em 14.08.2019, onde, na qualidade de herdeiro, o autor veio apresentar a modelo 1 do IMI declarando como titular do prédio (…) – Cabeça de casal da Herança de, com o NIF de herança (…), 36ª Declarando no mesmo modelo 1, que o prédio urbano que procede agora à actualização é um prédio urbano melhorado/modificado/ reconstruído e que provêm do artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Mação, o qual sofreu um aumento de área de 48 m2 para 1.200 m2. 37ª O que em face do documento anteriormente referido, indica que o Autor prestou falsas declarações quer quanto à titularidade do prédio, quer quanto à herança de seu pai (…). 38ª Sendo certo que, naquela data, nem sequer a sua mãe que recebeu o referido prédio – artigo urbano (…) – através do mesmo inventário, ainda tinha falecido, pois de acordo com o documento 6 junto pelo Autor com a sua p.i., - Habilitação de Herdeiros – esta faleceu em 2 de Março de 2020, na freguesia de (…), concelho de Mação, tendo tido como última residência habitual a Rua (…), n.º 208, em (…). 39ª Em resumo: a) O Autor aquando da morte de seu pai (…), tinha 5 anos de idade; b) O artigo urbano (…), da freguesia de (…), prédio de habitação, conforme o documento já referido, foi adjudicado a sua mãe (…) em sede de processo de inventário obrigatório; c) Em 14 de Agosto de 2019, e ainda em vida de sua mãe, veio o Autor alterar a composição do artigo (…) em área coberta e em área descoberta, isto é, acrescentou um logradouro que não existia, com a área de 1112 m2 e acrescentou a área coberta em mais 40 m2 (declarou que tinha de área coberta 88 m2). Sendo certo que as plantas juntas com o modelo 1 do IMI referido, sem escala e sem terem sido assinadas por técnico qualificado estão em nome da (…). d) Em resultado desta operação que ocorreu apenas em finais de 2019, o Autor voltou a prestar declarações falsas. 40ª O documento referente ao Imposto Sucessório que se fala e supra identificado, onde consta o Inventário Obrigatório por morte de (…), trata-se de um documento autêntico, cuja força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade, artigos 369.º a 372.º do Código Civil. 41ª Documento que o tribunal a quo não poderia ter ignorado por ser um documento autêntico e com força probatória. 42ª Porquanto, só estão sujeitas à livre apreciação do julgador a prova testemunhal, artigo 396.º do CC, a prova por inspecção, artigo 391.º do CC, a prova pericial, artigo 389.º do CC e a prova por declarações de parte. 43ª Em face do supra exposto que se baseia nos documentos identificados, a decisão proferida sobre a matéria de facto supra identificada, e baseada no documento autêntico sofre de vício e consiste num erro de julgamento. 44ª Logo, este vicio da decisão deve ter como consequência uma alteração da decisão da matéria de facto, artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com referência aos números 1, 2, 3, 11 e 40, matéria que deve constar na matéria de facto dada como não provada. 45ª E por isso, o facto provado na alínea A), ponto 1 nunca poderá concluir que o Autor adquiriu o prédio através de sucessão hereditária por óbito de (…) ocorrido em 30/01/1967, do qual o ora Autor é o único e universal herdeiro. 46ª Assim como não se pode dizer que o mesmo adquiriu por usucapião, há mais de 20 anos, o prédio com a composição do artigo urbano (…), da freguesia de (…) e que proveio do artigo (…), da mesma freguesia, 47ª Acresce que o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo (…), o qual proveio do artigo (…), ambos da referida freguesia de (…), não se encontra descrito no Registo Predial. 48ª Pelo que existe um erro de facto ao constar do facto provado identificado sobre o ponto 3, que o prédio descrito sob o n.º 1) está na posse do Autor há mais de 20 anos porque o Autor desde o óbito do seu pai em 03.01.1967 tem cuidado e utilizado em seu beneficio o prédio de habitação, habitando a casa descrita, fazendo obras de reparação, pintando, plantando produtos hortícolas no quintal, tais como couves, alfaces, lavrando, adubando a terra e cuidando das árvores ai existentes, à vista de toda a gente, de forma pública e pacifica, sem oposição de ninguém, ignorando lesar direito alheio, agindo convencido que é dono do prédio descrito em 1). 49ª A mãe (…) a quem foi adjudicado este prédio urbano, faleceu a 21.04.2020, facto descrito com o número A) – 4- dos factos provados. 50ª Pelo que também não se pode aceitar, além da titularidade, que existisse a alegada posse do Autor, e que este agia convencido e sem lesar direito alheio de que que seria o dono do referido prédio, e isto porque a sua mãe foi viva até 21.04.2020, veja-se a habilitação de herdeiros por óbito da mãe do autor. 51ª Com a mesma fundamentação se impugna os factos dados como provados sob os números 11 e 40, por erro de julgamento e com base nos mesmos documentos. 52ª Impugna-se mutatis mutandis, porque com base no mesmo documento referido do Imposto Sucessório por óbito de (…) e respectivo inventário por óbito do mesmo, que o artigo urbano (…), sito em (…), da freguesia com mesmo nome, concelho de Mação, composto de casa de rés-do-chão para palheiro, com 1 divisão, com a área total de 28 m2 e omisso na Conservatória do Registo Predial de Mação, conforme documentos juntos à p.i. sob os n.os 7 e 8 não fez parte do acervo hereditário de (…). 53ª Não sendo de aceitar a titularidade do referido prédio (…), que aparece em nome do autor tendo por base a caderneta predial, sendo referido a final que a titularidade do Autor resultou de imposto sucessório … (?). 54ª Mas o Autor não juntou o referido imposto sucessório que justificasse a alteração para seu nome da titularidade sobre o prédio e muito menos podemos saber, por desconhecimento, de quem era titular do referido prédio e de quem herdou o Autor o artigo urbano (…), da freguesia de (…). 55ª Por isso, existe erro de julgamento factual igualmente quanto ao prédio constante da matéria dada como provada no pronto 2, quer quanto à titularidade quer quanto à sua localização, quer ainda quanto à forma de aquisição e que tenha sido desde o óbito do pai do Autor em 1967, porque nem o imposto sucessório nem o Inventário o referem e bem assim que o Autor tenha adquirido a sua posse há mais de 40 anos. 56ª A prova documental junta aos autos, mesmo que se considere feita através das certidões da matriz predial, não é relevante, porque não dá nem retira direitos, posição que os nossos tribunais e respectiva doutrina têm decidido, muito concretamente que não é possível resolver o litígio com recurso ao que consta da matriz predial, porquanto apesar do regime de harmonização entre o registo predial e a matriz cadastral, os registos dos prédios para efeitos fiscais não conferem ou retiram direitos reais. 57ª Logo nem através das cadernetas prediais juntas aos autos permitia que o Tribunal a quo julgasse como facto provado a titularidade ou posse do Autor em relação a cada um dos prédios urbanos sub judice (…, actual … e …, todos da freguesia de …). 58ª Por outro lado a usucapião de qualquer um dos prédios foram julgados erroneamente como factos provados porque em face do exposto, a posse de qualquer um dos prédios não atinge os 15 anos. 59ª A usucapião dos referidos prédios e sua existência com base na mera posse não atinge os 15 anos, compreende-se assim o artigo 1259.º do Código Civil. E isto porque o n.º 2 do artigo 1259.º do CC “que o título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca.” Ao contrário do referido na douta sentença, o A. não conseguiu provar. 60ª Pelo que foi erroneamente julgado pelo tribunal a quo. 61ª A verdade é que, conforme foi invocado pelos RR. na sua contestação e demais requerimentos juntos ao processo, o A. ao pedir que os RR. o reconhecessem como proprietário e possuidor sobre o prédio dominante – artigo urbano (…) –, não provou tal qualidade e deixou de ter o elemento integrante nuclear da causa de pedir. 62ª Assim, a decisão de facto que em face do exposto deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas é a seguinte: 1. O A. não é dono, nem legitimo proprietário e possuidor do prédio urbano sito na Rua (…), n.º 208, no (…), freguesia de (…), concelho de Mação, omisso na conservatória do Registo Predial de Mação e inscrito na matriz urbana com o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Mação, porquanto o A. não adquiriu por óbito de (…), em 30.01.1967, através do inventário judicial obrigatório n.º (…) do Tribunal Judicial de Abrantes o referido prédio. 2. O prédio urbano destinado a arrecadação, sito em (…), freguesia de (…), concelho de Mação, matricialmente inscrito sob o artigo (…), da referida freguesia de (…), composto de casa de rés-do-chão para palheiro, com 1 divisão, com a área total de 28 m2 e omisso na Conservatória do Registo Predial de Mação, não consta do acervo hereditário de (…), conforme imposto sucessório e inventário obrigatório com o n.º (…) que correu termos no Tribunal judicial da Comarca de Abrantes. 3. O Autor não tem a posse dos prédios descritos em 1) e 2), há mais de 20 anos porquanto a sua mãe (…), faleceu a 21 de Março de 2020 no estado de viúva de (…), tendo deixado como seu único e universal herdeiro o Autor seu filho (…). 11. Não se provou que o Autor seja proprietário e possuidor do prédio descrito em 1) desde o ano de 1970, porquanto após o falecimento do pai do Autor e em sede de inventário judicial obrigatório, foi adjudicado à sua mãe (…). 40. O prédio urbano (…), do (…) que proveio do artigo (…), da mesma freguesia, com base no modelo 1 do IMI de 2019, apresentado pelo A., não adquiriu este prédio por morte do seu pai, conforme inventário judicial obrigatório supra referido. 63ª Pelo que tais factos deveriam ter sido declarados como não provados, constando da matéria de facto não provada. 64ª Por último não tendo sido provada a qualidade de proprietário e/ou possuidor dos prédios identificados sobre os n.os 1) e 2), que são o elemento integrante e nuclear da causa de pedir quanto à constituição de uma servidão de passagem, devem ser julgados improcedentes todos os pedidos formulados pelo Autor na sua p.i.. Termos em que pela indicação de tudo quanto ficou exposto, e respectivos documentos, requerem a alteração da decisão proferida declarando-se improcedente por não provados todos os pedidos formulados na p.i. pelo Autor, com base na falta de causa de pedir que é a qualidade de proprietário e/ou possuidor dos prédios 1) e 2), pela qual se fará JUSTIÇA!”.
1.5.
Os RR. apresentaram resposta ao recurso interposto pelo A., concluindo do seguinte modo:
“1ª O recorrente vem pedir a alteração da matéria de facto constante dos pontos 12 e 14 da matéria de facto dada como assente na douta sentença recorrida. 2ª Da douta sentença recorrida constam igualmente outros factos assentes que retiram a razão da alteração dos factos apresentado pelo recorrente. 3ª Designadamente o relatório pericial e a prova por inspecção ao local, que fundamentaram os factos assentes nos pontos 35 a 42, 44 e 48. 4ª E igualmente contradiz a alteração pretendida pelo recorrente, relativamente ao ponto 15 dos factos assentes, o facto dos recorridos apenas terem iniciado a construção do seu prédio urbano após a emissão do licenciamento de reconstrução de 17.06.2005, conforme documento n.º 1 composto por alvará de utilização n.º 20, junto com a contestação dos recorridos. 5ª Sem prescindir de se dizer o seguinte, o recorrente, conforme resulta dos factos assentes e já citados, só em 2019 acrescentou ao seu prédio urbano a área de logradouro. 6ª Logo, é estranho poder afirmar-se, como o recorrente faz, que fez um acordo verbal para obter uma servidão de passagem em troca do seu palheiro, para um logradouro inexistente no seu prédio urbano. 7ª Na verdade, um acordo verbal relativo a um imóvel, que é um direito real, só pode ser constituído através de escritura publica ou documento com Termo de Autenticação de documento particular. 8ª No presente caso, o alegado acordo verbal fala em permuta de um imóvel pela constituição de uma servidão de passagem. 9ª Ambos os negócios (permuta e constituição de servidão de passagem) exigem escritura pública ou termo de autenticação, o que não aconteceu. 10ª Logo o contrato verbal alegadamente ocorrido sempre seria nulo por falta de forma e por não haver título. 11ª Mais, tratando-se de uma servidão não aparente – porque o logradouro do prédio do recorrente não apresenta qualquer sinal de poder entrar um veículo de qualquer natureza no mesmo –, não pode o recorrente alegar que obteve posse sobre ela. 12ª E ainda mais, não ocorreram 20 anos para poder constituir-se uma servidão de passagem por usucapião. 13ª Em resumo, o recorrente não tem título logo não registou o seu direito e nos termos do artigo 1296.º do CC, o recorrente só poderia obter a posse da servidão de passagem ao fim de 20 anos. 14ª Logo, o recorrente não adquiriu o direito de passagem por usucapião. 15ª Assim, não se mostram violados os artigos 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, que dê causa à nulidade da sentença. 16ª Nem foram violados os artigos 483.º e 496.º do Código Civil, no que se refere à responsabilidade civil por factos ilícitos, por não haver gravidade. 17ª Mais, não se mostram violados os artigos 1260.º do Código Civil, porquanto, conforme foi referido, só existe posse de boa fé quando a mesma é titulada. 18ª E ainda, não foi violado o artigo 1287.º, 1288.º, 1316.º e 1317.º, todos do Código Civil, porque como já se explicou não decorreu o prazo para aquisição por usucapião. 19ª Os recorridos baseiam-se nos factos constante da douta sentença recorrida constantes não só de toda a prova produzida, como também, da interpretação, aplicação do direito, da doutrina e da jurisprudência constantes da douta sentença sub judice, de que a Mma. Juiz a quo se socorreu para fundamentar a sua decisão na parte que aqui foi posta em causa pelo recorrente, quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito. Termos em que nesta parte se deverá manter a douta sentença recorrida (…)”.
1.6.
Respondeu igualmente o A. ao recurso interposto pelos RR., formulando as seguintes conclusões:
“1) Não é pelo facto do Autor ter 5 anos de idade em 1967 que não exerceu os actos de posse por mais de 20 anos, bem que tenha adquirido a propriedade do imóvel desde essa data, principalmente quando os únicos herdeiros eram o Autor e a sua mãe. 2) Nem é um documento fiscal que indica a titularidade de um imóvel que afasta a aquisição por usucapião, quando no ordenamento jurídico português nem sequer o registo predial tem força probatória suficiente para se sobrepor, não sendo de descurar que o imposto sucessório foi cobrado anos após o óbito do inventariado, tendo por referencia a situação na data do óbito e não na data da liquidação. 3) Devendo manter-se a factualidade provada nos factos 1) e 2) da factualidade provada, bem como a condenação dos Recorrentes, sem prejuízo do recurso interposto pelo ora Recorrido. 4) O recurso apresentado pelos Recorrentes não cumpre integralmente os requisitos legais do artigo 640.º do Código de Processo Civil, nomeadamente no que se refere à especificação dos concretos meios probatórios a reapreciar. 5) Os Recorrentes não indicaram de forma precisa e individualizada os documentos ou passagens de prova testemunhal que impunham decisão diversa, pelo que a impugnação da matéria de facto é manifestamente ineficaz. 6) A sentença recorrida assentou numa análise crítica, ponderada e fundamentada da prova produzida, em conformidade com os princípios da livre apreciação da prova e com os critérios legais de aquisição da propriedade por usucapião. 7) Resultou demonstrado que o Recorrido exerceu, por si e por via dos seus antecessores, actos de posse pública, pacífica, contínua e com animus domini sobre os imóveis identificados nos autos, preenchendo os requisitos dos artigos 1251.º, 1261.º e 1268.º do Código Civil. 8) A sentença recorrida julgou corretamente verificada a situação de enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473.º do Código Civil, não tendo os Recorrentes apresentado qualquer causa justificativa ou contraprestação válida. 9) Os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Recorrido foram devidamente provados e valorados, estando verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, sem que os Recorrentes tenham logrado afastar qualquer deles. 10) - Não se mostra violado qualquer preceito legal”.
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2. QUESTÕES A DECIDIR:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes.
Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
No caso concreto:
a) perante as conclusões das alegações do Recorrente A., importa decidir as seguintes questões:
- se a matéria de facto considerada provada deve ser alterada;
- na afirmativa, se da alteração da matéria de facto resulta a procedência dos pedidos formulados nas alíneas c) a h) da petição inicial, concretamente no que envolve o reconhecimento da constituição de uma servidão de passagem;
- se o montante devido a título de compensação pelos danos não patrimoniais que sofreu deve ser fixado em € 2.500,00.
b) perante as conclusões das alegações dos Recorrentes RR., importa decidir as seguintes questões:
- se a matéria de facto considerada provada deve ser alterada;
- na afirmativa, se da alteração da matéria de facto impugnada resulta a total improcedência da ação.
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Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. FUNDAMENTOS DE FACTO Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos.
“1. O A. é dono, legítimo proprietário e possuidor do prédio urbano sito na Rua (…), n.º 208, no (…), freguesia de (…), concelho de Mação, omisso na Conservatória do Registo Predial de Mação e atualmente inscrito na matriz urbana com o artigo (…), da freguesia de (…), o qual é composto de casa de r/chão e 1º andar para habitação com 9 divisões assoalhadas, com a superfície coberta de 88 m2 e logradouro anexo com a área de 1112 m2, confrontando a norte com Herdeiros de (…) e com os RR., do sul com a Via Pública e Herdeiros de (…), do nascente com Herdeiros de (…) e Herdeiros de (…) e do poente com via pública, o qual foi adquirido pelo A. através de sucessão hereditária por óbito de (…), ocorrido em 30/01/1967, do qual o ora A. é o único e universal herdeiro. 2. O acervo hereditário de (…) era composto, entre outros, por um prédio urbano destinado a arrecadação, sito na Rua (…), no (…), freguesia de (…), concelho de Mação, matricialmente inscrito com o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Mação, composto de casa com rés do chão para palheiro com uma divisão, com a área total de 28 m2, e omisso na Conservatória do Registo Predial de Mação. 3. O A. encontra-se na posse dos prédios descritos em 1) e 2) há mais de 20 anos, porque o A. desde o óbito do seu pai a 30/01/1967 tem cuidado e utilizado em seu benefício estes prédios, habitando a casa descrita em 1), fazendo obras de reparação, pintando, plantando produtos hortícolas no quintal, tais como couves, alfaces, lavrando, adubando a terra e cuidando das árvores aí existentes, guardando lenha e pastos para os animais na arrecadação descrita em 2), à vista de toda a gente, de forma pública e pacífica, sem oposição de ninguém, ignorando lesar direito alheio, agindo convencido que é dono de cada um dos referidos prédios. 4. A 21 de Março de 2020 faleceu, no estado de viúva de (…), (…), tendo deixado como seu único e universal herdeiro o seu filho (…). 5. Por escritura de justificação e compra e venda outorgada no dia 19 de Fevereiro de 2004, no Cartório Notarial de Proença a Nova, o R. marido comprou a (…), casada com (…) sob o regime da comunhão de adquiridos, pelo preço de € 2.000,00, o prédio urbano sito na Rua (…), no (…), freguesia de (…), concelho de Mação, composto de casa de R/c para habitação com um anexo que serve de arrecadação com a superfície coberta de 150 m2, a confrontar do norte com Herdeiros de (…), do sul com (…) e Herdeiros de (…), nascente com Herdeiros de (…) e (…) e poente com a rua, inscrito na matriz urbana com o artigo (…), da freguesia de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º (…), de (…). 6. Através da escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Proença-a-Nova, no dia 19/02/2004, o R. marido (…) comprou a (…), casada com (…), pelo preço de € 1.000,00, o prédio rústico sito em (…), freguesia de (…), concelho de Mação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º (…), da freguesia do (…) e inscrito na matriz rústica com o artigo (…), da secção (…), da freguesia de (…), o qual confina com a via pública, a Rua (…), confronta a norte com o atual prédio urbano dos RR. e a sul com o prédio urbano propriedade dos Herdeiros de (…), e nas traseiras deste, com o logradouro do prédio urbano do A., descrito em 1). 7. Entre o prédio urbano propriedade dos RR. e o prédio rústico inscrito na matriz com o artigo (…), da secção (…), situava-se o prédio urbano descrito em 2) propriedade do A., inscrito na matriz com o artigo (…), da freguesia de (…), composto de casa de R/c para palheiro. 8. Os RR. adquiriram a (…), o prédio urbano inscrito na matriz com o artigo (…) e o prédio rústico com o artigo (…), da secção (…), ambos da freguesia de (…), com o objectivo de reconstruírem o prédio urbano, uma vez que o prédio urbano que adquiriram se encontrava em ruínas e sem condições de habitabilidade, para aí residirem. 9. Entre os prédios que os RR. adquiriram a (…) situava-se o prédio urbano do A. descrito em 2), o qual servia de palheiro. 10. Os RR. perguntaram ao A. se pretendia vender o seu prédio urbano com o artigo (…), da freguesia de (…), descrito em 2), porque pretendiam ampliar a sua casa de habitação, ocupando o espaço onde este se encontrava implantado, ao que o A. respondeu que não estava interessado em vender o seu prédio urbano, mas que podia chegar a acordo com os RR., caso estes em troca do mesmo cedessem ao A. uma parcela de terreno na parte sul do prédio rústico (…– …), que tinham adquirido a (…) ou constituíssem a favor do A. uma servidão de passagem sobre o seu prédio rústico, de modo a que o A. pudesse aceder desde a via pública até ao quintal da casa de habitação do A. descrita em 1), uma vez que até esse momento o A. para aceder ao quintal do seu prédio urbano tinha que o fazer pelo interior da sua casa habitação ou entrando junto à escola do (…), actualmente desactivada. 11. O A. é proprietário e possuidor do prédio descrito em 1) desde o ano 1970 e desde o falecimento do pai do A.. 12. Após os RR. adquirirem os prédios a (…), o Autor e os RR. acordaram verbalmente fazer uma permuta, em data não concretamente apurada, através da qual o A. cedia a propriedade do palheiro descrito em 2) e os RR constituíam uma passagem de carro e trator com a largura de 3,5 m que incidia sobre o artigo (…), de modo a que o A. pudesse aceder desde a via pública até ao quintal do seu prédio descrito em 1). 13. O acordado entre A. e RR. foi que a passagem desenvolvia-se no sentido poente/nascente, estando-se situado na estrada de frente para o prédio dos RR., atravessando este prédio até atingir a sul, o quintal da casa de habitação do Autor, com o comprimento de cerca de 12 metros de comprimento e uma largura aproximada de 3,5 metros, sendo o seu início na via pública situada a poente da propriedade dos RR., processando-se a sul do prédio rústico (…), até atingir o quintal do prédio do A.. 14. O A. circulou pela passagem descrita em 13) desde data não concretamente apurada até os RR construírem o muro, a pé e de carro para ter acesso ao quintal da sua casa de habitação, transportando lenha, materiais de construção e produtos do seu quintal, tais como hortaliça e frutas, bem como as alfaias agrícolas que se mostravam necessárias ao cultivo do quintal do prédio do A., fazendo o A. um uso diário, semanal e mensal para aceder ao logradouro do seu prédio. 15. A passagem descrita em 13), desde a altura que os RR. adquiriram os prédios a (…), tem sido utilizada pelo A. de forma contínua, pública e pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, agindo o Autor convicto de que tinha o direito de aí passar a pé, de carro, tal como foi acordado entre A. e RR.. 16. Os Réus realizaram as obras no prédio que adquiriam a (…), reconstruiram-no, ampliaram-no e com tal reconstrução os RR. demoliram o prédio propriedade do A. descrito em 2), ocupando a área onde este se encontrava implantado com a reconstrução e ampliação da sua casa de habitação, fazendo no local uma casa de R/C destinada a habitação com uma garagem anexa. 17. O prédio dos RR. tem atualmente a superfície coberta de 188,34 m2, a qual em parte foi obtida à custa da área do prédio do A., uma vez que este foi absorvido pela construção da casa de habitação efetuada pelo RR. naquele local. 18. O A. e os RR. nunca outorgaram a escritura de permuta do acordo a que chegaram, mas apesar de não formalizada tal permuta, encontrava-se plenamente concretizada, uma vez que os RR. ocuparam o terreno do palheiro do A. com a construção da sua casa de habitação. 19. O A. utilizou o local acordado para aceder ao quintal da sua casa de habitação, local esse que sempre se manteve aberto, livre e desobstruído até os RR. construírem o muro e colocarem o portão. 20. Por volta do ano de 2021, mais concretamente entre os meses de Outubro / Novembro, o Réu começou a tapar a passagem referida em 13), tendo colocado contra a vontade do A. brita, no local da passagem, bem como um portão junto da via pública, com o qual passou a impedir o uso da servidão e o acesso ao quintal do prédio do Autor, portão esse que se mantém fechado, bem como a passagem inutilizada para circulação com veículos a motor ou a pé, tendo também vedado o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo (…), da secção (…), do (…), com blocos de cimento erguidos a 1,80 m de altura, na sua confrontação sul, impedindo o acesso ao prédio do Autor, a parte em que este confina com o quintal do prédio urbano do Autor. 21. Desde data não concretamente apurada que o A. fazia uso recorrente da passagem descrita em 13), em virtude da permuta acordada com os Réus. 22. Os RR. continuam a usufruir do imóvel que correspondia ao palheiro, tendo aumentado a área do seu imóvel originário, o qual tinha apenas 159,44 m2 e agora ocupa a área de 188,34 m2, diferença esta que corresponde à área do palheiro do A. de cerca de 29 m2. 23. Desde Novembro de 2021 que o Autor se encontra privado de utilizar a servidão em causa. 24. No ano de 2021, o A. estava a efectuar obras de remodelação duma arrecadação situada no logradouro do seu prédio urbano descrito em 1), localizada nas suas traseiras. 25. Através da passagem referida em 13), o A. transportava os materiais de construção, designadamente areia, blocos e cimento, o que deixou de fazer por esse local, face à atuação dos RR. que taparam o referido acesso não só junto à via pública com o portão que aí colocaram, mas também com o levantamento do muro a blocos na extrema do prédio do A.. 26. A obra encontra-se parada, pois encontrava-se apenas em parte executada e a chuva estragou durante o inverno vários materiais que este o A. aí possuía, tais como cimento. 27. Os RR. passam a ver o seu património enriquecido à custa do empobrecimento do A. sem qualquer causa que o justifique. 28. O palheiro do Autor com a área de 28 m2 descrito em 2) tem o valor comercial de € 1.500,00. 29. A conduta dos RR. descrita em 20) causou ao Autor transtorno, tristeza, nervosismo e irritação, sentindo-se enganado e humilhado pelos RR., os quais após terem as suas obras concluídas e o palheiro integrado no seu imóvel, quebraram o acordo anteriormente firmado, sem qualquer motivo justificado. 30. O A., por diversas vezes, solicitou aos RR. que outorgassem a escritura de permuta de modo a formalizar o acordo efetuado, mas os RR. sempre a adiaram até à presente data. 31. Os RR. são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na Rua (…), no (…), freguesia de (…), concelho de Mação, composto de casa de r/c para habitação com um anexo que serve de arrecadação em ruínas com a superfície coberta de 159,5 m2, a confrontar do norte com Herdeiros de (…), sul com (…) e Herdeiros de (…), nascente com Herdeiros de (…) e (…) e poente com rua, inscrito na matriz com o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação, sob o n.º (…), pela Ap. (…), de (…), retificada oficiosamente em 2015.01.27, o qual veio à posse e propriedade dos RR. por escritura de Justificação e Compra e Venda outorgada a 10 de Fevereiro de 2004, no Cartório Notarial de Proença-a-Nova, exarada a fls. 2 a 4 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º (…). 32. Posteriormente, os RR. por escritura de Compra e Venda, datada de 19 de Fevereiro de 2004, celebrada no Cartório Notarial de Proença-a-Nova, exarada a fls. 5 a 6, do Livro de Notas de Escrituras Diversas, n.º (…), do Cartório Notarial de Proença-a-Nova, compraram o prédio rústico, sito em (…), freguesia de (…), concelho de Mação, composto de cultura arvense e oliveiras, com a área de 200 m2, a confrontar a norte com (…) e outros, sul com (…), nascente com estrada e poente com (…) e outros, inscrito na matriz respetiva com o artigo (…), da secção (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação, sob o n.º (…), e inscrito a favor dos RR. pela inscrição (…), pela Ap. (…). 33. Os dois prédios descritos em 31) e 32) foram adquiridos pelos RR. a (…) e têm hoje implantada a habitação e respetivo logradouro dos RR.. 34. Na descrição predial n.º (…), da freguesia do (…), concelho de Mação, pela Ap. (…), de (…), foi inscrita Hipoteca Voluntária, que posteriormente se tornou definitiva, de mútuo bancário, para a construção da habitação dos RR. e a nova construção para habitação e garagem no artigo urbano, inscrito na matriz do (…), com projeto aprovado e licenciado pela Câmara Municipal de Mação, levou à apresentação do modelo de IMI, n.º (…), entregue em 2007/05/21, pelos RR. e deu origem à nova inscrição na matriz do artigo (…), do (…), tendo dado origem ao novo artigo matricial (…), do (…), com a seguinte composição: Prédio urbano, destinado a habitação, situado na Rua (…), no (…), com 1 piso e 5 divisões, uma dependência, e logradouro com a área total de 395,50m2, sendo a área de implantação do edifício de 188,34 m2, com o valor patrimonial de € 26.000.17, o qual confronta a norte Herdeiros de (…); sul (…) e Herdeiros de (…), nascente Herdeiros. de (…) e (…), poente rua. 35. Na nova composição do prédio urbano (…) consta, relativamente à sua área total de 359,50 m2, esta corresponde à totalidade da área do antigo artigo urbano (…), de 159,5 m2, acrescida da área do prédio rústico, artigo (…), da seção (…), com 200 m2. 36. O prédio urbano do A, fruto da apresentação do Modelo de IMI n.º (…), entregue em 2019/08/14, passou a estar inscrito na matriz atual, sob o artigo (…), do (…), provindo do anterior artigo (…), da mesma freguesia e do qual o A., sofreu um aumento de área, passando de uma área total de 48 m2 para a área total de 1200,00 m2, mantendo a implantação do urbano, com 48 m2. 37. O A. acrescentou área ao prédio urbano, através do Modelo de IMI, referido, em 2019, pois o prédio urbano anterior, inscrito sob o artigo (…), não tinha a referida área de logradouro. 38. O logradouro da casa do A., junto à sua habitação fez, no passado, parte do prédio rústico, identificado pelo artigo (…), da seção (…) do (…), mas denominado (…), da freguesia do (…), concelho de Mação. 39. O artigo (…) tem acesso pela Rua (…) e depois por um caminho, através do qual o A. utilizou como compossuidor do prédio rústico até à sua casa de habitação. 40. O prédio urbano, artigo (…), do (…), que proveio do artigo (…), da mesma freguesia, com base no Mod. 1 do IMI de 2019, terá sido adquirido pelo A. por sucessão em 1967, por morte de seu pai. 41. O artigo (…), da secção (…), da freguesia de (…) é um prédio indiviso, porque está inscrito na matriz em nome de três pessoas, (…), (…) e herdeiros de (…). 42. A parte sobrante do prédio rústico dos RR. foi transformado em logradouro da habitação, a qual tem uma porta de serviço aberta para o referido logradouro, onde os RR. têm uma pequena horta de apoio ao agregado familiar e canis. 43. O portão tem uma largura de cerca de 5 m, junto à Rua (…), mas o caminho de acesso à porta de serviço da habitação e aos canis e restante logradouro, vai estreitando, acabando por ter cerca de 2,5 m de largura no final. 44. No ano de 2019, através do modelo 1 do IMI, o A. alterou a composição do seu artigo urbano que até esta data apenas tinha a área coberta de 48 m2, sem qualquer logradouro e que nas suas confrontações não tinha a indicação da proprietária do prédio dos RR., a (…). 45. Os RR foram murando o seu actual prédio urbano até que em Outubro de 2021 pediram licença camarária para a colocação de um portão junto da via pública. 46. As áreas correspondentes à do palheiro era de 28 m2 e do artigo antigo urbano dos RR., por eles adquirido, era de 150 m2, dando um total de área de 178 m2. 47. O aumento de área do prédio urbano 1613 dos RR. resultou da junção da parcela urbana que compunha o artigo (…) e a área restante do artigo rústico (…), da secção (…), todos da freguesia de (…), mais a área do palheiro do Autor. 48. No quintal do A. existem muretes e escadas que impedem a circulação de um tractor ou de um motocultivador e a terra do quintal tem de ser cavada à enxada”.
E, como não provados, os seguintes factos: “i) O quintal do prédio descrito em 1) com a área de 1.112 m2, encontrava-se encravado, não sendo possível a ele acederem veículos e tratores, uma vez que apenas a parte urbana (superfície coberta) deste prédio confronta com a via pública. ii) A passagem era utilizada por tractor, sendo a única forma de acesso ao quintal do prédio do A. para este proceder também à limpeza do seu prédio, para limpar as arvores, apanhar os legumes, bem como a fruta das árvores. iii) Com a atuação dos RR., o A. ficou impedido de limpar, lavrar e fresar a terra, bem como de cultivar o seu quintal, o que lhe provocou danos decorrentes dessa privação, dado que deixou de plantar produtos hortícolas que utilizava na sua alimentação diária, tais como, alfaces, feijão, couves, batatas entre outros. iv) A chuva estragou durante o inverno alguns equipamentos de cozinha, tais como um esquentador e um grelhador. v) Os RR. não acrescentaram na sua área de construção a área de um prédio destinado a palheiro. vi) O logradouro da casa do A., junto à sua habitação faz parte do prédio rústico identificado pelo artigo (…), da seção … (…, mas denominado …) da freguesia do (…), concelho de Mação. vii) Os RR. não fizeram qualquer acordo com o A., porque se assim fosse, os RR. teriam efectuado a escritura da alegada permuta. viii) Nunca houve por parte dos RR. e A. qualquer permuta, nem a marcação da passagem a favor do prédio urbano do A. sobre o actual prédio urbano dos RR.. ix) Os RR. não quebraram nenhum acordo, nem fizeram qualquer contrato verbal de permuta e não se apropriaram de um palheiro propriedade do A., cuja área tenha passado a fazer parte integrante do seu prédio urbano e o A. não passou no prédio rústico dos RR. e as poucas vezes que acedeu ao seu prédio urbano fazendo passagem pelo prédio dos RR. foi por mera tolerância dos RR.. x) O quintal do A. localizado nas traseiras da sua casa de habitação é um prédio encravado, porque não tem acesso à via pública”.
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4. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Os recursos vêm interpostos também da matéria de facto da decisão de primeira instância, considerando os recorrentes que foram incorretamente apreciados factos dados como provados e não provados.
Prevê o artigo 640.º do C.P.C.:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
O artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C., sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, dispõe que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Neste particular, o tribunal de recurso, sem embargo da atendibilidade da prova plena que resulte dos autos, deve verter o que emergir da apreciação crítica e livre dos demais elementos probatórios e usar, se for o caso, as presunções judiciais que as circunstâncias justificarem, designadamente a partir dos factos instrumentais, como decorre do n.º 4 do artigo 607.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, ambos do C.P.C. [1], tanto mais que a anulação de uma sentença deve confinar-se aos casos em que, como previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do C.P.C., não constem “…do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.07.2024, no processo n.º 99/22.9T8GDM.P1, para reapreciar a decisão de facto impugnada, o Tribunal da Relação “…tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência – elaboração, diga-se, que deve ser feita à luz de um cidadão de normal formação e capacidade intelectual, de um cidadão comum na sociedade em questão – sem prejuízo de, independentemente do antes dito, poder chegar a uma decisão de facto diferente em função da valoração concretamente efetuada em sede de recurso”.
Ainda sobre a intervenção da Relação na decisão da matéria de facto decidida em 1ª instância, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.11.2017, no processo n.º 212/16.5T8MNC.G1, “…quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto – que a ela conduza – constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C., aqui aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspetos não respeita apenas às provas a produzir em juízo. Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico – com força probatória plena – cuja falsidade não tenha sido suscitada (artigos 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do C.P.C.), ou quando exista acordo das partes (artigo 574.º, n.º 2, do C.P.C.), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (artigo 358.º do C.C., e artigos 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do C.P.C.), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (v. g. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos artigos 351.º e 393.º, ambos do C.P.C.). Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados)”.
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Os recursos, como se disse versam sobre matéria de facto.
Os Recorrentes concretizaram os factos provados que desejam ver modificados, indicando, para cada um deles, a redação que deve, ou não, ser consagrada. Também indicou os meios de prova que, relativamente a cada um dos factos impugnados, justificam, em sua opinião, a alteração da decisão de 1ª instância.
Mostram-se, assim, cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Concretamente:
a) o recorrente A. pretende que matéria de facto constante dos pontos 12, 14 e 15 passe a ter a seguinte redação:
12- “Após os RR. adquirirem os prédios a (…), o Autor e os RR. acordaram verbalmente fazer uma permuta, em data não concretamente apurada, mas que ocorreu no decurso do ano de 2004, através da qual o A. cedia a propriedade do palheiro descrito em 2) e os RR. constituíam uma passagem de carro e trator com a largura de 3,5 m que incidia sobre o artigo (…), de modo a que o A. pudesse aceder desde a via pública até ao quintal do seu prédio descrito em 1).
14-“O A. circulou pela passagem descrita em 13) desde o ano de 2004 até os RR construírem o muro, a pé e de carro para ter acesso ao quintal da sua casa de habitação, transportando lenha, materiais de construção e produtos do seu quintal, tais como hortaliça e frutas, bem como as alfaias agrícolas que se mostravam necessárias ao cultivo do quintal do prédio do A., fazendo o A. um uso diário, semanal e mensal para aceder ao logradouro do seu prédio”.
15- “A passagem descrita em 13), desde a altura que os RR. adquiriram os prédios a (…), tem sido utilizada pelo A. de forma contínua, pública e pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, agindo o Autor convicto de que tinha o direito de aí passar a pé, de carro, tal como foi acordado entre A. e RR., ignorando o R. estar a lesar o direito de outrem, não lhe sendo exigível conhecer a potencial lesão”.
Fundamenta a impugnação nas declarações que prestou e nos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…).
Ouvidos os depoimentos das indicadas testemunhas, pese embora deles não resulte a afirmação categórica e exata de uma data para a celebração do acordo de permuta, todos apontam no sentido de que tal acordo precedeu a realização das obras de reconstrução dos prédios a que aludem os pontos 5 e 6 dos factos provados.
Ora, a aquisição desses prédios pelos RR. ocorreu em 19.02.2004 e, mesmo não sendo possível determinar que o denominado acordo de permuta ocorreu em data anterior à celebração da escritura, é pelo menos contemporânea ou anterior a 25.06.2004, data em que na CM de Mação os RR. apresentaram o projeto de arquitetura para reconstrução do imóvel (cfr. documentos juntos com o requerimento de 28.04.2023).
O que se entende, posto que não seria razoável admitir que os RR. se envolvessem num processo de reconstrução e ampliação de um imóvel sem que soubessem exatamente de que forma poderiam fazer tais obras e com que área podiam contar para o efeito.
Acresce que a consideração de que a data da celebração do acordo corresponde à data acima indicada vai também ao encontro dos pontos 16 a 18 dos factos provados, de onde resulta que:
“16. Os Réus realizaram as obras no prédio que adquiriam a (…), reconstruiram-no, ampliaram-no e com tal reconstrução os RR. demoliram o prédio propriedade do A. descrito em 2), ocupando a área onde este se encontrava implantado com a reconstrução e ampliação da sua casa de habitação, fazendo no local uma casa de R/C destinada a habitação com uma garagem anexa. 17. O prédio dos RR. tem atualmente a superfície coberta de 188,34 m2, a qual em parte foi obtida à custa da área do prédio do A., uma vez que este foi absorvido pela construção da casa de habitação efetuada pelo RR. naquele local. 18. O A. e os RR. nunca outorgaram a escritura de permuta do acordo a que chegaram, mas apesar de não formalizada tal permuta, encontrava-se plenamente concretizada, uma vez que os RR. ocuparam o terreno do palheiro do A. com a construção da sua casa de habitação”.
Neste contexto, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto do Recorrente A., passando os factos 12, 14 e 15 a ter a seguinte redação:
12- “Após os RR. adquirirem os prédios a (…), o Autor e os RR. acordaram verbalmente fazer uma permuta, em data não concretamente apurada, mas pelo menos em 25.06.2004, através da qual o A. cedia a propriedade do palheiro descrito em 2) e os RR. constituíam uma passagem de carro e trator com a largura de 3,5 m que incidia sobre o artigo (…), de modo a que o A. pudesse aceder desde a via pública até ao quintal do seu prédio descrito em 1).
14- “O A. circulou pela passagem descrita em 13) desde a data referida em 12) até os RR. construírem o muro, a pé e de carro para ter acesso ao quintal da sua casa de habitação, transportando lenha, materiais de construção e produtos do seu quintal, tais como hortaliça e frutas, bem como as alfaias agrícolas que se mostravam necessárias ao cultivo do quintal do prédio do A., fazendo o A. um uso diário, semanal e mensal para aceder ao logradouro do seu prédio”.
15- “A passagem descrita em 13), desde a data referida em 12), tem sido utilizada pelo A. de forma contínua, pública e pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, agindo o Autor convicto de que tinha o direito de aí passar a pé, de carro, tal como foi acordado entre A. e RR., ignorando o R. estar a lesar o direito de outrem, não lhe sendo exigível conhecer a potencial lesão”.
Em consonância com o exposto, será igualmente de alterar o facto 21, que passará a ter a seguinte redação:
21- “Desde a data referida em 12) que o A. fazia uso recorrente da passagem descrita em 13), em virtude da permuta acordada com os Réus”.
Importa, agora, determinar que consequências tem para a sorte da ação a alteração dos pontos 12, 14, 15 e 21 da matéria de facto.
O Autor pede, no que agora interessa, que se declare a existência de uma servidão de passagem que se constituiu por usucapião sobre o prédio dos Réus e a favor do quintal do Autor, numa extensão de terreno que caracteriza.
Para além de demonstrada a existência da permuta entre o Autor e os Réus do palheiro, propriedade do Autor, pela cedência de passagem pelos Réus sobre o seu logradouro, ficou também demonstrado que os Réus incumpriram o acordado e obstaculizaram a dita passagem, através da construção de um muro de vedação na extrema das propriedades e da colocação de um portão.
Vejamos se a servidão de passagem se constituiu por usucapião.
Como se lê na sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 1543.º do Código Civil «a servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia».
Desta noção retira-se que a servidão constitui um encargo que onera a propriedade do prédio dito “serviente”, limitando o seu gozo pelo respetivo proprietário e consubstanciando aquilo que a doutrina designa por um “ius in re aliena”, ou seja, um direito real menor.
Tratando-se de um direito real, comunga de todas as características típicas de um direito desta natureza, ou seja, oponibilidade “erga omnes”, inerência, prevalência e sequela.
Não se trata, assim, de um direito pessoal de gozo, porquanto o encargo recai sobre um prédio (“serviente”), não assumindo, pois, a qualidade de obrigação a cujo cumprimento o respetivo proprietário se encontra adstrito.
Por outro lado, tal encargo existe em benefício de um outro prédio, denominado “dominante”, independentemente de quem seja o seu titular.
Esta é, de resto, a raiz da distinção entre servidões prediais e servidões pessoais, sendo estas últimas admissíveis, em princípio, ao abrigo dos artigos 405.º e 1306.º, n.º 2, do Código Civil, que são sempre de constituição voluntária (leia-se: negocial) e com efeitos meramente obrigacionais, destinando-se à satisfação das necessidades de uma pessoa determinada, o credor, por via da afetação das utilidades de um prédio a que o devedor, seu proprietário, se obriga.
Quer no que concerne ao prédio dominante, quer no que respeita ao prédio serviente, a servidão reveste-se da característica da inseparabilidade, o que significa que a mesma não pode ser cedida ou transmitida independentemente do prédio a que respeita, medindo-se o respetivo objeto e extensão pelas necessidades exclusivas do prédio dominante – artigo 1545.º do Código Civil.
Por outro lado, a servidão é indivisível, no sentido de que a divisão do prédio dominante ou do prédio serviente não exerce qualquer influência na existência da mesma, que se mantém idêntica quanto ao lugar, tempo e modo de exercício, tal como se não tivesse ocorrido qualquer separação – artigo 1546.º do Código Civil.
A servidão pode ser constituída por um dos meios referidos no artigo 1547.º do Código Civil: contrato, testamento, usucapião, destinação do pai de família, sentença e decisão administrativa.
Tratando-se de servidões designadas de legais, que se encontram previstas nos artigos 1550.º e ss. do Código Civil, podem, ainda, na falta de acordo, ser constituídas por sentença judicial.
É sabido que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação – artigo 1287.º do Código Civil.
Nos termos do disposto no artigo 1251.º do Código Civil, a posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
É entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência que o legislador consagrou uma conceção subjetivista da posse, a qual é, por isso, configurada como constituída por dois elementos concomitantes:
i) um elemento material, designado de “corpus”, que consiste na retenção, fruição ou possibilidade de fruição de um direito real; e
ii) um elemento subjetivo, designado de “animus”, que se traduz na intenção de exercer um poder sobre a coisa objeto do “corpus”, no próprio interesse.
A posse envolve, assim, um elemento empírico, traduzido no exercício de poderes de facto sobre uma coisa, e um elemento psicológico-jurídico, que se reconduz à intenção de exercer tal poder de facto em termos correspondentes à titularidade de um direito real.
Exercida e mantida a posse, com determinadas características e por certo lapso de tempo, o possuidor adquire originariamente o direito real correspondente à posse exercida – artigos 1258.º a 1262.º e 1294.º a 1297.º do Código Civil.
No caso das servidões, porém, a usucapião só poderá ser atendida se se revelar por sinais visíveis e permanentes – artigo 1548.º, n.º 2, do Código Civil.
Dos factos provados resulta que em data não concretamente apurada, mas pelo menos 25.06.2004, o Autor e os Réus celebraram um acordo verbal em que o Autor permutou com os Réus o palheiro que era propriedade do Autor pela servidão de passagem, exercida sobre o prédio dos Réus, a qual dava acesso ao quintal do Autor; no entanto, os Réus construíram um muro de vedação na sua propriedade e colocaram um portão, impedindo assim o acesso do Autor ao seu quintal através do prédio dos Réus.
Ademais, provou-se que desde essa data – até à data em que os RR. procederam à construção de um muro e colocação de um portão – o A. circulou pela passagem acima descrita, a pé e de carro para ter acesso ao quintal da sua casa de habitação, transportando lenha, materiais de construção e produtos do seu quintal, tais como hortaliça e frutas, bem como as alfaias agrícolas que se mostravam necessárias ao cultivo do quintal do prédio do A., fazendo o A. um uso diário, semanal e mensal para aceder ao logradouro do seu prédio..
Essa passagem, desde essa data até novembro de 2021, foi utilizada pelo A. de forma contínua, pública e pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, agindo o Autor convicto de que tinha o direito de aí passar a pé, de carro, tal como foi acordado entre A. e RR., ignorando o A. estar a lesar o direito de outrem, não lhe sendo exigível conhecer a potencial lesão.
São estes os atos de posse que o A. foi praticando sobre a passagem que atravessava o prédio dos Réus desde pelo menos 25.06.2004 até novembro de 2021, e que são suscetíveis de demonstrar que o Autor exerceu a posse sobre a passagem no logradouro dos Réus que dava acesso ao quintal do Autor, em termos correspondentes a um direito real de passagem, durante pelo menos 17 anos.
Fê-lo de forma pública, pacífica e de boa-fé, razão por que se considera constituído por usucapião o direito de servidão de passagem sobre o prédio dos Réus a favor do prédio do Autor.
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Dos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pelo A.
Analisemos agora a pretensão associada ao pedido de indemnização formulado pelo A..
Na sentença do Tribunal recorrido, os RR. foram condenados a pagar ao A., solidariamente, a quantia de € 1.500,00 a título de danos patrimoniais e a quantia de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais.
No que se refere aos danos patrimoniais, a condenação não poderá subsistir.
Dizia respeito ao valor comercial do palheiro que o A. cedeu aos RR. (€ 1.500,00) e integrava o pedido subsidiário formulado pelo Recorrente A. formulado sob a alínea i) – “Devem os RR. ser condenados, caso o Tribunal entenda não haver lugar à decretação da constituição da servidão a favor do A. (quer por usucapião quer servidão legal de passagem), a pagar ao autor uma indemnização no valor de € 8.400,00, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, tendo por base a área do palheiro de 28 m2, ocupada pelos RR., ao preço de € 300,00 por m2 de construção”.
Concluindo-se pela existência da servidão, fica, portanto, prejudicada a apreciação do pedido subsidiário de condenação dos RR. no pagamento do valor da parcela que cederam aos RR., não podendo a decisão recorrida subsistir, nessa parte.
Já no que diz respeito aos danos não patrimoniais, o Recorrente A. refere genericamente, os danos que lhe foram causados e a circunstância de ser uma “pessoa de idade, que durante anos agiu na convicção de ser titular de um direito que aqueles se haviam comprometido constituir a seu favor” (conclusão 25).
Como se lê na decisão da primeira instância, fundamentos que aqui reproduzimos por serem os adequados ao caso concreto, no que toca à indemnização de danos não patrimoniais, temos o disposto no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil que dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, sendo irrelevantes, designadamente “os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala”.
A doutrina e a jurisprudência, quase unanimemente, fazem uma interpretação concretizadora desta postulada “gravidade”, limitando a indemnização àqueles casos que tenham efetiva relevância ética e moral por ofenderem profundamente a personalidade física ou moral, designadamente as ofensas à honra, à reputação, à liberdade pessoal, à integridade física e saúde, e aos demais direitos de personalidade 18.
Assim, não serão indemnizáveis os simples incómodos ou pequenos desgostos, sendo, no entanto, objeto de reparação aqueles danos morais naturais cuja reparação pecuniária se destina a compensar, embora indiretamente, os sofrimentos físicos, morais e desgostos e que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.
A gravidade do dano mede-se por um padrão objetivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e não à luz de fatores subjetivos, como uma sensibilidade exacerbada ou requintada, e tudo segundo critérios de equidade, devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente.
O montante da indemnização a atribuir é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º.
Este artigo estabelece uma limitação da indemnização no caso de mera culpa ou negligência referindo que a indemnização poderá ser fixada em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Ficou demonstrado que o Autor ficou nervoso, desestabilizado e com mal-estar em consequência do incumprimento do acordo pelos Réus, ao fecharem o seu prédio urbano com a construção do muro e colocação do portão, impedindo o acesso do Autor à sua propriedade, desrespeitando o acordado no âmbito da permuta do palheiro pela passagem (facto 29 – “A conduta dos RR. descrita em 20) causou ao Autor transtorno, tristeza, nervosismo e irritação, sentindo-se enganado e humilhado pelos RR., os quais após terem as suas obras concluídas e o palheiro integrado no seu imóvel, quebraram o acordo anteriormente firmado, sem qualquer motivo justificado”).
O Tribunal recorrido fez uma análise correta da dimensão dos danos não patrimoniais suscetíveis de indemnização, tendo encontrado um valor sensato e razoável para a sua compensação.
Merece, portanto, confirmação nesse segmento.
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Do recurso interposto pelos RR.
Os RR. pretendem que a decisão a proferir sobre as questões de facto impugnadas seja a seguinte:
“1. O A. não é dono, nem legitimo proprietário e possuidor do prédio urbano sito na Rua (…), n.º (…), no (…), freguesia de (…), concelho de Mação, omisso na Conservatória do Registo Predial de Mação e inscrito na matriz urbana com o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Mação, porquanto o A. não adquiriu por óbito de (…), em 30.01.1967, através do inventário judicial obrigatório n.º (…) do Tribunal Judicial de Abrantes o referido prédio. 2. O prédio urbano destinado a arrecadação, sito em (…), freguesia de (…), concelho de Mação, matricialmente inscrito sob o artigo (…), da referida freguesia de (…), composto de casa de rés-do-chão para palheiro, com 1 divisão, com a área total de 28 m2 e omisso na Conservatória do Registo Predial de Mação, não consta do acervo hereditário de (…), conforme imposto sucessório e inventário obrigatório com o n.º (…) que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes. 3. O Autor não tem a posse dos prédios descritos em 1) e 2), há mais de 20 anos porquanto a sua mãe (…), faleceu a 21 de Março de 2020 no estado de viúva de (…), tendo deixado como seu único e universal herdeiro o Autor seu filho (…). 11. Não se provou que o Autor seja proprietário e possuidor do prédio descrito em 1) desde o ano de 1970, porquanto após o falecimento do pai do Autor e em sede de inventário judicial obrigatório, foi adjudicado à sua mãe (…). 40. O prédio urbano (…) do (…) que proveio do artigo (…) da mesma freguesia com base no modelo 1 do IMI de 2019, apresentado pelo Autor, não adquiriu este prédio por morte do seu pai, conforme inventário judicial obrigatório supra referido”.
E, “Não tendo sido provada a qualidade de proprietário e/ou possuidor dos prédios identificados sobre os números 1) e 2), que são o elemento integrante e nuclear da causa de pedir quanto à constituição de uma servidão de passagem, devem ser julgados improcedentes todos os pedidos formulados pelo Autor na sua p.i.”.
Como refere a sentença recorrida, na contestação, os Réus não colocam em questão os direitos de propriedade do Autor, no que tange à sua casa de habitação.
Questionam, no entanto, que o A. tenha adquirido o quintal, localizado nas traseiras da sua casa, dizendo que “desconhecem sem terem obrigação de saber, de que prédio(s) e a forma de aquisição pelo A. da referida área acrescentada ao seu anterior prédio urbano”.
Vejamos.
No que se refere ao imóvel referido no ponto 1 dos factos provados, o Tribunal recorrido considerou assente que o A. é dono, legítimo proprietário e possuidor do referido imóvel, por o ter adquirido através de sucessão hereditária por óbito de (…), ocorrido em 30/01/1967, do qual o A. é o único e universal herdeiro, encontrando-se na posse do referido prédio. Há mais de 20 anos que tem cuidado e utilizado em seu benefício este prédios, habitando a casa descrita em 1), fazendo obras de reparação, pintando, plantando produtos hortícolas no quintal, tais como couves, alfaces, lavrando, adubando a terra e cuidando das árvores aí existentes, à vista de toda a gente, de forma pública e pacífica, sem oposição de ninguém, ignorando lesar direito alheio, agindo convencido que é dono do referido imóvel.
Neste contexto, independente do que dos documentos juntos ao processo resulta quanto ao modo como o imóvel foi sendo descrito ao longo dos anos – fosse em sede de inventário, fosse no âmbito de documentos de caráter administrativo –, o certo é que como concluiu o Tribunal recorrido, o Autor logrou demonstrar os pressupostos da posse aquisitiva da titularidade do direito de propriedade sobre o prédio identificado em 1) dos factos provados, por usucapião. O que, como bem notam os RR., se sobrepõe à prova documental junta aos autos, uma vez que “mesmo que se considere feita através das certidões da matriz predial, não é relevante, porque não dá nem retira direitos, posição que os nossos tribunais e respectiva doutrina têm decidido, muito concretamente que não é possível resolver o litígio com recurso ao que consta da matriz predial, porquanto apesar do regime de harmonização entre o registo predial e a matriz cadastral, os registos dos prédios para efeitos fiscais não conferem ou retiram direitos reais”.
Acresce que a circunstância de o artigo (…) não figurar, de acordo com os RR., no elenco de bens constantes da descrição do inventário obrigatório com o n.º (…) que correu termos no Tribunal judicial da comarca de Abrantes, não significa que não tenha integrado o acervo hereditário do pai do A.. Desse facto resulta apenas que se tratou de bem que, por razão que se desconhece, não foi descrito no processo de inventário.
De resto, não deixa de ser notar que os RR. impugnam a matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 2, 3, 11 e 40 – aqueles de onde resulta o direito de propriedade do A. sobre os imóveis em discussão – mas não o fazem, por exemplo, em relação à existência do contrato de permuta referido nos pontos 12 e 13 dos factos provados, o que se afigura ser inconciliável com a proposição de que o A. não era proprietário de tais imóveis.
Mais. Os RR., referindo-se ao contrato de permuta, dizem que “é estranho poder afirmar-se, como o recorrente faz, que fez um acordo verbal para obter uma servidão de passagem em troca do seu palheiro, para um logradouro inexistente no seu prédio urbano” e defendem que “o contrato verbal alegadamente ocorrido sempre seria nulo por falta de forma”, formulação que se compreende com dificuldade, porquanto, na perspetiva dos RR.:
i) ou o contrato de permuta existiu e é nulo por falta de forma. Tendo existido, o acordo assentou no pressuposto de que o A. era proprietário de dois prédios: o imóvel objeto da permuta e o imóvel a favor do qual iria ser constituída a servidão.
ii) ou o contrato de permuta não existiu, caso em que a questão da nulidade por falta de forma nem podia/devia ter sido colocada.
E, portanto, o que é estranho e pouco coerente é afirmar-se, como fazem os RR., que não existiu qualquer contrato de permuta; que se existiu, é nulo por falta de forma; e, finalmente, que está por demonstrar, agora, que os prédios envolvidos no contrato – o prédio transmitido aos RR. e o prédio a favor do qual foi constituída a servidão – pertenciam ao A..
Sem embargo, porque está em linha com os documentos juntos ao processo (concretamente com a certidão que foi junta com o requerimento com a ref.ª 9586262), será de alterar a matéria de facto nos seguintes termos:
- no ponto 1, elimina-se a menção “(…) o qual foi adquirido pelo A. através de sucessão hereditária por óbito de (…), ocorrido em 30.01.1967, do qual o ora A. é único e universal herdeiro”;
- elimina-se o ponto 11;
- elimina-se o ponto 40.
Desta alteração não resulta, todavia, qualquer consequência para (im)procedência do pedido de reconhecimento de propriedade do prédio descrito no ponto 1 dos factos provados, demonstrada que está a sua aquisição por usucapião, nos termos descritos no ponto 3.
Já no se refere ao imóvel referido ao ponto 3 dos factos provados, procede parcialmente a impugnação.
Na verdade, à luz do que ficou dito aquando da apreciação do recurso interposto pelo A., parece evidente que não pode dar-se como demonstrado que o A. está na posse do prédio descrito em 2) há mais de 20 anos. Justamente porque pelo menos em 25.06.2004 permitiu que os RR. o integrassem nos prédios que haviam adquirido.
Ora, o que a este propósito está em causa na presente ação é a questão de saber se deve reconhecer-se que “o A. é dono e legítimo proprietário e possuidor dos prédios descritos nos artigos 1º a 19º da PI, prédios estes que o A. adquiriu por sucessão hereditária por óbito de (…) e ainda através do instituto da usucapião” – alínea a) do pedido.
Nos artigos 1º a 19º da p.i., são referidos os seguintes prédios: (i) o “prédio urbano assinalado na planta junta sob o doc. 1 a cor verde, sito na Rua (…), n.º 208, em (…), freguesia de (…), concelho de Mação, omisso na conservatória do Registo Predial de Mação e atualmente inscrito na matriz sob o artigo (…), da freguesia de (…)”, composto de “casa de r/chão e 1º andar para habitação com 9 divisões assoalhadas, com a s. c. de 88 m2 e logradouro anexo com a área de 1.112 m2 (docs. 1, 2 e 3).”; e (ii) “um prédio urbano, assinalado na planta junta sob o doc. 1 a cor azul, destinado a arrecadação, sito na Rua (…), em (…), freguesia de (…), concelho de Mação, matricialmente inscrito sob o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Mação, composto de casa com rés do chão para palheiro com uma divisão, com a área total de 28 m2 e omisso na Conservatória do Registo Predial de Mação (…).”.
Este último corresponde ao “palheiro” que o A. disse ter cedido aos RR., por efeito do acordo referido nos pontos 12 e 13 dos factos provados. Desse contrato resultou, portanto, a alienação do imóvel.
Daí que proceda, nesta parte, a impugnação da matéria de facto.
Neste contexto, eliminando-se também a menção a “porque o A. desde o óbito do seu pai a 30/01/1967”, o ponto 3 dos factos provados passará a ter a seguinte redação:
3- “O A. encontra-se na posse do prédio descrito em 1) há mais de 20 anos. Desde essa altura tem cuidado e utilizado em seu benefício este prédio, habitando a casa descrita em 1), fazendo obras de reparação, pintando, plantando produtos hortícolas no quintal, tais como couves, alfaces, lavrando, adubando a terra e cuidando das árvores aí existentes, à vista de toda a gente, de forma pública e pacífica, sem oposição de ninguém, ignorando lesar direito alheio, agindo convencido que é dono do referido prédio”.
Debrucemo-nos agora sobre as consequências desta alteração,
Pretendendo o A. fazer prevalecer os efeitos do acordo celebrado com os RR. (o A. não impugna o acordo e, por isso formula os pedidos de reconhecimento de constituição da servidão ou, subsidiariamente, os pedidos de condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização correspondente ao valor do imóvel – pedido formulado sob a al. i), existe incompatibilidade entre os pedidos, não devendo ser reconhecido ao A. o direito de propriedade sobre o prédio referido no ponto 2 dos factos provados, porquanto se trata de imóvel que os RR. integraram na sua esfera.
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Da nulidade do contrato de permuta por falta de forma.
Na resposta ao recurso interposto pelo A., os RR. invocam a nulidade do contrato de permuta referido nos pontos 12 e 13 dos factos provados.
Trata-se, salvo melhor opinião, de questão cuja apreciação se encontra prejudicada.
Com efeito, os RR. não dizem que são proprietários do prédio referido no ponto 2 dos factos provados nem por via da presente ação irá ser reconhecido o direito de propriedade do A. sobre tal imóvel.
Irrelevante, portanto, neste contexto, qualquer tomada de posição do Tribunal a esse respeito.
Sem embargo, diríamos que o acordo celebrado entre A. e RR. parece resultar de uma situação de vizinhança e de boa convivência indutora de um relacionamento desprendido e liberto de preocupações formais.
Neste contexto, a informalidade na produção das declarações de vontade conformador de realização do negócio jurídico é a regra. As pessoas confiam e crêem na boa-fé com que a contraparte se presta a congraçar no sinalagma em que se pretendem coenvolver, despreocupando-se de formalismo e consequências (jurídicas) que adviriam para a consecução dos fins em vista e futuros da sua inobservância.
Ademais, resulta da matéria de facto provada que, não tendo sido dos RR. a iniciativa da troca, foram eles que inicialmente contactaram o A. no sentido de apurar o seu interesse para eventual venda do prédio. Como também está provado que “O A., por diversas vezes solicitou aos RR. que outorgassem a escritura de permuta de modo a formalizar o acordo efetuado, mas os RR. sempre a adiaram até à presente data”, que “O A. e os RR. nunca outorgaram a escritura de permuta do acordo a que chegaram, mas apesar de não formalizada tal permuta, encontrava-se plenamente concretizada, uma vez que os RR. ocuparam o terreno do palheiro do A. com a construção da sua casa de habitação.”, que “Os Réus realizaram as obras no prédio que adquiriam a (…), reconstruiram-no, ampliaram-no e com tal reconstrução os RR. demoliram o prédio propriedade do A. descrito em 2), ocupando a área onde este se encontrava implantado com a reconstrução e ampliação da sua casa de habitação, fazendo no local uma casa de R/C destinada a habitação com uma garagem anexa.” e que “O prédio dos RR. tem atualmente a superfície coberta de 188,34 m2, a qual em parte foi obtida à custa da área do prédio do A., uma vez que este foi absorvido pela construção da casa de habitação efetuada pelo RR. naquele local”.
Embora não resultando da matéria de facto provada se algum quis que não fosse observada a forma que ela deveria ter assumido, o facto é que, no caso em apreço, e pelos contornos em que se recorta o negócio, resulta, com um mínimo de segurança, que o negócio terá sido efetuado para satisfação dos interesses momentâneos de cada um dos contraentes. Note-se, aliás, que a questão da nulidade por falta de forma apenas surge, ao que cremos, na resposta dos RR. ao recurso interposto pelo A..
Com este quadro geral, vemos como abusivo que, tendo o A. cumprido a sua parte do acordo, viessem os RR. agora invocar vício de forma com o propósito de paralisar os seus efeitos – neste sentido, o Ac. da Relação de Coimbra de 23.04.2024, em www.dgsi.pt: “(…) IV – É nulo o contrato de constituição de uma servidão voluntária, que não seja celebrado pela forma exigida – escritura pública – conforme resulta das disposições do artigo 80.º, n.º 1, do Código do Notariado (na redacção do Decreto-Lei n.º 237/2001, de 30 de Agosto) e 220.º do Código Civil. V – No entanto, a declaração e os efeitos desta nulidade devem ser paralisados – inalegabilidade formal – quando da sua declaração resultem gravemente violados os princípios da boa fé que devem nortear a conduta das partes na execução e cumprimento dos acordos que livremente estabeleceram (artigos 334.º e 762.º, n.º 2, do C.C.) e constitua um clamoroso abuso de direito. VI – Obstam ao conhecimento e declaração de nulidade do contrato de constituição de servidão de passagem a confiança criada pela subscrição deste acordo e pela não invocação da nulidade durante mais de 14 anos, a justificação e o investimento na confiança, demonstrados pelos actos de execução deste acordo (com a manutenção desta servidão) praticados também por aquele que pretende beneficiar da nulidade, constituindo a pretensão do ora recorrente um verdadeiro venire contra factum proprium”.
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Em conclusão:
- quanto ao recurso do A..
a) procede no segmento em que impugna a matéria de facto, passando os factos provados sob os n.os 12, 14 e 15 a ter a seguinte redação:
12- “Após os RR. adquirirem os prédios a (…), o Autor e os RR. acordaram verbalmente fazer uma permuta, em data não concretamente apurada, mas pelo menos em 25.06.2004, através da qual o A. cedia a propriedade do palheiro descrito em 2) e os RR. constituíam uma passagem de carro e trator com a largura de 3,5 m que incidia sobre o artigo (…), de modo a que o A. pudesse aceder desde a via pública até ao quintal do seu prédio descrito em 1).
14- “O A. circulou pela passagem descrita em 13) desde a data referida em 12) até os RR. construírem o muro, a pé e de carro para ter acesso ao quintal da sua casa de habitação, transportando lenha, materiais de construção e produtos do seu quintal, tais como hortaliça e frutas, bem como as alfaias agrícolas que se mostravam necessárias ao cultivo do quintal do prédio do A., fazendo o A. um uso diário, semanal e mensal para aceder ao logradouro do seu prédio”.
15- “A passagem descrita em 13), desde a data referida em 12), tem sido utilizada pelo A. de forma contínua, pública e pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, agindo o Autor convicto de que tinha o direito de aí passar a pé, de carro, tal como foi acordado entre A. e RR., ignorando o R. estar a lesar o direito de outrem, não lhe sendo exigível conhecer a potencial lesão”.
Mais se altera o ponto 21 dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
21- “Desde a data referida em 12) que o A. fazia uso recorrente da passagem descrita em 13), em virtude da permuta acordada com os Réus”.
b) procede, no segmento em que, quanto aos pedidos formulados na p.i.:
- se declara que no prédio dos RR. se constituiu por usucapião uma servidão de passagem a pé e de carro a favor do prédio do A. referido no artigo 1º da p.i.;
- se declara que tal servidão tem o comprimento aproximado de 12 metros e a largura de 3,5 metros, começando na estrada situada a nascente, seguindo no sentido nascente/poente e processando-se na extrema sul prédio rústico dos RR., inscrito na matriz sob o artigo (…), da secção (…), da freguesia de (…) até atingir a extrema do quintal do prédio urbano do A. (artigo …), onde a mesma flete para sul e entra no logradouro do prédio do A.;
- se condena os RR. a manter o caminho de servidão livre e desembaraçado em toda a sua extensão e, a expensas suas proceder à retirada do portão que implantaram no início da servidão junto à estrada e a manter esse espaço livre e desimpedido, bem como todo o espaço ocupado pela servidão em toda a extensão e cuja configuração consta assinalada no documento 14 junto com a p.i.: e
c) improcede, no segmento em que era pedida a condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização por danos morais, no valor de € 2.500,00, mantendo-se nessa parte a decisão recorrida.
d) considera-se prejudicada a apreciação do pedido formulado na al. b) da p.i.
- quanto ao recurso dos RR.,
a) procede, no segmento em que impugna a matéria de facto, nos seguintes termos: - o ponto 3 dos factos provados passará a ter a seguinte redação:
“3- O A. encontra-se na posse do prédio descrito em 1) há mais de 20 anos. Desde essa altura que tem cuidado e utilizado em seu benefício este prédio, habitando a casa descrita em 1), fazendo obras de reparação, pintando, plantando produtos hortícolas no quintal, tais como couves, alfaces, lavrando, adubando a terra e cuidando das árvores aí existentes, à vista de toda a gente, de forma pública e pacífica, sem oposição de ninguém, ignorando lesar direito alheio, agindo convencido que é dono do referido prédio”.
- no ponto 1, elimina-se a menção “(…) o qual foi adquirido pelo A. através de sucessão hereditária por óbito de (…), ocorrido em 30.01.1967, do qual o ora A. é único e universal herdeiro”;
- elimina-se o ponto 11;
- elimina-se o ponto 40.
b) procede, revogando-se a decisão recorrida no segmento em que reconhece que o Autor é dono e legítimo proprietário do prédio identificado em 2) da factualidade provada, condenando-se os Réus a reconhecerem-no;
c) procede, revogando-se a decisão recorrida no segmento em que condena os Réus, solidariamente a pagar ao Autor a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais.
IV. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em:
a)julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo A., revogando a decisão recorrida na parte em que absolveu os RR. dos pedidos formulados nas alíneas b) (última parte) e c) a h) da p.i. e, em consequência,
- declara-se que no prédio dos RR. se constituiu por usucapião uma servidão de passagem a pé e de carro a favor do prédio do A. referido no artigo 1º da p.i.;
- declara-se que tal servidão tem o comprimento aproximado de 12 metros e a largura de 3,5 metros, começando na estrada situada a nascente, seguindo no sentido nascente/poente e processando-se na extrema sul prédio rústico dos RR., inscrito na matriz sob o artigo (…), da secção (…), da freguesia de (…) até atingir a extrema do quintal do prédio urbano do A. (artigo …), onde a mesma flete para sul e entra no logradouro do prédio do A.;
- condena-se os RR. a manter o caminho de servidão livre e desembaraçado em toda a sua extensão e, a expensas suas, proceder à retirada do portão que implantaram no início da servidão junto à estrada e a manter esse espaço livre e desimpedido, bem como todo o espaço ocupado pela servidão em toda a extensão e cuja configuração consta assinalada no documento 14 junto com a p.i.;
- considera-se prejudicada a apreciação do pedido formulado na alínea b) da p.i..
b) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos RR. e, em consequência,
- revogar a decisão recorrida no segmento em que reconhece que o Autor é dono e legítimo proprietário do prédio identificado em 2) da factualidade provada, condenando os Réus a reconhecerem-no;
- revogar a decisão recorrida no segmento em que condena os Réus, solidariamente, a pagar ao Autor a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais.
c) julgar, no mais, parcialmente improcedentes os recursos interpostos por Autor e Réus e, nessa parte, confirmar a decisão recorrida.
*
As custas do recurso interposto pelo Autor serão suportadas na proporção de ¼ pelo Autor e ¾ pelos Réus.
As custas do recurso interposto pelos Réus serão suportadas na proporção de ¾ pelos Réus e ¼ pelo Autor.
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Notifique.
*
Évora, 13.11.2025
Miguel Teixeira
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Isabel Calheiros