OBJECTO DO RECURSO
REJEIÇÃO DO RECURSO
RECLAMAÇÃO CONTRA DESPACHO QUE NÃO ADMITIR OU RETIVER RECURSO
Sumário

Não constando das alegações de recurso o efeito pretendido com a apelação, não sendo formulada qualquer pretensão, é de concluir que existe um obstáculo ao conhecimento do objeto do recurso, o que conduz à respetiva rejeição.

Texto Integral

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

Os réus (…) e cônjuge, (…), reclamaram do despacho proferido na 1ª instância em 08-04-2025, que determinou se dê por não escrito o requerimento de alegações de recurso apresentado pelos Réus em 21.02.2025, por falta de pagamento da taxa de justiça devida e, consequentemente, declaro extinta a instância de recurso (através do qual impugnaram a sentença proferida em 04-01-2025).
Por despacho de 08-05-2025, decidiu a 1ª instância convolar a reclamação em recurso, tendo determinado a notificação dos recorrentes para, num prazo de 10 dias, aperfeiçoarem o seu articulado, em conformidade com uma peça de alegações de recurso, e providenciarem pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça (dado estar em causa um recurso).
Notificados, os apelantes apresentaram alegações em 22-05-2025.
O apelado apresentou contra-alegações, nas quais pugnou pela rejeição do recurso, sustentando, além do mais, que não consta das alegações de recurso o efeito pretendido com a apelação, não sendo formulada qualquer pretensão, nem cumprido o ónus de alegar e formular conclusões estabelecido no artigo 639.º do CPC.
O recurso foi admitido em 1ª instância.
Tendo sido suscitada a questão da inadmissibilidade do recurso nas contra-alegações apresentadas pelo apelado, determinou a ora relatora a audição dos apelantes, nos termos do disposto nos artigos 654.º, n.º 2 e 655.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, não tendo sido emitida pronúncia.
Foi proferida decisão singular, na qual, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC, se rejeitou o recurso, não se conhecendo do seu objeto.

Novamente inconformados, os apelantes requereram que recaísse acórdão sobre a matéria da decisão singular proferida, sustentando que a apelação deve ser admitida, pelos motivos que sintetizaram nas conclusões seguintes:
xvii. O despacho de que ora se reclama, indeferiu o recurso por alegada falta de inteligibilidade porque não cuidou de apurar devidamente todos os elementos que, embora desconectados semanticamente, o requerimento apresentado em 22 de Maio contém;
xviii. E porque errou ao desconsiderar a convolação do requerimento apresentado em 2 de Maio e não o considerar em conjunto com o apresentado em 22 de Maio de 2025;
ix. Incorrendo em erro de apreciação e formalismo excessivo, violando os princípios da tutela jurisdicional efetiva, da economia processual e da primazia da matéria sobre a substância;
x. O requerimento apresentado pelos ora reclamantes em 2 de maio de 2025, foi convolado em recurso; e
xi. Contém todos os elementos exigidos pelo artigo 639.º do CPC, incluindo fundamentos, pedido e conclusões;
xii. O requerimento apresentado em 22 de Maio de 2025, embora truncado, permite também, apurar, todos os elementos necessários à apreciação do recurso;
xiii. Mas além disso, não substitui o requerimento de 2 de Maio, complementa-o.
xiv. E, ambos os requerimentos devem ser considerados conjuntamente como “o recurso interposto do despacho do Juízo de Odemira, de 8 de abril de 2025”».
O apelado apresentou resposta, pugnando seja negado provimento à reclamação e mantida a decisão que rejeitou o recurso, pelos motivos que sintetiza nas conclusões seguintes:
«I – Os Recorrentes em 22.10.2025 apresentaram reclamação para a conferência dado o recurso apresentado por aqueles ter sido rejeitado por despacho de 09.10.2025, vindo de forma encapotada apresentar um novo recurso sob o título de reclamação para a conferência, onde consta matéria nova.
II – Os Recorrentes, apesar de devidamente notificados, nada disseram no prazo legal quanto ao teor do despacho do Venerando Tribunal da Relação datado de 17.09.2025.
III – Em 09.10.2025 foi proferia decisão de rejeição do recurso devidamente fundamentada e em que se conclui que “…os recorrentes não peticionam qualquer concreta alteração da decisão proferida, o que constitui um obstáculo ao conhecimento do objeto do recurso, dado que nada há a apreciar.”
IV – Os Recorrentes vêm agora em sede reclamação fazer um “novo recurso” para sanar questões insanáveis apresentando matéria nova,
V – Pretendem os Recorrentes que se conheçam de questões que não constam da decisão de rejeição, pedindo a reapreciação de uma peça que não foi aceite pelo tribunal a quo porque era extemporânea, e que só foi entregue depois do Recorrido ter apresentado as suas contra-alegações.
VI – O que consta da reclamação não pode ser objecto agora de reapreciação em sede de reclamação, pois a referida reclamação vai além das alegações de recurso, tentando agora os Recorrentes sanarem o que não pode já ser sanado, não podendo o Venerando Tribunal agora vir conhecer de uma peça que não foi admitida pelo Tribunal a quo.
VII – As reclamações apresentadas ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 3, do CPC não podem servir para aditar novos fundamentos ou questões.
VIII – Os Recorrentes pretendem é que a peça que entregaram em 02.05.2025, intitulada reclamação e que nunca foi notificada ao agora recorrido, peça essa que o Tribunal a quo mandou aperfeiçoar para recurso, seja aceite porque o tribunal a convolou de reclamação para recurso.
IX – O Recorrido só foi notificado das alegações de recurso dos Recorrentes entregues em 22.05.2025.
X – O Recorrido nunca foi notificado da reclamação entregue em 02.05.2025, pelo que, quando contra-alega pronuncia-se sobre as alegações de recurso entregues em 22.05.2025 e apenas tem conhecimento do que ali consta, nunca poderia pronunciar-se sobre um requerimento entregue nos autos em 03.06.2025, um dia após a entrega das contra-alegações pelo Recorrido.
XI – O Venerando Tribunal da Relação não pode conhecer agora de uma peça, sobre a qual o Recorrido nunca teve conhecimento nem se pronunciou, o que originaria uma ilegalidade com a preclusão do direito de contraditório do Recorrido, a que acresce que seria aceite uma peça, alegações de recurso, entregues posteriormente às contra-alegações.
XII – Mais uma vez, os Recorrentes, tentam de forma dilatória adiar o inadiável, impondo-se manter, na íntegra, a douta decisão que rejeitou o recurso, nada havendo, pois, a apontar à mesma.»
Cumpre apreciar se é de admitir o recurso de apelação interposto pelos réus.

2. Fundamentos

2.1. Tramitação processual
Relevam para a apreciação da questão decidenda, além do elencado no relatório supra, ainda os seguintes elementos constantes dos autos:
i) em 02-05-2025, os réus apresentaram reclamação do despacho proferido pela 1ª instância em 08-04-2025, que determinou se dê por não escrito o requerimento de alegações de recurso apresentado pelos Réus em 21.02.2025, por falta de pagamento da taxa de justiça devida e, consequentemente, declaro extinta a instância de recurso;
ii) por despacho de 08-05-2025, a 1ª instância decidiu o seguinte:
Requerimento de 02.05.2025
Visto, reclamação contra o despacho de não admissão do recurso em virtude da falta de pagamento da taxa de justiça, nos termos do artigo 643.º do Código de Processo Civil.
Sucede, todavia, que o recurso, não a reclamação, é a reação adequada contra o despacho que, por falta de pagamento após a notificação a que alude o artigo 642.º Código de Processo Civil, determina o desentranhamento das alegações de recurso (…)
Não obstante, desde que formulado atempadamente, nada obsta a que proceda à convolação do articulado no meio processual adequado.
No caso em apreço, o requerimento foi apresentado no prazo de interposição de recurso pelo que, nada obsta a que seja convolado em alegações de recurso.
Para o efeito, notifique o recorrente para, num prazo de 10 dias, aperfeiçoar o seu articulado, em conformidade com uma peça de alegações de recurso, e providenciar pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça (dado estar em causa um recurso).
Associe o Ilustre Mandatário do Recorrido ao presente apenso, sendo que, a Ilustre Mandatária do Autor deverá dar cumprimento ao artigo 221.º do Código de Processo Civil, iniciando-se aí o prazo de contra-alegações.
Notifique, ambas as partes.
iii) em 22-05-2025, os réus apresentaram requerimento no qual consignaram o seguinte:
«(…) e mulher, (…), casados no regime da comunhão geral de bens, residentes em Largo do (…), n.º 6-A, em (…), contribuintes fiscais números (…) e (…), réus no processo acima indicado, obedecendo ao despacho de 08.05.2025, com a ref.ª 35397877, vêm apresentar recurso do despacho acima também referenciado, que não admitiu o recurso interposto da sentença por entender ter havido “falta de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de alegações de recurso”, conforme alegações que seguem.»
iv) com o requerimento a que alude o ponto iii), os réus apresentaram alegações que terminaram com a formulação das conclusões seguintes:
«III. Conclusões
Deve o presente recurso observar o que segue:
1. Que o pagamento da taxa de justiça devida por imposição dos artigos 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 34/2008 e 139.º, n.º 5, alínea c), do Código do Processo Civil foi paga antes da apresentação do recurso da sentença (a taxa no valor de € 153,00 foi paga em 18-02-2025 e o valor de € 61,20 em 21-02-2025 e a peça deu entrada neste mesmo dia, 21-02-2025);
2. Que a prova deste pagamento foi feita antes do termo do prazo dos 10 dias concedidos no artigo 145.º deste mesmo Código para o efeito (em 27-02-2025 os comprovativos de pagamento e os DUC foram incorporados no citius;)
3. Que, por isso, não é devida multa pela falta de comprovação do pagamento, nos termos do artigo 642.º do CPC;
4. Que, a eventual irregularidade na comunicação entre os Réus e o Tribunal para apresentação dos DUC´s e respectivos documentos comprovativos foi sanada pela sua incorporação no sistema informático devido, a plataforma citius;
5. E, em data anterior ao termo do prazo de 10 dias que os Réus tinham para o efeito.»

2.2. Fundamentos jurídicos
Os réus (…) e cônjuge, (…), reclamaram do despacho proferido na 1ª instância em 08-04-2025, que determinou se dê por não escrito o requerimento de alegações de recurso apresentado pelos Réus em 21.02.2025, por falta de pagamento da taxa de justiça devida e, consequentemente, declaro extinta a instância de recurso (através do qual impugnaram a sentença proferida em 04-01-2025).
Por despacho de 08-05-2025, decidiu a 1ª instância convolar a reclamação em recurso, tendo determinado a notificação dos recorrentes para, num prazo de 10 dias, aperfeiçoarem o seu articulado, em conformidade com uma peça de alegações de recurso, e providenciarem pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça (dado estar em causa um recurso).
Em 22-05-2025, os réus, consignando pretenderem dar cumprimento ao determinado no despacho de 08-05-2025, apresentaram requerimento de interposição de recurso do despacho de 08-04-2025, acompanhado por alegações de recurso, nas quais não deduziram qualquer pretensão, tendo terminado com a formulação das conclusões supra transcritas no ponto iv) de 2.1..
Analisadas as alegações de recurso, verifica-se que assiste razão ao apelado, na parte em que sustenta, nas contra-alegações que apresentou, que não consta das alegações o efeito pretendido com a apelação, não sendo formulada qualquer pretensão, defendendo que tal obsta ao conhecimento do objeto do recurso.
Efetivamente, os apelantes não peticionam qualquer concreta alteração da decisão recorrida ou a respetiva anulação, não formulando pedido, nem indicando o efeito pretendido com a apelação.
Dispõe o artigo 639.º, n.º 1, do CPC, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, esclarecendo o n.º 2 do preceito as indicações que deverão constar das conclusões, nos casos em que o recurso versa sobre matéria de direito.
Explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 767-768) que “conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo”, acrescentando que deve ser incluído, na parte final, o resultado procurado.
No caso presente, os recorrentes não peticionam qualquer concreta alteração ou a anulação da decisão proferida, o que constitui um obstáculo ao conhecimento do objeto do recurso, dada a inexistência de qualquer pretensão a apreciar.
Na reclamação que deduziram da decisão singular proferida pela ora relatora, os apelantes sustentam que o requerimento de interposição de recurso deve ser complementado com o requerimento a que alude o ponto i) de 2.1., apresentado em 02-05-2025, no qual deduziram reclamação do despacho proferido pela 1ª instância em 08-04-2025.
No entanto, as alegações de recurso foram apresentadas de forma autónoma relativamente a tal requerimento, delas não constando qualquer remissão para o requerimento anteriormente apresentado, designadamente para efeitos de especificação do efeito pretendido com a apelação, que não consta das alegações de recurso notificadas ao apelado, conforme por este invocado nas contra-alegações que apresentou, sem resposta por parte dos apelantes, não obstante notificados para se pronunciarem, na sequência de despacho em que a ora relatora determinou a respetiva audição.
Nesta conformidade, não constando das alegações de recurso o efeito pretendido com a apelação, não sendo formulada qualquer pretensão, é de concluir que existe um obstáculo ao conhecimento do objeto do recurso, o que conduz à respetiva rejeição.
Impõe-se, assim, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alíneas b) e h), do CPC, rejeitar o recurso, não se conhecendo do seu objeto.

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em rejeitar o recurso interposto pelos réus, não se conhecendo do respetivo objeto.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
Évora, 13-11-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
José Manuel Tomé de Carvalho (1º Adjunto)
Mário João Canelas Brás (2º Adjunto)