EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
PERÍCIA
Sumário

1. O artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações abrange os solos que, se não fosse a sua classificação como zona verde ou de lazer ou a sua reserva para a implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos, seriam qualificados como aptos para a construção, face à sua localização, respectivas acessibilidades, desenvolvimento urbanístico da zona e infra-estruturas urbanísticas.
2. É o que se passa em relação a um terreno, situado na zona central de uma cidade (zona urbana consolidada), adquirido antes da entrada em vigor do PDM que o inseriu em área de implantação de uma infra-estrutura desportiva (estádio de futebol).
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Sumário: (…)


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

O Município de Portimão remeteu a juízo o processo de expropriação relativo ao prédio com a área de 14.000 m2, localizado na (…), freguesia e concelho de Portimão, onde se encontra implantado um estádio de futebol, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), cuja utilidade pública de expropriação foi declarada através de despacho de 18.06.2007, publicado no DR, II Série, de 28.06.2007.
São expropriados – após diversas habilitações de herdeiros – (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…).
Na fase arbitral, os árbitros haviam lavrado acórdão – em 10.06.2008 – classificando o prédio como solo apto para construção e atribuindo um valor de indemnização de € 1.910.422,00.
Os expropriados recorreram dessa decisão, pedindo que esse valor fosse fixado em € 4.900.000,00.
Após avaliação por peritos, foi proferida sentença – em 16.05.2019 – julgando o recurso dos expropriados improcedente e mantendo o valor indemnizatório atribuído da fase arbitral.
Interposto recurso pelos expropriados, por Acórdão desta Relação de 14.07.2020, transitado em julgado, foi aquela sentença anulada e ordenada “a ampliação da matéria de facto nos termos supra referidos, a fim de possibilitar a aplicação, ao cálculo do valor do solo, do critério previsto no n.º 2 do artigo 26.º (ou de se comprovar a impossibilidade manifesta da sua aplicação) se necessário com a realização de nova avaliação”.
Após reprodução do disposto no artigo 26.º, n.º 2, do Código das Expropriações – “o valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados…”), o Acórdão afirma o seguinte:
“Mas, desde já, diremos que não é este o último critério, a que se deve atender ab initio na fixação da justa indemnização por expropriação de solo apto para construção.
Do disposto dos n.ºs 2 e 4 do citado artigo 26.º, conclui-se que o legislador optou, no âmbito do Código das Expropriações aplicável ao caso em apreço, por não considerar o critério ou método do custo da construção como de aplicação preferencial, relegando a sua aplicação para segundo plano, assumindo, assim, tal aplicação um carácter supletivo, ou seja, só deverá ser tido em consideração caso se demonstre não ter sido possível, no caso concreto, fazer a aplicação do método supra aludido e referenciado no citado n.º 2 do artigo 26.º do CE.
Impõe a Lei, no n.º 3 do citado artigo 26.º, que a entidade expropriante solicite ao Ministério das Finanças “a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores”, com vista à aplicação do critério ou método previstos, no n.º 2 do aludido artigo.
Na tramitação dos presentes autos não há referências a que a entidade expropriante tenha solicitado a aludida lista, nem em qualquer momento se encontra justificado o uso, no âmbito da avaliação efectuada, do critério ou método do custo da construção em detrimento do critério ou método comparativo, imposto, como primordial, pela lei.
Por seu turno, também, o Julgador a quo, na decisão não invoca fundamento relevante ou bastante para a impossibilidade de recurso ao critério primordial, limitando-se a afirmar que em face da precisão legal referente à utilização da lista das transacções e das avaliações fiscais, “no caso dos autos, há que notar que tais elementos não constam do processo, não se vendo que a entidade expropriante os tenha solicitado, perante tal contexto, o uso do critério enunciado torna-se impossível”.
Ou seja, a reconhecida impossibilidade resulta da falta das listas no âmbito do processo de expropriação, que não foram solicitadas ao Ministério das Finanças, nem pela expropriante, conforme lhe era exigido pelo n.º 3 do artigo 26.º do CE, nem pelo tribunal, uma vez que ao verificar tal omissão de solicitação por parte da entidade expropriante, era curial, tendo em vista a aplicação de uma justiça material, que notificasse a expropriante para fazer a junção prevista na lei ou demonstrar tal impossibilidade ou, mesmo, oficiosamente, solicitar directamente as listas ao Ministério das Finanças.
Atendendo ao facto de a lei impor à entidade expropriante a obrigação desta solicitar aos serviços competentes do Ministério das Finanças o fornecimento das aludidas listas, solicitação esta, que não se mostra nos autos ter sido efectuada, impõe-se a anulação do processado, incluindo a decisão sob recurso, a fim de ser cumprido o disposto nos artigo 26.º, n.º 3, do Código das Expropriações, com vista a, posteriormente, possibilitar a avaliação, tendo por base, a comparação com os dados da lista, ou o método supletivo referido, sendo que, o recurso a este último tipo de avaliação, apenas, se impõe, para o caso de, efectivamente, se demonstrar, nos autos, a impossibilidade de se fazer uso do critério estabelecido como regra para o cálculo do valor do solo apto para construção.
Assim, face à anulação do processado deixa de ter interesse, atenta a inutilidade, a apreciação das demais questões suscitadas, designadamente a questão relativa à fixação da indemnização, efectuada pelo Tribunal a quo, decorrente da aplicação de critério supletivo, pelo que dela não se irá conhecer”.

Regressando os autos à primeira instância, foi obtida da Autoridade Tributária a lista das transacções e das avaliações fiscais corrigindo os valores declarados efectuadas na freguesia de Portimão e os respectivos valores.
Após as partes foram notificadas para indicarem os respectivos peritos, para realização de nova perícia.
Quer o expropriante, quer os expropriados, indicaram os respectivos peritos.
Determinada a realização de nova perícia, “com o mesmo alcance e objecto da anterior” – despacho de 08.06.2021 – os peritos apresentaram relatório pericial unânime, mantendo a classificação do solo como apto para construção, afirmando que não podia ser aplicado o método de avaliação previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 26.º do CE, sendo assim utilizado o critério do respectivo n.º 4, e concluindo assim que o valor do prédio a expropriar era de € 3.163.744,27.
Os peritos prestaram esclarecimentos solicitados pelo expropriante e – por despacho judicial, que ordenou a disponibilização das listas juntas pela AT e se, em face do seu teor, mantinham ou alteravam o valor fixado na perícia feita – os peritos prestaram o seguinte esclarecimento:
“Os peritos receberam uma listagem de prédios rústicos e urbanos, relativamente aos quais constam os seguintes dados: ano da declaração, n.º de registo, tipo (urbano ou rústico), freguesia, artigo, fracção, secção, arvore/coluna, área, valor do acto, quota parte, ano de actualização do VP e VP.
Não constam dessas listas as seguintes características, que permitiriam definir quais desses prédios têm idênticas características ao prédio expropriado, e que são os seguintes:
Relativamente aos prédios rústicos, quais os que se inserem em área classificada, no Plano Director Municipal de Portimão (na versão em vigor à data da DUP), como “Zonas de Ocupação Urbanística – Espaços Urbanos – Zonas Urbanas” ou como área classificada como destinada ao uso de “Infra-estruturas e equipamentos – Áreas de implementação de outros equipamentos – Zonas Desportivas”, e qual a área bruta de construção permitida ou prevista;
Relativamente aos prédios urbanos, quais os que são “terrenos para construção urbana”, e qual a área bruta de construção permitida ou prevista.
Conclusão: nas listas juntas ao processo pela ATA, não constam elementos definidores das características dos prédios listados, de modo a permitir a aplicação do critério referido artigo 26.º, n.ºs 2 e 3, do CE, pelo que os peritos mantêm o valor fixado na perícia feita.”

A sentença decidiu fixar a justa indemnização no montante de € 3.163.744,27, actualizável de acordo com a evolução do índice de preços do consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE relativamente ao local da situação do prédio, nos termos expressos no AUJ n.º 7/2001.
Inconformado, o expropriante recorre e conclui:
1. Na sentença proferida, o Tribunal a quo considerou o recurso interposto pelo expropriados como “parcialmente procedente”, fixando a “justa indemnização no montante de € 3.163.744,27”.

2. Ora, este montante foi acolhido pelo Tribunal a quo como “justa indemnização” a fixar aos Expropriados tendo como base na prova pericial realizada nos autos, mais concretamente com base nas conclusões alcançadas pelo relatório pericial de 20 de Maio de 2022, que corresponde ao segundo relatório pericial elaborado nos presentes autos.

3. Entende, porém, o ora Recorrente e Entidade Expropriante que o valor da “justa indemnização” a fixar nos presentes autos jamais poderia ter por base este segundo relatório pericial que foi elaborado e que, como tal, a sentença proferida padece de manifesto erro de julgamento.

4. Como bem se enuncia na decisão recorrida, “O primeiro passo para se determinar a dimensão da indemnização a arbitrar assenta na classificação do solo da parcela expropriada”, que no caso “se afigura como um solo apto para construção (cfr. artigo 25.º, n.º 1, alínea a) e 2, do CE). (…) Tal conclusão impõe que a ponderação do valor a atribuir aos expropriados pela expropriação se faça tendo em atenção o enunciado no artigo 26.º do CE”.

5. A este respeito, e ainda citando a decisão recorrida, “há que notar que os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira dispunha foram (na sequência da determinação do Tribunal, em face do decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora) juntos aos autos (…), ocorrendo que se não foram, num primeiro momento, atendidos na perícia de Maio de 2022 (como se alcança do ponto 4 da mesma (…) foram-no, num segundo momento, por via de determinação no processo, tendo os srs. Peritos vindo a tomar conhecimento das referidas listas e tendo, ante a posição das partes nos autos, vindo ainda explicitar no processo que: “(…) Não constam dessas listas as seguintes características, que permitiriam definir quais desses prédios têm idênticas características ao prédio expropriado (…). Conclusão: nas listas juntas ao processo pela ATA, não constam elementos definidores das características dos prédios listados, de modo a permitir a aplicação do critério referido no artigo 26.º, n.ºs 2 e 3, do CE, pelo que os peritos mantêm o valor fixado na perícia feita”.

6. Perante tal esclarecimento por parte dos senhores peritos, concluiu-se no sentido da “impossibilidade de se fazer uso do critério estabelecido como regra para o cálculo do valor do solo apto para construção” (conforme expressamente referiu o acórdão do TRE supra citado), o que significa que, segundo este mesmo acórdão, poderia recorrer-se legitimamente ao critério previsto no n.º 4 do artigo 26.º do CE para cálculo do valor do solo do prédio em apreço.

7. Ora, tal critério de avaliação do valor do solo apto para construção já havia sido utilizado pelos senhores peritos aquando da elaboração do primeiro relatório pericial, em que estes apuraram o valor da justa indemnização justamente ao abrigo do n.º 4 do artigo 26.º do CE e que apenas não foi atendido por não ter sido previamente esgotada a hipótese de aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 26.º do CE por falta de solicitação das listas previstas no n.º 3, o que levou a que o Tribunal da Relação de Évora tivesse determinado que, revogando desde logo a decisão proferida, fossem solicitadas tais listas da ATA para que os senhores peritos aferissem da possibilidade de aplicação do critério do n.º 2 do artigo 26.º do CE e, só perante tal impossibilidade, se voltasse então ao critério do n.º 4 do artigo 26.º do CE para cálculo do valor do solo em apreço.

8. Por esse motivo, e não se vislumbrando fundamento para a realização de nova avaliação pericial, foi requerida por parte da entidade expropriante a anulação desta segunda perícia realizada e que, ao invés, fosse tido em consideração o teor do primeiro relatório pericial realizado, no qual os senhores peritos já procederam à avaliação do solo em causa ao abrigo do critério previsto no n.º 4 do artigo 26.º do CE.

9. No entanto, apreciando o requerido pela ora Recorrente e Entidade Expropriante nos autos, o Tribunal a quo indeferiu o pedido formulado no sentido da anulação e desconsideração da segunda perícia realizada, decisão com a qual o Recorrente não pode de forma alguma conformar-se.

10. É que, além de numa primeira fase nem sequer se ter tido em consideração na nova perícia realizada as listas da ATA – que uma vez mais não tinham sido solicitadas –, verifica-se ainda que, quando os senhores peritos declararam nos presentes autos, já após análise destas listas, ser impossível proceder à aplicação do critério do n.º 2 do artigo 26.º do CE com base nestas listas, o Tribunal a quo deu a esta segunda avaliação realizada por parte dos senhores peritos uma finalidade e uma função que esta, à luz do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, não poderia ter.

11. Com efeito, em parte alguma deste acórdão se menciona que a perícia realizada padecia de qualquer erro em invalidade no que respeita à aplicação do critério do n.º 4 do artigo 26.º do CE, tendo sido apenas identificada e necessidade de, antes de aplicar aquele n.º 4, serem solicitadas as listas previstas no n.º 3 do artigo 26.º do CE para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 26.º do CE, o que, por conseguinte, este Tribunal da Relação veio determinar, anulando a decisão sob recurso.

12. Nesse sentido, a “Decisão” deste acórdão é clara: “decide-se anular a decisão proferida em 1ª instância e ordenar a ampliação da matéria de facto nos termos supra referidos a fim de possibilitar a aplicação, ao cálculo do valor do solo, do critério previsto no n.º 2 do artigo 26.º (ou de se comprovar a impossibilidade manifesta da sua aplicação), se necessário com a realização de nova avaliação”.

13. Ora, como se compreende, esta nova avaliação teria como objecto exclusivamente a verificação da possibilidade de aplicação das listas da ATA que não havia sido sequer solicitadas na primeira perícia realizada e não um “recomeçar do zero” como se o primeiro relatório pericial jamais tivesse existido.

14. Sucede que foi justamente nesse sentido que, indevidamente, foi determinada pelo Tribunal a quo uma “nova avaliação”, de tal forma que, veja-se, nem sequer haviam sido solicitadas as referidas listas do n.º 3 do artigo 26.º do CE.

15. Acto contínuo, perante a conclusão alcançada pelos senhores peritos de impossibilidade de aplicação do critério do n.º 2 do artigo 26.º do CE – que era o objectivo visado pela “nova avaliação” determinado pelo Tribunal da Relação de Évora – o Tribunal a quo entendeu que deveria ignorar a avaliação já realizada ao prédio no primeiro relatório pericial e acolher a segunda perícia realizada pelos senhores peritos, em que se aplicou exactamente o mesmo critério que havia sido aplicado na primeira perícia realizada – o do n.º 4 do artigo 26.º do CE.

16. Entende-se, pois, que esta decisão de proceder a uma segunda perícia para avaliação do solo apto para construção desrespeita frontalmente o determinado pelo Tribunal da Relação de Évora no seu acórdão de 14.07.2020, na medida em que excede totalmente aquilo que por este foi determinado e que, na perspectiva do Recorrente, se cingia apenas à verificação da possibilidade de aplicação do critério do n.º 2 do artigo 26.º do CE, ainda que tal pudesse implicar a realização de uma nova perícia para esse efeito, mas sem prejuízo de se regressar ao teor do primeiro relatório pericial elaborado no caso de se vir a concluir – como aconteceu – pela impossibilidade de aplicação do referido critério do n.º 2 do artigo 26.º do CE.

17. Nesse sentido, impugna-se por via do presente recurso a decisão do Tribunal a quo de indeferimento do pedido de anulação do Recorrente relativamente à segunda perícia realizada nos autos, mais se requerendo a V. Exas que, revogando tal decisão, declarem que, perante a conclusão de impossibilidade de aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 26.º do CE que foi alcançada pelos senhores peritos nos autos, se deverá atender ao teor da avaliação do solo realizada pelos senhores peritos e vertida para o primeiro relatório pericial constantes destes autos, com todas as legais consequências, concretamente com a consequente improcedência do recurso interposto pelos Expropriados e fixando-se a justa indemnização que lhes é devida no montante apurado pelo Acórdão Arbitral. Sem prejuízo do exposto, e em consequência,

18. Impugna igualmente o Recorrente a decisão proferida nos autos na medida em que o montante da justa indemnização que nela foi fixado, de € 3.163.744,27, teve por base a avaliação dos senhores peritos no segundo relatório pericial elaborado nos autos e não a avaliação vertida no primeiro relatório pericial, em que já havia sido aplicado o critério previsto no n.º 4 do artigo 26.º do CE, entendendo-se que o Tribunal a quo, pelos fundamentos supra mencionados, incorreu em erro de julgamento ao validar e atender ao teor desta segunda perícia realizada para apuramento do valor do solo em apreço.

19. Com efeito, invoca o Tribunal a quo na decisão recorrida que “no caso dos autos, há que notar que os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira dispunha foram (na sequência da determinação do Tribunal, em face do decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora) juntos aos autos (cfr. fls. 1065 e ss. do processo) (…) tendo os srs. Peritos vindo a tomar conhecimento das referidas listas e tendo, ante a posição das partes nos autos, vindo ainda (através da ref. 12479866), explicitar no processo que: (…) nas listas juntas ao processo pela ATA, não constam elementos definidores das características dos prédios listados, de modo a permitir a aplicação do critério referido artigo 26.º, n.ºs 2 e 3, do CE, pelo que os peritos mantêm o valor fixado na perícia feita”. Como tal e ante o enunciado, será, de facto, de apartar a aplicação do artigo 26.º, n.º 2, do CE, uma vez que as listagens juntas não permitem, como se salienta nos esclarecimentos prestados pelos srs. Peritos, ter em consideração as características dos prédios listados, não sendo, assim, de seguir por tal via, já que os elementos juntos aos autos não permitem a cabal aplicação do artigo em causa como os srs. peritos referem. Ultrapassada dessa forma, a aplicação do previsto no n.º 2 do artigo em causa é de convocar o seguimento do preceituado no artigo 26.º, n.º 4, do CE (…)”.

20. Perante tal conclusão, em cumprimento do determinado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido nestes autos, deveria ter sido invocado o teor do primeiro relatório pericial para efeitos de aferição do montante da justa indemnização a atribuir aos Expropriados nos autos, e não a segunda perícia realizada.

21. É, contudo, o relatório pericial de Maio de 2022 que se invoca na sentença recorrida, pronunciando-se esta no sentido de que “não se olvidando os termos em que o relatório de Maio de 2022 funda o valor alcançado no seu seio (num quadro em que chegou a fazer apelo a um estudo da envolvente num raio de 300 m2 (numa alusão ao artigo 26.º, n.º 12, do CE), sem deixar de apelar aos custos da construção e ao tipo de construções envolventes (como já decorria do anterior relatório) o facto é que não vislumbramos motivo para nos afastarmos do valor agora apurado, que sendo diverso do apurado no anterior relatório, não deixa de seguir, nos seus fundamentos, o mesmo com relativa proximidade, reflectindo, desta feita, uma unanimidade anteriormente não alcançada que julgamos dar nota da bondade do valor apurado que se mostra concordante com os critérios legais estabelecidos”.

22. Com o devido respeito que o douto Tribunal a quo nos merece, não pode, contudo, o Recorrente conformar-se com o decidido no sentido de validar e ter em consideração a segunda perícia realizada, ao invés do primeiro relatório pericial realizado, entendendo-se que, desde logo, tal decisão é violadora do disposto no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.07.2020, do qual resultava, pois, insiste-se, primeiro a aplicação preferencial do critério de avaliação previsto no n.º 2 do artigo 26.º do CE, por recurso às listas da AT previstas no n.º 3 do mesmo artigo e, caso se constatasse uma impossibilidade de aplicação daquele critério primordial, então a avaliação deverá ser realizada tendo em consideração o critério supletivo previsto no n.º 4 do artigo 26.º do CE.

23. Acontece que, no entender do Recorrente, e conforme já exposto supra, não foi esta a leitura que o douto Tribunal a quo fez do sentido decisório do referido acórdão do Tribunal da Relação de Évora e que, por isso, se considera ter dado origem a uma decisão ilegal e inadmissível, inquinada de manifesto erro de direito por ter atendido para o apuramento do valor da justa indemnização ao teor da segunda perícia realizada e não à avaliação plasmada no primeiro relatório pericial, em que já se havia procedido à aplicação do n.º 4 do artigo 24.º do CE.

24. Com efeito, à luz do acórdão do Tribunal da Relação de Évora a que se aludiu, uma nova avaliação só teria sentido para aferir da possibilidade de aplicação do critério do n.º 2 do artigo 26.º do CE, e não de forma incondicionada e independentemente do seu resultado (concretamente, se seria ou não possível aplicar o critério do n.º 2 com recurso às listas da ATA até então omissas nos autos).

25. Foi, no entanto, determinada a realização de uma nova perícia para dar cumprimento ao determinado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que culminou na elaboração do relatório pericial de 20 de Maio de 2022, que veio ainda a ser objecto de esclarecimentos apresentados em 13 de Setembro de 2022.

26. Dando cumprimento ao referido despacho, os senhores peritos responderam, em conclusão, a 15.05.2024, e já tendo em consideração as listas o n.º 3 do artigo 26.º do CE, que “nas listas juntas ao processo pela ATA, não constam elementos definidores das características dos prédios listados, de modo a permitir a aplicação do critério referido no artigo 26.º, n.ºs 2 e 3, do CE, pelo que os peritos mantêm o valor fixado na perícia feita”.

27. Perante o exposto, e tendo em conta que os senhores peritos vieram concluir e declarar justamente, na resposta emitida a 15.05.2024, a impossibilidade de proceder à aplicação do critério do n.º 2 do artigo 26.º do CE no cálculo do valor do solo em apreço, significa que – seguindo uma vez mais o determinado pelo Tribunal da Relação de Évora no seu acórdão – se esgotou o objecto do determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

28. No entanto, ao atender-se ao teor do segundo relatório preliminar em mais do que meramente quanto à impossibilidade de aplicação do critério do n.º 2 do artigo 26.º do CE, excedeu-se o objecto do referido acórdão de forma ilegal e inadmissível, porquanto, sob as vestes de uma mera verificação da possibilidade de aplicação do critério do n.º 2 do artigo 26.º do CE, aproveitou-se para se proceder a uma segunda avaliação do solo que, em teoria e como veio a verificar-se, sempre poderia resultar num montante indemnizatório superior ao apurado no primeiro relatório pericial elaborado nos autos.

29. Nesta conformidade, e em face de tudo quanto se deixou exposto, não se vislumbra qualquer razoabilidade ou sequer fundamento legal na decisão do douto Tribunal a quo ao atender ao teor do segundo relatório pericial elaborado já depois de se concluir pela impossibilidade de aplicação do n.º 2 do artigo 26.º do CE, entendendo o Recorrente que o cumprimento do disposto no acórdão do Tribunal da Relação de Évora apenas admitia que, perante tal impossibilidade, se atendesse, então, ao teor do relatório pericial já elaborado nos autos ainda antes da prolação de tal acórdão e onde já se havia aplicado o critério do n.º 4 do artigo 26.º do CE.

30. Mais ainda quando, para cúmulo, até se reconhece na sentença recorrida – que tem por base a justa indemnização apurada no segundo relatório final – que o valor do relatório de 2022 “não difere em muitos pontos, como se notou, do anterior relatório”.

31. Com efeito, ao determinar-se a realização de uma segunda perícia em termos totalmente distintos do determinado pelo referido acórdão, os senhores peritos procederam simplesmente a uma reavaliação do imóvel em circunstâncias em que tal não lhes foi determinado e que, em bom rigor, não são admissíveis.

32. Pois, como resulta claramente do referido acórdão, foi determinada uma ampliação da instância apenas e tão só para cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 26.º do CE, e não para que se realizasse uma nova avaliação do imóvel de acordo com os mesmos critérios que já haviam sido aplicados no primeiro relatório pericial.

33. Nesse sentido, perante a constatação da impossibilidade de aplicação do critério previsto no n.º 3 do artigo 26.º do CE, não haveria lugar à realização de uma segunda avaliação, deveria registar-se nos autos tal constatação de impossibilidade e, consequentemente, ser perfilhado pelo Tribunal a quo o teor da avaliação constante do primeiro relatório pericial elaborado, fixando-se, porém, como da justa indemnização o montante de € 1.910.422,00 (um milhão e novecentos e dez mil, quatrocentos e vinte e dois euros) resultante do Acórdão Arbitral e não o valor apurado neste primeiro relatório pericial em face do princípio da reformatio in pejus, improcedendo, em suma, com base em todo o exposto, o recurso interposto.


Os expropriados (…), (…), (…), (…) e (…), contra-alegaram, afirmando que o expropriante não interpôs recurso do despacho que determinou a segunda perícia, nem reagiu em tempo contra o âmbito da mesma, assim como também não interpôs recurso do despacho que indeferiu o seu pedido de anulação da segunda perícia, e dizendo, ainda, que nos autos verifica-se a existência de dois laudos periciais, um elaborado por unanimidade e o outro com voto de vencido, sendo que o parecer que reúne consenso entre o colégio de peritos é o que confere maior certeza e credibilidade ao juízo técnico.
Já os expropriados (…), (…), (…) e (…), contra-alegaram e deduziram recurso subordinado, nos seguintes termos:
A) Inadmissibilidade do recurso
1. O artigo 644.º-2, do CPC sujeita a recurso de apelação autónomo, a interpor no prazo geral de 15 dias e a subir imediatamente em separado, o despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova.
2. A nova prova pericial foi ordenada pelo juiz do processo por despacho de 13.4.21 e o seu objecto foi oficiosamente definido por despacho de 8.6.21, em conformidade com o artigo 476.º-1, do CPC e o artigo 61.º, do CE, nºs 2 e 3, sem qualquer objecção da expropriante.
3. Esse objecto coincidia como da perícia anterior, anulada pelo TRE em apelação, abrangendo explicitamente matéria respeitante ao método subsidiário de avaliação dos n.º 4 a 12 do artigo 26.º do CE, sem prejuízo da solicitação, dirigida na mesma altura pelo tribunal à AT, do fornecimento de elementos que permitissem aos peritos a aplicação do método principal do n.º 2 do mesmo artigo.
4. Ficava assim prevenida pelo tribunal, em conformidade com o princípio da economia processual, a hipótese de, para a única perícia a realizar em substituição da anulada, não se poder vir a contar, como na prática em regra acontece, com elementos suficientes para a aplicação do critério principal.
5. O objecto da prova pericial, pré-definido em despacho judicial, constitui elemento essencial deste meio de prova, como resulta das disposições gerais dos arts. 475.º-1, 476.º e 477.º do CPC e das disposições especiais dos artigos 58.º-1 (com remissão para o artigo 475.º do CPC), 60.º-1, in fine e 61.º-3, do CE.
6. A expropriante não recorreu em tempo do despacho que ordenou a perícia com o referido objecto, pelo que esse despacho formou caso julgado formal, não podendo agora ser posto em causa.
7. Aliás, todo o comportamento posterior da expropriante foi de colaboração para a realização da perícia, incluindo quando, notificada do relatório pericial, pediu vários esclarecimentos sobre as respostas dadas pelos peritos sobre matéria respeitante à aplicação do critério do “custo da construção”.
8. Só em 15.2.23 a expropriante sustentou pela 1ª vez a anulação do relatório pericial, com fundamentação circunscrita ao facto de a perícia ser inadmissível sem a apreciação dos dados fornecidos pela AT (questão também levantada pelos expropriados, mas sem qualquer consequência anulatória).
9. Tendo sido recusada, em 7.5.24 (com notificação expedida em 9.5.24), a anulação e ordenado que os peritos considerassem os elementos fornecidos pela AT, a expropriante, após a resposta unânime dos peritos sobre a inaproveitabilidade deles, veio a sustentar, em 3.6.24, a nulidade da perícia e a exclusiva consideração do resultado da perícia anulada pelo TRE.
10. É, pois, extemporâneo o presente recurso de apelação, que deve ser julgado inadmissível.
B) Conformidade com a decisão do TRE
11. De qualquer modo, a nova avaliação foi feita em inteira conformidade com o determinado pelo TRE, que ordenou a sua realização para consideração dos elementos a fornecer pela AT ou, se fosse o caso, para aplicação do método supletivo dos nºs 4 a 12 do artigo 26.º do CE, como resulta da parte decisória do acórdão, a interpretar tendo em conta a sua fundamentação (nomeadamente no penúltimo parágrafo), os elementos racionais resultantes da anulação da perícia e da sentença anteriores e os poderes do juiz na interpretação e aplicação do direito, com consideração dos fundamentos do anterior recurso que não chegaram a ser apreciados e permaneciam por isso em aberto.
12. Devendo o juiz apreciar os meios de prova dos factos controvertidos segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, cabia-lhe, na terminologia do TRE, apurar da “necessidade” de realizar para tanto nova avaliação, tidos em conta, designadamente, os argumentos desenvolvidos pelas partes na anterior apelação.
13. Nem faz sentido a interpretação dada pela expropriante à expressão “se necessário” (só se os elementos da AT se revelassem úteis): se o seu objecto devesse ser entendido como circunscrito à pronúncia sobre os elementos carreados ao processo pela AT, a avaliação seria sempre necessária, pelo que se tornaria incompreensível a alternativa usada no acórdão (“comparação com os dados da lista ou o método supletivo”; “ampliação da matéria de facto (…) a fim de possibilitar a aplicação, ao cálculo do valor do solo, do critério previsto no n.º 2 do artigo 26.º (ou de se comprovar a impossibilidade manifesta da sua aplicação), se necessário com a realização de nova avaliação”; “este último tipo de avaliação apenas se impõe para o caso de (…) se demonstrar (…) a impossibilidade de fazer uso do critério estabelecido como regra”).
14. Aliás, estando por apreciar, e não tendo precludido, as restantes questões jurídicas levantadas nas alegações da anterior apelação, seria contrária aos princípios da economia processual, do aproveitamento dos actos potencialmente úteis do processo e da observância do prazo razoável para a decisão a solução de entender que o tribunal de comarca estava impedido, após a anulação do processado, incluindo sentença e perícia, pelo tribunal da relação, de ordenar nova perícia e proferir decisão baseada em outros pressupostos jurídicos, sendo que seria previsível novo recurso dos expropriados perante decisão da comarca que fosse idêntica à primeira e que tal poderia implicar, com grande probabilidade, se o recurso tivesse acolhimento, mais uma futura avaliação a ordenar pelo TRE, quando é facto que a actualmente em causa já teve em conta que, em consequência da aplicação do artigo 26.º-12, do CE, não são aplicáveis ao caso os índices do artigo 45.º-3, do PDM de Portimão, no qual (aliás, por confessado – na inquirição realizada – comodismo dos peritos) a avaliação anulada se baseara, em perspectiva jurídica bem diversa da nova avaliação.
15. A nova avaliação teve, pois, lugar em inteira conformidade com o determinado pelo TRE na anterior apelação, sendo de realçar que:
- A sentença recorrida, ao contrário da anterior, que o realça como ponto essencial a ter em conta no apuramento do valor da indemnização, não faz qualquer referência ao critério (inaplicável) do artigo 45.º do PDM de Portimão;
- A sentença recorrida realça, ao invés, a norma do artigo 26.º-12, do CE, não só quando (como faz a anterior) reproduz o seu conteúdo, mas sobretudo quando dá ênfase, nos dois últimos parágrafos da fundamentação, ao estudo da zona envolvente do prédio expropriado, apresentado no relatório da nova avaliação e só considerado na anterior avaliação pelo perito dos expropriados – assim substituindo o anterior apelo às normas do PDM pelo apelo à norma do artigo 26.º-12, do CE, que a sentença anterior entendera não se aplicar por falta de elementos para o efeito;
- Embora o tribunal não esteja vinculado a perfilhar as conclusões dos peritos, o laudo pericial agora obtido tem a enorme vantagem de ter sido obtido por unanimidade, tendo os cinco peritos convergido na ponderação dos elementos de facto apurados à luz do artigo 26.º-12, do CE;
- O principal ponto da impugnação da apreciação dos factos feita pelos expropriados na anterior apelação consistiu em não ter sido considerada, nem pelos peritos, nem pelo tribunal no n.º 1 dos factos provados, a aquisição do prédio pelos antecessores dos expropriados (de quem estes herdaram) em 12.1.59, data muito anterior à entrada em vigor do PDM, consideração essa que teve agora explicitamente lugar no despacho proferido em 30.1.25 após pedido de reforma da sentença pelos expropriados, o qual deixou expressamente consagrado que o documento registal para que remete aquele n.º 1 ocupa fls. 754 a 766 (e não só 764 e ss), assim dando como assentes, de acordo com a reclamação feita, todas as inscrições que integralmente transcreve.
16. Acresce que, não podendo o tribunal ordenar 2ª perícia de avaliação em processo de expropriação, mas sendo-lhe permitido anular a avaliação efectuada (ac. TRL de 23.3.95, CJ, II, pág. 88), nomeadamente por insuficiências do relatório pericial, seria admissível no caso concreto que o próprio tribunal ordenasse a realização de nova perícia para prova dos pontos de facto, como os respeitantes à zona envolvente de 300 metros, que possibilitariam a aplicação da norma do artigo 26.º-12, do CE – não se compreendendo que o mesmo não pudesse ocorrer após a anulação da perícia deficiente em apelação.
17. Não estando em causa no presente recurso, delimitado pelo objecto da alegação da recorrente, questões de fundo relativas à justiça e à adequação do valor encontrado na nova avaliação por via dos critérios nesta utilizados, o recurso, se fosse admissível, teria de ser julgado improcedente.
C) Definitividade da decisão de facto
18. Improcedente seria igualmente o recurso por não ter sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto na parte em que diverge da que fora dada como assente na sentença revogada, com total inobservância do artigo 640.º do CPC.
19. Efectivamente, não só a redacção dos factos nºs 1 e 22 diverge da dos factos correspondentes dados como provados na anterior sentença, mas também, dentro do capítulo “fundamentação de direito”, foram dados como assentes, no texto e nas notas 19 a 22, factos resultantes das respostas dadas no relatório da nova perícia e dos depoimentos produzidos em inquirição, todos sujeitos à livre apreciação do julgador.
20. A desconsideração do resultado da avaliação não pode, pois, atingir estes factos definitivamente assentes, em que a sentença recorrida se baseou sem que a recorrente haja esboçado pôr em cheque as inferências jurídicas deles extraídas.
D) À cautela, no entanto, para o caso, de todo improvável, de outro entendimento do TRE, que repristine o resultado da anterior avaliação.
21. Os peritos maioritários erraram ao aplicar o critério do artigo 45.º-3, do PDM de Portimão, que não prevalece sobre as normas do CE e que, aliás, se aplica tão-só a prédios situados em área urbanizável, aplicando-se antes aos situados em área urbana consolidada, de acordo com os artigos 36.º e 37.º do PDM, os artigos 38.º a 44.º do PDM.
22. Dada a anterioridade da aquisição do prédio pelos antecessores dos expropriados, há que aplicar o critério da envolvente do artigo 26.º-12, do CE (apuramento da média aritmética dos valores dos edifícios na envolvente de 300 metros), o que só é feito no relatório do perito minoritário (com base nos elementos colhidos pelos cinco peritos), e, se se pretendesse que os factos colhidos na 2ª avaliação a este propósito e acolhidos na decisão recorrida não poderiam ser considerados, deveria considerar-se que aqueles que foram trazidos ao processo pelo Eng. (…) seriam suficientes para aplicar no caso o COS de 1,50, inferior ao que seguramente resulta do apuramento estatuído pelo artigo 26.º-12, do CE, com a consequência, com a aplicação do CAS de 0,30 e dos valores e percentagens acordados pelos peritos, de se apurar a indemnização de € 3.889.953,32, referida à data da expropriação.
23. Perante o erro grosseiro consistente em afastar o critério legal aplicável para lhe preferir um outro, arbitrariamente tido por “razoável”, o tribunal de recurso, verificada a justeza do critério seguido pelo perito minoritário, deveria, se não se decidisse pela anulação da decisão de facto e de direito e a repetição da perícia, perfilhar as conclusões desse perito e atribuir aos recorrentes, comproprietários do prédio expropriado, metade daquela indemnização.
24. No entanto, os recorridos aceitam o montante, inferior a esse, resultante, na nova avaliação, da utilização de valores de referência inferiores aos da avaliação anterior, valores esses, aliás, perfilhados na sentença recorrida como integrando o substrato fáctico em que a decisão assentou (cfr. nota 19 e, na pág. 24, o parágrafo iniciado em “Por tal via”).
E) Actualização do valor da indemnização
25. A actualização desse valor há de ser feita nos termos explicitados no acórdão uniformizador n.º 7/2001, tido, porém, em conta, quanto à parte respeitante à parcela do montante atribuído pelos árbitros excluída do recurso judicial, que a sua retenção para além do momento do despacho que disponibilizou o seu levantamento só pode ter lugar na medida exigida pela garantia das custas prováveis do processo.
26. Essa medida foi excedida pelo despacho de 9.5.24, que julgou dever ser retida toda a quantia respeitante à actualização até ao trânsito em julgado da última decisão sobre o montante da indemnização, no caso concreto a decisão sobre a parcela que permanece controvertida, quando, para o efeito do artigo 24.º-1, CE, toda a decisão (dos árbitros, da 1ª instância ou da Relação) que transite, total ou parcialmente, em julgado constitui uma decisão final.
27. Não tendo sido, consequentemente, proporcionada a entrada do montante da actualização no património dos expropriados após a decisão dos árbitros, na parte transitada em julgado, o despacho de 9.5.24 violou o artigo 24.º-1, CE, com enriquecimento indevido da expropriante, devendo continuar a proceder-se à actualização, limitada ao acréscimo resultante da actualização dessa parcela da indemnização, em função da evolução do índice de preços no consumidor, exceptuada a habitação, publicado pelo INE, até que seja efectivamente proporcionado o seu levantamento aos expropriados subordinadamente recorrentes.

Cumpre-nos agora decidir.

O relevo factual apurado na sentença e não impugnado é o seguinte:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz cadastral urbana sob o n.º (…), da Freguesia e Concelho de Portimão, um prédio com a área total de 14.000 m2.
2. Por despacho do Exm.º Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, de 18/06/2007, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 123, de 28 de Junho de 2007, foi declarada a utilidade pública, com carácter urgente, do prédio com a área de 14.000 m2, localizado na (…), Freguesia e Concelho de Portimão, onde se encontra implantado o equipamento desportivo – estádio de futebol.
3. O prédio referido em 1 tem uma forma geométrica poligonal, com declive suave, e é enquadrado por 3 vias públicas pavimentadas, estando inserido em malha urbana da Cidade de Portimão.
4. O prédio referido em 1 é constituído por estádio de futebol e anexos, com as seguintes confrontações: Norte – Rua (…) e Rua Prof. Dr. (…) ; Sul – Viveiro Municipal; Nascente – Av. (…); Poente: Rua do (…).
5. Num raio de 300 m em redor do prédio referido em 1 as cérceas são variadas, existindo algumas moradias unifamiliares com 1 e 2 pisos acima do solo e edifícios com cérceas entre os 2 e os 14 pisos acima do solo, sendo mais comum os edifícios com 4 a 6 pisos, possuindo alguns dos edifícios piso térreo destinado a comércio.
6. Existem também alguns edifícios com serviços públicos, nomeadamente, o edifício da Câmara Municipal, o edifício dos serviços municipalizados, a esquadra de Polícia, a Biblioteca Municipal, o Tribunal, o edifício do cinema e instalações desportivas.
7. O prédio referido em 1 situa-se em local central da Cidade de Portimão.
8. É marginado por três vias públicas de acesso rodoviário, pavimentadas e betuminoso com passeios em toda a sua extensão.
9. Estas vias públicas estão equipadas com rede de abastecimento domiciliário de água, energia eléctrica em baixa tensão, gás natural, telefone e televisão por cabo, bem como com redes de saneamento, ligado a estação depuradora e de drenagem de águas pluviais, todas com ramais e colectores em serviço junto ao prédio.
10. Estas redes servem o estádio construído no terreno e têm características adequadas para servir as edificações urbanas que na parcela fossem erguidas.
11. O prédio goza de boas ligações a outras zonas da Cidade e de fácil acesso às principais artérias da Cidade.
12. A Av. V6 (principal via de penetração na Cidade) situa-se a cerca de 480 m do local.
13. O prédio integra-se em espaço de área urbana consolidada.
14. O local goza de boa exposição solar, apresentando a envolvente tráfego automóvel considerável estando sujeita a poluição sonora.
15. A área bruta de construção possível acima do solo seria de 7.000 m2.
16. Seria possível edificar 5.950 m2 de área bruta privativa, sendo que o n.º de fogos e de espaços destinados a comércio e serviços dependeria das decisões tomadas aquando da elaboração do projecto para o local.
17. A área de implantação máxima seria de 4.200 m2.
18. Hipoteticamente e caso se optasse por uma solução arquitectónica em que o piso térreo se destinaria a comércio e serviços, a sua área bruta privativa seria de 3.570 m2 (4.200 m2 x 85%).
19. Se cada espaço comercial tivesse, em média 100 m2, o n.º de espaços destinados a comércio e serviços seria de 35 unidades.
20. Na zona, as fracções habitacionais de tipologia T2 têm cerca de 90 m2 de área bruta privativa e as fracções de tipologia T3 têm cerca de 115 m2 e uma vez que eram estas as tipologias com maior procura, seria possível edificar 23 fogos habitacionais (5.950 m2 - 3.570 m2/100 m2).
21. Caso se optasse por uma solução em que apenas haveria uma componente habitacional o n.º de fogos habitacionais (entre T2 e T3) seria de cerca de 59 unidades (5.950 m2 / 100 m2).
22. À data da DUP o prédio encontrava-se localizado em área classificada no PDM de Portimão como “Zonas de ocupação urbanística – espaços urbanos – Zonas urbanas” e sobreposta/adjacente com área classificada como destinada ao uso de “Infra-estruturas e equipamentos – Áreas de implementação de outros equipamentos – Zonas desportivas” e caso não se encontrasse com esta classificação teria a classificação de Zona urbana Consolidada e possuiria condições para a construção de condomínios fechados, com aproveitamento da parte da frente para instalação de comércio e serviços.
23. À data da DUP, os valores de mercado praticados na zona para imóveis habitacionais novos variava entre os € 1.200,00/m2 de área bruta privativa e os € 1.400,00/m2 de área bruta privativa.
24. É possível segundo o PDM a edificação de novos edifícios na envolvente do prédio referido em 1 com perímetro situado a 300 m do limite deste.
25. O valor médio por m2 do custo de construção de edifícios de construção corrente, praticado na zona no ano de 2007, variava entre € 625,00/m2 e € 650,00/m2.

Aplicando o Direito.
Da avaliação do solo apto para construção
Em termos essenciais, o expropriante alega que foi desrespeitado o determinado no anterior aresto desta Relação, pois não sendo possível a utilização das listas de transacções e de avaliações a que se refere o artigo 26.º, n.ºs 2 e 3, do CE, o que havia a fazer era, tão só, repristinar a anterior avaliação.
No entanto, para além da nova avaliação ter sido determinada por despacho judicial devidamente notificado às partes e do qual não recorreram – pelo que transitou em julgado, visto que do mesmo podia ser interposta apelação autónoma, face ao disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil – o expropriante olvida que a questão da fixação da indemnização, nomeadamente a aplicação do critério de avaliação previsto no n.º 12 do artigo 26.º do CE, continuava em aberto.
Esta questão havia sido expressamente colocada pelos expropriados na apelação que deduziram em relação à 1ª sentença, e quanto à mesma o Acórdão de 14.07.2020 não se pronunciou, atenta a sua inutilidade, face à solução dada à primeira questão colocada naquela apelação – cfr. o último parágrafo da fundamentação de Direito do Acórdão, supra reproduzido.
Logo, estando por apreciar a questão relativa à aplicação do critério previsto no artigo 26.º, n.º 12, do CE, a primeira instância podia – e devia, face aos princípios da economia processual e do aproveitamento dos actos potencialmente úteis à decisão da causa – determinar a realização de nova avaliação, de modo a permitir a resolução desta questão.
Não só o anterior Acórdão havia deixado em aberto e a possibilidade de “realização de nova avaliação” – parte final do dispositivo – como a mesma se revelava absolutamente necessária à decisão da causa.
Quanto ao critério de avaliação utilizado pelos peritos na segunda avaliação, o expropriante nada diz de relevante – a sua alegação respeita ao afastamento total da segunda avaliação, por apenas poder ser utilizada a primeira, e já vimos que este argumento não procede.
De todo o modo, sempre diremos que acompanhamos a sentença quando afirma o seguinte:
(…) não se olvidando os termos em que o relatório de Maio de 2022 funda o valor alcançado no seu seio (num quadro em que chegou a fazer apelo a um estudo da envolvente num raio de 300 m (numa alusão ao artigo 26.º, n.º 12, do CE), sem deixar de apelar aos custos da construção e ao tipo de construções envolventes (como já decorria do anterior relatório) o facto é que não vislumbramos motivo para nos afastarmos do valor agora apurado, que sendo diverso do apurado no anterior relatório, não deixa de seguir, nos seus fundamentos, o mesmo com relativa proximidade, reflectindo, desta feita, uma unanimidade anteriormente não alcançada que julgamos dar nota da bondade do valor apurado que se mostra concordante com os critérios legais estabelecidos.
Nestes termos, julgamos que o valor alcançado é ajustado em face do apurado nos autos, sendo certo que tem as virtudes e os defeitos de qualquer valor que é sempre e em última análise um valor com um certo grau de subjectividade que se procurou ultrapassar no quadro dos autos, dentro do possível (sendo certo que o Tribunal decidiu acolher o valor do relatório de 2022, ante a sustentação espelhada no mesmo, obtida por unanimidade, que não diferindo em muitos dos pontos, como se notou, do anterior relatório, veio apresentar um enquadramento que, efectivamente, se sustenta num estudo da zona em que prédio se encontra, também com acesso às listagens da Autoridade Tributária e Aduaneira não disponíveis no anterior relatório)”.
Com efeito, atendendo que o prédio foi adquirido pelos antecessores dos expropriados já no longínquo ano de 1959 – cfr. a certidão predial junta aos autos – e que foi destinado a equipamento público (zona desportiva) pelo PDM de Portimão de 1995 (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/95, de 07/06), haveria lugar à aplicação do disposto no artigo 26.º, n.º 12, do CE, como procederam os peritos na segunda avaliação, por unanimidade, calculando o valor do solo “em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”.
Na verdade, está apurado que, não fosse essa classificação atribuída pelo PDM de 1995, a parcela integrava-se em zona urbana consolidada (zona central de Portimão), possuindo condições para a construção de condomínios fechados, com aproveitamento da parte da frente para instalação de comércio e serviços – ponto 22 dos factos provados.
Como nota Salvador da Costa – in Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, 2010, pág. 188 – o artigo 26.º, n.º 12, abrange “os solos que, se não fosse a sua classificação como zona verde ou de lazer ou a sua reserva para a implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos, seriam qualificados como aptos para a construção, face à sua localização, respectivas acessibilidades, desenvolvimento urbanístico da zona e infra-estruturas urbanísticas”.
Cumprindo este desiderato, os peritos verificaram a construção existente nesse perímetro de 300 m, e com base nesse factor determinaram o custo de construção para o ano de 2007 e para a zona, que calcularam em € 553,61 por metro quadrado de área bruta, sendo o valor do estacionamento em cave de 70% desse valor, ou seja, € 387,53/m2, apuraram o coeficiente de ocupação do solo de 1,50 e o coeficiente de afectação do solo de 0,30, determinaram o índice fundiário em 23% (n.ºs 6 e 7 do artigo 26.º do CE), calcularam em 5% o acréscimo do custo de construção resultante da demolição das construções já existentes e recolha do entulho (n.º 8 do artigo 26.º), estimaram em 15% o factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva (n.º 10 do artigo 26.º), e em consequência calcularam o valor da indemnização pelo seguinte método:
· Valor da construção:
o Área de construção acima do solo: 14.000 m2 x 1,5 = 21.000 m2
o Área de construção em cave para estacionamento: 14.000 m2 x 0,30 = 4.200 m2
o Valor da construção: (21.000 m2 x € 553,61) + (4.200 m2 x € 387,53) = € 13.253.436,00
· Valor do solo:
o Valor da construção x índice fundiário (23%) x factor correctivo pela inexistência de risco (15%) x acréscimo de custo pela demolição e recolha de entulho (5%), o que equivale à seguinte equação: € 13.253.436,00 x 0,23 x 1,15 x 0,95 = € 3.330.257,13;
· Valor total do solo, após dedução das despesas necessárias ao reforço das infra-estruturas urbanísticas (n.º 9 do artigo 26.º), calculado em 5% do valor do solo: € 3.330.257,13 x 0,95 = € 3.163.744,27.
Na prova pericial estão em apreciação factos para os quais são necessários conhecimentos especiais, que os julgadores não possuem. Porém, “apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente critério dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos.”[1]
No caso, observando-se que os peritos, na segunda avaliação, aplicaram correctamente o disposto no artigo 26.º, n.º 12, do CE e, acima de tudo, que obtiveram um parecer unânime, este Tribunal não encontra fundamento válido para divergir da avaliação que realizaram, que assim será mantida.

Actualização da indemnização
Entrando agora na matéria do recurso subordinado, há a ponderar que, por despacho de 18.08.2018, foi verificado que havia acordo quanto à quantia de € 1.910.422,00 e, tendo sido já entregue parte desse valor, continuava depositado à ordem do tribunal o remanescente de € 1.151.228,32.
Tal despacho determinou que este valor fosse entregue aos expropriados, retendo-se a quantia provável das custas do processo.
A secção apenas cumpriu este despacho em 17.06.2020, data em que entregou aos expropriados a quantia total de € 1.092.170,32 – cfr. cota informativa lançada nos autos em 08.01.2024.
No recurso subordinado, os expropriados argumentam que tinham também direito à actualização sobre essa parcela que lhes foi entregue – actualização que calcularam em € 175.039,19 – e que não lhes tendo sido entregue esse valor, se deve continuar a proceder à actualização, limitada a esse acréscimo.
A sentença recorrida determina que a indemnização arbitrada é actualizável de acordo com a evolução do índice de preços do consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE relativamente ao local da situação do prédio, nos termos expressos no AUJ n.º 7/2001.
De acordo com o artigo 71.º, n.º 1, do CE, transitada em julgado a decisão que fixar o valor da indemnização, o juiz do tribunal da 1ª instância ordena a notificação da entidade expropriante para, no prazo de 10 dias, depositar os montantes em dívida e juntar ao processo nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes.
Por outro lado, o artigo 52.º, n.º 3, do CE dispõe que se houver recurso da decisão arbitral, o juiz atribui imediatamente aos interessados o montante sobre o qual se verifique acordo, retendo, porém, se necessário, a quantia provável das custas do processo no caso de o expropriado ou os demais interessados decaírem no recurso.
No caso, esta norma não foi cumprida – a entrega imediata do montante sobre o qual se verificava acordo não ocorreu, pois o recurso da decisão arbitral deu entrada em 19.09.2008, e a entrega de parte da indemnização sobre a qual existia acordo só ocorreu cerca de doze anos depois (em 17.06.2020).
De todo o modo, a sentença determinou a actualização da indemnização arbitrada, em aplicação do disposto no artigo 24.º, n.º 1, do CE e do AUJ n.º 7/2001.
Transitado em julgada a decisão que fixa o valor final da indemnização, seguir-se-á o incidente de liquidação previsto nos artigos 71.º e 72.º do CE, sendo esse o local adequado para se calcular quais os montantes em dívida e justificar os respectivos cálculos de liquidação, podendo os expropriados impugnar os montantes depositados, especificando os valores devidos e apresentando e requerendo todos os meios de prova (artigo 72.º, n.º 1).
Para esse momento se remetem, pois, os expropriados, tanto mais que importa definir um dos parâmetros definidores da actualização, i.e., a data de trânsito em julgado da decisão final que fixa o valor da indemnização.

Decisão.
Destarte, decide-se:
a) negar provimento ao recurso principal deduzido pelo expropriante, confirmando-se a sentença recorrida;
b) quanto ao recurso subordinado deduzido pelos expropriados, relegar para o incidente de liquidação previsto nos artigos 71.º e 72.º do CE o cálculo dos montantes em dívida e justificação dos respectivos cálculos de liquidação.
Custas do recurso principal pela expropriante e do subordinado pelos expropriados que o deduziram.
Évora, 13 de Novembro de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Maria Domingas Simões
Mário João Canelas Brás


__________________________________________________
[1] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 1985, pág. 583.