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PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE CRIANÇAS
MEDIDA TUTELAR
GUARDA CONJUNTA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário
I. Uma decisão de aplicação de medida provisória de promoção e proteção, proferida no quadro do artigo 37.º da LPCJP, deve ser fundamentada, por lhe serem aplicáveis as disposições que constam dos artigos 154.º e 607.º do CPC e que concretizam o comando constitucional contido no n.º 1 do artigo 205.º da CRP. II. Porém, a fundamentação de tal decisão não tem que ser exaustiva, devendo, ainda assim, ser suficientemente esclarecedora quanto às razões valorizadas e que a suportam. III. A falta de fundamentação da decisão, que conduz à nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, implica a sua falta absoluta e não apenas uma fundamentação deficiente, incompleta ou não convincente. IV. Se um dos pais de uma criança é expressamente notificado para exercer o contraditório quanto ao requerimento apresentado pelo outro, com pedido de alteração de medida de promoção e proteção, mostra-se cumprido o disposto no artigo 85.º da LPCJP. V. O “princípio da não separação de irmãos” deve ceder perante a consideração das particularidades e necessidades de cada criança. VI. Uma medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, aplicada cautelarmente, deve ser substituída pela medida de apoio junto da mãe, ainda que em termos igualmente cautelares, caso a mesma se mostre adequada a afastar ou minimizar a situação de perigo que se pretende combater. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo (de Promoção e Proteção) n.º 1223/25.5T8PTM-B.E1 Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Família e Menores de Portimão - Juiz 3 Recorrente: … (Requerido)
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Sumário (elaborado em conformidade com o previsto no artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)
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Acordam as Juízas na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
O Ministério Público instaurou ação de promoção e proteção dos direitos das crianças (…), (…) e (…), nascidos, respetivamente, a 22 de setembro de 2011, 21 de fevereiro de 2013 e 10 de outubro de 2016, todos filhos de (…) e de (…). Como fundamento para a instauração da ação foi apontado o perigo para o desenvolvimento global das três crianças, face à dinâmica familiar marcada por intenso conflito entre os pais e negligência na prestação de cuidados, designadamente, de saúde, alimentação e higiene. Para além disso, alegou que o pai assume uma postura manipuladora em relação aos filhos e denigre a imagem da mãe perante eles, que, por isso, a rejeitam. Referiu ainda que, no dia 3 de maio de 2025, o Requerido abandonou a residência da família, levando as crianças consigo para lugar desconhecido, privando-as da frequência escolar e do contacto com a mãe.
A 7 de julho do corrente ano, a Sra. Juíza do tribunal a quo proferiu despacho mediante o qual aplicou a favor das três crianças, em termos provisórios, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, nos seguintes termos: “Considerando as declarações prestadas no dia de hoje, designadamente, dos progenitores, o Dr. (…) e Dr. (…), fica o Tribunal convencido de que, os menores (…), (…) e (…), têm alterações do espetro do autismo, défices cognitivos muitos significativos, desde logo na função da linguagem, situação que só compromete a perceção da realidade de aquilo que lhes é transmitido. Mais resulta que os menores têm da mãe uma imagem negativa, distorcida e que já é extensiva aos avós maternos, tudo indicando que toda esta rejeição à figura materna terá sido incutida de forma intencional ou não pelo progenitor aos filhos, suspeitas estas que foram amplamente retratadas com casos concretos pelo Dr. (…), na presença dos progenitores e todos os intervenientes presentes, e bem assim reproduzida no relatório junto aos autos. O indiciariamente apurado retrata ainda que se trata de menores sem o necessário acompanhamento adequado – a nível escolar, higiene, sem regras de sono – bem assim ao nível alimentar, só assim se percebendo o problema do excesso de peso, problemas de colesterol e de pré-diabetes, embora esteja o tribunal ciente que estas questões possam não ser recentes. Todavia, e ainda assim, a forma como estas crianças rejeitam a figura materna está a prejudicar o seu equilíbrio emocional, existindo aqui suspeitas de que possam estar vitimas de alienação parental, vivendo num ambiente de maus-tratos e de agressão psicológica contínua, desconfiança e de alguma paranoia relativamente à pessoa da mãe, referindo o sr. Psicólogo que isto se trata de um factor desestruturante e patológico no seu desenvolvimento de estruturação da sua personalidade, aumentando ainda mais a gravidade da situação o facto de os 3 jovens evidenciarem a existência de alterações de base em termos de neuro-desenvolvimento. O referido psicólogo, bem assim o TGP, Dr. (…), são ambos consentâneos na necessidade de afastar os menores do agregado onde se encontram, a fim de poderem ser trabalhados e acompanhados, de forma a permitir que possam conviver com ambos os progenitores sem pressão ou sem qualquer tipo de sugestionamento externo. Por conseguinte, e ainda que exista resposta em meio natural de vida, nomeadamente junto da mãe, avós paternos ou maternos, mas, ainda assim, sendo uma decisão que consideramos ser contraproducente, pois que a fim ao cabo a rejeição que os menores têm à mãe é extensível aos avós maternos, e a ida para o agregado dos avós paternos seria perpetuar a situação, pelo que restará uma medida de ultima ratio, ainda que provisória e temporária, desde logo, a medida de acolhimento residencial, que se impõe e se decide pela sua aplicação, solicitando-se à Segurança Social instituição adequada aos perfis dos menores, com nota de muito urgente. Mais deverá, no máximo de 2 dias, o/a progenitor/a proceder à entrega dos passaportes dos filhos, a fim de ficarem juntos aos autos por apenso em linha (…)”.
Tal decisão não foi objeto de recurso e apenas foi executada a 11 de setembro, com o acolhimento das crianças nessa data, no Lar de Jovens “(…)”, da Santa Casa da Misericórdia de (…).
A 31 de julho, a Requerida apresentou requerimento nos autos, pedindo a alteração da medida de promoção e proteção quanto ao filho (…), no sentido de lhe ser aplicada medida de apoio junto de si.
Na sequência de despacho proferido a 1 de agosto, que ordenou o cumprimento do contraditório, pronunciaram-se o Requerido, a Equipa da Segurança Social que acompanha o caso e o Ministério Público. Quanto ao Requerido, defendeu que não deveria ser alterada a medida cautelar antes de conhecido o resultado das perícias psicológicas, ordenadas às crianças e aos pais, e manifestou a sua discordância quanto à separação dos três irmãos; além disso, requereu o afastamento do “perito judicial”, referindo-se ao sr. Psicólogo que acompanha as crianças, Dr. (…).
A 31 de agosto, o Requerido apresentou requerimento nos autos, com proposta de regime de exercício das responsabilidades parentais.
A 30 de setembro, a Sra. Juíza proferiudespacho, através do qual alterou, ainda em termos provisórios, a medida de promoção e proteção aplicada a favor da criança (…), substituindo-a pela medida de apoio junto da mãe.
Tal despacho apresenta o seguinte teor, nas partes que interessam para o presente recurso:
“Articulado de 11.08.2025 (fls. 354 e 355): Não são invocadas quaisquer razões de ciência que belisquem o trabalho levado a cabo pelo psicólogo Dr. (…), o qual, aliás, está muito em consonância com o apurado pelo perito do IML – aliás, o perito do IML faz questão de frisar que as crianças compareceram com o pai, o sr. advogado e o avô paterno, apresentando um “discurso ensaiado” e recusando contacto com a mãe, mostrando-se retraídos, todavia, após falarem com o perito, a sós, acabaram por manifestar que não rejeitam a mãe – isto foi observado pelo sr. Perito do IML em relação aos 3 menores, o que indicia que existe por parte do pai uma instrumentalização na pessoas dos filhos, no sentido de os afastar da mãe, levando-o a ponderar pela forte suspeição de uma alienação parental. Por conseguinte, não se vislumbram quaisquer motivos válidos para afastar o sr. Psicólogo Dr. (…), sempre se dizendo que o facto de não gostar de ler ou ouvir as conclusões a que os peritos chegam, não é, por si só, fundamento para invalidar o trabalho dos peritos. (…)
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Articulado de 31.08.2025 (fls. 714 e ss.): Os autos de regulação das RP correm por apenso aos presentes autos de PPP, não sendo esta a sede própria, nem o momento oportuno, para regular as responsabilidades parentais, pelo que se indefere. (…)
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Entretanto, a Segurança Social, por relatório datado de 25.08.2025 (fls. 498 e ss.), veio aos dar conta que os menores, com perturbações do espetro do autismo, défices cognitivos significativos e com dificuldade ao nível da comunicação, situação que compromete a perceção da realidade do que lhes é transmitido, estão a ser vítimas de alienação parental, vivenciando um ambiente familiar de maus-tratos e de agressão psicológica contínua, desconfiança e de alguma paranóia relativamente à mãe, bem como, aos avós maternos, necessitam de se afastar da experiência parental que coloca gravemente em causa o seu bem-estar, o seu equilíbrio psicoemocional e o seu desenvolvimento integral, em virtude do autoproclamado, progenitor guardião, ser incapaz de promover alterações no quotidiano familiar dos jovens, de forma a que deixem de fazer parte do conflito conjugal, seja pela imposição de conflitos de lealdade ou mesmo induzindo-lhe falsas memórias de abusos, que denigrem a imagem do outro progenitor e obstaculizam uma saudável convivência familiar após a separação do casal. E, na impossibilidade, àquela data, de colocar os menores em CA, os TGP pode acompanhar a sua dinâmica familiar, registando melhorias significativas na higiene e limpeza da fração autónoma que serve de habitação permanente do agregado familiar monoparental masculino, constituído pelo sr. (…) e pelos descendentes, não sendo alheio, o facto dos cachorros terem sido devolvidos ao canil, bem como, pela realização de algumas benfeitorias pelo proprietário do imóvel, como é o caso, entre outras, da completa substituição do mobiliário da cozinha. Conquanto, não foi descurado o facto de que o início do próximo ano letivo estava marcado para a segunda semana de setembro, pelo que, seria de todo conveniente que a criança, (…), com 8 anos de idade, já pudesse ter a sua situação definida e subsequentemente, como defende, o Dr. (…), dispor de uma estrutura de normas e regras de comportamento mais ajustadas, facto, que certamente facilitará a sua integração no contexto escolar e o seu processo de aprendizagem. A criança, (…), é dos 3 (três) irmãos, o que apresenta maior atraso no processo comunicacional, tem dificuldade em expressar-se e fá-lo somente em inglês, facto, que tem dificultado a sua integração no contexto escolar, seja pela compreensão das matérias, bem como, no seu relacionamento entre pares e adultos. Para além disso e embora o pai afaste a hipótese de transtorno alimentar, falta de apetite ou perda de peso, certo é que ao contrário dos irmãos (com evidente excesso de peso), apresenta uma magreza persistente, motivo pelo qual foi solicitado mais uma vez mais ao pai que promovesse uma consulta de medicina pediátrica, para revisão da situação clínica do menor. O TGP dá ainda conta de uma comunicação do Dr. (…), expresso no correio eletrónico que dirigiu à mãe dos menores, a 30/7/2025 (14:26 horas), considerando que a perpetuação da situação de alienação parental por parte do pai, poderá deixar marcas permanentes nas crianças/jovens, relativamente ao seu desenvolvimento emocional e no estabelecimento de uma relação familiar saudável com a mãe e com os restantes elementos da família materna, pelo que, segundo este técnico, após um acompanhamento próximo das crianças/jovens, considera, que atribuir a guarda do (…) à mãe seria uma boa medida, em virtude de ser o mais novo dos irmãos, por isso, mais fácil de se conseguir gerir o seu comportamento e iniciar o processo de reabilitação e restauração das suas regras e normas de comportamento. A esta hipótese, acresce outro fator positivo, que é o afastamento do irmão mais velho, (…), 13 anos, reconhecida que é a sua ascendência relativamente aos irmãos mais novos, pelo papel, relevante que desenvolve no processo de alienação parental promovida pelo pai, sr. (…). E, considerando que, à data, apesar das inúmeras diligências levadas a cabo pelo Centro Distrital de Faro do Instituto da Segurança Social , I.P., não tinha sido possível promover a colocação dos menores em centro de acolhimento adequado à sua problemática, nem se perspetivava uma data para a sua concretização; considerando que o início do próximo ano letivo de 2025/2026, ocorrerá entre os dias 11 a 15 de setembro próximo; considerando que a alteração da medida cautelar requerida, se restringe única e exclusivamente ao mais novo dos irmãos da fratria, a criança, … (DN: 10/10/2016), sugeria o TGP pela substituição da medida cautelar de acolhimento residencial pela medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, designadamente, da mãe. O Ministério Público promoveu a substituição da medida conforme sugerido pelo TGP. Ora, ante o que já resulta dos autos, quer as declarações do sr. Psicólogo, Dr. (…), conjugadas com as declarações dos progenitores, bem assim, as perícias levadas a cabo por perito do IML, que sustentam de forma segura a valoração feita pelo Sr. Psicólogo, no sentido da alienação parental, decido, na salvaguarda do superior interesse da criança (…) substituir a medida aplicada cautelarmente (acolhimento residencial) pela medida de apoio junto da mãe, também a título cautelar – artigos 35.º, n.º 1, alínea a) e 37.º, ambos da LPCJP. Entretanto, e enquanto não se procede à revisão da medida aplicada aos irmãos (…) e (…), resultando dos autos que, por ora, não existem condições para que os mesmos integrem os agregados familiares do pai ou da mãe, até tendo em conta o que resulta das perícias e declarações do psicólogo, bem assim, dos relatórios sociais juntos aos autos, tudo levando a crer que existe uma situação de alienação parental por parte do progenitor, decide-se manter cautelarmente a medida vigente (acolhimento residencial) na sua execução. Notifique e comunique, sendo a TGP para juntar aos autos relatório de acompanhamento da execução da medida com vista à sua revisão.” O Requerido, pai das crianças, recorreudeste despacho, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1. A decisão recorrida, proferida no Processo de Promoção e Proteção n.º 1223/25.5T8PTM-A (Juízo de Família e Menores de Portimão), aplicou ao menor (…) a medida de apoio junto da mãe (…) e manteve os irmãos (…) e (…) em acolhimento residencial, fragmentando injustificadamente a fratria. 2. Tal decisão carece de fundamento factual concreto e viola os princípios legais aplicáveis. 3. A fundamentação da medida apoiou-se em alegações genéricas de “alienação parental” sem indicação de factos concretos que as suportem. 4. Na prática, não foi concretizado um único facto específico de alienação parental nos autos, limitando-se a decisão a reproduzir formulações abstratas dos pressupostos legais da medida. 5. Esta falta de fundamentação fática viola o dever de fundamentação das decisões judiciais (artigo 154.º do CPC) e o artigo 121.º, n.º 2, da LPCJP, constituindo nulidade da sentença. 6. A decisão recorrida contém erro material ao afirmar que “não foi possível promover o acolhimento familiar” dos menores, quando na realidade os três irmãos já se encontravam acolhidos em conjunto na Casa de Acolhimento “(…)”, em (…). 7. Esta contradição demonstra falta de apreciação cuidadosa dos autos e compromete a fiabilidade da decisão recorrida. 8. Ignorou-se injustificadamente a proposta de guarda partilhada faseada apresentada pelo pai (Recorrente), a qual previa a reaproximação gradual dos menores à mãe com supervisão técnica. 9. O tribunal a quo não demonstrou ter ponderado essa medida menos gravosa e mais promotora do convívio familiar, nem justificou por que razão tal solução, de menor intrusão nos direitos parentais, seria inviável. 10. Conforme a jurisprudência releva, antes de manter crianças institucionalizadas ou afastadas de um dos progenitores, o julgador deve demonstrar a impossibilidade de recorrer a medidas menos intrusivas que preservem os vínculos familiares de origem. 11. A manutenção de … e … em acolhimento, separados do irmão … (entregue à mãe), provocou uma rutura na fratria sem motivo válido. 12. A separação de irmãos só deve ocorrer em circunstâncias excecionais, sob pena de lesar o superior interesse das crianças. 13. No caso, não há fundamento concreto para apartar os três irmãos, sendo tal rutura contrária ao princípio do primado da continuidade das relações psicológicas profundas da criança (artigo 4.º, alínea g), da LPCJP). 14. A própria jurisprudência tem sublinhado que medidas de promoção e proteção que impliquem a separação de irmãos ou o afastamento das crianças do seu meio familiar tendem a ser lesivas dos direitos dos menores a longo prazo, devendo ser evitadas salvo se imperativamente exigidas pela salvaguarda do seu bem-estar. 15. A decisão recorrida violou o princípio do superior interesse da criança, previsto no artigo 4.º, n.º 1, alínea a), da LPCJP. 16. Não foram considerados de forma individualizada os verdadeiros interesses dos menores (…), (…) e (…). 17. Em vez de se privilegiar uma solução que assegurasse a convivência regular com ambos os progenitores e a manutenção dos laços entre irmãos, optou-se por uma solução desagregadora, fundada em juízos vagos sobre conflitos parentais. 18. Tal abordagem contradiz o critério essencial de decidir em função do concreto interesse de cada criança, removendo os fatores de perigo de forma adequada. Para além disso, 19. Como indicam os elementos dos autos – estamos perante uma decisão proferida à revelia do contraditório do Recorrente, o que gera nulidade processual nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC. 20. Com efeito, a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido perentória: “a decisão proferida sem observância do princípio do contraditório é nula”. 21. Tal nulidade, de natureza dependente (arguível pela parte prejudicada, como é o caso), visa sancionar exatamente situações em que uma das partes é privada de influir na decisão sobre uma questão que lhe diz respeito diretamente. 22. Importa salientar que esta não é uma mera informalidade: ouvir o pai antes de determinar a entrega do filho à mãe era essencial para a boa decisão da causa. 23. A audição poderia trazer ao processo informações sobre as condições do pai, a sua disponibilidade, eventuais objeções ou propostas (como de facto existiam) e, de um modo geral, permitir sopesar melhor o interesse do menor. 24. Ao ser omitida, privou-se o tribunal de primeiro grau de considerar todos os elementos relevantes, e sobretudo, impediu-se o Recorrente de exercer o seu direito de defesa e de cooperar na descoberta da melhor solução. 25. Desta forma, impõe-se que o Tribunal da Relação declare a nulidade da decisão recorrida, na parte respeitante à alteração da medida de promoção e proteção do menor Alexandre, por preterição de uma formalidade essencial – a audição prévia do pai – e consequente violação dos artigos 3.º, n.º 3 e 195.º do CPC e 85.º, 114.º, n.º 2.º e 119.º da LPCJP. 26. Tal nulidade deverá acarretar a anulação dessa decisão específica, determinando-se que seja proferida nova decisão após devidamente ouvido o Recorrente, assegurando o pleno contraditório. 27. No 2.º segmento do recurso, impugna-se o despacho que indeferiu o pedido de afastamento do técnico de psicologia forense Dr. (…). 28. Há elementos nos autos que põem em causa a imparcialidade e isenção desse técnico, nomeadamente: (i) comunicações diretas, privadas e de teor parcial entre o psicólogo e a mãe dos menores, revelando alinhamento com a posição desta; (ii) sugestões emitidas fora do circuito pericial formal – v.g., propondo a separação dos irmãos e a entrega exclusiva do menor (…) à mãe – sem base em avaliação isenta contraditada em tribunal; (iii) juízos depreciativos e não técnicos proferidos acerca de pelo menos um dos menores, denotando perda de objetividade. 21. A manutenção do Dr. (…) na qualidade de perito / técnico, perante tais indícios, configura violação dos princípios da imparcialidade, neutralidade e contraditório. 29. De acordo com o artigo 470.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi do artigo 126.º da LPCJP), aos peritos aplica-se o mesmo regime de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes. 30. Ora, um perito que demonstra alinhamento com uma das partes ou interesse no desfecho, tal como um juiz em situação análoga, incorre em suspeição legítima. 31. O psicólogo forense deve exercer as suas funções com estrita objetividade e isenção em relação às partes, servindo unicamente ao tribunal. 32. No caso sub judice, o envolvimento extraprocessual do técnico com a mãe dos menores interrompe essa necessária equidistância, comprometendo a confiança na prova pericial produzida. 33. Ao indeferir o afastamento do referido técnico, o tribunal recorrido desconsiderou os deveres deontológicos da profissão e o direito das partes a uma perícia imparcial. 34. Este erro permite e impõe a renovação da prova pericial, seja mediante repetição da perícia por outro expert independente, seja através de nova avaliação técnico-familiar realizada por equipa isenta. 35. Os relatórios e pareceres subscritos pelo Dr. (…) deverão ser desvalorizados ou mesmo desentranhados dos autos, uma vez feridos pela dúvida objetiva sobre a sua imparcialidade. 36. Por fim, requer-se a tramitação urgente do presente recurso, dada a natureza sensível da causa e a necessidade de restabelecer o quanto antes um quadro familiar estável para os menores. 37. Nos termos do regime preferencial, os procedimentos de promoção e proteção devem obedecer a celeridade e prioridade, evitando-se delongas que perpetuem situações de perigo ou de afastamento familiar indevido. 38. O processo não deve ser prorrogado artificialmente quando é possível adotar desde já medidas tutelares cíveis adequadas (regulação das responsabilidades parentais) em benefício das crianças. 39. Em observância desse comando legal, impõe-se que o presente recurso tenha tramitação prioritária e que, sendo provido, se encaminhe o caso para um regime definitivo de convívio familiar, sob acompanhamento técnico, que garanta o superior interesse de (…), (…) e (…). Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se as decisões recorridas e proferindo-se Acórdão substitutivo que determine o seguinte: 1. Que o Tribunal da Relação declare a nulidade da decisão recorrida, na parte respeitante à alteração da medida de promoção e proteção do menor (…), por preterição de uma formalidade essencial – a audição prévia do pai – e consequente violação dos artigos 3.º, n.º 3 e 195.º do CPC e 85.º, 114.º, n.º 2.º e 119.º da LPCJP; caso assim não se entenda e sem prescindir, 2. Revogação das medidas atualmente aplicadas aos menores (…), (…) e (…), constantes da decisão recorrida. 3. Em consequência, cessação da medida de apoio junto da mãe aplicada a Alexandre e da medida de acolhimento residencial aplicada a … e … (bem como de quaisquer limitações decorrentes dessas medidas). 4. Substituição dessas medidas por uma medida de guarda partilhada faseada, a concretizar através de regime provisório de transição sob supervisão técnica, nos seguintes termos sugeridos pelo pai e junto aos autos (salvo melhor e douto suprimento pela M. Relação): tudo nos moldes de promover a reaproximação gradual dos menores à mãe sem romper os laços paternos nem fraternos, conforme proposto pelo Recorrente e em consonância com o superior interesse das crianças; 5. Caso assim não se entenda ainda, a revogação da medida de apoio junto mãe aplicada ao (…) e a manutenção do acolhimento residencial dos três menores; 6. Por fim, revogação do despacho que indeferiu o afastamento do técnico Dr. (…). Em substituição, declarar a escusa ou remoção do referido técnico de quaisquer funções periciais ou de acompanhamento no processo, por motivo de fundada dúvida sobre a sua imparcialidade (artigo 470.º, n.º 1, do CPC); para além disso, 7. Reapreciação da matéria de facto impugnada pelo Recorrente, nos termos do artigo 640.º do CPC (que aqui se aplica subsidiariamente, cfr. artigo 126.º da LPCJP). 8. Em especial, pretendem-se aditados/esclarecidos factos relativos: à postura colaborativa do pai em prol da guarda partilhada, o qual se mostra disponível para todas as avaliações/treinos de competência que os técnicos indicarem fundamentadamente; às condições da mãe e o seu eventual encaminhamento para sessões de treino de competências parentais e, face às necessidades especiais dos menores, que frequente sessões de psico-educação familiar; à situação atual dos menores no acolhimento; e aos contactos havidos entre o perito e a progenitora. h) Tais factos, muitos dos quais documentados nos autos (v. g. teor do projeto de acordo de fls. 608-609, mensagens eletrónicas juntas, relatórios de acompanhamento, data de acolhimento na Casa de Acolhimento … 12/09/2025, etc.), são relevantes para a justa decisão e devem integrar a decisão de facto, sob pena de distorção da realidade. 9. Renovação da prova, designadamente através da realização de nova perícia psicológico-familiar, por entidade idónea e imparcial, abrangendo uma avaliação atualizada das capacidades parentais de ambos os progenitores, da dinâmica relacional dos menores com cada um deles e entre si (fratria), e do eventual efeito do alegado conflito parental no bem-estar psicológico dos filhos. 10. Esta nova perícia permitirá suprir as deficiências apontadas ao relatório anterior e fornecer subsídios técnicos fiáveis para a decisão de mérito.” O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
No despacho em que foi admitido o recurso, o tribunal a quopronunciou-se quanto às alegadas nulidades, considerando que as mesmas não se verificam e que a decisão posta em crise deve manter-se.
1.1. Questões a decidir
1.1.1. Questões prévias
Nas suas alegações de recurso e respetivas conclusões, o Recorrente suscita várias questões que, em bom rigor, não podem ser apreciadas por este Tribunal da Relação ou não contam com qualquer suporte atendível. Perante esta consideração, teria até cabimento convidar o Recorrente a corrigir as conclusões do recurso nos termos do artigo 639.º, n.º 3, do CPC. Porém, por razões de celeridade, que devem ser consideradas, atentos os interesses – superiores! – em causa, deixaremos apenas as seguintes notas:
a) A impugnação da matéria de facto
Entende o Recorrente que o tribunal a quo, na decisão recorrida, ignorou “um facto superveniente de extrema relevância”, qual seja, a concretização do acolhimento das crianças ocorrida a 12 de setembro do corrente ano, tendo, por isso, incorrido em “erro de julgamento sobre a matéria de facto”. Considera, por isso, que se impõe dar como provado que, à data de 30 de setembro, as crianças já se encontravam acolhidas em “centro adequado” e como não provada a alegação de que “não foi possível promover a colocação dos menores nem havia data perspetivada para tal”.
Ora, da leitura atenta da decisão recorrida resulta que a mesma alude ao teor do relatório elaborado pela Equipa da Segurança Social que acompanha o caso, de 25 de agosto, no qual se faz referência à inexistência, à data, de casa de acolhimento para receber as crianças e de que tal facto constituía um dos (vários) fundamentos invocados por aquela entidade para sustentar o seu parecer de alteração da medida protetiva.
Assim sendo e porque, ao contrário do que parece querer fazer crer o Recorrente, o tribunal a quo não sustentou a sua decisão no facto de, a 30 de setembro, não existir ainda vaga em casa de acolhimento, nada há a alterar, nesta parte.
E o mesmo se diga quanto à pretensão do Recorrente de ver “aditados / esclarecidos factos relativos: à postura colaborativa do pai em prol da guarda partilhada (…); às condições da mãe e o seu eventual encaminhamento para sessões de treino de competências parentais (…); à situação atual dos menores no acolhimento; e aos contactos havidos entre o perito e a progenitora. (…)
Com efeito, não está aqui em causa a impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no artigo 640.º do CPC, mas, antes, a consideração que a decisão recorrida carece de sustentação factual suficiente – questão que abaixo se analisará.
Assim, também quanto a esta questão, nada há a acrescentar.
b) A proposta do Recorrente de aplicação de “guarda partilhada faseada”
Claramente, o Recorrente confunde medidas protetivas com medidas tutelares cíveis. Com efeito e ainda que, nos termos do artigo 112.º-A da LPCJP, seja possível a celebração de acordo em matéria tutelar cível em sede de conferência para obtenção de acordo no processo de promoção e proteção, está em causa neste momento processual e nesta sede, cuidar de escolher, de entre as medidas de promoção e proteção previstas no artigo 35.º, n.º 1, da LPCJP, qual a mais adequada a afastar as situações de perigo em que as crianças, porventura, se encontram. Ademais, encontrando-se igualmente pendente o processo para regulação das responsabilidades parentais, foi no mesmo proferido despacho que determinou a sua suspensão, com fundamento na instauração do processo de promoção e proteção – despacho ao qual nenhuma das partes (ou o Ministério Público) reagiu.
Assim e conforme se referiu no despacho recorrido, não cabe, nesta sede e neste momento processual, a apreciação do pedido de regulação das responsabilidades parentais.
c) O pedido de cessação das medidas de promoção e proteção quanto às três crianças
Em sede de conclusões, o Recorrente pediu, além do mais, a cessação das medidas de promoção e proteção e a sua substituição pela “guarda partilhada faseada”.
Ora, para além do que atrás se expôs, há que referir que a (nova) questão ora suscitada pelo Recorrente não foi, sequer, ponderada pelo tribunal a quo, nem o mesmo a suscitou quanto foi chamado a pronunciar-se quanto ao requerimento apresentado pela mãe dos seus filhos, no sentido da alteração da medida de promoção quanto ao (…). Com efeito, em resposta a tal requerimento, o Recorrente pronunciou-se em sentido desfavorável e pugnou pela “manutenção da medida cautelar de acolhimento residencial decidida em 07/07/2025 até à conclusão das perícias”.
Assim sendo, não pode, em sede de recurso suscitar novas questões relativamente às quais nem os demais intervenientes se pronunciaram, nem o tribunal decidiu.
d) O “afastamento do técnico Dr. (…)”com fundamento no artigo 470.º do CPC.
Da análise dos autos resulta que o Sr. Doutor (…), psicólogo, tem acompanhado as crianças enquanto tal, mantendo, pois, com elas uma relação no campo profissional. Não se trata de perito que tenha sido nomeado pelo tribunal, não lhe sendo, pois, aplicável, o regime de impedimentos e suspeições, previsto nos artigos 115.º a 123.º, por via do artigo 470.º, n.º 1, do CPC. Aliás, basta atentar nos procedimentos e prazo previstos no artigo 471.º do CPC, para facilmente se perceber que aquele regime não é aplicável ao presente caso.
Assim, os relatórios e/ou pareceres juntos aos autos pelo Senhor Psicólogo estão sujeitos à livre apreciação do tribunal, que os valorará juntamente com a restante prova, em termos que poderão ser, naturalmente, sindicados pelos vários intervenientes no processo – sem prejuízo de caber no âmbito do exercício das responsabilidades parentais (responsáveis!) a escolha de psicólogo, como de qualquer outro técnico, que deva acompanhar as crianças.
Por isso, também quanto a esta questão, nada mais há a acrescentar, aliás, ao já exposto no despacho recorrido.
e) A renovação da prova pericial
Pretende o Recorrente a “Renovação da prova, designadamente através da realização de nova perícia psicológico-familiar, por entidade idónea e imparcial, abrangendo uma avaliação atualizada das capacidades parentais de ambos os progenitores, da dinâmica relacional dos menores com cada um deles e entre si (fratria), e do eventual efeito do alegado conflito parental no bem-estar psicológico dos filhos”.
Nos presentes autos já foram realizadas perícias pelo INML, quer às crianças, quer aos seus pais, tendo estes sido notificados dos respetivos relatórios e assistindo-lhes, pois, o direito de apresentar reclamações nos termos do artigo 485.º do CPC. Sem prejuízo desse direito, podem também requerer a realização de diligências instrutórias ou juntar meios de prova, nos termos do artigo 107.º, n.º 3, da LPCJP. O exercício desses direitos deve, porém, ser exercido perante o tribunal de primeira instância, ao qual cabe a condução do processo, não assistindo, pois, a este Tribunal da Relação competência para ordenar a produção de prova fora das condições previstas no artigo 662.º do CPC – o que não é o caso.
Assim, nada há a decidir também quanto a esta questão.
1.1.2. Questões a decidir, com fundamento nas conclusões das alegações do recurso
São as Conclusões do Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objetivamente a esfera de atuação do Tribunal ad quem, sendo certo que, tal limitação, não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do CPC), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
No presente caso e tendo em conta as Conclusões do Recorrente importa decidir:
A) se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação de facto;
B) se o despacho recorrido é nulo por preterição de uma formalidade essencial, in casu, a audição do Recorrente;
C) se a decisão de revisão/alteração da medida cautelar de promoção e proteção quanto à criança (…) respeitou o seu superior interesse.
*
Colhidos os Vistos, há, pois, que decidir.
2. Fundamentação 2.1. A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede, para o qual se remete.
2.2. O objeto do recurso
2.2.1. A nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto
Entende o Recorrente que o despacho recorrido, que aplicou a medida de apoio junto da mãe ao seu filho (…) “apoiou-se em alegações genéricas de ‘alienação parental’ sem indicação de factos concretos que as suportem” e que “não foi concretizado um único facto específico de alienação parental nos autos, limitando-se a decisão a reproduzir formulações abstratas dos pressupostos legais da medida”, considerando, por isso, que violou “o dever de fundamentação das decisões judiciais (artigo 154.º do CPC) e o artigo 121.º, n.º 2, da LPCJP, constituindo nulidade da sentença”.
As “Causas de nulidade da sentença” (aplicáveis aos despachos “com as necessárias adaptações”, por via do artigo 613.º, n.º 3, do CPC), encontram-se taxativamente consagradas no artigo 615.º, que prevê o seguinte: “1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
As nulidades da sentença constituem vícios formais, intrínsecos de tal peça processual,reportando-se à estrutura, à inteligibilidade e aos limites, sendo vícios do silogismo judiciário inerentes à sua formação e à harmonia formal entre as premissas e a conclusão, que não podem ser confundidas com erros de julgamento de facto ou de direito.
No presente caso, estaria em causa o fundamento da nulidade previsto na alínea b).
Para que se decida quanto à verificação ou não deste vício do despacho recorrido, há que ter presente que está em causa uma decisão “provisória”, proferida no quadro do artigo 37.º da LPCJP, a qual se traduziu na substituição da medida (também provisória) de promoção e proteção de acolhimento residencial pela de apoio junto dos pais, concretizada na pessoa da mãe, prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea a), da LPCJP.
Assim, as medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo estão tipificadas no artigo 35.º da citada LPCJP e podem ser decididas a título provisório, conforme resulta do n.º 2 desse normativo.
A revisão da medida aplicada pode ter lugar antes de decorrido o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial desde que ocorram factos que a justifiquem e pode determinar a substituição por outra medida mais adequada (cfr. artigo 62.º, n.º 2 e n.º 3, alínea b), da mesma LPCJP).
Por outro lado, o artigo 37.º prevê a aplicação de medidas “provisórias” nas situações de emergência ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente. A tais decisões provisórias aplica-se o princípio geral decorrente do artigo 154.º, n.º 1, do CPC, o qual prevê um dever geral de fundamentação de todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, acrescentando o n.º 2 que a justificação não pode consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, sendo certo que o já citado n.º 4 do artigo 62.º da LPCJP alude expressamente à fundamentação “de facto e de direito” da decisão. Este dever de fundamentação decorre, aliás, de comando constitucional, já que no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”) prevê-se que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Porém, conforme se escreveu no acórdão do TRC de 20/02/2024 (processo n.º 2128/22.7T8CLD-A.C1, do relator Luis Cravo, in dgsi), “Ocorre que, não obstante tudo o vindo de dizer, naturalmente que o dever de “fundamentação” tem uma geometria variável, que o mesmo é dizer, tem graus diversos em função das medidas em causa, fase em que são proferidas e sua substância. Na verdade, é em função do processo concreto e da particular questão a decidir que deve ponderar-se a eventual ausência de fundamentação do despacho que a decide, ao conceder ou negar a pretensão deduzida pela parte. As decisão “provisórias” (assim como as “cautelares” no âmbito dos processos tutelares cíveis), conceptualmente, revestem natureza sumária, e por isso se impõe que sejam simples (o que não significa ligeireza) – espera-se ponderação adequada e proporcionada à situação que importa acautelar e aos interesses a tutelar, mas exige-se uma decisão pronta, uma justificação circunscrita aos aspetos que ao caso importem e, por isso, forçosamente frugal, ainda que esclarecedora quando às razões valorizadas para concluir pela injunção decretada (seja em vista de convencer as partes quanto ao seu mérito e justeza, seja para demonstrar, no mínimo, que a decisão foi alcançada pela ponderação das regras que ao caso importam). Por outro lado, consabidamente, quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação” – isto para que se considere verificado o vício da nulidade da falta de fundamentação da decisão (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPCivil) – em tese geral está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente.”
Na situação presente, pode até entender-se que a decisão recorrida apresenta uma fundamentação frugal, mas há que reconhecer que não é inexistente, nem padece de insuficiência ao ponto de impossibilitar os seus destinatários de apreender as razões justificativas. Tal significa, pois, que ainda que se possa considerar deficiente, incompleta e/ou não convincente, não pode entender-se que a fundamentação apresentada seja inexistente ou que padeça de deficiência que comprometa a apreensão das razões para a decisão tomada. Com efeito, para além das razões de facto já enunciadas no despacho que, num primeiro momento, aplicou a favor das três crianças a medida (provisória) de acolhimento residencial – e que não foi objeto de recurso por nenhum dos pais, apesar de o Recorrente ter na altura manifestado o seu desacordo quanto à opção por tal medida protetiva – o tribunal a quo teve em conta, na nova decisão, o facto de o (…) ser, dos irmãos, o que apresenta maior atraso no processo comunicacional, de ter dificuldade em se expressar, fazendo-o apenas em inglês, o que dificulta a sua integração no contexto escolar, seja pela compreensão das matérias, seja pelo relacionamento com pares e adultos, de apresentar uma “magreza persistente”, o que justifica maiores cuidados de saúde. Para além disso, convoca ainda a opinião do sr. Psicólogo, que considera ser “uma boa medida” a entrega da criança aos cuidados da mãe e o afastamento do irmão mais velho, numa perspetiva de contrariar a alienação parental operada pelo pai. E teve ainda em conta as perícias levadas a cabo no INML, que confirmam a tese da alienação parental – tudo para concluir pela adequação da medida de apoio junto da mãe, em detrimento do acolhimento residencial.
Assim, estando em causa um despacho de revisão da medida, ainda que no quadro do artigo 37.º da LPCJP, e que esse despacho vinha na sequência de um anterior que havia decidido no sentido da necessidade de aplicação de medida de proteção – o qual, como se referiu, não foi posto em crise –, entendemos, pois, que não se verifica a arguida nulidade da falta de fundamentação.
Veja-se ainda neste sentido, o acórdão do TRL de 5/06/2025, proferido no processo n.º 6652/25.1T8LSB-D.L1-2, do relator João Paulo Raposo, in dgsi, em cujo sumário se escreveu, além do mais: “Uma tal decisão provisória não tem as mesmas exigências formais que uma sentença cível, em decorrência na natureza tutelar e de jurisdição voluntária destes processos, dos princípios que o enformam e do interesse que visam proteger; IV. A flexibilização de exigências de apresentação dos fundamentos de facto e direito numa decisão tutelar provisória não tem uma medida única, devendo ser adaptada ao objeto da questão a decidir e à fase processual em que a decisão seja proferida”.
2.2.2. A nulidade do despacho por preterição de uma formalidade essencial – a audição prévia do Requerido/Recorrente
Entende também o Recorrente que o despacho recorrido padece de nulidade, porquanto o tribunal a quo não procedeu à sua prévia audição, tendo, por isso, violado os artigos 3.º, n.º 3 e 195.º do CPC e 85.º, 114.º, n.º 2.º e 119.º da LPCJP.
Vejamos.
Prevê o artigo 3.º, n.º 3, do CPC que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Esta norma resulta “de uma imposição constitucional, conferindo às partes num processo o direito de se pronunciarem previamente sobre as questões – suscitadas pela parte contrária ou de conhecimento oficioso – que o tribunal vier a decidir” (cfr. Acórdão do TC n.º 259/2000, publicado no DR n.º 257/2000, Série II, de 7 de novembro).
A este propósito escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 7) que este preceito legal consagra o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão-surpresa, acrescentando que «não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito de fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão».
O princípio do contraditório – enquanto decorrência do princípio do processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição – na medida em que garante a igualdade das partes - pela possibilidade de pronúncia e resposta – conduz a que, mais fácil e frequentemente, se obtenha a verdade material e que a solução do litígio seja a mais adequada e justa, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar.
Também a propósito desta questão escreveu Miguel Teixeira Sousa que “uma decisão-surpresa constitui um vício próprio e autónomo que determina a nulidade dessa decisão por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 666.º, n.º 1 e 685.º do CPC)”. O excesso de pronúncia está justamente em apreciar o que ainda não estava em termos de poder ser apreciado (in Acórdão do TRP, de 21/05/2024, relatado por Fernando Vilares Ferreira, in dgsi).
*
No caso dos autos, está em causa a eventual violação pelo tribunal a quo do artigo 85.º, n.º 1, da LPCJP (e não, como certamente por lapso, dos artigos 114,º e 119.º, aplicáveis à fase de debate judicial).
Aquela norma apresenta a seguinte redação: “Os pais, o representante legal e as pessoas que tenham a guarda de facto da criança ou do jovem são obrigatoriamente ouvidos sobre a situação que originou a intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção”.
Este preceito acaba por estabelecer quanto ao processo de promoção e proteção em concreto, o que já resulta do disposto no artigo 3.º, nº s 2 e 3, do CPC. Contudo, tal como no processo civil existem casos, como alguns procedimentos cautelares, em que se dispensa a pronúncia prévia da parte, a qual pode sempre reagir após tomada a decisão, vem-se entendendo que também no processo de promoção e proteção pode, em determinados casos, ser tomada uma decisão sem que seja previamente ouvido o progenitor, representante ou quem tenha a guarda da criança ou jovem, nomeadamente no caso das medidas cautelares e de procedimentos judiciais urgentes, previstos nos artigos 37.º e 92.º da LPCJP (neste sentido, decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/02/2010, proferido no processo n.º 2609/09.8TBVFX-A.L1-1, citado no acórdão do TRP de 21 de março de 2024, proferido no processo n.º 999/13.7TMPRT-E.P1, da relatora Manuela Machado in dgsi).
Não é, porém, o caso dos autos, tanto mais que já se encontrava aplicada uma medida protetiva provisória e que a alteração ocorrida por via da decisão recorrida parte de um requerimento da Requerida, mãe das crianças, apresentado nos autos a 31 de julho. Ora, logo a 1 de agosto foi proferido despacho nos autos que ordenou expressamente o cumprimento do contraditório e facultou ao Ministério Público e à Segurança Social a possibilidade de emitirem o seu parecer quanto ao pedido – o que fizeram. E, na sequência de tal despacho, também o Recorrente se pronunciou, por requerimento que deu entrada nos autos a 11 de agosto, manifestando a sua discordância quanto ao pedido e expressando a sua opinião, no sentido, designadamente, de não se alterar a medida antes aplicada sem que se conhecesse o resultado das perícias em curso, bem como de não se separarem os irmãos.
Perante isto, não se compreende, sequer, qual a razão para o Recorrente ter alegado que o despacho recorrido foi proferido sem a sua prévia audição, pelo que, claramente e com este fundamento, não se mostra o mesmo afetado por qualquer vício.
2.2.3. A decisão de revisão/alteração da medida cautelar de promoção e proteção quanto à criança (…) respeitou o seu superior interesse?
No entender do Recorrente, a decisão que alterou a medida de acolhimento residencial antes aplicada a favor do (…) e a substituiu pela de apoio junto da mãe violou o seu superior interesse, na medida em que não assegura “a convivência regular com ambos os progenitores e a manutenção dos laços entre irmãos”, constituindo, pois, “uma solução desagregadora, fundada em juízos vagos sobre conflitos parentais”.
Ora, no que diz respeito ao conceito de superior interesse da criança e não existindo uma definição legal, tem o mesmo de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva as suas variadas necessidades, nos aspetos físico e material, afetivo, intelectual, moral e social. O superior interesse da criança é, pois, um conceito indeterminado que deve ser concretizado, caso a caso, tendo em consideração as particularidades de cada criança e a sua situação envolvente.
Estando em causa a aplicação de medidas protetivas, o interesse da criança terá que ser aferido em função da criação das melhores condições psicológicas, materiais, sociais e morais, favoráveis ao afastamento da situação de perigo em que se encontra e ao seu desenvolvimento harmonioso e equilibrado, tendo em conta os seus particulares traços de personalidade e necessidades, procurando ainda evitar traumas de qualquer espécie.
No que diz respeito à questão da separação dos irmãos, como se escreveu no acórdão do TRG de 27/09/2028 (processo n.º 1814/17.8T8CHV-A.G2, relatora Maria Cristina Cerdeira, in dgsi) “Tem vindo a falar-se no princípio da não separação de irmãos, frequentemente invocado nas decisões sobre a atribuição da guarda dos filhos, sobretudo nos casos em que as crianças viviam juntas antes da separação dos pais, como consequência da necessidade da criança na continuidade das suas relações sociais e afectivas. O fundamento de tal princípio reside na ideia de que os filhos de pais divorciados ou separados judicialmente, já traumatizados com o afastamento de um dos pais, ainda sofreriam mais com a separação dos irmãos, o que afectaria negativamente o seu desenvolvimento (cfr. acórdãos da RC de 12/10/2004, proc. 2265/04 e de 2/06/2009, p. 810/08.0TBCTB; da RP de 29/04/2014, proc. 26/12.1TMMTS-A e da RG de 09/01/2017, proc. 776/12.2TBEPS-C, todos acessíveis em www.dgsi.pt; Maria Clara Sottomayor, in Exercício do Poder Paternal, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, págs. 123 a 125). Assim, só casos verdadeiramente excecionais motivados por razões extremamente ponderosas, poderão justificar que se separem os irmãos uns dos outros, (…) Tanto a jurisprudência como a doutrina, partem da máxima de que as relações entre os irmãos devem ser estimuladas de maneira a não obstar a sua convivência diária e o seu amparo recíproco. E a conveniência de não separar os irmãos também possui esteio na intenção de se manter unido o que resta da família. Se os irmãos são unidos e sempre viveram juntos, é imperioso que o juiz, sustentado no princípio de que os interesses das crianças são superiores aos interesses dos pais e que são apenas eles que devem constituir o critério da decisão, procure a todo o custo não separá-los (…)”.
E, efetivamente, não se duvida que o crescimento de uma criança com os seus irmãos, em princípio, contribui para a sua estabilidade emocional e adequada estruturação da personalidade, assumindo um impacto significativo no seu bem-estar e desenvolvimento psicológico.
Porém, como se escreveu no artigo “Conflitos entre irmãos: contribuições da Psicologia no contexto intrafamiliar”: “cada pessoa e, particularmente, cada irmão possui sua subjetividade, personalidade, diferenças e semelhanças em relação aos outros, o que pode gerar conflitos dentro e fora da família” (Giffoni, Flora Alves; Almeida, Sara Guerra Carvalho de; Costa, Cláudia Maria Pinto da, in Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n.º 5, 20 de fevereiro de 2024, disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/4)
Assim, retornando ao caso dos autos e focando a atenção no (…) em particular há que concluir, por um lado, se a separação dos irmãos, neste momento, lhe é benéfica ou, pelo menos, não prejudicial e, por outro lado, se é acertada a decisão de confiá-lo à mãe, com medidas protetivas.
Quanto à primeira questão, há que ter presente que, até ao momento, as três crianças sempre viveram juntas, inicialmente, com ambos os pais, depois, entre maio e setembro de 2025, apenas com o pai (e privados do convívio com a mãe) e, finalmente, entre 11 e 30 de setembro, em casa de acolhimento – desconhecendo-se, porém, qual a dinâmica de interação entre os irmãos vivenciada neste local. Perante este quadro, dir-se-ia que, à partida, seria conveniente manter unidos os três irmãos, tanto mais que, vivendo juntos uma nova experiência nas suas vidas, eventualmente potenciadora de ansiedade e tristeza, poderiam apoiar-se reciprocamente.
Porém, o (…), como cada um dos seus irmãos, tem a sua própria personalidade, as suas necessidades e características e, como tal, o seu superior interesse não é, necessariamente, coincidente com o de cada um dos seus irmãos. Aliás, o facto de todos apresentarem sintomatologia compatível com o espetro do autismo e “dificuldade em estabelecer conversação social recíproca” (vide relatórios periciais) pode até constituir um fator que não favorece a existência de uma relação de grande proximidade entre eles.
Seja como for, o (…) é o mais novo dos irmãos e é também o que apresenta maior atraso no processo comunicacional, com dificuldade em expressar-se, o que naturalmente, dificulta a sua integração no contexto escolar, não só na perspetiva do sucesso nas aprendizagens, mas também no que diz respeito ao estabelecimento de relação com pares e adultos estranhos ao seu contexto familiar. Por outro lado, o seu estado de desenvolvimento físico merece preocupação. Finalmente, na perspetiva do sr. Psicólogo que o acompanha, o afastamento, não só do pai, mas também do irmão mais velho, o (…), poderá ser um fator positivo no que diz respeito ao processo de reaproximação à mãe e, diga-se, de reequilíbrio emocional, dado o ascendente daquele jovem sobre os irmãos e o seu papel “coadjuvante” do pai, nos seus comportamentos supostamente aleatórios em relação à mãe, confirmados pelas perícias realizadas nos autos.
Considerando, pois, os aspetos mencionados, entendemos que, no caso concreto, a separação do (…) dos seus irmãos não pode ser vista como obstáculo à aplicação, a seu favor, de medida de promoção e proteção distinta e que implica a existência de rotinas diárias não partilhadas.
Acresce ainda outro dado que não pode ser desconsiderado: situamo-nos no âmbito de medidas cautelares, de curta duração, cujo propósito não pode ser outro que não seja “a definição de um encaminhamento subsequente” (cfr. artigo 37.º, n.º 1, da LPCJP), pelo que, espera-se, em breve estarão reunidas as condições para que as três crianças possam retomar uma vivência familiar conjunta, em ambiente que lhes proporcione bem estar, estabilidade e tranquilidade.
Ultrapassada esta questão, resta decidir se, nesta fase do processo, foi acertada a decisão do tribunal a quo em aplicar a favor do (…) a medida de apoio junto da mãe, em substituição da anteriormente aplicada, de acolhimento residencial.
Assim, relembrando o posicionamento dos próprios pais quanto a esta questão, verifica-se que, aquando da conferência para obtenção de acordo de promoção e proteção, a 7 de julho, o Recorrente declarou que pretendia que os filhos permanecessem consigo e que convivessem com a mãe sob supervisão mas, confrontado com a possibilidade de acolhimento institucional, recusou-o, referindo que, nesse caso, preferia que ficassem com a mãe (o que, parece-nos, é contraditório e nada coerente…); quanto à mãe, apontou como obstáculo à permanência dos filhos junto de si, o facto de não a aceitarem. Passados alguns dias, porém, a Requerida dirigiu requerimento ao processo, mostrando-se disponível para acolher o (…), dadas as preocupações relacionadas com as suas dificuldades comunicacionais e de integração, com consequências ao nível da regulação emocional, o aconselhamento do sr. Psicólogo que acompanhava as crianças, a disponibilidade de meios de apoio diversos e a ausência, à data, de resposta institucional para os três filhos em conjunto. Perante este posicionamento e o decidido, entende o Recorrente ser preferível que, também o (…) fique em acolhimento residencial, juntamente com os irmãos.
Ora, analisados os autos e ponderados os interesses, em particular, do (…), somos levados a concluir que não lhe assiste razão.
Por um lado, no plano dos princípios, é sabido que a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança em perigo obedece, entre outros, aos seguintes princípios (cfr. artigo 4.º da LPCJP):
i. Interesse superior da criança – a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas;
ii. Proporcionalidade e atualidade – a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
iii. Primado da continuidade das relações psicológicas profundas – a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
iv. Prevalência da família – na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;
v. Audição obrigatória e participação – a criança, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção.
As medidas de promoção dos direitos e de proteção visam afastar o perigo em que a criança se encontra; proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; e/ou, garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
Estão tipificadas no artigo 35.º da LPCJP e são as seguintes:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento residencial;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
Na sequência das alíneas do artigo 35.º existe uma hierarquização por ordem decrescente de preferência, só se aplicando, em princípio, a medida seguinte se a anterior não for viável para satisfazer o superior interesse da criança no caso concreto. A preferência ao meio natural e à manutenção no seio da família são transversais aos princípios do primado do superior interesse da criança, da proporcionalidade, da continuidade das relações psicológicas profundas, da prevalência da família e da audição obrigatória e participação, todos positivados na LPCJP. Acresce que os pais têm o direito fundamental (e o dever) de educação e manutenção dos filhos; e os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (artigo 36.º, n.ºs 5 e 6, da CRP).
Passando ao caso concreto, há que destacar a informação que consta do relatório pericial quanto ao Alexandre – que, à data em que foi proferido o despacho recorrido já estava disponível –, segundo a qual “existe uma influência negativa do progenitor face à visão que o menor tem da progenitora” e que a criança e os irmãos “ao longo da avaliação revelaram desejo em estar com a mãe”, manifestando vínculo afetivo com ambos os progenitores. Por outro lado, dos relatórios elaborados pela Equipa de Apoio ao Tribunal resulta que a Requerida dispõe de boas condições habitacionais, é trabalhadora independente, auferindo rendimentos que rondam os € 2.000 mensais e conta com o apoio dos seus pais, residentes na mesma cidade de (…).
Finalmente, há a considerar o relatório pericial relativo à Requerida, do qual se retira que apresenta motivação para cuidar dos filhos, que não existem indícios de psicopatologia, patologia da personalidade ou de consumos aditivos e que a mesma parece apresentar preocupação em preservar os filhos do conflito parental. Conclui-se ainda no relatório que “não surgiram indicadores na personalidade, psicopatológico e/ou das competências parentais da examinanda que possam representar um impedimento grave para um exercício adequado das responsabilidades parentais, embora tenhamos identificado um modelo que parece excessivamente permissivo, o que, tendo em conta as necessidades especiais dos menores, pode representar um problema no seu desenvolvimento. Assim, sugere-se que a progenitora possa ser encaminhada para sessões de treino de competências parentais, e face às necessidades especiais dos menores, que frequente sessões de psico-educação familiar…”.
Ora, tendo em conta todo o exposto e sublinhando, por um lado, a preferência pelas medidas em meio familiar e, por outro, a existência de condições adequadas por parte da mãe para assegurar os cuidados ao filho – ainda que com apoios – e acompanhamento –, resta concluir que foi acertada a decisão do tribunal a quo, devendo aquela, porém, ter em boa consideração as obrigações propostas pela Equipa de Apoio aos Tribunais, a saber:
1. prestar ao filho (…) todos os cuidados de alimentação, higiene, saúde, educação e conforto, promovendo um ambiente familiar que favoreça o seu bem-estar e desenvolvimento integral;
2. assegurar que o filho efetua diariamente a sua higiene pessoal e usa roupas limpas e adequadas à época do ano;
3. garantir ao filho uma alimentação variada e adequada à sua idade, estabelecendo hábitos e rotinas alimentares que favoreçam o seu são desenvolvimento;
4. garantir diariamente bons níveis de limpeza, higienização e organização da sua habitação;
5. promover o necessário acompanhamento clínico do filho, assegurando a sua inscrição na Unidade de Saúde Familiar da área de residência e o cumprimento do Plano Nacional de Vacinação, bem como, a sua participação em consultas de medicina familiar, pedopsiquiatria, psicologia, nutrição e/ou outras, desde que relevantes para a sua saúde e bem-estar;
6. assegurar a frequência diária da criança no estabelecimento de ensino, garantindo a sua assiduidade e pontualidade, bem como, acompanhar o seu percurso escolar, mantendo comunicação regular com o Diretor de Turma/Professores, deslocando-se ao estabelecimento de ensino, sempre que lhe seja solicitado.
7. colaborar com os técnicos do Centro Distrital de Faro do Instituto da Segurança Social, I.P., no âmbito das competências de acompanhamento do presente acordo e frequentar ações de desenvolvimento de competências parentais que lhe sejam propostas ou outras, importantes para melhor lidar com as particularidades de saúde dos filhos.
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Finalmente, uma última nota:
As medidas que se mostram aplicadas às crianças revestem caráter cautelar, com a duração máxima de seis meses (cfr. artigo 37.º, n.º 3, da LPCJP). Porque assim é e porque as crianças em causa apresentam as particulares e necessidades próprias, decorrentes do espetro do autismo, importa perceber, com a maior brevidade possível, não só o impacto do acolhimento residencial e consequente afastamento da família sobre a sua saúde mental e emocional, como quais as medidas exatas que podem ser implementadas junto da família para ultrapassar as dificuldades ao nível do relacionamento parental e da prestação de cuidados adequados, que antes se fizeram sentir e que acabaram por se refletir de uma forma tão negativa no estado atual das crianças. Idealmente, aquando da revisão das medidas em curso, deverá o tribunal estar em condições de dar resposta a estas questões, desde logo, para que o acolhimento residencial do (...) e do (...) não se prolongue para além do estritamente necessário, sabendo como se sabe quais os efeitos dessa situação sobre o desenvolvimento psico-afetivo de grande número de crianças que vivenciam tal experiência.
3. DECISÃO
Pelas razões expostas, acordam as Juízas nesta 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora, em julgar improcedente o recurso e, em conformidade, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique.
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Évora, 13 de novembro de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Anabela Raimundo Fialho (Relatora)
Rosa Barroso (1ª Adjunta)
Maria Gomes Bernardo Perquilhas (2ª Adjunta)