IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO IMPUGNANTE
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
INTERPRETAÇÃO
SUJEITOS VINCULADOS
Sumário

I – Cumpre a exigência legal a que respeita a al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC o recorrente que procede à indicação dos concretos meios probatórios que evidenciam o erro de julgamento e assim impõem uma decisão diversa para cada um dos factos impugnados.
II – Inexistindo prova de vínculo ou declaração de responsabilidade, não pode ser reconhecida à Autora pretensão de cobrança contra a Ré.
III – A mera transferência de valores provenientes de conta titulada pela Ré, previamente provisionada pelo Réu, não configura assunção de obrigação contratual por aquela.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

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Recorrente: AA

Recorrido: Fundação A...

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I – Relatório

A A. Fundação A..., com sede na ..., Lugar ..., ... – ..., ... ..., intentou contra BB, residente na Rua ..., ... ..., e AA, residente na Rua ..., ..., ... Quinta ..., requerimento de injunção, transmutado na presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de transação comercial, peticionando a condenação dos Requeridos no pagamento da quantia total de € 10 792,35, sendo € 8 117,69 a título de capital, acrescido de € 2 532,66, a título de juros de mora vencidos, de € 40,00, por conta das despesas de cobrança, e ainda do valor da taxa de justiça paga que ascende a € 102,00.

Invocou para tanto e em síntese que presta serviços de terapêutica e acompanhamento de adultos com perturbações mentais graves, tendo sido contratada pelos Requeridos para prestar esses serviços ao Requerido BB.

Concluiu, portanto, que ambos os Requeridos – BB e AA – são responsáveis pelo pagamento dos serviços prestados.

Mais alega que, e sem prejuízo desses serviços terem sido prestados, os Requeridos deixaram de os pagar pontualmente, sendo que, à data de 16 de abril de 2023 se encontram em dívida € 8 117,69, valor ao qual acrescem € 2 532,66, a título de juros de mora.

Termina peticionando a condenação dos Requeridos no pagamento das quantias supra discriminadas.

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Notificada, veio a Requerida AA apresentar o seu articulado de Oposição, no âmbito do qual veio arguir a sua ilegitimidade, porquanto não outorgou o contrato em causa, o qual foi apenas celebrado pelo seu filho, o Requerido BB.

Mais alega que a relação em causa nos autos não se subsume a uma transação comercial enquadrável no Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, nem no Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, tal como alegado pela Requerente, motivo pelo qual impugna a aplicação das taxas de juros comerciais à dívida em causa nos autos.           

***

Também o Requerido, BB, veio apresentar o seu articulado de Oposição, no âmbito do qual alega, em síntese, que, efetivamente, assinou o contrato em causa nos presentes autos, na medida em que padece de problemas de saúde mental e, por seu intermédio, visava a melhoria das suas condições de saúde.

Invoca ainda ter realizado algumas transferências para a sua mãe, para que esta providenciasse pelo pagamento das mensalidades devidas à Requerente o que, constata, não foram concretizados.

Mais alega não ter condições económicas para liquidar o montante em dívida por absoluta carência de recursos económicos para o efeito, não tendo quaisquer bens.

Acrescenta que o único rendimento que tem corresponde ao valor de uma pensão social, que ascende a € 298,00 mensais, mas que é encaminhada diretamente para a Fundação de Solidariedade Social – Projeto ..., em ..., onde, à data da apresentação do articulado de Oposição, se encontrava integrado [ consignamos que seguimos de perto o Relatório elaborado pelo Sr. Juíz de 1ª Instância].

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Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, decidindo-se a final:

“ Pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:

a) Condenam-se os Requeridos, BB e AA, no pagamento à Requerente, Fundação A..., da quantia de € 8 117,69 (oito mil, cento e dezassete euros e sessenta e nove cêntimos), a título de capital, acrescido de juros de mora, vencidos desde a data subsequente à data de vencimento de cada uma das faturas em dívida, e 18 de abril de 2023, calculados à taxa de juros civis de 4%, cf. Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril, atualmente em vigor, improcedendo a ação quanto ao demais peticionado.

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De tal sentença veio a R. AA interpor recurso, tendo na sequência da respetiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:

(…).

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Não foram apresentadas contra-alegações de resposta.

                                                                       *

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II – FUNDAMENTOS.

2.1. Fundamentação de facto.

Com interesse para a apreciação do presente recurso, importar considerar a tramitação processual e a factualidade que vem descrita no relatório antecedente.

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2.2. Enquadramento jurídico.

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Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar:

a) – Apurar se há que proceder à alteração da matéria de facto da sentença recorrida quanto aos pontos desta indicados pela Recorrente;

b) – Apurar da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.

                                                                       *

Atentemos no tratamento da questão enunciada sob a alínea a).

(…).

A Recorrente baseia aquela sua pretensão de alteração da matéria de facto na sua interpretação dos documentos juntos aos autos, concatenada com a análise de depoimentos prestados em audiência (depoimentos das testemunhas CC, DD, EE e FF), identificando as passagens da gravação de tais depoimentos e transcrevendo os excertos tidos por pertinentes.

Analisemos.

Nos termos do preceituado no Art. 640º nº1 do CPC, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Conforme prescrito na alínea a) do nº2 daquele mesmo art. 640º “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

De tais normativos decorre que “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”, “deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos”, “relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos”.

Mais deve deixar expressa “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [ neste sentido ver António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2018, 5ªedição, págs. 165 e 166; vide ainda, no sentido de uma concretização bastante pormenorizada daquelas exigências, o Acórdão TRP de 15/11/2018 (relator Miguel Baldaia de Morais), consultado em www.dgsi.pt, onde, de forma esclarecida, sintetiza que “o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto terá de alegar, especificar e esclarecer o porquê da discordância, isto é, como e qual a razão porque é que determinados meios probatórios indicados e especificados contrariam/infirmam a conclusão factual do Tribunal de 1ª instância”].

Como emerge da sua peça recursiva, a Recorrente indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (no caso, por referência aos números da factualidade provada e da factualidade não provada elencados na sentença) e indica também a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre tais pontos de facto, nos termos acima sobreditos.

Cremos pois que, deste modo, cumpre a Recorrente os requisitos exigidos pelas alíneas a) e c) do Art. 640º nº1 supra refletido.

Quanto ao estipulado na al. b) do Art. 640º do C.P.C.: a impugnação da matéria de facto, ainda que apresentada com suporte em meios probatórios concretamente indicados, não pode evidenciar uma simples discordância com os termos em que tal matéria foi julgada pelo tribunal recorrido, pois a lei exige que a Recorrente, além de os especificar, explique porque é que aqueles meios probatórios que indica impõem decisão diversa da recorrida. Efetivamente, não pode deixar de levar a Recorrente a ter que ponderar esses meios probatórios concretos que indica no confronto com os outros meios probatórios que foram analisados pelo tribunal recorrido (expressamente referidos na enunciação da sua convicção) e que conduziram à solução fáctica que se visa impugnar.

No caso, no que concerne ao requisito constante da alínea b) deste mesmo preceito, a recorrente também satisfez os seus pressupostos ao proceder à especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.

(…).


a) Factos Provados

1. A Requerente presta serviços de terapêutica e acompanhamento de adultos com perturbações mentais graves.

2. Para o efeito, foi contratada pelo Requerido BB, para lhe prestar acompanhamento.

3. Os serviços foram contratados por BB.

4. A Requerente prestou os serviços para os quais foi contratada.

5. Os Requeridos deixaram de pagar pontualmente os serviços prestados, sendo que, à data de hoje (16 de abril de 2023) estão em dívida € 8 117,69.

6. Do contrato de alojamento temporário e prestação de serviços celebrado em 10 de maio de 2022 verifica-se que o contrato foi apenas celebrado com GG.

7. O Requerido tem vários problemas de saúde mental, como é do conhecimento da Requerente.

8. E foi para a melhoria das suas condições de saúde que assinou o contrato em causa.

9. O seu rendimento, Pensão Social de € 298,00, (à data da apresentação da Oposição) era dirigido diretamente para a instituição que o acolheu, em ... na Rua ... (Fundação de Solidariedade Social – Projeto ...).

10. A transferência do valor da caução foi realizada de conta bancária titulada pela Requerida, AA, após esse valor ter sido provisionado pelo Requerido.

11. - A Requerida não outorgou o sobredito contrato nem qualquer outro documento em que se responsabilizasse pelo pagamento de quaisquer quantias devidas à Requerida no âmbito do contrato em questão.
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b. Factos Não Provados.

a. A esse valor acrescem ainda as despesas de cobrança, no valor de € 40,00.

b. O Requerido fez algumas transferências para a sua mãe, a fim de esta providenciar, relativamente ao contrato estabelecido com a Requerente, ao pagamento de prestações.

c. O Requerido percebe agora que, lamentavelmente, os pagamentos feitos relativos a estas transferências não foram feitos.

d. O Requerido não consegue liquidar o montante remanescente em dívida por absoluta falta de recursos financeiros.

e. Além de não ter quaisquer bens.

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Passemos agora ao tratamento da questão enunciada sob a alínea b).

Atentando na alteração da matéria fáctica nos termos supra ditos, cumpre apreciar da repercussão da alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica da questão.

No caso, retira-se das conclusões do recurso que a pretensão da Recorrente se encontrava dependente da procedência da impugnação da matéria de facto por si apresentada, o que veio maioritariamente, a verificar-se.

Aqui chegados, debruçando-nos agora sobre o mérito da ação nos termos  discutidos nos articulados e objeto de decisão, há que concluir que, tendo parcialmente tido êxito a pretensão da Recorrente no sentido da alteração da matéria factual que se referiu no tratamento da questão anterior, impõe-se reapreciar a decisão de mérito proferida pela primeira instância, posta em causa no recurso, no pressuposto da procedência daquela pretendida alteração à matéria de facto.

Alterada que foi parcialmente a decisão de facto no sentido propugnado pela Recorrente e acolhido por este Tribunal nos moldes sobreditos, existe motivo para a alteração da sentença proferida.

Vejamos.

Como emerge do quadro factual apurado, A. e o R. BB celebraram um contrato de prestação de serviços ( interpretado como contrato de prestação de serviços pelo tribunal “a quo” e incontestado pelas partes), contrato assinado por ambos, acompanhado de uma folha Anexa assinada apenas pela A..
Convocando o princípio da liberdade contratual, decorrente do art. 405.º do Código Civil, resulta incontornável que o contrato em apreço lavrado entre A. e o R. BB não viola qualquer disposição legal, pelo que urge proceder à interpretação do seu texto, atendendo à distinta interpretação que do mesmo fazem as partes.

E nessa tentativa de dilucidação lançaremos mão da Teoria da Impressão do destinatário.
A fim de obter auxílio na interpretação do nosso caso, conforme contributo esclarecido do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2010, processo 2066/04.5TJVNF.P1.S1, in www.dgsi.pt, “ III- O nº 1 do art. 236º [do Cod. Civil] acolhe a teoria da impressão do destinatário, de cariz objectivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia. IV- Quando estejam em causa negócios formais, estatui o art. 238º, nº 1 do CC que o sentido correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita, no texto do respectivo documento”. Ainda no mesmo sentido ver Ac. STJ de 27/02/2013, Proc. 5251/03.3TTLSB ou ainda Ac. STJ de 12/06/12, Proc. 14/06.7TBCMG, ao consignar “ II –As regras constantes dos arts. 236º a 238º do CC constituem directizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art. 236º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário(…) a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia ( sentido objectivo para o declaratário) - III – (…) o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição do declaratário real. ”
No caso de ainda assim subsistirem dúvidas sobre a interpretação a efetuar, deve lançar-se mão do disposto no Art. 237º do CC. ( cfr. ponto IV daquele acórdão).
A interpretação a fazer tem assim que ter um mínimo de correspondência com o texto obtido por consenso das partes, só assim se assegurando a objetividade e homogeneidade.

No caso em apreciação, resulta incontornável que entre A. e o R. BB foi efetuado um contrato de prestação de serviços, comprometendo-se a A., nos termos do mesmo, a prestar a BB, serviços de terapêutica e de acompanhamento de adultos com perturbações mentais, resultando que tal prestação de serviços dependia do pagamento de uma contraprestação mensal, pagamento esse a que o Requerido se tinha obrigado, mediante assinatura do dito contrato.

Não desconsideramos que a transferência do valor da caução para a A. foi realizada da conta bancária de AA, mas previamente esse valor foi providenciado pelo R. BB, não permitindo pois aquela transferência, à míngua de outros elementos probatórios, concluir pela assunção de qualquer responsabilidade pela R. AA perante a A..

Amparados pela matéria fáctica demonstrada, alicerçada nos documentos sobreditos, resulta que a vontade da partes foi a de celebrar o contrato em análise entre a A. e o R. BB, não se vislumbrando do texto dos documentos analisados que a R. AA se vincule ao contrato em causa, não assinando o mesmo nem estando presente em nenhum momento da sua fase pré-contratual. Para além de no contrato assinado pelas partes só figurarem as assinaturas da A. e do R. BB, e no documento anexo que o acompanha só se encontrar a assinatura da A., não surpreendemos em qualquer fase negocial ( ou pré negocial) qualquer participação da R. AA no acordo obtido entre a A. e o R. BB, sendo absolutamente forçada a conclusão de que esta R. teve qualquer participação ou intervenção no mesmo, pois do texto do contrato escrito não se captura qualquer intervenção direta ou mesmo indireta da R. AA, nem tão pouco a mera aparência da sua participação que a vincule à A., inexistindo qualquer correspondência entre o texto que suportou o contrato entre A. e BB e um qualquer vínculo ao seu conteúdo da parte da R. AA. Os testemunhos ouvidos também não permitem contrariar a conclusão antecedente pois as testemunhas arroladas que trabalham na A. foram unânimes em afirmar que nunca conheceram nem chegaram à fala com a R. AA, estando convencidas que a família do R. BB o ajudaria a pagar os serviços prestados, face a conversas entabuladas com o R. BB e com o cunhado deste, não aduzindo qualquer outra informação apta a dar respaldo à responsabilização da Recorrente AA.

Afastamos pois a interpretação pretendida pela A. no sentido de estarmos perante a contratação dos seus serviços por ambos os RR., pois nenhuma correspondência encontramos no texto do contrato levado a efeito que responsabilize a R. AA. Ademais, não sendo exigível que o contrato celebrado entre as partes fosse efetuado por escrito, o facto de ter sido celebrado por escrito sem conter a assinatura da R. AA ou qualquer participação desta, não permite suportar a fundamentação do tribunal recorrido ao escrever que a A. “sempre interpretou que a Requerida seria também responsável pelo pagamento do valor das mensalidades”, não podendo a perceção da A. ter mais ênfase do que o que veio a ficar consignado por escrito no contrato em apreço e que nenhuma evidência apresenta no texto contratualizado e não encontra qualquer apoio  nos depoimentos ouvidos.

Na aferição do conteúdo do contrato, impõe-se atender ao nele consignado, se fosse vontade das partes responsabilizar a R. AA, certamente que o contrato lavrado por escrito e, bem assim, o Anexo que o acompanha, contemplaria também a assinatura da R. AA, acompanhando todo o procedimento descrito que redundou no documento escrito que foi subscrito pela A. e pelo R. BB.
Revisitando o acima afirmado, estamos perante um contrato de prestação de serviços, celebrado entre A. e o R. BB, que apenas vincula estes, transferindo-se para a A. a obrigação de prestar ao R. BB os serviços contratados e para este último a obrigação de proceder ao seu pagamento nas condições e prazos acordados.
No caso dos autos a A. estava onerada com a prova de que o contrato obrigava a R. AA. Conforme resulta da decisão sobre a parte deste recurso que versou sobre a impugnação da matéria de facto, a A. não logrou demonstrar por nenhum meio que a R. AA se vinculou ao contrato de prestação de serviços e, bem assim, que a mesma se encontra em falta no pagamento de qualquer prestação.
Resulta mandatório concluir que a falta dessa demonstração determina que a presente ação, no que à R. AA concerne, se encontra votada ao insucesso, não assistindo à A. o direito ao crédito indemnizatório peticionado, com fundamento no seu não pagamento pela R. AA, assinalando-se que esta R. impugnou a existência de qualquer contrato celebrado consigo pela A.
Destarte, a factualidade apurada não permite confirmar a decisão recorrida, a qual pelos fundamentos expostos, deve ser revogada na parte em que condenou a R. AA, a pagar à A., Fundação A..., da quantia de € 8 117,69 (oito mil, cento e dezassete euros e sessenta e nove cêntimos), a título de capital, acrescido de juros de mora, vencidos desde a data subsequente à data de vencimento de cada uma das faturas em dívida, e 18 de abril de 2023, calculados à taxa de juros civis de 4%, cf. Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril, atualmente em vigor, improcedendo a ação quanto ao demais peticionado.

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III – DECISÃO.
Pelo exposto, os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra, concedendo provimento ao recurso sobre a decisão da matéria de facto, acordam em revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a R. AA, a pagar à A., Fundação A..., a quantia de € 8 117,69 (oito mil, cento e dezassete euros e sessenta e nove cêntimos), a título de capital, acrescido de juros de mora, vencidos desde a data subsequente à data de vencimento de cada uma das faturas em dívida, e 18 de abril de 2023, calculados à taxa de juros civis de 4%, cf. Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril, atualmente em vigor.

Custas do recurso a cargo da Recorrida.

Notifique.

                                                                       *
Coimbra, 11 de Novembro de 2025
(assinado digitalmente)


Emília Botelho Vaz

(Relatora)

Luís Manuel Carvalho Ricardo

(1º Adjunto)

Luís Miguel Caldas

(2º Adjunto)


Sumário nos termos do disposto no Art. 637º, nº 7 do Código de Processo Civil:

SUMÁRIO:

(…).